Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3272/21.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
PERICULUM IN MORA
DIREITO SUCEDÂNEO
INVOCADO PELO REQUERENTE
INSUFICIÊNCIA DE ALEGAÇÃO FACTUAL
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RP202109093272/21.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No procedimento cautelar comum, o periculum in mora tem que ser analisado e apreciado relativamente ao direito que é invocado pelo requerente, e não já em relação a qualquer outro direito que seja sucedâneo ou substitutivo daquele.
II - Apresentando o requerimento inicial insuficiente explicitação dos factos que interessam à procedência do procedimento cautelar, deve o Juiz fazer uso dos princípios da cooperação e da justa composição da lide, para, em despacho de aperfeiçoamento, convidar o requerente a suprir essas insuficiências de alegação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº3272/21.3T8PRT.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto

Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B…, Lda. sociedade comercial por quotas com sede na Rua … … a …, no Porto veio intentar a presente Providência Cautelar Não Especificada (comum), contra Sociedade C…, Lda., sociedade comercial por quotas com sede na Rua …, nº…, Porto pedindo a final o seguinte:
Que pela procedência da providência se decrete a adopção pela Requerida das seguintes medidas adequadas ao suprimento da situação descrita no requerimento inicial.
A) Em primeiro lugar deve a requerida ser cautelarmente condenada a restituir ao locado, pela via mais célere possível e tecnicamente mais perfeita e com a máxima urgência, todas as características passíveis de o dotar das necessárias para a sua exploração comercial, permitindo assim tal exploração à requerente, locatária;
B) Idealmente no estado em que se encontrava em Julho de 2020 quando a requerente conclui as obras de modernização que aí realizou.
C) Condenando-se a requerida, para que, com a máxima urgência:
a. realize todas as obras estruturais no seu prédio suscetíveis de eliminar eventuais fontes de infiltração com a impactação das características do espaço destinado a loja situado no R/C do mesmo (o locado);
b. Promova a recuperação e cabal isolamento, pela via tecnicamente mais perfeita e adequada, do terraço de cobertura do seu prédio que se situa sobre o teto da mesma loja;
c. reponha com a máxima urgência o acesso pela requerente ao mesmo terraço de cobertura, através de alçapão existente há décadas para o efeito, designadamente para manutenção e reparação dos aparatos necessários ao funcionamento do seu sistema de ar condicionado e que, há já mais de 30 anos aí tinha (tem) colocados.
D) Fixando-se para tanto um prazo à requerida, não superior a 90 dias.
E) Condenando-se a requerida em indemnização à requerente por cada dia de atraso após decorrido aquele prazo de 90 dias, nunca inferior a 250€/dia.
F) Mas condenando-se também a requerida a restituir à requerente toda a maquinaria necessária ao funcionamento do seu sistema de ar condicionado, que se encontrava instalado há mais de 30 anos do já referido terraço de cobertura, de que esta é única dona e legítima proprietária e com a qual a requerida indevidamente se locupletou, ou a prestar-lhe indemnização de valor correspondente a equipamento novo no valor de pelo menos de 30.534,75€.
G) Validando-se sempre e desde já judicialmente, por cautela, a já invocada excepção de não cumprimento do contrato de arrendamento e, assim, reconhecendo-se o direito de a requerente, até que o locado seja restituído definitivamente ao seu adequado estado de fruição, não pagar o valor da renda à requerida, por se encontrar absolutamente privada de fruir do locado em condições adequadas.
Foi ordenada a citação da Requerida na sequência da qual foi deduzida oposição onde se pediu que a providência fosse julgada improcedente por não provada, absolvendo-se a requerida da totalidade do pedido.
A Requerente veio responder à oposição deduzida.
Os autos prosseguiram os seus termos, acabando por ser proferida a seguinte decisão cujo conteúdo aqui se transcreve:
Saneamento
A requerente apresentou uma resposta escrita à contestação. Requereu, ainda, a ampliação do seu rol de testemunhas.
O (terceiro) articulado apresentado é processualmente inadmissível, pelo que os factos nele alegados não podem integrar o objeto da lide cautelar, apenas sendo considerado na matéria de resposta a questões de natureza excetiva.
Não se admite a ampliação do rol de testemunhas, por exceder (sem justificação bastante) o número previsto nos arts. 294.º, n.º 1, e 365.º, n.º 3, do CPC.
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Estabelece a norma enunciada no n.º 2 do art. 2.º do CPC que “a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação”. Conforme resulta da parte final deste enunciado, os procedimentos cautelares não se destinam ao exercício definitivo dos direitos.
Neste procedimento cautelar, a autora formula os seguintes pedidos:
“A) Em primeiro lugar deve a requerida ser cautelarmente condenada a restituir ao locado, pela via mais célere possível e tecnicamente mais perfeita e com a máxima urgência, todas as características passíveis de o dotar das necessárias para a sua exploração comercial, permitindo assim tal exploração à requerente, locatária;
B) Idealmente no estado em que se encontrava em Julho de 2020 quando a requerente conclui as obras de modernização que aí realizou.
C) Condenando-se a requerida, para que, com a máxima urgência:
a. realize todas as obras estruturais no seu prédio suscetíveis de eliminar eventuais fontes de infiltração com a impactação das características do espaço destinado a loja situado no R/C do mesmo (o locado);
b. Promova a recuperação e cabal isolamento, pela via tecnicamente mais perfeita e adequada, do terraço de cobertura do seu prédio que se situa sobre o teto da mesma loja;
c. reponha com a máxima urgência o acesso pela requerente ao mesmo terraço de cobertura, através de alçapão existente há décadas para o efeito, designadamente para manutenção e reparação dos aparatos necessários ao funcionamento do seu sistema de ar condicionado e que, há já mais de 30 anos aí tinha (tem) colocados.
D) Fixando-se para tanto um prazo à requerida, não superior a 90 dias.
E) Condenando-se a requerida em indemnização à requerente por cada dia de atraso após decorrido aquele prazo de 90 dias, nunca inferior a 250€/dia.
F) Mas condenando-se também a requerida a restituir à requerente toda a maquinaria necessária ao funcionamento do seu sistema de ar condicionado, que se encontrava instalado há mais de 30 anos do já referido terraço de cobertura, de que esta é única dona e legítima proprietária e com a qual a requerida indevidamente se locupletou, ou a prestar-lhe indemnização de valor correspondente a equipamento novo no valor de pelo menos de 30.534,75€.
G) Validando-se sempre e desde já judicialmente, por cautela, a já invocada exceção de não cumprimento do contrato de arrendamento e, assim, reconhecendo-se o direito de a requerente, até que o locado seja restituído definitivamente ao seu adequado estado de fruição, não pagar o valor da renda à requerida, por se encontrar absolutamente privada de fruir do locado em condições adequadas”.
Os pedidos formulados pela requerente são, em parte, genéricos – irregularmente (art. 556.º do CPC) – e não têm natureza cautelar (precária e transitória), regulando, sim, definitivamente o alegado litígio. Pedidos como o de realização de “todas as obras estruturais no seu prédio suscetíveis de eliminar eventuais fontes de infiltração com a impactação das características do espaço destinado a loja situado no R/C do mesmo (o locado)” são indeterminados, não permitindo ao demandado conhecer o que dele se pretende nem ao tribunal (oportunamente) verificar a satisfação de uma eventual condenação no pedido, não se reduzem (com precisão) ao escopo cautelar e não permitem a fixação dos limites do caso julgado – cfr. os já referidos art. 2.º, n.º 2, e 556.º do CPC, bem como o art. 362.º, n.os 1 e 4, do CPC. Também visando a definitiva composição do litígio são os pedidos de natureza ressarcitória – als. e) e f).
Apenas se furtam a esta inadmissível natureza genérica e de regulação definitiva do litígio os pedidos de:
a) restituição da maquinaria do sistema de ar condicionado (pedido compreendido na alínea f) do petitório);
b) franqueamento do acesso ao terraço de cobertura (pedido compreendido na alínea cc) do petitório).
O vício do pedido com precedência de conhecimento sobre os demais prende-se com a impropriedade da forma adotada. A forma adotada – procedimento para tutela cautelar – não é a forma apropriada ao conhecimento de pedidos cujo efeito prático-jurídico é, efetivamente, a tutela plena do direito invocado – a ser obtida na forma processual comum, depois de sanada a imprecisão de conteúdo sinalizada. Esta irregularidade determina a nulidade parcial do requerimento inicial, com absolvição (parcial) do requerido da instância cautelar – art. 193.º do CPC.
Por todo o exposto, julga-se parcialmente nulo o processado, absolvendo-se a requerida, nesta parte, da instância cautelar, salvo quanto aos seguintes pedidos (relativamente aos quais não existe impedimento ao conhecimento do pedido cautelar):
a) restituição da maquinaria do sistema de ar condicionado (pedido compreendido na alínea f) do petitório);
b) franqueamento do acesso ao terraço de cobertura (pedido compreendido na alínea cc) do petitório).
Fundamentação
O periculum in mora − lesão grave e dificilmente reparável ao direito que a normal duração da ação gerará – deve ser afirmado relativamente a todos (e cada um) dos pedidos cautelares formulados (arts. 2.º, n.º 2, e 362.º, n.º 1. do CPC).
Não foram alegados factos que caracterizem o periculum in mora, relativamente aos pedidos sobre os quais não existe impedimento ao conhecimento de mérito. Quanto a estes, a autora apenas alegou, no essencial:
“90. No caso dos autos verifica-se a ocorrência de dano, pelo menos, de três distintas naturezas”;
“92. O segundo dano respeita ao valor dos equipamentos de ar condicionado com os quais a requerida abusiva e ilegalmente aparentemente se locupletou (que desapareceram do terraço de cobertura do prédio da requerida e que esta, até ao momento, não restituiu à requerente)”;
“123. Os aparelhos de ar condicionado com os quais a requerida indevidamente se locupletou, conforme alegado, custaram à requerente, pelo menos 30.000€, tendo a requerente já solicitado orçamento para a reposição de um equipamento igual ou equivalente”.
Não se topa nesta alegação a necessidade do recurso à tutela cautelar. Dela não resulta, sequer, que estejamos perante uma lesão grave e dificilmente reparável. O mesmo é dizer que um dos elementos da causa de pedir do procedimento não foi devidamente alegado. Esta falha determina a manifesta improcedência dos pedidos agora apreciados.
Parte decisória
Por todo o exposto, julgam-se manifestamente improcedentes os pedidos de a) restituição da maquinaria do sistema de ar condicionado (pedido compreendido na alínea f) do petitório) e de b) franqueamento do acesso ao terraço de cobertura (pedido compreendido na alínea cc) do petitório), deles se absolvendo a requerida.
Custas a cargo da requerente.
Notifique e registe eletronicamente.”
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A Requerente veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A Requerida respondeu.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela requerente/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
É o seguinte o teor dessas mesmas alegações:
I. A decisão recorrida é pois, antes de mais, nula nos termos do disposto no artigo 615º, nº1, c) do CPC, pela sucessiva ordem de razões invocadas, por manifesta ambiguidade.
II. E também, por tudo o que vai dito, nula por manifesta falta de fundamentação, de facto e de direito, nos termos do disposto no artigo 615, nº1, b) do CPC.
III. Sendo também nula nos termos do disposto no artigo 1, d) por inexistência de qualquer pronuncia pelo Tribunal a quo quanto aos pedidos formulados em D), E) e G)
IV. Nulidade que aqui se deixa invocada.
V. Mas ainda que não fosse nula (como é) a decisão recorrida é errada, se não vejamos.
VI. O que está em causa nos presentes autos é, na verdade, uma questão de sublime simplicidade: a Requerente é uma sociedade comercial com 60 anos de existência, é arrendatária de uma loja propriedade da Requerida, estando impedida de funcionar fruto de um conjunto gravíssimo de vícios recentemente verificados no locado provenientes de actuação danosa da senhoria sobre a integralidade do seu prédio, com impacto no locado.
VII. E da ocupação e vedação indevida pela Senhoria de parte integrante do locado – terraço de cobertura.
III. A Requerente requereu ao Tribunal a quo a adoção cautelar e urgente de um conjunto de medidas passíveis de mitigar esta situação, isto é, requereu ao Tribunal que ordenasse à Requerida (Senhoria) que praticasse um conjunto de atos passiveis de repor o locado nas condições de fruição adequadas à finalidade a que se destina.
IX. A primeira avaliação do Tribunal a quo resultante da decisão recorrida prende-se com o alegado caracter genérico dos pedidos formulados pela Recorrente
X. Nos presentes autos parece que não se discutirá o fumus boni juris da Requerente, na medida em que é bastante claro (e nem a Requerida o contestou…) que, de facto, a primeira é arrendatária de um espaço destinado a comércio de que é proprietária a segunda – isto é, assiste-lhe o direito a fruir o referido espaço (com todas as áreas que o compõe), para a finalidade comercial a que este se destina, fruto do contrato de arrendamento que firmou com a Requerida.
XI. Sucede porém que a Requerida realizou um conjunto de obras estruturais no seu prédio (no qual se integra o locado) que, por qualquer razão que a Requerente desconhece – e não pode nem tem que conhecer! – afetaram gravemente o locado, tendo provocado expressivos danos no mesmo que, como está amplamente demonstrado nos autos (mesmo sem realização de audiência de julgamento!) impossibilitam a sua utilização para a finalidade a que este se destina.
XII. Mais tendo vedado indevidamente – subtraindo-o ao locado – um espaço de terraço que ao longo de 60 anos sempre foi utilizado pela arrendatária como parte integrante do arrendamento.
XIII. Sendo que a Requerente alegou (e em grande parte provou por documentos!) o estado atual do locado, fruto da intervenção realizada pela Requerida na integralidade do seu prédio.
XIV. A Requerente, como é evidente, não tem condições de afirmar ao Tribunal – e nessa medida não tem como pedi-las especificamente – quais as obras concretas cuja realização se mostra imperiosa, cessando as causas dos danos verificáveis no locado, o mesmo passe a estar em condições de ser normalmente fruído pela arrendatária tendo em vista a finalidade a que se destina o arrendamento.
XV. E por essa razão formulou os pedidos atinentes a tal questão na presente providência de forma ampla, isto é, visando aquele que o seu objectivo com a presente acção cautelar – que com urgência sejam realizados os trabalhos de recuperação do locado por forma a restitui-lo a adequadas condições de utilização, permitindo-se à Recorrente a sua fruição comercial para a finalidade a que se destina.
XVI. Claro para que lhe fosse possível melhor densificar o seu pedido, teria que que visitar a integralidade do prédio da Requerida, acompanhada de perito ou especialista em construção civil, visitar todos os seus espaços, peritar o prédio como um todo e, só então, poderia estar talvez em condições de afirmar que os danos verificados no locado provêm do telhado, ou do terraço, ou das janelas, ou das canalizações, ou seja de onde for.
XVII. Ora isto não é possível… a Recorrente é apenas arrendatária do espaço comercial térreo (e dos demais espaços que compõe o arrendado conforme alegado na PI), não tendo qualquer possibilidade de, acompanhada de técnicos especializados, visitar a integralidade do prédio da Requerida para perceber que intervenções em concreto serão necessárias para que deixe, designadamente, de chover no interior do locado!
XVIII. O certo é que nem resulta claro do teor da decisão recorrida quais os pedidos que o tribunal a quo considerou genéricos e quais os que considerou inapreciáveis por consubstanciarem pretensão de tutela definitiva do direito da Recorrente e nem porquê -a decisão recorrida é uma conclusão só sem qualquer sustentação!
XIX. Em C), a) a realização de obras para eliminação de fontes de infiltração no locado – pedido concreto, sendo que não é exigível à Recorrente que conheça a fonte específica das referidas infiltrações (se o telhado, se o terraço, se os vãos das janelas, etc…).
XX. Em C) a) o isolamento pela via mais perfeita e tecnicamente adequada do terraço de cobertura situado sobre o locado – pedido mais do que concreto e que será tudo menos genérico!
XXI. Em C) c) a reposição do acesso ao referido terraço através do alçapão existente no locado para o efeito – pedido mais do que concreto também ele…
XXII. Sendo que os restantes pedidos respeitam à fixação de prazo e arbitramento provisório de indemnização…. – pedidos também eles concreto e perfeitamente determinados sobre os quais o Tribunal a quo nem se pronunciou, o que consubstancia também nulidade nos termos do disposto no artigo 615, 1, d) do CPC.
XXIII. Da sentença recorrida não se se alcança, não obstante, que pedidos é que o Tribunal a quo considerou serem genéricos e, pior, não resulta o porquê de como tal os ter assim considerado.
XXIV. Mas o certo é que, ainda que o Tribunal a quo entendesse ser necessária melhor concretização do pedido formulado, então deveria (estava obrigado a) convidar a Requerente ao seu aperfeiçoamento.
XXV. Ao indeferir pura e simplesmente o pedido da requerente, não exercendo os poderes/deveres que a lei lhe confere, o Tribunal denegou Justiça e ofendeu a lei.
XXVI. Devendo sempre ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos para realização de audiência de discussão e julgamento, ainda que mediante, se assim se entender, prévio convite ao aperfeiçoamento, na medida que se considere necessário.
Acresce que,
XXVII. A segunda questão tratada neste trecho decisório pretende-se com a alegada inapreciabilidade de parte dos pedidos formulados pela Requerente no âmbito da tutela provisória visada pelas providências cautelares – embora não resulte claro da decisão recorrida quais dos pedidos o Tribunal entendeu estarem nesta circunstância nem porquê!
XXVIII. A composição provisória realizada através da providência cautelar não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque também ela serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional.
XXIX. A composição provisória que a providência cautelar visa pode consubstanciar-se numa de três finalidades: (i) de garantir um direito, (ii) de definir uma regulação provisória ou (iii) de antecipar a tutela requerida.
XXX. Para o que aqui nos interessa, relevam as de natureza antecipatória: atenta a urgência da situação carecida de tutela, o tribunal pode antecipar a realização do direito que previsivelmente será reconhecido na acção principal.
XXXI. O artigo362.ºdo CPC prevê expressamente tal possibilidade –a de se poder alcançar uma medida com efeitos antecipatórios da decisão definitiva, prevendo-se, até, a possibilidade de, em determinadas situações, a decisão cautelar se poder consolidar como definitiva composição do litígio, através da chamada inversão do contencioso (artigo 369.º do CPC), evitando-se a duplicação de procedimentos, repetindo na acção principal a apreciação da mesma controvérsia que já tinha sido debatida e decidida no procedimento cautelar.
XXXXII. Abrantes Geraldes enuncia vários exemplos da intimação do requerido a reparar um elevador como medida tutelar dos direitos de personalidade dos inquilinos, protecção esta também invocada pela requerente nos presentes autos – artigo 70.º do CC), da intimação do senhorio a efectuar reparações imediatas no locado, da intimação da requerida a proceder à imediata ligação à rede, e da intimação do requerido a adoptar medidas tendentes a impedir a infiltração de águas num prédio.
XXXIII. Nos presentes autos, mesmo sem que tenha sido realizado julgamento, cremos estar provado que o arrendado sofre infiltrações de água que aparentemente provirão do telhado de cobertura ou dos vãos das janelas dos pisos superiores, ou das fachadas fissuradas, e que, muito recentemente, ruiu parte do tecto, estando em risco de ruir o restante a qualquer momento, fazendo desabar o tecto de outros compartimentos do locado com iminente perigo para a integridade física de quem ali se encontre.
XXXIV. Tanto basta para que se possa concluir que estamos perante lesões continuadas, urgindo prevenir a continuação ou a repetição dos actos lesivos, uma vez que se pretende prevenir a continuação de infiltrações no arrendado e a possibilidade de ruína total do mesmo.
XXXV. Os danos já ocorridos, tendem, assim, a agravar-se, podendo surgir novos danos (inclusivamente, com perigo para a vida), se não se conceder a providência destinada a evitar a repetição ou a persistência das situações lesivas.
XXXVI. Isto para concluir que, numa situação de manifesta urgência como a presente, a via cautelar é a adequada para antecipar o juízo a formular na ação principal, isto é, a via própria para conseguir que, como lhe compete, o senhorio realize no locado e no seu prédio as obras necessárias a repô-lo em condições de utilização pela inquilina (Requerente).
XXXVII. Tudo concorrendo para a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que ordene o prosseguimento dos autos para realização de audiência de discussão e julgamento, seguindo o processo os seus ulteriores termos até final;
XXXVIII. Determinando-se, no limite, e ainda que se entenda existir qualquer imprecisão nos pedidos (ou nalgum dos pedidos) formulados pela Recorrente, seja esta convidada para vir aos autos suprir tais eventuais imprecisões, aperfeiçoando o seu articulado inicial, nos termos da lei.
XXXIX. Mas prosseguindo sempre os autos para realização de audiência de discussão e julgamento e ulterior decisão de mérito.
XL. E mesmo quanto à apreciação dos pedidos formulados em E) e F) em que o Tribunal a quo considerou (sempre sem fundamentar): “Não se topa nesta alegação a necessidade do recurso à tutela cautelar”, sempre se dirá…
XLI. A lei não exige que o prejuízo que a parte pretenda acautelar com o decretamento de uma providência cautelar seja um prejuízo de expressão pecuniária, pode constituir um dano moral, sendo certo que, neste caso a ofensa do direito da Recorrente como arrendatária – enquanto facto ilícito – consubstancia prejuízo bastante para efeitos de admissibilidade de uma acção com as características da presente (e consubstancia verdadeiro prejuízo notório e imaterial).
XLII. A Recorrente é arrendatária do prédio objecto da presente acção com todos os elementos que o compõe, logo tem a faculdade jurídica de o utilizar e de dispor dele conforme entender nos limites do contratado, da mesma forma que goza do poder jurídico de impor a qualquer pessoa o respeito por esse direito e a abstenção de o colocar em risco – em suma de o ofender seja por que meio for.
XLIII. Tendo o direito de se servir do arrendado para o fim a que se destina na exploração da sua actividade comercial, sendo obrigação legal da Recorrida, senhoria, garantir-lhe (a ela arrendatária) a adequada fruição do imóvel nessas exactas condições.
XLIV. O arrendatário cujo direito é violado ilicitamente, especialmente pelo senhorio, como é o caso, pode reclamar deste a indemnização dos danos causados (naturalmente), mas também pode, em simultâneo e cumulativamente, exigi-lhe que pratique todos os actos necessários à cessação da violação.
XLV. Mal se acolhendo a visão desfocada constante da sentença recorrida… então o que resta à Recorrente, aguardar durante anos, fechada, sem qualquer actividade, desfasada da sua actividade comercial, o desfecho de uma acção declarativa durante 3, 4 ou 5 anos?
XLVI. Permanecer a laborar no interior do locado em risco de lhe ruir o resto do tecto em cima?
XLVII. Sem perder de vista, até para efeito de eventual ponderação de valores, que o decretamento da providência em nada, mas em nada, ofende qualquer “interesse” ou “direito” da Requerida – antes pelo contrário, valoriza o seu património pela realização de obras necessárias à sua conservação!
XLVIII. Se o Tribunal entende, face à factualidade trazida aos autos que nada tem a determinar, ressalvado o devido respeito, não se vislumbra que outra atitude possa ter a Requerente no presente caso…
XLIX. A decisão recorrida é, diga-se, o exemplo acabado da iniquidade, da denegação de justiça e do prémio à prevaricação, protegendo a posição do senhorio, a quem basta criar todo o tipo de obstáculos (até dolosamente) a que o locado possa ser usado, ficando o arrendatário refém aguardando uma qualquer indemnização que lhe seja atribuída em sede declarativa (com a demora que consabidamente tal acarreta).
L. Colendos desembargadores, trata-se a visão incita à decisão recorrida de verdadeira destorção dos valores que norteiam o nosso ordenamento jurídico, privilegiando uma suposta ordem formal em detrimento dos princípios elementares do nosso direito e em detrimento da justiça.
Finalmente, da admissão do terceiro articulado apresentado pela Recorrente e sua ampliação ao rol de testemunhas
LI. Em suma, pode afirmar-se que a reforma do processo civil ocorrida em 2013 teve, também, como finalidade (e daí os alargados poderes conferidos ao Juiz no âmbito do princípio do inquisitório e da adequação formal do processo) acabar com a perspectiva estritamente procedimental do processo civil esvaziando-o da sua dimensão cominatória e preclusiva que, diga-se, em muito prejudicava a finalidade mediata do processo – a descoberta da verdade material – e a sua finalidade imediata – a realização da justiça.
LII. E é claro que, face a esta realidade, a interpretação que faz a decisão recorrida das normas que aplica, transversalmente em toda a decisão recorrida, consubstancia, novamente, verdadeira violação de tais princípios constitucionais e da melhor aplicação do direito processual civil vigente.
LIII. Devendo também nesta parte ser revogada a decisão recorrida, admitindo-se o aludido terceiro articulado e o aditamento ao rol de testemunhas requerido pela Recorrente.
LIV. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou por má aplicação ou interpretação, além do mais, o disposto nos artigos 20 e 202 da CRP, 3, 6, 362, 152, 615 do CPC.
*
Por seu turno, a requerida/apelada concluiu do seguinte modo as suas contra alegações:
I)
1. O Tribunal a quo decidiu por despacho saneador conforme permitido pelos termos do disposto no art.º 595.º do CPC;
2. A sentença/decisão do Tribunal a quo foi devidamente fundamentada de facto e de direito em total respeito ao disposto nos termos do art.º 607.º n.º 2 do CPC;
3. O Tribunal a quo referiu-se na sentença a todos os pedidos formulados pela Recorrente;
4. Não pode a Recorrente alegar que a decisão do Tribunal a quo é deficitária de fundamentação;
5. Porque não é;
6. A sentença não fere de ininteligibilidade manifesta;
7. A sentença constitui um verdadeiro ato jurídico;
8. Aplicam-se à sentença as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos, de modo que as normas que disciplinam a interpretação negocial são igualmente válidas para a interpretação da sentença;
9. A Recorrente não se serviu das normas de interpretação para interpretar a sentença;
10. Por isso não pode alegar a ininteligibilidade manifesta da sentença;
11. A sentença não enferma de qualquer nulidade;
II)
12. A Recorrente faz uma interpretação errada ao instituto do convite ao aperfeiçoamento;
13. O convite ao aperfeiçoamento não serve para que a Recorrente altere a sua causa de pedir;
14. Não pode, no caso, O Tribunal a quo usar do convite ao aperfeiçoamento;
15. Porquanto na douta PI não há insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada;
16. Na douta PI não se verificaram insuficiências ou imprecisões;
17. Antes sim nulidades descritas na sentença e falta de pressupostos legais para o uso, pela Recorrente, da ação cautelar;
18. A ação cautelar é uma ação precária de modo a acautelar a eventual perda do direito e não uma ação definitiva para reconhecer esse tal direito, no caso, como sendo da Recorrente;
19. Quando o Tribunal a quo refere que os pedidos da Recorrente são genéricos, não se deve interpretar que os mesmos são insuficientes ou imprecisos;
20. Tais pedidos são, apenas, desprovidos de concretização na ação cautelar;
21. Porquanto, os pedidos da Recorrente não demonstram o periculum in mora;
22. Por isso, nunca o Tribunal a quo deveria ter convidado a Recorrente ao aperfeiçoamento;
23. Portanto, não se verificou omissão ao aperfeiçoamento;
24. Não há nulidade na sentença no que ao aperfeiçoamento diz respeito;
25. No caso se houvesse convite ao aperfeiçoamento, estaríamos perante uma violação do princípio do dispositivo;
26. Sob a orientação do princípio do dispositivo podia a Recorrente, ter solicitado à Recorrida para que esta a deixasse avaliar o que houvesse por necessário no imóvel objeto da ação cautelar;
27. A Recorrente optou por não pedir à Recorrida a possível avaliação anteriormente referida;
28. De igual modo, ao abrigo do princípio do dispositivo, podia a Recorrente ter requerido ao Tribunal a quo perícia ao local.
29. No entanto, optou por não o fazer;
30. Com efeito, não pode agora a Recorrente vir alegar que só não elencou os hipotéticos trabalhos concretos a realizar porque é meramente arrendatária e, por isto, não tinha como proceder à avaliação do necessário;
31. A Recorrente tanto ao logo da PI como ao logo do alegado no recurso, erradamente, faz confusão com o verdadeiro fim do procedimento cautelar;
32. Quer servir-se do procedimento cautelar como ação para resolução definitiva do litígio;
33. Tal não é possível com a ação cautelar;
34. Demonstra que quer servir-se da ação cautelar como se de uma ação definitiva se tratasse, nomeadamente, quando alegou:
35. Que em determinadas situações a decisão cautelar pode consolidar como definitiva a composição do litígio através da inversão do contencioso;
36. A inversão do contencioso não está prevista para resolução definitiva do litígio;
37. A inversão do contencioso apenas dispensa, em caso de deferimento, o Requerente de propor ação principal;
38. Recaindo sobre o Requerido a obrigação, caso assim entenda, de propor a ação principal;
39. Invertendo-se para o Requerido o ónus de agir;
40. No entanto, reitera-se: a inversão do contencioso não serve para resolver definitivamente o litígio, porquanto pode o Requerido agir através de uma ação principal;
41. Repete-se, por cronologia de resposta às alegações da Recorrente, esta nunca demonstrou o periculum in mora relativamente a nenhum dos seus pedidos;
42. Nunca a Recorrente demonstrou o receio fundado de que a Recorria lhe pudesse causar lesão grave e dificilmente reparável;
43. Porquanto a Recorrente não tem tal receio, nem fundamento para a verificação do mesmo;
III)
44. A acção cautelar apenas prevê a admissão de dois articulados;
45. Petição e contestação;
46. O terceiro articulado da Recorrida nunca poderia ter sido admitido, pois não há fundamento legal para tal;
47. Caso inverso seria se se tratasse de matéria superveniente;
48. Não foi o caso;
49. Não alegou a Recorrente factos supervenientes;
50. A matéria do terceiro articulado oferecido pela Recorrida tratava, meramente, de matéria para responder à contestação da Recorrida;
IV)
51. O aditamento ao rol das testemunhas da Recorrente não pode ser admitido;
52. A Recorrente já havia esgotado o número de testemunhas admitido por lei;
53. Ainda assim, não foi justificado pela Recorrente as razões para admissão de tal aditamento.
*
Perante o antes exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no âmbito deste recuso:
1ª) A admissibilidade do “terceiro” articulado apresentado pela requerente/apelante e o pedido de ampliação do rol de testemunhas;
2ª) A nulidade da decisão recorrida (alíneas b), c) e d) do nº1 do art.º 615º do CPC);
3ª) O convite ao aperfeiçoamento da petição inicial no que toca aos pedidos deduzidos na petição inicial, o prosseguimento dos autos para realização da audiência de discussão e julgamento e a ulterior prolação da decisão final de mérito;
4ª) A revogação da decisão proferida e que julgou improcedentes os pedidos de restituição da maquinaria do sistema de ar condicionado e de acesso ao terraço de cobertura.
*
Iniciando a nossa análise pela primeira das questões suscitadas o que cabe dizer é o seguinte:
É sabido por todos que o procedimento cautelar comum está previsto nos artigos 362º a 376º do Código de Processo Civil (diploma para onde se remete doravante as normas que vieram a ser referidas sem qualquer menção).
Sabe-se igualmente que o seu processamento está subsidiariamente regulado nos artigos 293º a 295º ex vi artigo 365º, nº3.
Decorre do artigo 293º (nº 1) que este tipo de processo admite apenas dois articulados: o requerimento inicial e a oposição.
Com estes dois articulados deve ser indicada e junta a prova sumária considerada relevante para a decisão.
Trata-se de um processo urgente razão pela qual se determina, no artigo 367º a produção de prova imediatamente a seguir aos articulados.
Deste preceituado normativo resulta a nosso ver, a inadmissibilidade legal de um terceiro articulado, como aliás foi entendido na decisão recorrida.
Apesar de tal entendimento, importa não esquecer a regra prevista no artigo 444º a qual concede à contraparte o direito a impugnar os documentos juntos no último articulado.
Tal direito de resposta decorre dos princípios do contraditório e da igualdade e também se estende aos factos novos que são trazidos ao processo pela parte contrária (artigo 3º).
Trata-se de um direito a ser exercido no modo processual fixado no artigo 3º nº 4 ou seja no caso dos autos no início da audiência final.
E isto porque segundo tal preceito “Às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.”
Segundo António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª Edição, pág. 201.: “O princípio do contraditório implica que o articulado de oposição seja notificado ao requerente, a fim de poder tomar conhecimento dos argumentos de facto ou de direito invocados.
A ser assim e ainda que não seja admissível um terceiro articulado, se for deduzida matéria de excepção, o princípio do contraditório amplamente apoiado no art.º 3º, nº4, permite que, no início da diligência, seja dada a resposta por parte do requerente (neste sentido Lebre de Freitas, CPC anotado, volume II, pág.23).
Deste modo e verificando-se como se verifica que a matéria alegada no referido articulado da Requerente (de fls. 35 e seguintes) não se destina a responder as questões de natureza excepcional, bem andou pois o Tribunal “ a quo” quando considerou o mesmo como processualmente inadmissível.
E decidiu igualmente de forma correcta quando por violação das regras previstas noas artigos 294º, nº1 e 365º, nº3 do CPC, não admitiu a ampliação do rol de testemunhas solicitada ela Requerente no mesmo articulado.
Em conclusão, improcede a primeira das pretensões recursivas da requerente/apelante.
Agora a questão da nulidade da decisão recorrida.
Como já vimos na tese do presente recurso a decisão proferida padece dos vícios previstos no artigo 615º, nº1, alíneas b) e c) do CPC.
No caso da alínea b) é por demais sabido que para que a decisão careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta e/ou não convincente. É necessário que haja falta absoluta, podendo esta referir-se tanto ao aos fundamentos de facto como aos fundamentos de direito.
Ora no caso resulta evidente que são suficientemente perceptíveis as razões nas quais o Tribunal “a quo” alicerçou a decisão proferida, quer na parte em que absolveu parcialmente a Requerida da instância cautelar relativamente a alguns dos pedidos formulados, quer na parte em que julgou improcedentes os restantes pedidos destes absolvendo a Requerida.
E foi por perceber os fundamentos da mesma decisão que conseguiu a Requerente vir interpor o presente recurso.
Ou seja, não padece pois a decisão recorrida do primeiro dos vícios que lhe vem apontado.
E também não padece do vício previsto na supra citada alínea c).
Senão vejamos:
Segundo tal norma, “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
Como vem sendo entendido, neste artigo a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão (nesse sentido cf. Antunes Varela, j. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág.689).
A nulidade a que refere a 1ª parte da referida alínea c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resulta a que se chega a final.
Tal vício também não pode ser confundido com o erro de julgamento, que ocorre quando o juiz contra os factos apurados ou contra a norma jurídica que lhe impõe que a decisão seja diversa.
Por fim, “a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e á ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes” (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I., pág.738).
Da leitura da decisão recorrida temos como certo que a mesma não enferma de qualquer dos vícios apontados, os das alíneas b) e c) do nº1 do art.º 615º.
No recurso aqui interposto também se defende que a mesma padece da nulidade prevista na alínea d) do mesmo artigo, por não ter havido pronúncia relativamente aos pedidos formulados em D), E) e G) da petição inicial.
Também aqui não tem razão a requerente ora apelante.
E isto pelo seguinte conjunto de razões:
Resulta evidente que a emissão de pronúncia relativamente no que toca aos pedidos deduzidos nas supra referidas alíneas só se justificava e impunha no caso de procedência dos que foram formulados nas alíneas anteriores A), B) e C) a., b.) e c).
Ora não tendo sido desta natureza (a da procedência), a decisão que quanto a eles foi proferida, deve resultar evidente para todos, que não cabia emitir pronúncia quanto ao que foi peticionado nas identificadas alíneas D), E) e G).
Em suma, também aqui não padece a decisão do vício que lhe foi apontado.
Cabe agora apreciar e decidir as duas últimas questões suscitadas.
E a propósito das mesmas impõe-se recordar, antes do mais, o que ficou desde logo decidido na decisão recorrida.
Assim, o Tribunal “a quo” e como já vimos, começou desde logo por considerar que parte dos pedidos formulados pela Requerente “são genéricos – irregularmente (art.º 556º do CPC) – e não têm natureza cautelar (precária e transitória), regulando, sim, definitivamente o alegado litígio. Pedidos como o de realização de “todas as obras estruturais no seu prédio suscetíveis de eliminar eventuais fontes de infiltração com a impactação das características do espaço destinado a loja situado no R/C do mesmo (o locado)” são indeterminados, não permitindo ao demandado conhecer o que dele se pretende nem ao tribunal (oportunamente) verificar a satisfação de uma eventual condenação no pedido, não se reduzem (com precisão) ao escopo cautelar e não permitem a fixação dos limites do caso julgado – cfr. os já referidos art. 2.º, n.º 2, e 556.º do CPC, bem como o art. 362.º, n.os 1 e 4, do CPC. Também visando a definitiva composição do litígio são os pedidos de natureza ressarcitória – als. e) e f).”.
Segundo tal entendimento, nomeadamente na parte em que considera que os pedidos formulados pela Requerente e antes melhor identificados, grande parte dos mesmos não assumem natureza cautelar, configurando sim a pretensão de regular definitivamente o litígio que mantém com a Requerida.
Perante tal ideia importa chamar à colação o disposto no nº1 do art.º 364º do CPC, segundo o qual, “excepto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva.”
Sobre a natureza instrumental do procedimento cautelar cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. II, 3ª edição, pág.18-23.
É consabido que a composição provisória que a providência cautelar visa atingir se pode consubstanciar numa de três finalidades: 1) garantir um direito; 2) definir uma regulação provisória ou 3) antecipar a tutela requerida.
Segundo A. Abrantes Geraldes Temas da Reforma do Processo Civil, Volume III: “As medidas deste tipo excedem a natureza simplesmente cautelar ou de garantia que caracteriza a generalidades das providências (…) o efeito destas providências não se limita a assegurar o direito que se discute na acção principal, nem tão pouco a suspender determinada actuação, garantindo-se, desde logo, e independentemente do resultado a alcançar na acção principal, um determinado efeito que acaba sempre por ter carácter definitivo”.
O artigo 362.º do CPC prevê de forma expressa tal possibilidade – a de se poder alcançar uma medida com efeitos antecipatórios da decisão definitiva, prevendo-se, até, a possibilidade de, em determinadas situações, a decisão cautelar se poder consolidar como definitiva composição do litígio, através da chamada inversão do contencioso (artigo 369.º do CPC), evitando-se a duplicação de procedimentos, repetindo na acção principal a apreciação da mesma controvérsia que já tinha sido debatida e decidida no procedimento cautelar.
Ora nos autos, tem razão a requerente/apelante quando, nas suas alegações, salienta que “mesmo sem que tenha sido realizado julgamento, se deve ter como provado que o arrendado sofre infiltrações de água que aparentemente provirão do telhado de cobertura ou dos vãos das janelas dos pisos superiores, ou das fachadas fissuradas, e que, muito recentemente, ruiu parte do tecto, estando em risco de ruir o restante a qualquer momento, fazendo desabar o tecto de outros compartimentos do locado com iminente perigo para a integridade física de quem ali se encontre”.
Tem igualmente razão, quando afirma que tais factos bastam para que se possa concluir que se está perante lesões continuadas, impondo-se prevenir a continuação ou a repetição dos actos lesivos, ou seja, o que se pretende é prevenir a continuação de infiltrações no arrendado e a possibilidade da sua ruína total.
Mais, aceitamos como correcta a ideia de que os danos já ocorridos tendem a agravar-se, podendo surgir outros novos, se em tempo útil não for concedida a providência destinada a evitar a repetição ou a persistência das situações lesivas.
Deste modo, também nós concluímos que numa situação de manifesta urgência como é a dos autos, a presente via cautelar se mostra adequada para antecipar o juízo a formular na acção principal.
Ou seja, a presente providência é o caminho processual adequado para que a (inquilina) Requerente consiga que o senhorio (a Requerida) realize no locado e no seu prédio as obras necessárias a repô-lo em condições de utilização.
Assim sendo e diversamente do que foi entendido na decisão recorrida, consideramos não estar perante pedidos que não têm natureza cautelar, podendo sim os mesmos e tendo nomeadamente em conta as regras previstas no nº1 do art.º 362º do CPC, ser tidos em conta no âmbito da presente providência.
Quando muito e considerando-se que os mesmos padecem das irregularidades apontadas na decisão recorrida, deve a Requerente ser convidada a vir aos autos suprir tais imprecisões, aperfeiçoando o seu articulado inicial, nos termos legalmente previstos, prosseguindo posteriormente os autos para realização de audiência de discussão e julgamento e posterior decisão final.
Assim sendo, merece reparo o segmento da decisão na qual se julgou parcialmente nulo o processado e se absolveu a Requerida, nesta parte, da instância cautelar, salvo quanto pedidos de restituição da maquinaria do sistema de ar condicionado (pedido compreendido na alínea f) do petitório) e ao franqueamento do acesso ao terraço de cobertura (pedido compreendido na alínea cc) do petitório).
E merece igualmente reparo a mesma decisão quando julgou improcedentes tais pedidos (os da alínea f), b) e cc) da petição inicial e deles absolveu a Requerida.
Na tese do Tribunal “a quo” não foram alegados factos que caracterizem o periculum in mora, relativamente aos pedidos sobre os quais não existe impedimento ao conhecimento de mérito.
Mais, da alegação da Requerente não resulta, sequer, que estejamos perante uma lesão grave e dificilmente reparável.
Podemos desde já dizer que não sufragamos tal entendimento.
E para sustentar a nossa opinião, vamos recorrer aos argumentos contidos no Acórdão desta Relação de 24.09.2009, relatado pelo Desembargador Teixeira Ribeiro, processo 4481/09.9TBMAI.P1, em www.dgsi.pt. e cujos segmentos que consideramos mais relevantes para o caso dos autos, passamos agora a transcrever:
“a) – Da suficiência da matéria de facto alegada quanto ao “periculum in mora”

Os procedimentos cautelares são, genericamente, expedientes processuais, de tramitação simplificada e célere, destinados a prevenir a lesão, pela natural demora da intervenção judiciária comum e definitiva, de um direito que já existe ou está em vias de ser reconhecido. Por isso, bastam-se com a prova sumária da probabilidade séria da existência do direito (sumaria cognitio) e do fundado receio da sua lesão – Artºs 387º, nº1 e 392º, nº1, ambos do Cod. Proc. Civil (diploma a que pertencem as demais disposições que doravante se citarem sem menção de origem).
Salvo os procedimentos nominados e com a sua regulação processual especificada em atenção à natureza dos direitos substantivos em causa, todas as demais providências cautelares podem ser requeridas segundo a disciplina que se designa de procedimento cautelar comum (naturalmente não especificadas), regulado nos Artºs 381º a 392º, como a que temos em apreço, que não encontra no direito adjectivo tramitação específica para o direito que pretende acautelar.
Segundo essa disciplina, o decretamento de uma providência cautelar comum depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) – probabilidade séria da existência de um direito;
b) – fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável nesse direito;
c) – inadequação ao caso concreto de qualquer uma das providências cautelares previstas nos artºs 393º e segts.
Surgindo a providência cautelar como expediente provisório, preliminar ou incidentalmente dependente de uma causa ulterior e final em que verdadeiramente se reconhece ou exerce o direito material, ela tem natureza instrumental e exige, para ser decretada, que o seu requerente demonstre sumariamente a existência do direito ameaçado (que pode ser um qualquer direito subjectivo, como o direito de propriedade, ou um interesse juridicamente tutelado, mais ou menos difuso), de molde a preservar-se a eficácia e utilidade daquela providência ulterior (assegurada pela causa final e principal), sabido como é que a preparação e formação, a maior partes das vezes lenta e demorada, da decisão definitiva poderá expor o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico, somente evitáveis através da providência cautelar – cfr, entre outros, José Alberto dos Réis, in “Código de Processo Civil”, Anotado, 3ª Edição, Reimpressão, pag. 623-627; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição, pag. 23-25, e António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Volume, Procedimento Cautelar Comum, pag.56-78.
(…)
Esta alegação, se bem que não completamente exangue de afirmações conclusivas ou de conceitos de direito e carecida de maior explanação concreta da realidade que poderia assumir para deixar de merecer completamente os reparos feitos na decisão recorrida, parece-nos, ressalvada a máxima consideração por opinião adversa, que é, pelo menos, bastante para que, ao contrário do que ali se sustentou, fazer prosseguir a tramitação dos autos com vista ao sumário apuramento dos factos alegados (com audição das testemunhas arroladas pela Requerente), ou para tomar a opção da prolação do despacho de aperfeiçoamento nos termos do disposto no Artº 508º, nºs 1, b) e 3, que, no caso, não chegou a ocorrer.
Não que se dispense a prova do periculum in mora por o legislador presumir que a demora da acção principal causa prejuízo grave e de difícil reparação, como acontece nas situações legalmente previstas de apreensão de veículos automóveis sequente à sua alienação com reserva de propriedade (nos termos dos Artºs 15º, nºs 1 e 2, 16º, do Dl. Nº54/75, de 12 de Fevereiro) ou que foram objecto de locação financeira (nos termos do Artº 21º, nºs 1,2 3 e 4, do Dl. Nº149/95, de 24 de Junho), mas porque – estando alegado que a Requerida mantém em seu poder e está a utilizar a viatura, apesar da resolução do contrato (quando devia proceder à sua entrega), completamente fora da álea do contrato que celebrara, sem qualquer controlo e contrapartida para a Requerente – não poderá essa conduta deixar de ser considerada lesão grave e de difícil reparação ao direito de propriedade sobre a viatura cuja entrega está a ser pedida por aquela. Com efeito, o periculum in mora tem que ser analisado e apreciado relativamente ao direito que é invocado pelo requerente, e não já em relação a qualquer outro direito que daquele seja sucedâneo ou substitutivo, como o direito à indemnização pelos prejuízos daí decorrentes.
Na verdade, estando em causa um bem móvel, cuja utilização implica, de forma notória, a sua depreciação e que, a curto prazo, poderá mesmo conduzir à sua total inutilização ou destruição, entendemos que a utilização do veículo por parte da Requerida até à decisão da acção determina, só por si, e independentemente do apuramento de qualquer outro facto que ainda esteja por fazer (dos alegados), o risco de a Requerente ficar privada, total e definitivamente, do seu direito de propriedade e das utilidades que ao mesmo são inerentes.
(…)
Ao pressuposto de se exigir ao decretamento da providência a verificação do requisito do fundado receio de que a demora da decisão definitiva cause lesão grave irreparável ou de difícil reparação ao direito do requerente não obsta o facto de a lesão poder ser minorada (ou “reparada”) pela entrega de uma quantia em dinheiro (conforme Artºs 1043º e 1044 do Código Civil), pois, a ser assim, raras seriam as situações de lesão (grave) que não pudessem ser reparadas (dado que até a perda do direito à vida é, no nosso sistema jurídico, “compensável”...!).
O que a Requerente pretende (lê-se no supra citado Aresto) com o procedimento cautelar – e é esse o seu direito – “é a entrega do veículo para, além do mais, salvaguardar a sua integridade (como máquina adequada a determinados fins), e não uma indemnização pela sua inutilização ou deterioração ou por dele não poder dispor, nomeadamente na celebração de novo contrato de aluguer”.
(…)
b) – Do despacho de aperfeiçoamento do requerimento inicial
Na linha de tudo o que antes ficou dito, o requerimento inicial da providência não é completamente desprovido de factos concretos relevantes (que, até agora, estão apenas alegados) para o conhecimento do respectivo pedido, de modo a poder afirmar-se que é inepto por falta absoluta de causa de pedir ou manifestamente improcedente.
O Mmº Juiz da 1ª Instância chega a reconhecer isso, quando na decisão recorrida escreveu - “Os factos alegados pela requerente são manifestamente insuficientes para que possamos dizer estar perante um fundado e justificado receio de perda da garantia patrimonial do crédito por parte da requerente...”. (sublinhados nossos).
Se assim é, se o factos estão menos bem explicitados e são insuficientes para, uma vez apurados (ainda que sumariamente), ditar a procedência da providência cautelar, bem poderia então, antes ou depois de ouvir a Requerida (conforme dispensasse ou não a sua audição), ter convidado a Requerente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, visando suprir essas insuficiências, nos termos das disposições conjugadas dos Artºs 234º, nº4, b), 234º-A, nº1, e 508º, nºs1, b), 2 e 3. Tudo aconselhava a que, dentro do salutar princípio da cooperação e da justa composição da lide (Artº 266º, nºs 1 e 2) a que assim procedesse, sendo, no entanto, duvidoso que assim tivesse que actuar vinculadamente, como vem sendo defendido tanto pela doutrina como pela jurisprudência mais seguidas sobre esta matéria - cfr., entre outros, José Lebre de Freitas, ob. Citada, pag. 23 e 353 a 355; Lopes do Rego, in “Comentários Ao Código de Processo Civil”, 2ª Edição, Volume I, pag. 220;e Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Volume, 3ª edição, pag.183-187, e os Acórdãos, desta Relação, de 29/06/2006 (procº nº0633389), in www.dgsi.pt/jtrp, e da Relação de Lisboa, de 20/05/2008 (proc.nº 4024/2008-1), in www.dgsi.pt/jtrl.
De todo o modo, e pelas razões já expostas, o requerimento inicial continha suficiente fundamento para que a instrução do procedimento requerido tivesse prosseguido, com ou sem despacho de aperfeiçoamento, para a audição das testemunhas indicadas pela Requerente, motivo pelo qual o agravo vai merecer provimento.”
Aplicando tais considerações ao caso dos autos, cabe concluir que também aqui o requerimento inicial da providência não é completamente desprovido de factos concretos relevantes (que, até agora, estão apenas alegados) para o conhecimento do respectivo pedido, de modo a poder afirmar-se que é inepto por falta absoluta de causa de pedir ou manifestamente improcedente.
Ou seja, deve considerar-se que a matéria ali contida é suficiente para o prosseguimento da providência requerida, com ou sem despacho de aperfeiçoamento, para a produção da prova produzida pelas partes, revogando-se assim a decisão recorrida.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
......................................................
......................................................
......................................................
*
III. Decisão:
Pelo exposto e julgando parcialmente procedente o presente recurso de apelação revoga-se em parte a decisão recorrida, determinando que a mesma seja substituída por outra que faça prosseguir os autos nos termos e para os efeitos supra indicados.
*
Custas pela parte vencida a final.
*
Notifique.

Porto, 9 de Setembro de 2021
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço