Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
135/19.6T8OBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS
MORTE DE ANIMAL DE COMPANHIA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20200714135/19.6T8OBR.P1
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A responsabilidade aquiliana e responsabilidade objectiva dos artºs 493º nº1 e 502º CCiv (danos causados por animais) podem coexistir, sendo que, no primeiro dos casos, a responsabilidade é do vigilante do animal e funda-se na culpa, no dever de guarda, só se verificando uma deslocação do ónus de prova; no segundo caso, a responsabilidade assenta no risco que se cria em relação a terceiros, por via da utilização perigosa, em proveito próprio, de animais.
II - No primeiro caso, visa-se a responsabilidade da pessoa que tem animais a seu cargo; no segundo caso, atinge-se por regra o proprietário, ou aquele que tenha um direito real de gozo sobre o animal.
III – A indemnização pela perda de animal de companhia decorre, hoje por hoje, da norma do artº 493º-A nº3 CCiv, e o valor relativo encontrado e fixado em € 1.800, para a perda do cão de companhia, mostra-se razoável e adequado.
IV – Igualmente foi equanimemente fixado no total de € 3.200 (englobando o dano estético) o dano não patrimonial próprio da Autora, com 69 anos de idade, tendo sofrido 90 dias de doença com incapacidade para o trabalho de 5 dias, dores intensas durante 6 semanas, uso de colete ortopédico, com 40 dias de quase imobilização e necessária ajuda de terceiros para os actos de vida quotidiana (higiene pessoal, confecção de refeições), e, como sequelas permanentes, uma cicatriz horizontal de 2,5 cm de comprimento na face anterior e superior do antebraço, deformação da articulação interfalângica distal do dedo mínimo, com limitação da flexão desse dedo, e cicatriz de 1 cm na face anterior da articulação interfalângica distal do dedo indicador, para além de lombalgias.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: • Rec. 135/19.6T8OBR.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão de 1ª instância de 15/1/2020.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo comum de declaração nº135/19.6T8OBR, do Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro.
Autora – B….
– C….

Pedido
Que a Ré seja condenada a pagar à Autora o valor total de € 7.100,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de todas as despesas que a Autora ainda vier a efectuar, bem como juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Tese da Autora
No dia 27/3/2018, quando se encontrava a passear na via pública com o seu cão, ao passar junto da vivenda da Ré, e por via de os portões da casa estarem abertos, um cão pertença da referida Ré, de raça pastor alemão, correu na direcção da Autora e atacou o seu cão, que veio a falecer em sequência.
O mesmo referido cão da Ré mordeu o braço e um dos dedos da mão da Autora, tendo-lhe provocado uma queda no chão, o que motivou a uma fractura na costela.
Invoca danos patrimoniais e não patrimoniais, que contabiliza no montante peticionado.
Tese da Ré
Reconheceu o ataque invocado, mas alega que a Autora e o seu cão entraram dentro da casa da Ré e que o ataque ocorreu nessa sequência, pelo que a responsabilidade no sucedido cabe à Autora.
Pediu a suspensão da instância pela existência de causa prejudicial (inquérito criminal a correr) e invocou igualmente a excepção peremptória de abuso de direito, por a Autora ter agido de forma contraditória, criando a convicção na Ré de que bastava a ajuda prestada nos primeiros tempos (pagamento das despesas hospitalares, medicação, fornecimento de refeições, lavar roupa, limpar a casa, ajudar na higiene pessoal), considerando-se ressarcida com esse comportamento, razão pela qual esta acção foi para a Ré uma surpresa. Igualmente pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé.

Sentença Recorrida
Na sentença, o Mmº Juiz “a quo” julgou o pedido parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 100,00 (cem euros) a título de danos patrimoniais, bem como a quantia total de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescendo juros de mora civis, à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos, calculados sobre as quantias acima referidas, desde a citação da Ré e até efectivo e integral pagamento.
Absolver a Ré do demais peticionado.

Conclusões do Recurso de Apelação da Ré:
a. Objecto e delimitação do Recurso: alteração da matéria de facto:
i) factos dados como provados insertos sob os n.ºs 40 e 41 da Sentença do Tribunal a quo;
ii) factos dados como não provados identificados sob os n.ºs XXXIII e XXXVI a XLI da Sentença do Tribunal a quo;
b. Em função dessas alterações e da conjugação da restante matéria dada por provado e não provada, deveria o Tribunal a quo decidir de forma muito diferente, declarando procedente a excepção peremptória de abuso de direito, com reflexos na equidade da fixação do quantum indemnizatório;
c. O Tribunal a quo, segundo a prova produzida, devia ter enquadrado os danos sofridos pela Autora como resultantes do perigo que envolve a detenção de um animal, vg. Artigo 502.º do CC, e não decorrente de uma conduta negligente ou dolosa da Recorrente, como erradamente fez;
d. Ainda que o Tribunal a quo entendesse haver culpa da Recorrente para a produção do sinistro, esta seria mitigada, dadas as circunstâncias particulares do caso em apreço, tais como a dinâmica do sinistro envolvendo dois animais, o pronto auxílio da Recorrente, o acompanhamento permanente e a assistência prestada pela Recorrente em período de doença, a disponibilização de tempo e recursos no tratamento e cura da Autora e, não sendo despiciendo, a sua idade, o que necessariamente de reflectiria no quantum indemnizatório;
e. O Tribunal a quo arbitrou indemnização à Autora absoluta e manifestamente desproporcionada e infundada;
f. O Tribunal a quo desconsiderou o esforço e os sacrifícios conduzidos pela Recorrente no auxílio da Autora, desatendem à disponibilidade que aquela teve nos cuidados que prestou para repor/compensar a Autora nos prejuízos, cuja responsabilidade não lhe pode ser assacada em exclusivo;
g. O Tribunal a quo devia ter dado provimento a excepção de abuso de direito;
h. Os pontos XXXIII e XXXVI a XLI dos factos dados como não provados deviam ter sido factualidade que devia resultar provada;
i. O ponto 40 dos factos dados como provados deverá ser alterado com a seguinte redacção: A Ré assegurou, pelo menos até 7 de Maio de 2018: o pagamento de medicação prescrita à Autora; preparou refeições e assegurou a alimentação da Autora, diariamente; fez algumas compras para a Autora, lavou roupa da Autora; ajudou a Autora a tomar banho, pelo menos cerca de 03 vezes; contratou uma empregada, a suas expensas, para fazer as limpezas na casa da Autora, assim como para ajudar a passar a ferro a roupa da Autora, limpezas estas que foram efectuadas por 2-3 vezes; ia a casa da Autora duas vezes por dia;
j. O ponto 41 dos factos dados como provados ser alterado com a seguinte redacção: Após a Autora ter retirado o colete lombar, em 17 de Maio de 2018, a Ré não prestou mais assistência à Autora, pois esta lhe disse que queria uma indemnização;
k. Revisitadas as declarações da Autora e da Recorrente, o Tribunal a quo ajuizou mal o termo da assistência da Ré e de quem partiu essa decisão (ponto 40 e 41 dos factos provados);
l. A Recorrente propôs accionar o seguro para a cobertura dos danos do acidente, mas a Autora disse que não era preciso accionar o seguro porque não queria dinheiro, bastando a Ré pagar as despesas médicas e prestar-lhe assistência enquanto estivesse fisicamente limitada (ponto XXXIII e XXXV a XL dos factos não provados);
m. O Tribunal a quo relevou as declarações da Autora na factualidade provada e não provada aqui reclamada sem dar relevância às contradições do seu discurso, sem um juízo crítico, e sem conjugar com a restante matéria provada, caindo claramente em contradição;
n. A Recorrente prestou a assistência à Autora, além do seu dever moral de assistência do sinistro, pois preparou refeições e assegurou a alimentação da Autora, diariamente, fez algumas compras para a Autora, lavou roupa da Autora, ajudou a Autora a tomar banho, pelo menos cerca de 3 vezes, contratou uma empregada, a suas expensas, para fazer as limpezas na casa da Autora, assim como para ajudar a passar a ferro a roupa da Autora, ia a casa da Autora duas vezes por dia, tentou oferecer outro cão à Autora;
o. A Autora confessou que a assistência foi facultada pela Recorrente em cerca de 30 dias após o sinistro;
p. Enquanto a Recorrente precisou da assistência da Recorrente nunca lhe falou abertamente em pedir uma indemnização;
q. A Autora depois da assistência da Recorrente (até 07-05-2018) e depois de tirar o colete (17-05-2018) não só intentou procedimento civil, como procedimento criminal (ponto 52 dos factos provados), indo muito além do querer ser ressarcida dos danos sofridos no sinistro, querendo mesmo responsabilizar a Ré criminalmente;
r. A Autora confessou que foi falado ser accionado seguro de responsabilidade civil, facto descurado pelo Tribunal a quo;
s. A Recorrente chegou a propor-lhe dar-lhe outro cão para a compensar da sua perda, o que foi recusado pela Autora, sem tal facto tenha sido atendido pelo Tribunal a quo;
t. A Recorrente convenceu-se que se prestasse assistência à Autora, esta se acharia integralmente ressarcida dos danos sofridos, e não intentaria qualquer processo, de natureza cível ou criminal!
u. A Autora quebrou a confiança da Recorrente e, principalmente, desconsiderou e desprezou toda a disponibilidade da Recorrente no pronto auxílio que lhe prestou e dos valores que esta despendeu para a assistir, sendo que a responsabilidade pelo sucedido não lhe pode ser assacada em exclusivo e na dimensão e extensão vertida da decisão do Tribunal a quo;
v. Com alteração da matéria de facto provada e não provada deveria ter colhido merecimento a excepção de abuso de direito invocada, sendo esta absolvida do pedido da Autora; Ainda que assim não se entenda,
w. Análise da responsabilidade da Recorrente e dos danos sofridos pela Autora
x. O Tribunal a quo usou a lógica e a experiência comum e ajuizou bem a dinâmica e sucessão dos eventos;
y. Se é verdade que a Recorrente não conseguiu provar que o acidente ocorreu por culpa ou conduta negligente da Autora, também a Autora não logrou provar que a Recorrente teve uma conduta negligente ou dolosa em deixar o seu cão soltar-se provocando os ditos danos;
z. O Tribunal a quo, devia ter enquadrado o objecto da demanda no âmbito da responsabilidade pelo risco e não pela culpa, o que contende com a questão da atribuição da indemnização;
aa. Se algum valor houvesse de ser arbitrado à Autora, este teria um carácter ressarcitório e não sancionatório;
bb. O Tribunal a quo condenou a Recorrente no pagamento de € 20 da mensalidade do ginásio da Autora que esteve impossibilitada de frequentar, quando esta não provou a obrigatoriedade do pagamento (facto 24 dos factos provados);
cc. O Tribunal a quo não ajuizou correctamente ao condenar a Recorrente no pagamento das despesas com fisioterapia à Autora, no montante de € 80,00, a título de danos patrimoniais, quando resulta provado que a Autora transmitiu à Recorrente, aquando do retirar do colete Jewett, que não era necessária fisioterapia, não tendo apresentado qualquer prescrição ou relatório médico dessa necessidade (facto 50 dos factos provados);
dd. O Tribunal a quo condenou a Recorrente no pagamento do valor de € 1.800 à Autora recusou a oferta de um outro cão (ponto 49 dos factos dados como provados);
ee. A Recorrente foi também condenada pelo Tribunal a quo a pagar à Autora o valor de € 2.800 por danos não patrimoniais, o relatório médico-legal do INMLCF de 03-10-2018, fixou 90 (noventa) dias para a consolidação médico-legal com afectação da capacidade de trabalho geral em 5 dias;
ff. Não foi estabelecido objectivamente nenhum grau de quantum doloris, dano estético, incapacidade permanente geral ou foi atribuído possíveis danos patrimoniais/não patrimoniais futuros previsíveis decorrentes do evento;
gg. Considerando a responsabilidade da Recorrente pelo risco e não resultante de culpa ou negligência, os valores atribuídos pelo Tribunal a quo, além de não terem sustentação em prova pericial, são tudo menos equitativos mas antes com um forte cunho sancionatório;
hh. O Tribunal a quo condenou a Recorrente no pagamento do valor de € 400 a título de dano estético, danos não patrimoniais, atenta a extensão e localização das cicatrizes, sem que o relatório médico-legal refira algum grau de dano estético susceptível de ser indemnizado.

A Autora apresentou as respectivas contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

Factos Provados
1. No dia 27 de Março de 2018, como habitualmente fazia, a Autora saiu da sua residência entre as 13h e as 14h00 para passear o seu cão de estimação “D…”, arraçado de pinscher, de porte de cerca de 25 centímetros de cumprimento e 04 quilos de peso.
2. A Autora sabia da existência, na casa da Ré, de dois cães de raça pastor alemão, que habitualmente se encontravam presos.
3. A Ré é proprietária dos cães referidos em 2).
4. Naquele dia, a Autora passeava o seu cão “D…” pela trela.
5. No circunstancialismo de tempo e lugar referidos em 1), os portões de entrada da casa da Ré encontravam-se abertos.
6. Nas circunstâncias aludidas supra, em frente da casa da Ré, um dos seus cães, de raça pastor alemão, correu na direcção da Autora e do respectivo cão “D…”, tendo a Autora instantaneamente pegado no seu cão ao colo.
7. O cão da Ré, de grande porte, atacou o cão da Autora, mordendo-o e ferindo-o.
8. A Autora começou a gritar, aparecendo a Ré, que chamou o seu cão, tendo este ido ter com a mesma.
9. Porém, não tendo a Ré conseguido prender o seu cão, este dirigiu-se novamente à Autora e respectivo cão.
10. Nestas circunstâncias, e como a Autora ainda detinha no seu colo o “D…”, o cão da Ré voltou a morder o cão da Autora, derrubou-a, e mordeu-a no antebraço direito e na mão.
11. O embate do pastor alemão contra a Autora provou-lhe uma queda, tendo esta facturado a vértebra lombar L3.
12. A Ré numa tentativa de ajudar a Autora em se libertar do pastor alemão, foi igualmente mordida na mão pelo seu próprio cão.
13. O cão da Autora, em virtude do referido supra, faleceu.
14. De seguida, a Ré conduziu a Autora para o seu carro, tendo esta se queixado que não conseguia andar.
15. A Ré transportou a Autora no seu carro, para o Centro de Saúde …, onde foi encaminhada de ambulância para o Centro Hospitalar ….
16. No hospital foi-lhe aplicado um colete Jewett e ligamentos nas zonas afectadas.
17. Nesse hospital a Autora foi submetida a RX lombar, TAC à coluna e medicação intravenosa.
18. No hospital a Autora foi diagnosticada com fractura no corpo vertebral de L3, envolvendo as colunas anterior e média, com recuo do muro posterior, mas sem repercussão sobre as estruturas nervosas, e foi realizada sutura de lesão em antebraço direito com cerca de 10 mm e em dedo da mão com 5mm.
19. A Autora teve dores e sofrimento nos dias que se seguiram, tendo retirado o colete lombar em 17 de Maio de 2018.
20. Em consequência dos factos descritos, durante pelo menos 40 dias a Autora esteve praticamente imobilizada, tendo dificuldades em se movimentar devido às dores.
21. Após cerca de dois meses, a Autora não se sentindo melhor, tendo em consideração as dores que continuava a sentir, iniciou sessões de fisioterapia.
22. Estas sessões de fisioterapia não foram prescritas pelo seu médico, apesar de este ter dito que poderia recorrer à fisioterapia quinze dias depois de retirar o colete, recorrendo a Autora às mesmas por sua livre iniciativa, tendo por presente a recomendação da sua fisioterapeuta particular.
23. A Autora realizou 04 sessões de fisioterapia, em 05 de Junho de 2018, 12 de Junho de 2018, 15 de Junho de 2018 e 19 de Junho de 2018, em relação às quais despendeu o montante global de € 80,00, não tendo condições financeiras para a sua continuação.
24. A Autora à data dos eventos frequentava o ginásio, o qual se viu impossibilitada de frequentar, tendo não obstante efectuado o pagamento da mensalidade referente ao mês de Abril de 2018, no valor de € 20,00.
25. A Ré, em finais de Março/inícios de Abril, cancelou a pedido da Autora a inscrição no referido ginásio, não tendo esta última suportado mais qualquer mensalidade a esse título, para além da referida em 24).
26. À data da propositura da acção, a Autora ainda tinha dores.
27. A Autora sofreu e sofre com o que sucedeu ao seu cão.
28. A Autora mantinha uma actividade constante.
29. A Autora efectuava as suas deslocações com gosto, interesse e alegria de se sentir capaz, lúcida e activa.
30. Em consequência dos factos acima referidos, a Autora, durante cerca de seis semanas esteve dependente de terceiros para a sua vida quotidiana, que lhe tinham que assegurar a alimentação e ajudar na higiene.
31. A Autora durante meses ficou incapacitada de fazer a sua vida normal, sentindo-se desesperada, entristecida e traumatizada.
32. A Autora sofreu dores intensas durante seis semanas, o que a impediu de fazer a sua vida normal.
33. A Autora continua a ter dores.
34. As lesões causadas pelas mordeduras do cão da Ré, incluindo as cicatrizes, a par da morte do seu cão, causaram à Autora profunda tristeza e desgosto.
35. Dos factos descritos foram causadas à Autora as seguintes lesões: relativamente à ráquis resultaram lombalgias, sem limitações funcionais; cicatriz horizontal de 2,5 cm de comprimento na face anterior e superior do antebraço direito; deformação da articulação interfalângica distal do dedo mínimo com limitação da flexão desse dedo; cicatriz de 1 cm na face anterior da articulação interfalângica distal do dedo indicador.
36. As lesões supra referidas determinaram à Autora 90 (noventa) dias para a consolidação médico-legal, com afectação da capacidade de trabalho geral pelo período de 05 (cinco) dias, sendo a data da consolidação médico-legal fixável em 25-06-2018.
37. Do evento resultaram as seguintes consequências permanentes para a Autora: lombalgias, cicatriz no dedo indicador, deformação do dedo mínimo e cicatriz no antebraço direito.
38. A Ré comprometeu-se com a Autora, devido ao facto de esta inicialmente ter ficado imobilizada e dependente de terceiros, em levar-lhe todas as refeições diárias.
39. A Ré procedeu ao pagamento de todas as despesas hospitalares e assegurou o pagamento de medicação prescrita à Autora.
40. A Ré durante, pelo menos, cerca de 30 (trinta) dias, até finais do mês de Abril:
- o pagamento de medicação prescrita à Autora (conforme aditado nesta instância – cf. fundamentação infra);
a) preparou refeições e assegurou a alimentação da Autora, diariamente;
b) fez algumas compras para a Autora,
c) lavou roupa da Autora;
d) ajudou a Autora a tomar banho, pelo menos cerca de 03 vezes;
e) contratou uma empregada, a suas expensas, para fazer as limpezas na casa da Autora, assim como para ajudar a passar a ferro a roupa da Autora, limpezas estas que foram efectuadas por 2-3 vezes;
f) ia a casa da Autora duas vezes por dia.
41. Após a Autora ter retirado o colete lombar, em 17 de Maio de 2018, a Ré não prestou mais assistência à Autora.
Mais se provou:
42. Dentro da casa da Ré, existe um canil adjacente à entrada da moradia, existindo também uma placa à entrada dando conhecimento dos cães e apelar às pessoas para terem cuidado.
43. Não existiram até ao momento outros incidentes, quer com pessoas, quer com outros animais, que envolvessem os cães da Ré.
44. Os cães da Ré costumam estar presos num canil dentro da propriedade da Ré.
45. A Autora, pelo menos por uma vez, em data anterior, já havia parado no passeio da casa da Ré a conversar com a mesma.
46. Após as circunstâncias referidas em 10), a Autora, fruto da desorientação que sentia, pediu à Ré para tomar conta do seu cão e enterrá-lo, ao que a Ré anuiu.
47. A Autora, na data dos eventos, vendo que o seu cão não se mexia, questionou a Ré se o mesmo tinha falecido, o que esta confirmou.
48. A Autora teve alta médica do hospital referido em 15) no dia 28 de Março de 2018.
49. A Ré, por intermédio do seu marido, prontificou-se a oferecer à Autora um cão ou outro animal de companhia à sua escolha para compensar a perda do seu cão, mas a Autora recusou.
50. A dado momento, a Autora transmitiu à Ré que poderia vir a precisar de fisioterapia, mas aquando do retirar do colete Jewett, a Autora referiu que não era necessária fisioterapia, não tendo apresentado qualquer prescrição ou relatório médico à Ré nesse sentido.
51. As limpezas na casa da Autora, a expensas da Ré, terminaram a pedido da Autora, que comunicou à Ré que não pretendia que fosse mais ninguém lá a casa com esse intuito.
52. A Autora apresentou queixa criminal contra a Ré, pelos factos acima descritos, tendo corrido inquérito sobre o n.º 220/18.1GBOBR, no Departamento de Investigação e Acção Penal – Secção de Oliveira do Bairro, o qual foi arquivado.
53. A Ré procurou ajudar a Autora no sentido de colmatar os danos sofridos.
54. Os cães da Ré costumam ficar agitados e ladrar aquando da passagem de outros animais à porta de sua casa.
55. A Autora à data do acidente tinha 69 anos de idade.

Factos Não Provados
I.A Autora ao transpor o portão da sua casa, e como habitualmente fazia, seguiu na sua mão correcta da estrada.
II. Ao chegar perto da casa da Ré, e como habitualmente fazia, atravessou para o outro lado da rua.
III. A Autora por ter receio dos cães da Ré, sempre que passava pela vivenda da Ré passava para o outro lado da rua.
IV. A Autora deparou-se com os portões abertos, referidos em 5) ao passar do outro lado da rua.
V. Que o ataque referido em 7) tenha sido na parte traseira do animal.
VI. O ataque ocorreu quando a Autora se encontrava a passar do outro lado da rua.
VII. Durante o aludido ataque, a Autora nunca parou de gritar por socorro.
VIII. Que a mordida na mão da Ré tenha ocorrido especificamente quando a Autora já se encontrava no chão.
IX. A mordida na mão da Ré foi superficial.
X. A Autora, após as circunstâncias referidas em 10), queixou-se à Ré que pretendia uma ambulância.
XI. A Autora após o evento aludido esteve totalmente imobilizada durante 40 dias, sem se poder mexer devido às dores.
XII. As sessões de fisioterapia revelaram-se extremamente duras e penosas para a Autora.
XIII. A Autora não sabe onde a Ré enterrou o seu cão, nem da trela que o mesmo trazia.
XIV. A Autora gozava de invejável saúde e força para a sua idade.
XV. A Autora ocupava-se pessoalmente de todos os assuntos domésticos, ela própria executando tarefas, as mais variadas.
XVI. Em consequência dos factos dos autos, a Autora ficou totalmente imobilizada durante cerca de seis semanas, mantendo-se mesmo depois desse período, e durante mais de um mês, dependente de terceiros, que lhe tinham que assegurar a alimentação, higiene e tudo mais.
XVII. A Autora durante meses ficou incapacitada de conduzir.
XVIII. A Autora ficou totalmente dependente de terceiros para a sua vida quotidiana durante o tempo em que usou o colete Jewett.
XIX. A Autora necessita de novas sessões de fisioterapia.
XX. A Autora tratava o seu cão “D…” como se fosse um filho.
XXI. A Autora sente-se angustiada ainda nos dias de hoje por não saber onde a Ré enterrou o corpo do seu cão.
XXII. A Autora sofre com insónias, nervosismo, irritabilidade e dificuldade de relacionamento com os mais próximos.
XXIII. A Ré, no dia dos eventos, prestou cuidados imediatos nas feridas da Autora.
XXIV. Os cães da Ré são dóceis com humanos.
XXV. No dia referido em 1), os portões da entrada da casa da Ré estavam abertos porque a filha desta tinha acabado de sair com a sua viatura.
XXVI. No dia referido em 1), a Autora ao passear com o seu cão junto à casa da Ré como era habitual, deixou o mesmo entrar dentro da referida casa (uma vez que usava uma trela extensível).
XXVII. O pequeno cão da Autora ao entrar na casa da Ré dirigiu-se junto ao canil ladrando aos cães da Ré.
XXVIII. A Ré, nesse preciso momento, estava a dar de comer aos seus cães no canil e por isso tinha a porta encostada com ferrolho fechado pela parte de dentro do poste como era habitual.
XXIX. O cão (macho) da Ré ao ver o cão da Autora a ladrar junto ao canil, lançou-se sobre a porta do canil algumas vezes com violência, atiçado pelo ladrar do cão da Autora, conseguindo sem nada o fazer prever, partir o ferrolho do portão do canil e sair do canil.
XXX. Quando o cão da Ré mordeu no cão da Autora, este último encontrava-se na entrada da casa da Ré a ladrar para o canil e para os seus cães.
XXXI. A Autora, quando o cão da Ré se lançou contra o seu cão, estava junto ao pilar do portão de entrada da Ré.
XXXII. A mordedura na Autora (braço direito e dedo) foi feita pelo seu próprio cão, em consequência do pânico de estar a ser atacado pelo cão da Ré.
XXXIII. A Ré declarou à Autora, após os cuidados médicos e alta clínica, que iria participar o sinistro ocorrido ao seguro da sua casa, uma vez que o seu seguro da casa cobre sinistros com animais domésticos, ao que a Autora referiu que não era preciso fazer essa participação e que não queria dinheiro, bastando que a Ré pagasse as despesas médicas e a apoiasse até estar curada e sem limitações físicas.
XXXIV. A Ré acompanhou sempre a Autora aos médicos.
XXXV. Tendo a Autora melhorado e não existindo mais danos a ser reparados, a Ré pensou que a Autora estava ressarcida dos danos.
XXXVI. A Ré ficou surpreendida com a presente acção e com os pedidos aqui efectuados, pois a Autora deu-lhe a entender que estaria ressarcida após a convalescença.
XXXVII. A Ré suportou todas as despesas com deslocações, transporte e idas ao médico que a Autora teve.
XXXVIII. A Ré nunca pensou que a Autora lhe intentasse procedimento criminal e civil como veio a fazer após o período de convalescença.
XXXIX. A Autora sempre mostrou perante a Ré que estaria completamente ressarcida pelos danos sofridos.
XL. A Ré tinha a fundada confiança de que teria feito tudo para ajudar a Autora e esta assim o deu a entender, tendo, no entanto, mudado o comportamento após o período de convalescença.
XLI. A Autora traiu a confiança da Ré.
XLII. A Ré em 27 de Março de 2018 possuía um seguro que cobria os sinistros ocorridos com os seus animais domésticos.

Fundamentos
As questões substancialmente colocadas pelo recurso de apelação serão as de conhecer:
- se cabe alterar a redacção do ponto de facto provado nº40, para os seguintes termos: “A Ré assegurou, pelo menos até 7 de Maio de 2018: o pagamento de medicação prescrita à Autora; preparou refeições e assegurou a alimentação da Autora, diariamente; fez algumas compras para a Autora, lavou roupa da Autora; ajudou a Autora a tomar banho, pelo menos cerca de 03 vezes; contratou uma empregada, a suas expensas, para fazer as limpezas na casa da Autora, assim como para ajudar a passar a ferro a roupa da Autora, limpezas estas que foram efectuadas por 2-3 vezes; ia a casa da Autora duas vezes por dia”;
- se cabe alterar a redacção do ponto de facto provado nº41, para os seguintes termos: “Após a Autora ter retirado o colete lombar, em 17 de Maio de 2018, a Ré não prestou mais assistência à Autora, pois esta lhe disse que queria uma indemnização”;
- se cabia ter julgado provados os factos identificados como não provados sob XXXIII a XXXVI, XL e XLI;
- se cabia ter julgado procedente o invocado abuso de direito;
- se cabia enquadrar os danos em responsabilidade pelo risco, por via da norma do artº 502º CCiv;
- se cabia mitigar o grau de culpa achado para a Ré e arbitrar outra indemnização, mais proporcionada ao evento ocorrido;
- se se não justifica o pagamento de despesas de fisioterapia e ginásio.
Apreciemos tais questões.
I
Iniciando pela matéria de facto, para o conhecimento da qual foi ouvida na íntegra a audiência de julgamento efectuada.
Quanto ao ponto provado 40, pretende-se a alteração (e acrescento) de que “a Ré assegurou, pelo menos até 7 de Maio de 2018, o pagamento de medicação prescrita à Autora”.
Nada existe que alterar neste aspecto. A data referida decorre sobretudo das declarações de parte da Ré – a questão é que estas declarações de parte foram, em quase tudo, nesta matéria, corroboradas pelas declarações de parte da Autora (esta tendo concedido “prestou-me assistência talvez passado 30 dias”).
Descredibiliza sensivelmente as declarações da Ré o facto de a testemunha E… (que efectuou serviços domésticos, a pedido da Ré, em casa da Autora) ter igualmente mencionado à cabeça o dia 7, como data em que deixou de prestar os referidos serviços, recuando nessa data após, no decurso do interrogatório, memória que não dá impressão de ser exacta, mas possivelmente resultante de troca de impressões com terceiros.
De todo o modo, decisivamente, não sendo grande a diferença entre “pelo menos finais do mês de Abril” e “7 de Maio”, consideramos mais prudente a resposta adoptada.
Quanto ao pagamento de medicação, porém, nada podemos opor, resultando das declarações de parte da Autora, que confirmou o facto, directamente perguntada.
Da alteração demos já nota supra, no elenco dos provados.
Quanto à alteração do facto nº41, propõe-se o acrescento de que a Ré deixou de prestar assistência à Autora “porque esta lhe disse que queria uma indemnização”.
Pensamos não ser assim: na verdade, é pacífico entre as partes que já antes de 17/5 a Autora tinha comunicado à Ré que desejava ser por esta indemnizada – portanto, a causa de a ajuda por parte da Ré só ter sido retirada definitivamente em 17/5 pode hipotizar-se ter ficado a dever-se a outras causas, desde logo o simples facto de a Autora nunca mais ter pedido ajuda à Ré.
Confirma-se o facto provado em causa.
Quanto aos factos não provados: o facto 33 não tem prova bastante, mesmo que se aceite que a Ré poderia possuir um seguro que lhe cobrisse a indemnização da Autora – é que toda a matéria do seguro foi tratada, de acordo com as declarações da Autora, credíveis neste ponto, já depois de o assunto estar entregue para solução contenciosa (aliás entregue para tanto cerca de um mês depois do evento em causa), que não porque a Autora tivesse (minimamente) pedido para que o seguro não fosse accionado, de resto contra o seu próprio interesse, dela Autora.
O facto 34 necessitaria de uma prova firme de que a Autora frequentou médicos, para além do tratamento de urgência no Centro de Saúde e no Hospital … – não existe tal prova.
Os factos 35 e 36 também não têm prova suficiente, sendo certo que a Autora só comunicou à Ré que desejava ser indemnizada após os períodos referidos em 40 e 41 dos provados.
Os factos 40 e 41 também não têm prova segura – mais uma vez, referem-se a factos subjectivos, espirituais ou intelectuais da Ré (a “confiança”) que se deveriam ter traduzido em comportamentos objectivos.
Existem factos provados que podem levar à discussão nesse âmbito.
Confirma-se assim toda a factualidade não provada.
II
Quanto à discussão entre responsabilidade aquiliana e responsabilidade objectiva (respectivamente, dos artºs 493º nº1 e 502º CCiv).
A verdade é que a douta sentença recorrida ponderou ambas as normas e diferentes e possíveis subsunções juscivilísticas, julgando-as verificadas, não tirando desse facto qualquer espécie de consequência a nível indemnizatório, ou seja, não se depreende que exista uma especial natureza sancionatória na forma como foram encontrados os montantes indemnizatórios.
Nada existe que objectar – no primeiro dos casos, a responsabilidade é do vigilante do animal e funda-se na culpa, no dever de guarda, só se verificando uma deslocação do ónus de prova; no segundo caso, a responsabilidade assenta no risco que se cria em relação a terceiros, por via da utilização perigosa, em proveito próprio, de animais (cf. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, I, 3ª ed., pg. 484).
No primeiro caso, visa-se a responsabilidade da pessoa que tem animais a seu cargo; no segundo caso, atinge-se por regra o proprietário, ou aquele que tenha um direito real de gozo sobre o animal.
Nesta matéria, a douta sentença recorrida é absolutamente exaustiva.
O disposto em matéria de responsabilidade civil extracontratual encontra-se preenchido – não apenas a Ré era a proprietária, como era ela que detinha o animal, o qual se encontrava solto no logradouro e a casa da Ré com os portões exteriores abertos, tendo o evento ocorrido “em frente da casa da Ré”.
Estes factos permitem desde logo estabelecer não ter existido qualquer espécie de culpa da Autora na ocorrência (e para efeitos da norma do artº 570º CCiv) – na verdade, passava com o seu cão simplesmente em frente da casa da Ré, em passeio. Sabia da existência de cães na habitação da Ré, os quais todavia se encontravam habitualmente presos.
Ora, deter canídeos de grande porte, habitualmente confinados, impõe acrescido cuidado sobre a imprevisibilidade do comportamento desses animais, quando soltos, ou quando tenham possibilidade de se soltar, e é essa imprevisibilidade, ou seja, os eventuais comportamentos inesperados, mecânicos (não humanos), que a lei visou acautelar, inexistindo demonstração, não só da responsabilidade da Autora, como da própria inexistência de culpa da Ré enquanto vigilante do animal (a prova de causas anómalas, imprevistas, excepcionais, minimamente concretizadas, como seria necessário por força da verificação de uma culpa presumida).
Vejam-se ainda, em complemento da doutrina citada, os Acs. S.T.J. 13/12/00 Col. III/170, relatado pelo Consº Pinto Monteiro, e de 19/6/07 Col.II/123, relatado pelo Consº Ribeiro de Almeida.
Confirma-se portanto o enquadramento efectuado enquanto causa de responsabilidade aquiliana para a pessoa da Ré.
III
Quanto aos montantes fixados a título de dano patrimonial, é claro que existe prejuízo no património da Autora, directamente ocasionado pelo acidente sofrido e pelo tempo de convalescença dele decorrente, por via de não ter tido possibilidade de frequentar as aulas de ginástica (dano que se cifra em montante equivalente ao que a Autora já despendera, em Março, para o mês seguinte de Abril).
Igualmente, as sessões de fisioterapia se mostraram inteiramente justificadas, em face de uma recomendação médica genérica, e do estado de saúde da Autora volvidos dois meses sobre o acidente. Também o custo de tais sessões se volveu em dano patrimonial decorrente do evento lesivo.
É claro que a Autora pode ter declarado à Ré, incidentalmente, não ter intenção ou não precisar mesmo de sessões de fisioterapia, mas isso não pode fazer precludir a necessidade posterior das referidas sessões, que a Autora veio a revelar (veja-se o facto 21).
A verdade é que o Direito não proíbe, de forma genérica, os comportamentos contraditórios, que, por esse simples facto, não podem implicar uma classificação como venire contra factum proprium; apenas circunstâncias especiais, reveladoras de abuso de direito (artº 334º CCiv) podem implicar tal classificação (consoante o Prof. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol.II, pg.750, “é importante focar a inexistência, na Ciência do Direito actual e nas ordens jurídicas por ela informadas, de uma proibição genérica de contradição – apenas circunstâncias especiais podem levar á sua aplicação”).
No caso dos autos existiram, é certo, alguns comportamentos eventualmente contraditórios, por banda da Autora, ao aceitar a ajuda da Ré em pelo menos cerca de 1 mês, mas tal não transforma o comportamento posterior revelado pela pretensão deduzida na presente acção judicial, em algo que haja excedido “manifestamente” os limites impostos pela boa fé, como o exige a norma legal citada.
Portanto, de nenhum passo se pode extrair que a Autora actuou em abuso de direito.
IV
Quanto ao montante do dano não patrimonial fixado.
A indemnização pela perda de animal de companhia decorre, hoje por hoje, da norma do artº 493º-A nº3 CCiv (sob a epígrafe “indemnização em caso de lesão ou morte de animal”).
O valor relativo encontrado e fixado em € 1 800, mostra-se razoável e adequado, tratando-se, aqui, como se trata, de atribuir uma compensação que permita à lesada obter algumas satisfações propiciadas pela utilização do dinheiro, e não de reintegrar qualquer prejuízo pelo equivalente.
Já o Ac.R.P. 2/5/02, pº 0230493, relatado pelo Consº Alves Velho, havia fixado num total equivalente a € 1.150 o valor do dano em causa, igualmente pela perda de um cão de companhia, animal cuja afeição que por ele nutria a Autora, no caso dos autos, não poderia ser, de forma automática, mecânica, substituída com outro animal, mais a mais se oferecido pela própria lesante, fazendo sempre recordar à Autora o possível trauma do evento.
Mais recentemente, o Ac.R.P. 19/2/2015, pº 1813/12.6TBPNF.P1 (relatado pelo Des. Aristides Almeida) fixou o valor de tal dano não patrimonial, em face do evento morte de um cão de companhia, na mais significativa quantia de € 7.500.
Não nos parece assim que o valor achado em 1ª instância, atendendo ao apego manifestado pela Autora, relativamente ao animal, peque por excesso.
Quanto ao dano não patrimonial próprio da Autora, no seu total, englobando o dano estético, veio a orçar em € 3.200.
Verificaram-se as seguintes ocorrências na pessoa da Autora, com incidência nos padecimentos morais sofridos – 90 dias de doença com incapacidade para o trabalho de 5 dias, dores intensas durante 6 semanas, uso de colete ortopédico até ao dia 17/5/2018, com 40 dias de quase imobilização (dores) e necessária ajuda de terceiros para os actos de vida quotidiana (higiene pessoal, confecção de refeições).
Como sequelas permanentes: uma cicatriz horizontal de 2,5 cm de comprimento na face anterior e superior do antebraço, deformação da articulação interfalângica distal do dedo mínimo, com limitação da flexão desse dedo, cicatriz de 1 cm na face anterior da articulação interfalângica distal do dedo indicador, para além de lombalgias.
Os casos jurisprudenciais, brevemente consultados em bases de dados, permitem concluir que as indemnizações arbitradas na actualidade pelos tribunais, desde que prevejam incapacidade permanente para o trabalho (o que não ocorre no caso vertente) são invariavelmente fixadas em montante superior àquele que vem atribuído nos autos.
Esta constatação permite-nos concluir que os valores achados para o dano não patrimonial próprio primaram pela moderação e adequação ao caso.
Cumprindo-nos a final, tão só, a confirmação da sentença.

Concluindo:
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Deliberação (artº 202º nº1 CRP):
Julga-se improcedente, por não provado, o interposto recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Porto, 14/7/2020
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença