Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10796/15.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
ASSÉDIO MORAL
Nº do Documento: RP2017010510796/15.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 01/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º250, FLS.230-240)
Área Temática: .
Sumário: I - A justa causa subjectiva justificativa do despedimento por parte do trabalhador assente em assédio moral do empregador, estando para além de situações de mero mau relacionamento, implica a verificação de comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, passíveis de exercer pressão moral sobre este e tendo em regra associado um objetivo final ilícito ou pelo menos eticamente reprovável, bem como, ainda, enquanto característica essencial do conceito de justa causa, a demonstração de que esse comportamento da entidade patronal, que lhe possa ser imputável a título de culpa, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.
II - Não preenche os aludidos pressupostos o comportamento de um empregador que, discutindo por vezes com a trabalhadora, apelidando-a de incompetente, em determinado dia, na sequência de uma reclamação de um cliente sobre o serviço prestado, a apelida de incompetente e de não ter realizado convenientemente o serviço.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO Nº 10796/15.0T8VNG.P1

Apelação 10796/15.0T8VNG.P1
Autor: B…
: C…, Unipessoal, Lda.
_______
Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. M. Fernanda Soares
2º Adjunto: Des. Domingos José de Morais

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. B… instaurou acção ação declarativa sob a forma de processo comum contra a Ré C…, Unipessoal, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização de €3.880,16 pela resolução com justa causa do contrato de trabalho e €3.000 por danos morais, quantias acrescidas de juros de mora.
Para tanto e em síntese, alegou a Autora que, trabalhando para a Ré desde 1/09/2009 como empregada de andares, o seu superior, que a vinha insultando, no dia 20/10/2015 e por causa de uma pretensa queixa de um cliente sobre cabelos no quarto, a chamou de lerda, porca e outros insultos, deixando-a de tal modo nervosa e receosa que teve de ser acompanhada ao hospital pelo marido, razão pela qual resolveu o contrato de trabalho, com justa causa, por carta de 20/11/2015.

1.1. Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a Ré apresentou contestação, na qual, em síntese, sustenta serem apenas atendíveis para a apreciação da justa causa os factos alegados na carta de resolução e sendo esses apenas os do dia 20/10/2015, os mesmos são falsos, referindo ainda que houve diversas reclamações contra o serviço da Autora, sendo essa a insultar o gerente da Ré, que estava a preparar um processo disciplinar.

1.2. Foi proferido despacho saneador, no qual, para além de se fixar o valor da causa em €6.880,16, se dispensou a enunciação de base instrutória ou temas de prova.

1.3. Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio por fim a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente por não provada a presente ação que a Autora B… moveu contra a Ré C…, Unipessoal, Lda., absolvendo-se esta do(s) pedido(s) formulado(s) por aquela.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Autora recurso de apelação, de cujas alegações formula as seguintes conclusões.

“1º - O entendimento perfilhado na decisão sub judice não tem qualquer sustentabilidade jurídica quer no plano processual quer na vertente substantiva, já que se encontra inquinado de múltiplos erros, por um lado, de apreciação dos factos provados e, por outro, de interpretação e aplicação das disposições legais que, adjectiva e substantivamente, incidem sobre o “thema decidendum”;
2º - Em face da factualidade apurada e do(s) pedido(s) formulado(s), a questão essencial a decidir é a de determinar se a A. tinha justa causa para resolver, como resolveu em 20/11/2015, o contrato de trabalho que mantinha com a R. desde 1/09/2009;
3º - Obteve-se a prova manifesta de que, ainda que por vezes, o gerente da Recorrida apelidava a Recorrente de incompetente; que, no dia 20/10/2015 a acusou de não ter limpo o quarto 9, conforme lhe pedira; que isso levou a uma reclamação de um cliente por cabelos deixados no wc e cama; que a A. era incompetente e estava a fazer perder clientes ao motel;
4º - Ao contrário do entendido pelo Juiz à quo, pode-se afirmar a manifesta existência de uma situação de "mobbing" ou assédio moral;
5º - Por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador;
6º - O assédio moral consubstancia uma actuação persecutória, humilhante, vexatória, geradora de um ambiente de trabalho degradante, intimidativo ou desestabilizador, o que, mediante a factualidade dada como provada, foi o que aconteceu no caso em apreço;
7º - A Recorrente conseguiu mediante a factualidade dada como provada, demonstrar ter sido vítima de assédio moral, ou seja, de ter sido repetidamente sujeita a actuações violadoras da sua integridade moral;
8º -Estando nós perante um caso de assédio moral não discriminatório, pois o comportamento indesejado da Recorrida não se baseou em nenhum factor discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa (mobbing);
9º - Existem nos autos factos suficientes que permitem, inequivocamente, concluir que a mesma «foi objecto de assédio moral praticado directamente pela seu superior hierárquico, que continuadamente afectou a sua dignidade, causando-lhe um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador que se arrastou no tempo e determinou que a recorrente tivesse de recorrer a baixas médicas;
10º - Como determina o n.º 4 do referido art. 441.º, a apreciação da justa causa deve ser feita nos termos do art. 396.º, nº 2 do C.T., com as necessárias adaptações, sendo que este preceito legal manda atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se revelem pertinentes;
11º - Conforme tem entendido Supremo Tribunal de Justiça, não obstante as circunstâncias a apreciar para a verificação da justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador serem reportadas às estabelecidas para os casos da justa causa de despedimento levado a cabo pelo empregador, o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador, uma vez que este, ao contrário do trabalhador, tem ao seu dispor outros meios legais de reacção à violação dos deveres laborais;
12º - O alegado mobbing ou assédio moral, terá que ser apreciado no âmbito da violação do direito à integridade da Recorrente pois existe uma manifesta violação por parte da Recorrida das garantias legais da Recorrente, face ao comportamento realizado pela Recorrida sendo de afirmar a culpa desta, apenas se podendo concluir pela inexigibilidade da manutenção do vínculo por parte da Recorrente;
13º - Apenas se podendo concluir que o superior hierárquico da Recorrente, gerente da Recorrida, praticou comportamentos violadores do dever de a respeitar e tratar com urbanidade, considerou que, no momento em que a Recorrente procedeu à resolução do contrato de trabalho;
14º - Sendo este comportamento, objectivamente, violador dos deveres de respeito, urbanidade e probidade para com o trabalhador e de lhe proporcionar boas condições de trabalho a nível psíquico;
15º - Ao contrário do entendido pelo Tribunal à quo, o comportamento da Recorrida só poderá ser considerado culposo, pois o mesmo consubstancia-se numa manifesta ofensa à integridade moral do trabalhador que justifica a resolução do contrato;
16º - Não tendo a mesma que ser uma ofensa punível por lei, designadamente por constituir injuria, bastando que a mesma seja de tal modo grave que, pelas circunstâncias em que ocorreu ou pelas suas consequências, tornou inexigível por parte da Recorrente a manutenção da relação de trabalho, em circunstâncias idênticas às que constituem justa causa de despedimento pelo empregador (art. 351º do C.T.);
17º - Ao assim não entender, mal andou o Tribunal à quo tendo violado com a decisão proferida as normas jurídicas dos Artigos 29º, 127º, n.º 1, alíneas a) e c), 394º, 351º, n.º 3, 396º e 496º, todos do Código do Trabalho.
Termos em que, no provimento do presente recurso, deve a sentença recorrida ser totalmente revogada e substituída por outra que julgue procedente a justa causa da rescisão contratual levada a efeito pelo Recorrente e, consequentemente, condene a Recorrida no pagamento da indemnização legal, bem como a peticionada indemnização por danos morais, acrescidas dos respectivos juros de mora.”

2.1. Não foram apresentadas contra-alegações.

2.2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 142/3) no sentido da improcedência do recurso.
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Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
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II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: a) Saber se os factos consubstanciam justa causa para o despedimento por parta da Autora/recorrente; Dependendo da resposta dada anteriormente, apreciação ou não dos pedidos formulados pela Autora.
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III – Fundamentação
A. De facto
A.1. Esclarecimento prévio:
Constando da factualidade provada a remessa para os documentos de fls. 32 a 34 e 80 e 81, apenas com a menção de que se considera provado o seu conteúdo, até pela importância que podem assumir na acção – respectivamente, comunicação do despedimento por parte da Autora e resposta a essa por parte da Ré –, entende-se que se deveria ter referido, diversamente da opção tomada, nomeadamente o conteúdo relevante desses documentos, razão pela qual, na indicação dos factos que consideraremos infra como provados, tal se fará constar.

A.2. Atendendo ao que se referiu anteriormente, os factos considerados provados pelo tribunal recorrido são os seguidamente transcritos:
“1 - A R. admitiu ao seu serviço a A. em 01 de Setembro de 2009, para trabalhar sob suas ordens, instruções e fiscalização.
2 - Convencionaram um contrato de trabalho a termo certo pelo período de 6 meses, tendo este sido renovado até se tornar sem termo.
3 - A R. classificava profissionalmente a A. com a categoria de Empregada de Andares, conforme contrato de trabalho e alteração do mesmo documentados a fls. 20 a 24 e 29 a 30, respectivamente.
4 - A A. auferia da R. uma retribuição base de 542 euros, diuturnidades de 6,60 euros, uma “percentagem nocturna” de 12,56 euros e subsídio de alimentação no valor de 4,50 euros por cada dia da trabalho, conforma se infere dos recibos juntos a fls. 21 e que aqui se dão por reproduzidos.
5 - O horário de trabalho era de 40 horas semanais, divididas estas pelos cinco dias ou cinco dias e meio, sendo estabelecido semanalmente entre a entidade empregadora e trabalhadora.
6 - No entanto sempre a A. trabalhou por ordem do patrão nos seguintes períodos:
Segundas – das 07h30m – 17h30m;
Terças, Quartas, Quintas e Sextas – das 15h30 ás 24 horas.
7 - Em 20 de Novembro de 2015, a A. comunicou por escrito, mediante carta registada com aviso de recepção a resolução com justa causa do contrato de trabalho celebrado com a R., conforme carta registada junta a fls. 32 a 34, cujo teor aqui se dá por reproduzido, da qual consta, designadamente:
«(...) A conduta do seu patrão, a quem sempre respondeu como tal, Exmo. Senhor D… como da entidade empregadora configura um comportamento reiterado e culposo que pela sua gravidade e consequências tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
O comportamento imputável do Sr. D… - entidade empregadora, a título de culpa, comportamento, esse, pela sua gravidade e consequências, tornou inexigível a manutenção do vínculo laboral. (...)
Porquanto (...) foi objecto de maus tratos psicológicos e morais realizados no seio da empresa aquando da sua prestação de trabalho pelo seu superior - Sr. D….
Tais maus tratos têm-se traduzido em atitudes de hostilização consubstanciadas na agressividade com que lhe dirigia a palavra para lhe dar qualquer ordem ou instrução, o que levou a que entrasse em situação de baixa médica entre 20.10.2015 até á presente data, com uma grave depressão, entre outras baixas anteriores.
O seu patrão - Sr. D… - estava sempre a entrar á socapa quando ia arrumar os quartos, chamando-lhe “incompetente” por vezes em frente das outras colegas, “pareces deficiente”, “pareces atrasadinha”, acusando-a de “lerda”, “porca”, proferindo frases e termos hediondos de português vernáculo, tais como; vêm para aqui estas putas com estes “conhos” que só gemem; questionava-a se ouvia os “ruídos” que vinham do quarto ao lado e em frente, ainda; sobrecarregando-a com trabalho, além do seu também de outras colegas, sendo, para além disso, constantemente ameaçada com despedimento, o que foi criando na empregada uma situação de insustentável pressão pessoal diária, que lhe provoca dores de estômago e de cabeça, diarreias contínuas, tonturas, desequilíbrio, perda de memória e choro descontrolado, tremores, angústia e descontrolo emocional que conduziram a que tivesse chamado por diversas vezes o marido para a ir buscar ao trabalho por não conseguir sair pelo seu próprio pé. (...)
Todas estas agressões verbais reiteradas, culminaram no dia 20 de Outubro pelas 18h30m da tarde, quando o patrão entrou num dos quartos que a B… se encontrava a limpar, a gritos ensurdecedores e verdadeiramente aterrorizadores, de tal modo que B… temeu pela sua integridade física;
Gritava este que a B… não tinha limpo um tal quarto 9, quarto esse não de sua responsabilidade, mas sim de uma outra colega de trabalho.
No entanto, na véspera, dia 19, de facto o patrão tinha solicitado a limpeza do WC de tal quarto 9, uma vez que tal colega não tinha feito a limpeza adequadamente.
B… de imediato limpou o WC, desse quarto. Desconhecendo se este foi usado entretanto. Dizia o patrão que houve uma queixa de um cliente por volta das 2 horas da manha, afirmando que o quarto estava repleto de cabelos no WC e na cama.
Saliente-se, que tal cliente entrou pelas 10h30 do dia 19 usou o quarto e saiu pelas 02h30m da madrugada do dia 20, sendo que apenas á saída e a essa hora terá feito a reclamação.
Desconhece B… a veracidade de tal queixa, pois foi rejeitada a exibição do livro de reclamações.
Destratou-a, insultando-a aos gritos de lerda, porca e minorca.
Sai o patrão do quarto, continuamente aos gritos de porca, e bate com a porta.
Ficou a B… em terror absoluto, nem se conseguia mover, tanto que telefonou ao marido que a fosse buscar imediatamente, pois estava a senti se muito mal, com tonturas, enjoos, o coração tinha disparado.
Passados minutos chegado o marido, quando já de deslocavam á saída, foram estes convidados pela gerente do motel a deslocarem-se ao escritório do patrão - Sr. D…
Novamente aos gritos, insultou-a de lerda e porca, que parecia uma deficiente, ainda dizendo que lá não poderia continuar a trabalhar, pois por sua causa estava a perder muitos clientes; ao que o marido respondeu;
… Se é assim então despeça-a.
Ao que o patrão respondeu, … Não, despeço, se queres vais tu embora…”
Perante todo este horror senão pavor, B… continuou a sentir-se mal, acabando nas urgências do Hospital E…, a ser vigiada e medicada, atendendo ao seu estado de pânico.
Todo o exposto enquadra o preceito legal do artigo 29 do CT o “mobbing” ou assédio moral ou, ainda, como por vezes se designa, terrorismo psicológico, que se consumou com a prática dos comportamentos acima descritos, a sua reiteração bem como a crescente ofensa, a final culminou com a verificação de consequências na saúde física e psíquica do trabalhador e no próprio emprego.
Traduzindo-se numa prática persecutória reiterada, contra a empregada, levada a efeito, pelo patrão, com o único objectivo, e como efeito, afectar a dignidade da empregada, levando-a ao extremo de querer abandonar o emprego.
Todo o acima exposto, consubstanciar justa causa de resolução imediata do contrato de trabalho, com direito à indemnização.(...)»
8 - Cessando assim e desde então todas as funções que a A. vinha exercendo para a R. no C….
9 - O gerente da R., Sr. D…., discutia por vezes com a A., apelidando-a de incompetente.
10 - No dia 20 de Outubro por volta das 18h30m da tarde, o gerente entrou num dos quartos que a B… se encontrava a limpar, acusando-a de que não tinha limpo um tal quarto 9.
11 - Na véspera, dia 19, de facto, o patrão tinha solicitado à A. a limpeza do WC de tal quarto 9.
12 - Uma vez que outra colega não tinha feito a limpeza adequadamente.
13 - Dizia o patrão que houve uma queixa de um cliente por volta das 2 horas da manha, afirmando, à saída e depois de usar o quarto, que encontrara este repleto de cabelos no WC e na cama.
14 - Tal cliente entrou pelas 22h30 do dia 19, usou o quarto e saiu pelas 02h00m da madrugada do dia 20, sendo que apenas à saída e a essa hora fez a reclamação.
15 - A reclamação não foi feita no livro de reclamações.
16 - A A. ficou nervosa e a superior, que entretanto ali compareceu, ao vê la nesse estado, deu-lhe açúcar.
17 - A A. ligou ao marido, para a ir buscar, tendo este comparecido à saída do motel e sido convidado pela superior a deslocar-se ao interior, até junto de onde a A. se encontrava, ao que aquele acedeu.
18 - Perante ambos, o patrão, Sr. D…, disse que a A. era incompetente, que estava a fazer perder clientes ao motel…
19 - Ao que o marido respondeu; “… Se é assim então despeça-a….”
20 - O patrão retorquiu que não, que se quisesse que fosse ela embora.
21 - O marido da A. ligou para a entidade policial, para que estes se deslocassem ao local.
22 - A A. acabaria por ser acompanhada pelo marido às urgências do Hospital E…, onde foi medicada por palpitações e outras queixas derivadas de “discussão no seu lugar de trabalho”, conforme consta do relatório junto a fls. 40 a 45, que aqui se dá por reproduzido.
23 - Nesta decorrência, a A. entrou em situação de baixa médica desde 21.10.2015, sendo que já tinha tido outros períodos de incapacidade para o trabalho anteriores, conforme se infere da declaração médica de fls. 35, que aqui se dá por reproduzida.
24 - A A. apresentou uma denúncia por injúria alegadamente praticada em 22/10/2015, segundo consta da notificação documentada a fls. 36 e aqui dada por reproduzida, referente ao processo de inquérito com o nº 5980/15 DIAP – VNG- 1ª Secção.
25 - Até, pelo menos, meados de 2015, a A. era considerada, mesmo pela R., como uma boa profissional.
26 - A R. pagou a quantia líquida de € 1.301,26, em Novembro de 2015, para pagamento das verbas descritas no recibo junto a fls. 49 e que aqui se dá por reproduzido, incluindo portanto férias não gozadas e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal.
27 - A A. ficou desgostosa com o sucedido em 20/10/2015, ainda hoje se mostrando incomodada.
28 - A A. chora frequentemente.
29 - A R., após a resolução comunicada pela A., enviou a esta, em 27.11.2015, a carta documentada a fls. 80 e 81, cujo teor aqui se dá por reproduzido, de onde consta, designadamente:
«(...) É completamente falso que a entidade patronal, na pessoa do seu sócio gerente, tenha mal tratado a trabalhadora, psicológica e moralmente, designadamente, com as expressões transcritas na missiva a que ora se responde ou com trabalho excessivo. (...)
Os factos ocorridos no dia 19 e 20 de Outubro, não se passaram conforme o descrito pela trabalhadora.
A entidade patronal nunca violou qualquer direito da trabalhadora, tratando-a sempre, sem excepção, com urbanidade e educação, não tendo qualquer atitude persecutória da mesma.
Porém, contrariamente ao pretendido pela trabalhadora, compete à entidade patronal, o poder de direcção, pelo que, lhe competia acatar as ordens e instruções, que de forma legitima, lhe eram dirigidas.
Ao invés do alegado, foi a trabalhadora que de forma ostensiva e gravosa, incumpriu os seus deveres laborais, inclusivamente, mediante ofensa por injúrias, dirigidas ao gerente da entidade patronal.(...)»
30 - Entre os dias 13 de Janeiro e 12 de Abril de 2015, a Autora encontrou-se incapacitada para o trabalho, de “baixa médica”, por ter feito uma cirurgia a uma mão e também para prestar assistência ao filho que, igualmente foi submetido a uma cirurgia.(cfr. doc. junto a fls. 35).
31 - Desde o início do contrato de trabalho, em 2009, essa foi a primeira vez que a funcionária se encontrou incapacitada para o trabalho.
32 - Situação que se repetiu entre os dias 26 de Maio e 6 de Junho de 2015, tendo a Autora alegado padecer de “dor ciática”. – (cfr. mesmo doc.)
33 - Facto do qual já se vinha queixando no seu local de trabalho, mostrando-se bastante cansada, nervosa e agitada.
34 - No referido dia 20/10/2015, cerca das 18:30, a Autora contactou telefonicamente a funcionária administrativa da Ré, F…, que se encontrava em casa, por estar fora do seu horário normal de trabalho, pedindo-lhe que se dirigisse ao motel, por se considerar ofendida pelo gerente, Sr. D….
35 - Quando o gerente constatou a presença da funcionária F…, ficou surpreso, por não ver motivo para que ela ali tivesse ido.
36 - Perante a dita F…, reiterou que apenas tinha dito à A. que, se tivesse limpo a casa de banho, o cliente não reclamava.
37 - A A. retorquiu que se sentia ofendida pelo facto de o Sr. D… acreditar mais na palavra de um cliente do que na dela.
38 - Mais disse a A. que o Sr. D…, gerente da Ré, era “mau”, “frio” e “ia morrer sozinho”.
39 - O gerente da Ré afirmou que não lhe admitia aquele comportamento e que exigia respeito, não havendo justificação para ter criado aquele conflito.”
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B. Discussão
1. Questão de saber se os factos consubstanciam justa causa para o despedimento por parta da Autora/recorrente
Não incidindo o recurso sobre a matéria de facto, sem prejuízo da rectificação efectuada supra, para apreciação da questão apenas serão considerados os factos que foram considerados, nesse âmbito, pelo Tribunal a quo.

A apelante, nas suas conclusões – esclarecendo-se que as indicadas em 5.º, 6.º, 10.º e 11.º não colocam questões concretas –, sustenta que, estando provado que ainda que por vezes o gerente da Recorrida apelidava a Recorrente de incompetente e que no dia 20/10/2015 – acusando-a de não ter limpo o quarto 9, conforme lhe pedira, o que levou a uma reclamação de um cliente por cabelos deixados no wc e cama – lhe referiu que era incompetente e estava a fazer perder clientes ao motel, tal consubstancia, ao contrário do entendido pelo Juiz a quo – violando esse com a decisão proferida as normas jurídicas dos Artigos 29º, 127º, n.º 1, alíneas a) e c), 394º, 351º, n.º 3, 396º e 496º, todos do Código do Trabalho –, a manifesta existência de uma situação de "mobbing" ou assédio moral não discriminatório, por estar demonstrado que o seu superior hierárquico continuadamente afectou a sua dignidade, causando-lhe um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador que se arrastou no tempo e determinou que tivesse de recorrer a baixas médicas (carácter continuado e insidioso, que tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa), praticando esse assim comportamentos objectivamente violadores do dever de a respeitar e tratar com urbanidade e de lhe proporcionar boas condições de trabalho a nível psíquico – não tendo que ser uma ofensa punível por lei, designadamente por constituir injuria, bastando que a mesma seja de tal modo grave que, pelas circunstâncias em que ocorreu ou pelas suas consequências, tornou inexigível por parte da Recorrente a manutenção da relação de trabalho, em circunstâncias idênticas às que constituem justa causa de despedimento pelo empregador (art. 351º do C.T.) –, existindo assim uma situação de inexigibilidade da manutenção do vínculo por parte da Recorrente.
Não tendo sido apresentadas contra-alegações, sustenta porém o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer a falência desses argumentos, devendo assim ser mantida a decisão recorrida.

1.1. A análise da questão pressupõe que façamos uma abordagem sobre a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador sem necessidade de aviso prévio com invocação de justa causa, a que alude o art.º 394.º do Código do Trabalho (CT/2009).
De acordo com o referido preceito legal, a justa causa para a resolução do contrato de trabalho pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objectivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de actos lícitos pelo empregador (seus n.ºs 2 e 3), dizendo-se no primeiro caso que estamos perante resolução fundada em justa causa subjectiva e, no segundo, por sua vez, fundada em justa causa objectiva.
Tendo de ser comunicada a intenção de resolução ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam, a mesma tem de revestir a forma escrita, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” (n.º1 do art.º 395.º, do CT/09) – indicação essa que, afastando-se outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão[1] –, sendo que é a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – principio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º) –, sem esquecermos, ainda, que é “a justa causa apreciada nos termos do n.º 3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” (n.º 4 do art.º 394.º), bem como que é sobre o trabalhador que impende o ónus de alegação e prova da existência de justa causa – ou seja, que alegue e prove os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (art.º 342.º n.º 1, do Código Civil).
No caso que se aprecia, por referência às causas supra indicadas para a resolução, apenas importa atender à primeira, ou seja a justa causa subjectiva, que assenta num comportamento do empregador que se reconduza a um acto ilícito, nomeadamente, uma das situações previstas nas alíneas do aludido n.º 2, do art.º 394.º, assim: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; d) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; e) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticado pelo empregador ou seu representante.
Mais concretamente, a propósito do preenchimento da previsão da citada alínea b) do n.º 2 do art.º 394.º, por referência ao sustentado pela Apelante, temos o facto de por vezes o gerente da Recorrida a apelidar de incompetente e que no dia 20/10/2015 – acusando-a de não ter limpo o quarto 9, conforme lhe pedira, o que levou a uma reclamação de um cliente por cabelos deixados no wc e cama – lhe referiu que era incompetente e estava a fazer perder clientes ao motel, o que, diz aquela, configura manifestamente a existência de uma situação de "mobbing" ou assédio moral, por estar demonstrado que o seu superior hierárquico continuadamente afectou a sua dignidade, causando-lhe um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador que se arrastou no tempo e determinou que tivesse de recorrer a baixas médicas.
Antes de entrarmos n análise sobre se os comportamentos provados integram a previsão da indicada alínea, importa desde já deixar claro que, ainda que se chegue a essa conclusão, sempre será de exigir a verificação da característica essencial do conceito de justa causa, ou seja, a demonstração de que esse comportamento da entidade patronal, que lhe possa ser imputável a título de culpa, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral[2]. Ou seja, tal como ocorre no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa por facto imputável ao trabalhador, também para o trabalhador a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral[3].

1.1.1. Do assédio moral.
Em linha com o preceituado no art.º 15.º, segundo o qual o trabalhador goza do direito à respetiva integridade física e moral, e ainda nos art.ºs 23º, 24.º, 25.º e 129.º, n.º 1, al. c) do mesmo CT/2009, e concretizando os comandos constitucionais elencados nos artigos 25.º, n.ºs 1 e 2 da CRP – onde se estabelece, respetivamente, que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável” e que “ninguém pode ser submetido a tortura, nem a maus tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos” – estabelece o art.º 29.º, n.º 1, que se entende “por assédio moral o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, humilhante ou desestabilizador”, sendo que, de acordo com o seu n.º 4, consubstancia a comissão de uma contraordenação muito grave.
Apreciando a previsão da norma, acompanha-se aqui, dada a sua relevância, o que a esse respeito, por apelo fundado à Doutrina[4], se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 2014[5]:
«De acordo com o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina, pode dizer-se, numa formulação sintética, que o assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou superior hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador[6], aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.
Ora, é patente que uma abordagem do art. 29.º, n.º 1, do CT, apenas assente no seu elemento literal, se revela demasiado abrangente, pelo que se impõe um esforço adicional para adequadamente delimitar a sua esfera de proteção.
Com efeito, como enfatiza Monteiro Fernandes, “a definição do art. 29º não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”.[7]
E, como realça Júlio Manuel Vieira Gomes[8], “importa (…) advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo (…) importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção”.
Ensaiando uma interpretação “capaz de servir as finalidades operatórias” do conceito de assédio, diz-nos Monteiro Fernandes[9]:
“Entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:
a) Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);
b) Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (…);
c) Um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (…).
A definição do art. 29.º parece, por exemplo, prescindir do elemento intencional que parece essencial à diferenciação da hipótese de assédio, face a outros tipos de comportamento incorreto, abusivo ou prepotente do empregador ou dos superiores hierárquicos do trabalhador. A interpretação do preceito deve, pois, ser feita no sentido indicado.”
A propósito da dimensão volitiva/final do conceito de assédio, a doutrina sempre se mostrou dividida, pois, “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas”.[10]
Neste âmbito, havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal, também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um “pensamento legislativo” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, C. Civil.
Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.
No entanto, quanto aos precisos contornos desta exigência, duas observações se impõem.
Em primeiro lugar, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve, como vimos, a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que - no plano da vontade do agente - não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.
Por outro lado, para referir que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra[11] associado um objetivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/ estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua auto-estima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objetivos específicos supra expostos).»

Face à eloquente abrangência que a questão mereceu no citado Acórdão, apenas nos permitimos enfatizar duas notas:
Em primeiro lugar, como de resto tem sido reiteradamente entendido pela nossa jurisprudência e em particular pelo Supremo Tribunal de Justiça, que a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige assim mais do que a mera verificação material de um qualquer dos comportamentos do empregador elencados, sendo ainda necessário que desse comportamento culposo do empregador resultem «efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade»[12]’[13].
Por último, que a preocupação com a manutenção da relação de trabalho e a diversidade de interesses e de posições das partes devem motivar exigências diversas relativamente ao preenchimento da justa causa de resolução por iniciativa do trabalhador, projectando-se assim a referida preocupação de salvaguarda da relação de trabalho na ponderação do preenchimento daquele conceito. Assim o adverte Maria do Rosário Ramalho[14], depois de referenciar os requisitos acentuados pela jurisprudência para que se configure uma situação de justa causa subjetiva para a resolução do contrato[15], lembrando a necessidade de «não se apreciar os elementos acima referidos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar, designadamente no que se refere ao terceiro elemento», o que resultará da «fundamental dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador».

1.1.2. Do assédio moral.
Enquadrada a questão, vejamos se os factos integram, como o sustenta a Apelante, uma situação de assédio moral ou “mobbing” passível de justificar a resolução, com justa causa, do contrato de trabalho.
A decisão recorrida, pronunciando-se, respondeu negativamente a tal questão, nos termos seguintes:
«Para a apreciação dessa justa causa, apenas são atendíveis os factos comunicados na carta de resolução, segundo o art. 398º, nº 3, do Cód. Trabalho.
Ora, do que aí foi vertido pela A., apenas obteve adesão da prova produzida que, por vezes, o gerente da R. apelidava a A. de incompetente; que, no dia 20/10/2015 a acusou de não ter limpo o quarto 9, conforme lhe pedira; que isso levou a uma reclamação de um cliente por cabelos deixados no wc e cama; que a A. era incompetente e estava a fazer perder clientes ao motel…
Outros insultos ou agressões verbais não resultaram provados, tal como não resultou demonstrado que este tipo de acusações por parte do gerente da R. à A. fossem reiterados, como alegava a A..
Assim e desde logo, não se pode afirmar a pretensa existência de uma situação de “mobbing” ou assédio moral, nos termos previstos no art. 29º do C.T., que a A. cita e aqui deixamos transcritos: (...)
Este tipo de ofensas à integridade moral de um trabalhador implica, para além do mais, comportamentos reiterados, cada vez mais gravosos e de tal forma perturbadores que ponham em causa a saúde física e/ou psíquica do trabalhador.
Por outro lado e mesmo cingindo-nos à discussão do dia 20/10/2015, cumpre observar que, se é certo que o patrão chamou a A. de incompetente e de estar a causar a perda de cliente, não é menos certo que houvera efectivamente uma reclamação de um cliente por causa de cabelos no quarto 9 e que, de véspera, fora ordenada à A. A limpeza desse quarto. Este circunstancialismo, embora não demonstre a veracidade ou justifique, por si só, as acusações e palavras dirigidas à A., não deixa de tornar menos censurável ou mais compreensível a reacção do gerente da R..
Acresce que, no meio da discussão, a A. não deixou também de dirigir ao gerente acusações ou impropérios, como os de ser mau, frio e ir morrer sozinho. E, seja como for, perante uma relação laboral que já durava há mais de 6 anos, não era um episódio como o que sucedeu no dia 20/10/15 que, do ponto de vista objectivo, legitimaria a resolução do contrato de trabalho. (...).
Dispõe o art. 394º do Cód. Trabalho, (...).
Daqui resulta que não é qualquer ofensa à integridade moral do trabalhador que justifica a resolução do contrato. Tem de ser uma ofensa punível por lei, designadamente por constituir injuria (crime que, face aos factos e à mera denúncia criminal apresentada pela A., não podemos dar por cometido). E tem de ser de tal modo grave que, pelas circunstâncias em que ocorreu ou pelas suas consequências, torne inexigível a manutenção da relação de trabalho, em circunstâncias idênticas às que constituem justa causa de despedimento pelo empregador (art. 351º do C.T.).
No caso e quando muito, estamos perante uma menor observância, por parte do representante da R., dos deveres de respeito, urbanidade e probidade para com o trabalhador e de lhe proporcionar boas condições de trabalho a nível psíquico – art. 127º, nº 1, als. a) e c), do C.T.. Mas não perante ofensas de índole criminal, muito graves ou reiteradas. Acresce que as ofensas foram, de certa forma, mútuas.
Entendemos assim que não se verificava causa suficientemente justificativa para a resolução do contrato de trabalho pela A..
Em conformidade, não assiste à A. o direito à indemnização prevista no art. 396º do Cód. Trabalho: seja a indemnização em função da antiguidade prevista no nº 1; seja a indemnização por danos não patrimoniais prevista no nº 3.»

Considerada a factualidade provada, sendo que só essa importa, não poderemos deixar de concordar com a sentença recorrida.
Desde logo, sempre com o devido respeito, importa assinalar a necessidade de ser reposto o rigor das conclusões que podem ser extraídas dos factos, dado que a Recorrente autora extravasa o que se pode retirar da matéria assente.
Com efeito, assim desde logo nas suas conclusões 6.ª a 9.ª, não se pode afirmar que estejamos perante repetidas actuações – carácter continuado e insidioso – violadoras da integridade moral da Autora, como ainda que tivessem em vista um intuito de a afastar da empresa (conclusão 8.ª) mobbing).
Na verdade, como se refere na sentença recorrida, apenas se demonstrou que o gerente da Ré discutia por vezes com a Autora, apelidando-a de incompetente, expressão que também utilizou afinal no dia no dia 20/10/2015, altura em que a acusou também de não ter limpo um quarto como lhe pedira e que estava a fazer perder clientes ao motel. E, mesmo quanto ao ocorrido neste dia, não poderemos deixar também de ter em conta o facto de ter existido efectivamente uma reclamação de um cliente por cabelos deixados no wc e cama desse quarto, o que de algum modo, ainda que não justifique o ocorrido, dá-lhe no entanto contornos de menor gravidade, tanto mais que, traduzindo a expressão “incompetente” atribuída a uma pessoa o significado de que essa não tem competência, que carece das condições/qualificações exigidas[16] – ou seja, no caso de um trabalhador, que esse não exerce a sua actividade de forma adequada ou capaz –, a ter-se verificado a situação descrita pelo cliente – sem esquecermos que, não se tendo essa provado, provou-se porém a existência da reclamação, podendo assim admitir-se perfeitamente que o gerente da Ré estivesse legitimamente convencido, face a essa reclamação, da veracidade da imputação quando a não ter a Autora limpo o quarto –, a mesma justificava que, dentro dos poderes de direcção, o gerente pudesse questionar o ocorrido, de modo a que não pudessem voltar a repetir-se situações como essa. Dito de outro modo, a ser verdade o que descreveu o cliente – e não pode dizer-se, com base nos factos, que o gerente da Ré tivesse razões concretas para o questionar, o que releva em termos de apuramento da culpa –, essa situação não configuraria certamente uma actuação adequada/competente por parte do trabalhador a quem tinha sido atribuída a incumbência de limpar o quarto, sendo que, ainda que tal pudesse não legitimar a utilização da expressão “incompetente”, dada a sua carga depreciativa, atribui ao ocorrido contornos menos gravosos.
Daí que, dentro do aludido circunstancialismo, como base na factualidade provada, tal como bem salienta o Exmo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, não pode assim afirmar-se, contrariamente ao defendido pela Apelante nas suas alegações e conclusões, que estejamos perante uma actuação, por parte do gerente da Ré, que possa ser tida como “persecutória, humilhante, vexatória, geradora de um ambiente de trabalho degradante, intimidativo ou desestabilizador”.
Como se referiu anteriormente, ainda que se tenha presente – tal como salienta Maria do Rosário Ramalho[17], a necessidade de não se apreciarem os elementos exigidos para a configuração de uma situação como de assédio moral em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar, designadamente no que se refere ao juízo sobre se os factos tornam imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência do vínculo laboral, não poderemos esquecer, tal como reiteradamente o tem afirmado a jurisprudência, que a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a mera verificação material de um qualquer comportamento do empregador – no caso, perante ofensas à integridade moral da Autora, ainda que se pudesse afirmar que estamos perante comportamentos reiterados (e não podemos), gravosos e de tal forma perturbadores que ponham em causa a sua saúde física e/ou psíquica –, assim que dessa actuação, culposa do empregador (no caso o gerente da Ré), resultassem «efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade»[18].
Não sendo esse o caso, improcedem necessariamente as conclusões da Recorrente em contrário, por não obterem suficiente sustentação na factualidade provada.

2. Como decorre das suas alegações e conclusões, a pretensão da Apelante em ver alterado o decidido pelo tribunal a quo dependia directamente da afirmação de que os factos praticados pelo gerente da Ré configuravam uma actuação que justificasse a resolução do contrato com justa causa – assim por assédio moral.
Não tendo sido acolhida essa sua pretensão, nos termos anteriormente afirmados, daí decorre que razão alguma se encontra, nem foi invocada, para alterar o demais decidido.
Pelo exposto, improcede o recurso na sua totalidade, mantendo-se assim a decisão recorrida, sendo as custas, por essa razão, da responsabilidade da Apelante (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
***
IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso.
Custas pela Recorrente.

Anexa-se sumário

Porto, 5 de Janeiro de 2017
Nelson Fernandes
Fernanda Soares
Domingos Morais
_____
[1] Cf. Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Ed., Principia, 2012, pág. 533.
[2] Cfr. Furtado Martins, Op. cit., pág. 534.
[3] Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006, pág. 610.
[4] Que se incluem em notas de rodapé, no correspondente local do texto.
[5] Proferido na revista n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1, citado por sua vez no Acórdão do mesmo Tribunal de 26 de Maio de 2015, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[6] Correspondente à nota 12 do Acórdão: Cfr. Pedro Romano Martinez (e outros), Código do Trabalho Anotado, 9ª edição, p. 187, e Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito do Trabalho, 2011, p. 450.
[7] Correspondente à nota 12 do Acórdão: Direito do Trabalho, Almedina, 16ª edição, p. 160.
[8] Correspondente à nota 13 do Acórdão: Ob. cit., p. 436.
[9] Correspondente à nota 14 do Acórdão: Ibidem.
[10] Correspondente à nota 15 do Acórdão: Júlio .Manuel Vieira Gomes, ob. cit., p. 436.
[11] Correspondente à nota 16 do Acórdão: Em regra, mas não necessariamente, sendo – no limite - configuráveis quadros de assédio resultantes de repetidas e graves “descargas emocionais do assediador, sem qualquer intenção [específica] de sujeição da vítima” – cfr. Rita Garcia Pereira, Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Coimbra Editora, 2009, p. 100.
[12] Cf. Ac. STJ de 11 de maio de 2011, proferido no processo n.º 273/06.5TTABT.S1.
[13] Vejam-se, os Acs. STJ de 28/01/2016, 03-12-2014 e 05/03/2013, bem como, desta Relação e Secção, os Acs. de 17/12/2008, 04/02/2013 e 08/07/2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[14] In “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, 2ª Ed., págs. 928 e segts.
[15] «i) um requisito objetivo, que é o comportamento do empregador, violador dos direitos e garantias do trabalhador, ii) um requisito subjetivo, que é a atribuição desse comportamento ao empregador a título de culpa (…); iii) um terceiro requisito, que relaciona aquele comportamento com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo(…)»
[16] In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
[17] Nos termos anteriormente mencionados.
[18] Ac. STJ de 11 de maio de 2011, supra citado.
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Sumário – a que alude o artigo 663.º, n.º 7 do CPC:

1 - A justa causa subjectiva justificativa do despedimento por parte do trabalhador assente em assédio moral do empregador, estando para além de situações de mero mau relacionamento, implica a verificação de comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, passíveis de exercer pressão moral sobre este e tendo em regra associado um objetivo final ilícito ou pelo menos eticamente reprovável, bem como, ainda, enquanto característica essencial do conceito de justa causa, a demonstração de que esse comportamento da entidade patronal, que lhe possa ser imputável a título de culpa, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.
2 – Não preenche os aludidos pressupostos o comportamento de um empregador que, discutindo por vezes com a trabalhadora, apelidando-a de incompetente, em determinado dia, na sequência de uma reclamação de um cliente sobre o serviço prestado, a apelida de incompetente e de não ter realizado convenientemente o serviço.

Nelson Fernandes