Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1564/15.0Y2MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
ENTIDADE EMPREGADORA
QUEDA DE TELHADO
Nº do Documento: RP201902041564/15.0Y2MTS.P1
Data do Acordão: 02/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 289, FLS 67-109)
Área Temática: .
Sumário: I- A imputação, à entidade empregadora, da responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho por violação de regras de segurança pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) que sobre a entidade empregadora impenda o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; (ii) que aquela não as haja, efetivamente, observado; (iii) que se verifique uma demonstrada relação de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.
II - A implementação de medidas de proteção contra quedas em altura, no quadro dos normativos ínsitos nos artigos 44.º e 45.º, do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41 821, de 11 de Agosto, e no artigo 11.º, da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, só é obrigatória quando esse risco efetivamente existir, face a um juízo de prognose a formular, no quadro do circunstancialismo existente aquando do acidente, circunstancialismo de que o sinistrado tenha conhecimento ou de que se possa aperceber, agindo com a diligência normal do bonus pater familiae, e não face a um juízo a emitir com base em circunstâncias ou dados que só após o acidente se tornaram conhecidos ou cognoscíveis pelo sinistrado.
III - A simples prova de que o sinistrado, pontualmente, por estar entupida uma canalização, com vista a essa essa substituir, subiu a um telhado, composto de telhas de fibrocimento e algumas translúcidas, e que, ao pisar uma destas últimas, a mesma se deslocou/desprendeu, determinando a queda daquele ao solo, não é suficiente – provando-se nomeadamente que estava bom tempo, que a cobertura estava em bom estado de conservação e que a sua inclinação não era acentuada – para se poder concluir que o estado dessa cobertura fosse deficiente, em termos de resistência e segurança, para justificar que, previamente, face aos dados disponíveis, se tivessem de tomar previamente medidas de Segurança coletivas ou individuais. (como se provou, estava bom tempo).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 1564/15.0Y2MTS.P1
Autor: B...
Rés: C... – Companhia de Seguros, S.A.
D..., Lda.
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Relator: Nélson Fernandes
1ª Adjunto: Des. Rita Romeira
2ª Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
1. Deu entrada em Tribunal participação referente à ocorrência de um acidente de trabalho, indicando-se como sinistrado B..., quando prestava serviço para a sua entidade empregadora, D..., Lda., sendo seguradora a C... – Companhia de Seguros, S.A.

1.1 Decorrida a fase conciliatória do processo, as partes não chegaram a acordo: negando a seguradora a sua responsabilidade pela reparação do acidente (por não preencher os pressuposto de inclusão desse risco concreto na apólice em causa) e não aceitando o resultado do exame do INML, aceitando, porém, a existência e validade do contrato de seguro; pela entidade empregadora foi reconhecido o acidente como de trabalho, e que o mesmo está abrangido pela apólice de seguro, negando porém qualquer responsabilidade agravada de sua parte e não aceitando o resultado do exame do INML.

1.2 B... veio impulsionar a abertura da fase contenciosa do processo, contra as Rés, pedindo que se reconheça e declare que o sinistro em causa constitui acidente de trabalho, com responsabilidade agravada da empregadora por violação de regras de segurança, e se condenasse as Rés a pagar-lhe:
a) A pensão ou o capital de remição da pensão agravada calculada com base na IPP que vier a ser fixada e no salário anual de €9.803,34, devida desde o dia seguinte ao da alta, nos termos do art.º 18º da Lei 89/09, de 4/09, sendo a responsabilidade da Ré seguradora, nos termos do art.º 79º, n.º 3 da lei n.º 89/09, de 4/09 a pensão normal;
b) A indemnização agravada pelos períodos de IT´s que vierem a ser fixados, que perfazem até 10/0272017 o montante de € 13.349,42, sendo a responsabilidade da 2ª Ré Entidade Empregadora a quantia de € 5.699,42, porquanto já pagou/adiantou ao autor a quantia de € 7.650,00, nos termos do art.º 18º da Lei n.º 89/09, de 4/09 e da Ré Seguradora, nos termos do art.º 79º, n.º 3 da lei n.º 89/09, de 4/09 a quantia de € 7.905,25 (diferença entre o montante devido ao A. de € 8.990,73 e a quantia de € 1.085,48 que já recebeu).
c) As quantias que se vierem a apurar em tratamentos médicos, medicamentos, e consultas, que perfazem até 13/02/2017 o montante de €1.687,40 de despesas reclamadas nos art.º 16ºa 19º e 21º da P.I., na proporção de 96,225776% para Ré Seguradora e de 3,774224% para a 2ª Ré Entidade Empregadora, nos termos dos art.º 25º, n.º 1, al. a), b) e c) e art.º 79º, n.º 3 e 5 da Lei n.º 89/09, DE 4/09.
d) Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações em atraso, nos termos do art.º 135º do C.P.T. Deve, também, a Ré Seguradora ser condenada a pagar ao autor o montante de € 100,00 de despesas com deslocações obrigatórias ao INML e ao Tribunal, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a tentativa de conciliação nos termos do art.º 25º, n.º 1, al. f) da lei n.º 89/09, de 4/09.
Subsidiariamente, e para o caso de se entender que, nos termos da al. H) do n.º 2 da Condição Especial 03, constante da Portaria n.º 256/2011 de 5/07, a apólice de seguros de acidente de trabalho n.º ............ exclui a responsabilidade da Ré Seguradora, pediu ainda o autor a condenação da 2ª Ré, entidade Empregadora, condenada a pagar-lhe:
a) A pensão ou o capital de remição da pensão agravada calculada com base na IPP que vier a ser fixada e no salário anual de € 9.803,34, devida desde o dia seguinte ao da alta, nos termos do art.º 18º da Lei 89/09, de 4/09;
b) A indemnização agravada pelos períodos de IT’s que vierem a ser fixados, que perfazem até 10/02/2017, o montante de € 13.349,42 mas já recebeu desta Ré a quantia de €7.650,00, pelo que se encontra em falta a quantia de € 5.699,42.
c) A quantia global de € 1.687,40 de despesas reclamadas nos art.º 16ºa 19º e 21º da P.I., nos termos dos art.º 25º, n.º 1, al. a), b) e c) Lei n.º 89/09, DE 4/09.
d) O montante de € 100,00 de despesas com deslocações obrigatórias ao INML e ao Tribunal, nos termos do art.º 25º, n.º 1, al. f) da lei n.º 89/09, de 4/09.
e) Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações em atraso, nos termos do art.º 135º do C.P.T., sendo devidos sobre o capital de remição desde o dia seguinte ao da alta, sobre as indemnizações por ITA desde os respetivos vencimentos, sobre as despesas reclamadas nos art.º 16º a 19º e 21º da P.I., de transporte para o INML e o Tribunal desde a tentativa de conciliação.

1.3 Regularmente citadas, as Rés contestaram, mantendo as posições já vertida em tentativa de conciliação.

1.4 Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e se procedeu à seleção da matéria de facto.

1.5 Na sequência do requerido pelo autor, por decisão de 20 de novembro de 2017, foi fixada pensão provisória, ao abrigo do disposto no artigo 121.º do CPT, no montante anual de €2.841,01, a partir de data de formulação do requerimento (18/10/2017), “a suportar pela ré C..., S.A. na proporção de €2733,78 e pela ré D..., Lda. na proporção de €107,23.

2. Realizou-se a audiência de julgamento, após o que veio a ser proferida sentença de cujo dispositivo consta:
“Nestes termos, e face ao exposto, condeno as rés no pagamento ao autor B..., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho) das seguintes quantias:
a) a ré C... - Companhia de Seguros, S.A., e sem prejuízo do direito de regresso contra a ré entidade patronal:
- na quantia de €7.905,25 a título de indemnização por incapacidades temporárias;
- na pensão anual no montante de €2.733,78 devida desde 11/2/2017, que ascende ao montante de €2.782,99 a partir de 1/1/2018; e
- na quantia de €1.687,40 a titulo de reembolso de despesas de tratamentos médicos, medicamentosos e de transporte;
- na quantia que se vier a liquidar a título de reembolso de despesas em tratamentos médicos, medicamentosos e de transporte que o autor tenha sido obrigado a suportar desde 13/2/2017, bem como a suportar todas as despesas futuras que a esse título sejam necessárias para tratamento do autor.
b) a ré D..., Lda.:
- na pensão anual, devida em 11/2/2017, no montante de €1.171,62, a qual ascende ao montante de €1.192,71 a partir de 1/1/2018;
- na quantia que se vier a liquidar a título de reembolso de despesas em tratamentos médicos, medicamentosos e de transporte que o autor tenha sido obrigado a suportar desde 13/2/2017, bem como a suportar todas as despesas futuras que a esse título sejam necessárias para tratamento do autor.
Fixo em €63.686,35 o valor da presente acção (art. 120º do Código de Processo de Trabalho).
Custas a cargo de ambas as rés, na proporção dos respectivos decaimentos.
Registe e notifique.”

2.1 Inconformado, interpôs o Autor recurso de apelação, formulando a final as conclusões seguintes:
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2.1.1 Contra-alegou a Ré Seguradora, concluindo do modo seguinte:
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2.1.2 Contra-alegou também a Ré Empregadora, concluindo do seguinte modo:
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2.2.1 Contra-alegou a Ré Seguradora, concluindo do modo seguinte:
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IV - Fundamentação
A) Da sentença resulta ter sido considerado provado o seguinte (transcrição):
“1. O autor nasceu a 9 de Abril de 1968.
2. A 2ª Ré «D..., Ld.ª» é uma sociedade por quotas com o CAE principal 01500 (agricultura e produção animal combinadas), dedicando-se exclusivamente à produção de kiwis e limões, na propriedade agrícola sita Rua ..., n.º .., ....-... ..., Vila do Conde.
3. No dia 2/10/2015, pelas 16h30, quando o autor se encontrava dentro do seu horário de trabalho, nas instalações da 2ª Ré, acompanhado das colegas de trabalho E... e F..., a substituir a tubagem de água, que se encontrava entupida, que liga o depósito aéreo ao «coberto» dos pulverizadores por outra tubagem nova de maior diâmetro, ao “estendê-la/esticá-la no telhado do referido «coberto», pisou uma telha translúcida, esta soltou-se ou desprendeu-se de um dos lados e o autor caiu ao solo, no interior do armazém, de uma altura aproximada de 6 metros.
4. À data do acidente o autor auferia uma retribuição anual de € 9.803,34 (retribuição base 600,00 x 14 meses + subsídio de alimentação de € 4,27 x 22 dias x 11 meses + €130,00 de prémio de assiduidade + € 240,00 de falhas de caixa).
5. A 2ª Ré Entidade Empregadora tinha a sua responsabilidade transferida para a 1.ª Ré através da apólice de Seguro de Agricultura (genérico) n.º ............, pelo salário anual de € 9.433,34.
6. A Ré Seguradora pagou ao autor a título de indemnização provisória por ITA a quantia global de € 1.085,48.
7. A 2ª Ré Entidade Empregadora adiantou ao autor, no período compreendido entre Outubro de 2015 e 28/02/2017, o montante de €450,00 por mês num total de € 7.650,00.
8. Na altura referida em 3. a 2ª Ré não pôs à disposição do autor equipamento de protecção individual contra quedas em altura, nomeadamente, linha de vida.
9. Nem providenciou ou tomou qualquer medida de protecção colectiva, nomeadamente a colocação redes, plataformas de trabalho, guarda corpos para evitar a queda em altura do autor para o interior do referido armazém/coberto, como veio a acontecer.
10. Do acidente supra descrito resultaram traumatismos ao nível da coluna lombar, fémur esquerdo e pé esquerdo.
11. O autor foi assistido pela Ré seguradora, tendo-o submetido a intervenções cirúrgicas, sujeito a exames complementares de diagnóstico e medicado.
12. A partir de 10/11/2015 a Ré Seguradora recusou-se a continuar a assistir o autor tendo este recorrido aos serviços do SNS (Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/vila do Conde e USF ...) e aos serviços de Fisiatria/fisioterapia da Santa Casa da Misericórdia ....
13. Como consequência directa e imediata do sinistro, o autor apresenta sequelas de fractura de L2 consolidada com deformação acentuada, anquilose subastragalina à esquerda, limitação da flexão dorsal do tornozelo esquerdo, atrofia da coxa esquerda, edema residual do tornozelo esquerdo.
14. O autor ainda se encontra em tratamentos no Centro Hospitalar de Póvoa de Varzim/Vila do Conde.
15. O autor despendeu em medicamentos a quantia de €64,14.
16. O autor despendeu em Prancha para banho e Urinol a quantia de €40,41
17. O autor realizou entre 16/12/2015 e 13/02/2017 duzentos e cinquenta (250) tratamentos de fisiatria/fisioterapia e dezassete (17) consultas de fisiatria/fisioterapia, nas quais despendeu a quantia global de €1.417,25.
18. O autor despendeu numa consulta médica na USF de Modivas a quantia de €5,00.
19. O Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde pelos serviços clínicos prestados ao autor está a exigir-lhe o pagamento da quantia de € 134,70
20. O autor para se deslocar para as referidas consultas e tratamentos de fisiatria/fisioterapia e consultas no SNS utilizou os serviços de Taxi, tendo despendido a quantia global de €160,60.
21. No momento do acidente o sinistrado encontrava-se em cima do telhado, a fim de substituir um tubo de água que ali passava, em cumprimento de ordens da ré empregadora.
22. Como o Autor necessitava de se movimentar pelo telhado, e este possuía telhas de fibra transparentes, de grande fragilidade, era previsível para a ré empregadora que estas não suportassem o peso corporal do autor.
23. O autor exerce as funções de trabalhador agrícola, designadamente na plantação de kiwis, na realização das podas e amarração, na pulverização, na colocação, manutenção e vigilância dos sistemas de rega e na colheita.
24. A ré sentiu necessidade de, na data referida em C. proceder à pulverização da sua plantação de kiwis.
25. Mas, quando os trabalhadores estavam a realizar os trabalhos de preparação para a iniciar a pulverização, o Autor detectou que o tubo que liga o depósito da água aos pulverizadores se encontrava entupido impedido tal sistema de funcionar.
26. A ré, através de seu responsável, advertiu o autor para que circulasse apenas pelas placas de lusalite.
27. Mas o autor acabou por pisar uma das placas de plástico.
28. A cobertura em causa, onde acedeu o autor, não tinha uma inclinação muito acentuada e apresentava-se em bom estado de conservação.
29. Estava bom tempo nesse dia.
30. A consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor ocorreu a 10/2/2017, tendo o autor padecido de incapacidade temporária absoluta no período compreendido entre 3/10/2015 e 10/2/2017.
31. O autor ficou a padecer de uma IPP de 41,4%.”

Mais se fez constar que: “não se provaram outros factos alegados com relevo para a decisão, nomeadamente o constante do quesito 17º, 20º, 21º e 26º.”

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1.3 Consolidação factual
Por decorrência da apreciação do recurso sobre a matéria de facto e, ainda, da nossa intervenção oficiosa, nos termos anteriormente mencionados, a base factual a atender para dizermos de Direito é aquela que o Tribunal a quo considerou, com as alterações seguintes:
“(...)
22.º: O Autor necessitava de se movimentar pelo telhado e este possuía algumas telhas de fibra translúcidas, de menor resistência em relação às demais, essas de fibrocimento.
(...)
24.º-A: A necessidade referida no ponto anterior (24.º) decorria da circunstância de, desde há alguns anos, existir uma doença biológica (“PSA”) que afeta as plantações de kiwis.
(...)
25.º-A: Na sequência do referido no ponto anterior (25.º), o responsável da Ré aí presente telefonou para uma empresa que lhes dá assistência na instalação e manutenção do sistema de rega, a fim de que se pudessem deslocar ao local naquele dia para resolverem o sucedido, sem que, porém, tivesse sido mostrada disponibilidade para o efeito.
(...)
28. A cobertura em causa, onde acedeu o autor, não tinha uma inclinação acentuada, sendo composta na sua quase totalidade por telhas de fibrocimento, mais resistentes do que as telhas translúcidas, e apresentava-se em bom estado de conservação.”

2. Dizendo de Direito:
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2.2 Recurso da Ré D..., Lda.
Das conclusões apresentadas pela Apelante ressalta que a mesma, não considerando agora a impugnação da matéria de facto já analisada anteriormente, apenas levanta, quanto à aplicação do direito aos factos, uma única questão, assim a da aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 18.º da NLAT, que tem por inadequada, pois que, diz, face à previsão do artigo 11.º, n.º 1, da Portaria 101/96, de 03/04 – que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis –, que remete para o Decreto-Lei n.º 41.821, de 11.08.1958, não se verifica no caso o preenchimento da previsão do seu artigo 44.º, mais acrescentando, em defesa da sua tese, que devendo o juízo de prognose quanto à avaliação do risco ser feito em função das condições existentes a priori, perante o circunstancialismo que se verifica aquando do acidente (e não, a posteriori, perante a constatação do acidente), dos factos provados não resulta que se lhe impusesse, em termos de normal previsibilidade dos riscos profissionais, a implementação de quaisquer medidas de segurança, cuja omissão lhe possa ou deva ser imputada. Conclui, face a esse seu entendimento, que deve ser dado provimento ao seu recurso e em consequência ser revogada a sentença recorrida, sendo essa substituída por outra que julgue pela inexistência de violação pela ré entidade empregadora “de regras de segurança, julgando-se em consequência pela falta de fundamento para a responsabilidade agravada da mesma, condenando-se apenas a ré seguradora nas prestações infortunísticas normais, absolvendo-se a recorrente dos restantes pedidos decorrentes de tal responsabilidade agravada não verificada nos presentes autos, tudo com as consequências legais, assim se fazendo a inteira e esperada justiça!”
Em sentido contrário se pronuncia a Ré Seguradora, nas suas contra-alegações, entendendo estar “efetivamente demonstrado nos autos a falta de observação, por parte da entidade patronal do sinistrado, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, não tendo a Ré empregadora logrado provar a invocada situação de emergência, nem o seu desconhecimento na tomada de decisão do autor em subir ao telhado para a execução dos trabalhos em causa”, “resultando, ainda, inequivocamente demonstrado que tal violação foi, de facto, causal para a ocorrência do acidente de trabalho em apreço, em consequência do qual resultou, para o sinistrado, todos os danos/sequelas permanentes apuradas e fixadas nos autos” – falta de observação e/ou manifesta violação, por parte da Ré patronal, das normas e regras sobre a segurança e saúde dos trabalhadores, nomeadamente previstas nos artigos 15.º, n.º 2 da Lei n.º 102/2009 (na redação introduzida pela Lei n.º 3/2014 de 28/1, 36.º do DL 50/2005 de 25 de Fevereiro, e bem assim do artigo 11.º da Portaria 101/96 de 3 de Abril, deverá recair sobre a ora Recorrente a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo trabalhador sinistrado.
Também o Autor, nas suas contra-alegações, defende nessa parte o julgado, por entender estar demonstrada “a completa falta de observação por parte da entidade patronal do sinistrado, no contexto da relação laboral e do sinistro de trabalho ora em apreço, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, que se lhe impunham, não tendo a Ré empregadora logrado provar a invocada situação de emergência (que mesmo demonstrada não tem a virtualidade de excluir ou atenuar a responsabilidade agravada da Recorrente), nem o seu desconhecimento na tomada de decisão para o autor subir ao telhado para a execução dos trabalhos em causa ou sequer a inexistência ou não representação pelos representantes da Ré/Recorrente de tais riscos inerentes à execução daquele tipo de trabalhos em altura, num telhado com pelo menos 6 metros de altura em relação ao solo”, “resultando, ainda, inequivocamente demonstrado que tal incumprimento dos seus deveres de observância regras de segurança no trabalho por parte da aqui Recorrente foi, de facto, causal para a ocorrência do acidente de trabalho em apreço, em consequência do qual resultou, para o sinistrado, todos os danos/sequelas permanentes apuradas e fixadas nos autos”.
No parecer que elaborou, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta sustenta que deve proceder o recurso sobre a matéria de direito (alegação da Ré no sentido de não ter ficado demonstrada a sua responsabilidade agravada, por inobservância das regras de segurança), por entender que à Recorrente assiste razão, pois que, “atentos os factos apurados conclui-se pela inexistência de violação, pela entidade empregadora, de regras de segurança causais do acidente e, consequentemente, pela falta de fundamento para reparação agravada, nos termos previstos pelo artigo 18º da lei 98/2009.”
Cumprindo apreciar, consta da sentença recorrida, a propósito da questão que agora nos ocupa, o seguinte (transcrição):
“(...) O autor e a ré seguradora invocaram nos autos a responsabilidade agravada da ré empregadora por violação de regras de segurança.
Na secção relativa ao agravamento da responsabilidade, dispõe o art. 18º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009 “quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Por sua vez, dispõe o art. 79º, n.º 3, do mesmo diploma que “verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.
No entanto, para que tenha aplicação o citado n.º 1 do art. 18º da Lei n.º 98/2009, com a consequente responsabilidade agravada do empregador pelas consequências do acidente de trabalho, não basta que se verifique a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, é também necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.
Conforme se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 23/3/2015 (processo n.º 773/125.8TTMTS.P1, in www.dgsi.pt), para a verificação de inobservância das regras sobre segurança no trabalho é necessário “a existência cumulativa dos seguintes pressupostos:
- Que sobre a entidade empregadora impenda o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança;
i) – Que a entidade empregadora não haja, efectivamente, observado as normas ou regras de segurança, sendo-lhe imputável tal omissão e, por fim,
ii) – Que se verifique uma demonstrada relação (nexo) de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.
Quanto ao nexo de causalidade, ele comporta duas vertentes:
Uma, naturalística, que consiste em saber se esse facto concreto (violador da norma de segurança), em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, havendo, pois, que se provar que o facto integrou o processo causal que conduziu ao dano.
A outra, jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstracto, como causa idónea do dano ocorrido. E, como é jurisprudência pacífica, no âmbito e para efeitos do artigo 18º da quer da Lei 100/97, quer da NLAT, e de harmonia com a regra acolhida no artigo 563º do Cód. Civil, haverá que se atender à teoria do nexo de causalidade adequada na sua formulação negativa.
Seguindo de perto o Acórdão do STJ de 23.09.2009 (processo nº 107/05.8TTLRA.C1), e no qual se apela aos ensinamentos dos Professores Antunes Varela e Pessoa Jorge, de acordo com a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa o estabelecimento do nexo de causalidade juridicamente relevante para efeito de imputação da responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito, praticado pelo agente, tenha atuado como condição da verificação de certo dano, apenas se exigindo que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum. O dano haverá que se apresentar como consequência normal, típica ou provável do facto, mas havendo, para o efeito, que se ter em conta, não o facto e o dano isoladamente considerados, mas sim o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo este, processual factual, que caberá na aptidão geral e abstrata do facto para produzir o dano. E, não sendo embora indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas (Acórdão do STJ de 23.09.2009, que temos vindo a citar), é todavia necessário que seja feita a prova do nexo de causalidade, no seu sentido naturalístico, o que compreende a prova de todas as circunstâncias que, numa cadeia relacional de causalidade adequada, integram o processo que conduz ao evento danoso (Acórdão do STJ de 09.09.2009, já citado). Para tanto, e como se tem entendido, é necessária a prova das causas concretas que desencadearam o acidente ou, dito de outro modo, é necessário o conhecimento do concreto circunstancialismo relativo à dinâmica e às razões que levaram à ocorrência do acidente.
Acrescentaremos ainda que, para efeitos de aplicação do artigo 18º da NLAT, cabe ao beneficiário do direito à reparação por acidente de trabalho, quando a solicite (bem como à seguradora que pretenda ver desonerada a sua responsabilidade infortunística), o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa da entidade empregadora ou que o mesmo resultou da inobservância por parte desta de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, bem como os factos que revelem ter ocorrido, no concreto, a violação causal destas regras, nos termos do artigo 342º, nº 2 do Código Civil.
Da audiência de julgamento resultou provado que o acidente ocorreu quando o autor se encontrava na cobertura de um armazém nas instalações da ré empregadora a substituir uma tubagem de água e pisou uma telha de fibra transparente que se desprendeu, fazendo com que o autor caísse de 6 metros de altura.
Nesse momento a ré empregadora não pôs à disposição do autor equipamento de protecção individual contra quedas em altura, nomeadamente, linha de vida; nem providenciou ou tomou qualquer medida de protecção colectiva, nomeadamente a colocação redes, plataformas de trabalho, guarda corpos para evitar a queda em altura do autor para o interior do referido armazém/coberto, como veio a acontecer.
É ainda certo que como o Autor necessitava de se movimentar pelo telhado, e este possuía telhas de fibra transparentes, de grande fragilidade, era previsível para a ré empregadora que estas não suportassem o peso corporal do autor.
De acordo com o art. 15º, n.º 2, da Lei n.º 102/2009 (na redacção introduzida pela Lei n.º 3/2014, de 28/1): “O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos factores ambientais;
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos.
No que respeita à execução de trabalhos em altura, dispõe ainda o art. 36º do DL n.º 50/2005, no seu n.º 1 que “na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras”, estipulando ainda o n.º 2 que “na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual”.
Por outro lado, estipula o art. 11º da Portaria n.º 101/96, de 3/4 (que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis) que (n.º 1) “sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.” (Decreto n.º 41821/58 de 11/8).
O trabalho que o autor estava a executar importava riscos acrescidos evidentes por ser realizado em altura e numa superfície insegura, pelo que é evidente que os mesmos não deviam ter sido efectuados sem uma avaliação de riscos, um correcto planeamento, e sem as necessárias precauções e medidas de protecção.
A queda do autor ocorreu quando uma das telhas de fibrocimento se desprendeu, pelo que, na ausência de qualquer medida de protecção colectiva (como redes ou tábuas de rojo) ou mesmo individual (como a já referida linha de vida), era inevitável a sua queda ao solo. Por outro lado é ainda lícito concluir que a existência de uma medida de protecção colectiva adequada teria evitado a queda ao solo do autor.
Deste modo, e na sequência de todo o exposto, é de concluir que o acidente resultou de falta de observação, por parte da entidade patronal das regras sobre segurança no trabalho, sendo certo que esta não logrou provar a invocada situação de emergência nem o seu desconhecimento na tomada de decisão do autor subir ao telhado para execução dos trabalhos.
Como tal, existe a responsabilidade agravada da ré empregadora na reparação dos danos emergentes do presente acidente de trabalho, sendo certo que a ré seguradora continua a responder nos termos decorrentes do contrato de seguro celebrado com aquela, sem prejuízo do direito de regresso que lhe atribui o art. 79º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009. (...)”

Cumprindo decidir, tendo necessariamente como pressuposto da aplicação do direito o quadro factual que se possa ter por demonstrado – factualidade provada –, desde já se adianta que, na nossa ótica, assiste no caso razão à Recorrente, como de resto bem sustenta a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer.
De facto, e desde logo, sendo verdade que se deu como provado que a Ré empregadora não pôs à disposição do autor equipamento de proteção individual contra quedas em altura, nomeadamente, linha de vida, nem providenciou ou tomou qualquer medida de proteção coletiva, nomeadamente a colocação redes, plataformas de trabalho, guarda corpos para evitar a queda em altura do autor para o interior do referido armazém/coberto, como veio a acontecer, a questão que se coloca é se, nas circunstâncias concretas do caso, tal se impunha afinal, sendo que, aqui se divergindo da sentença, é nosso entendimento que a factualidade provada não é bastante para assim se poder concluir.
Vejamos o porquê do nosso entendimento:
Desde logo, e em primeiro lugar, como de resto é afirmado uniformemente pela Jurisprudência, de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 2017[1], importa ter presente que, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova estabelecidas no artigo 342.º do Código Civil (CC), é sobre a parte que pretende tirar proveito do agravamento da responsabilidade da entidade empregadora, que compete provar os factos que a ela conduzem, pelo que, no caso, “peticionando o Sinistrado e a seguradora o agravamento, sobre eles impendia a prova dos factos determinantes.”
Tendo pois também presente tal regime probatório, entrando já na questão da subsunção dos factos provados à norma jurídica chamada à discussão, constata-se que a sentença recorrida faz apelo, para além da norma geral do artigo 15º, da Lei n.º 102/2009 (na redação introduzida pela Lei n.º 3/2014, de 28/1), “no que respeita à execução de trabalhos em altura, primeiro ao que se dispõe no artigo 36º do DL n.º 50/2005 – assim, “no seu n.º 1 que “na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras”, estipulando ainda o n.º 2 que “na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual” – e, seguidamente, ao que estipula o artigo 11º da Portaria n.º 101/96, de 3/4 – “que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis que (n.º 1) “sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.” (Decreto n.º 41821/58 de 11/8)” –, para depois concluir que, porque “o trabalho que o autor estava a executar importava riscos acrescidos evidentes por ser realizado em altura e numa superfície insegura”, “que é evidente que os mesmos não deviam ter sido efectuados sem uma avaliação de riscos, um correcto planeamento, e sem as necessárias precauções e medidas de protecção” – mais se acrescentando que “a queda do autor ocorreu quando uma das telhas de fibrocimento se desprendeu, pelo que, na ausência de qualquer medida de protecção colectiva (como redes ou tábuas de rojo) ou mesmo individual (como a já referida linha de vida), era inevitável a sua queda ao solo” e, “por outro lado é ainda lícito concluir que a existência de uma medida de protecção colectiva adequada teria evitado a queda ao solo do autor”.
Porém, salvo o devido respeito, outras normas jurídicas se impõe também considerar, como de resto o salienta a Apelante – no que é acompanhada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer –, precisamente por estar em causa um acidente ocorrido numa cobertura/telhado, pois que, podendo dizer-se que se realizava um trabalho em altura, como a sentença o refere, não é menos verdade que, porque o era num telhado/cobertura, terá de ter-se necessariamente em conta as normas específicas que a esses se refiram expressamente, assim, nomeadamente, o que se dispõe no Decreto n.º 41821/58 de 11/8, para o qual remete aliás o artigo 11º da Portaria n.º 101/96, indicada na sentença, em particular o seu artigo 44º, em que se dispõe, sob a epígrafe “Obras em Telhados”, citando, que “No trabalho em cima dos telhados que ofereçam perigo de inclinação, natureza ou estado da superfície, ou por efeito de condições atmosféricas tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como utilização de guarda-copos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo”. Como ainda, acrescentamos, o que resulta do seu artigo 45.º, assim que “Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados usar-se-á das prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis”.
É que, importando apreciar da existência de normas de segurança cuja observância, porventura, se impusesse à entidade empregadora, e cuja violação a sentença lhe imputa, importa ter presente que o caso que se decide, prendendo-se é certo com o risco decorrente de queda em altura do Autor/sinistrado, está relacionado com uma intervenção em telhado – aquando do acidente, o Autor encontrava-se em cima de um telhado a substituir a tubagem de água, que se encontrava entupida (ponto 3.º da factualidade) –, pelo que, porque tal atividade se pode ter por inserida no âmbito da construção civil, é então de atender às citadas normas, pois que especificamente a tal situação/previsão legal dizem respeito.
E, a seu respeito, como se afirma no Acórdão desta Relação de 23 de março de 2015[2], a que de resto alude a sentença recorrida, transcrevendo-o em parte:
“(...) tem sido entendimento unânime da jurisprudência que não é o simples facto de se trabalhar em telhado que determina, só por si ou automaticamente, a necessidade de adoção de medidas de segurança coletiva e/ou individual. Para que tal ocorra, é necessário que o trabalho decorra em telhado que, por via de alguma das circunstâncias referidas nos artigos 44º e 45º acima transcritos (perigosidade decorrente da inclinação, da natureza ou do estado da superfície, das condições atmosféricas, da fraca resistência dos telhados e nos envidraçados), determine perigo de queda em altura, a justificar a adopção de tais medidas. Além do mais, o juízo de prognose quanto à avaliação desse risco deve ser feito em função das condições existentes a priori, perante o circunstancialismo que se verificava aquando do acidente, e não, a posteriori, perante a constatação do acidente.”
Esse mesmo entendimento tem sido, igualmente, afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, como nos dão nota, de entre outros, os Acórdãos de 8 de janeiro de 2013[3], 19 de junho de 2013[4] e mais recentemente de 21 de setembro de 2017[5].
Assim, pode ler-se no primeiro dos indicados Acórdãos, citando, o seguinte:
“(…) Como se deixou consignado no Acórdão da Secção Social deste Supremo, de 21.10.2009, proferido no Proc. nº 230/09.0YFLSB, sintetizando a posição que vem sendo seguida neste Tribunal, a implementação de medidas de protecção contra quedas em altura, no quadro dos apontados normativos (arts. 44.º e 45.º do citado Regulamento e 11.º da Portaria n.º 101/96) só é obrigatória quando esse risco efectivamente existir, face a um juízo de prognose a formular, no quadro do circunstancialismo existente aquando do acidente, circunstancialismo de que o sinistrado tenha conhecimento ou de que se possa aperceber, agindo com a diligência normal do ‘bonus paterfamilias’, e não face a um juízo a emitir com base em circunstâncias ou dados que só após o acidente se tornaram conhecidos ou cognoscíveis pelo sinistrado. Sendo que não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança (neste sentido veja-se, por exemplo, o Acórdão desta Secção de 16.6.2004, www.dgsi.pt, processo n.º 04S339), não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança (ver Acórdão desta Secção de 31.10.2007, www.dgsi.pt, processo nº 07S1517)”. Podemos, pois, assentar que a adopção de medidas especiais de protecção, para evitar as quedas em altura ou as quedas de telhados, só é obrigatória quando existir um risco efectivo de queda, o que significa que a simples laboração sobre a estrutura de um telhado não potencia, só por si, um risco efectivo de queda e, consequentemente, também não impõe, “ipso facto”, a adopção dessas medidas especiais (…)”.
Por sua vez, refere-se também no segundo desses Acórdãos, de 19 de junho de 2013, a propósito da aplicação do artigo 44.º do Decreto nº 41 821, o seguinte:
“(...) Quanto ao artigo 44º do Decreto nº 41 821, determina este preceito que nos trabalhos em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas de segurança especiais, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalhos, escadas de telhador e tábuas de rojo, resultando ainda do seu § 2º que se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhe permitam prender-se a um ponto resistente da construção.
No entanto, e como decorre do texto da norma, este tipo de protecção é para ser aplicado em trabalhos que estejam a ser desenvolvidos em cima de telhados que ofereçam perigo de queda, seja pela sua inclinação, seja pela natureza ou estado da sua superfície, seja ainda por efeito de condições atmosféricas que potenciem esse risco, tais como a existência ventos fortes ou de gelo, que pode contribuir para que esses telhados se apresentem mais escorregadios. (...)”
Por último, agora no Acórdão de 21 de setembro de 2017, citando aí o Acórdão do mesmo Tribunal de 9 de Dezembro de 2010[6], pode ler-se:
“Não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança, não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança”.
Tendo pois por base o quadro normativo aplicável, bem como a entendimento jurisprudencial antes citado, que seguimos também, retrocedendo ao caso em apreço, e com relevância para a resolução desta questão, resulta dos factos provados o seguinte:
- No dia do acidente, a Ré (entidade patronal) sentiu necessidade de proceder à pulverização da sua plantação de kiwis (23.º), pelo facto de desde há alguns anos existir uma doença biológica (“PSA”) que afeta as plantações de kiwis (pontos 24.º e 24.º-A da factualidade), sendo que, quando os trabalhadores estavam a realizar os trabalhos de preparação para a iniciar a pulverização, o Autor detetou que o tubo que liga o depósito da água aos pulverizadores se encontrava entupido, impedido tal sistema de funcionar, na sequência do que o responsável da Ré aí presente telefonou para uma empresa que lhes dá assistência na instalação e manutenção do sistema de rega, a fim de que se pudessem deslocar ao local naquele dia para resolverem o sucedido, sem que, porém, tivesse sido mostrada disponibilidade para o efeito (pontos 25.º e 25.º-A da factualidade);
- Estava bom tempo e a cobertura, onde acedeu o autor, não tinha uma inclinação muito acentuada, sendo composta na sua quase totalidade por telhas de fibrocimento, de maior resistência do que a das telhas translúcidas, e apresentava-se em bom estado de conservação (pontos 28.º e 29.º da factualidade);
- A Ré (entidade patronal), através de seu responsável, advertiu o autor para que circulasse apenas pelas placas de lusalite (ponto 26.º, da factualidade);
- O Sinistrado/autor, que exercia as funções de trabalhador agrícola, no dia 2/10/2015, pelas 16h30, em cumprimento de ordens da Ré empregadora, encontrava-se a substituir a tubagem de água, que se encontrava entupida, que liga o depósito aéreo ao «coberto» dos pulverizadores, por outra tubagem nova de maior diâmetro, quando, ao “estendê-la/esticá-la no telhado do referido «coberto», pisou uma telha translúcida, esta soltou-se ou desprendeu-se de um dos lados, caindo então o autor caiu ao solo, no interior do armazém, de uma altura aproximada de 6 metros (ponto 3.º, 21.º e 23.º da factualidade);
- O Autor necessitava de se movimentar pelo telhado e este possuía algumas telhas de fibra translúcidas, de menor resistência em relação às demais, essas de fibrocimento (ponto 22.º), não tendo a cobertura em causa, onde acedeu o autor, uma inclinação muito acentuada, sendo composta na sua quase totalidade por telhas de fibrocimento, de maior resistência do que a das telhas translúcidas, e apresentava-se em bom estado de conservação (ponto 28.º);
- Na altura em que ocorreu o acidente a Ré (entidade patronal) não pôs à disposição do Autor equipamento de proteção individual contra quedas em altura, nomeadamente, linha de vida, nem providenciou ou tomou qualquer medida de proteção coletiva, nomeadamente a colocação redes, plataformas de trabalho, guarda corpos para evitar a queda em altura do autor para o interior do referido armazém/coberto, como veio a acontecer (pontos 8.º e 9.º da factualidade).
Ora, face ao referido circunstancialismo, sem dúvidas que poderemos concluir que a subida do Sinistrado ao telhado/cobertura não foi um ato programado com antecedência, antes resultando de um caso fortuito, imprevisível pois, decorrente da circunstância de se constatar que, sentindo-se a necessidade de proceder à pulverização da plantação de kiwis, quando os trabalhadores estavam a realizar os trabalhos de preparação para essa iniciarem, se ter detetado (pelo Sinistrado) que o tubo que liga o depósito da água aos pulverizadores se encontrava entupido, impedido tal sistema de funcionar, sendo que foi então, não tendo sido possível recorrer aos serviços da empresa que prestava assistência à Ré entidade patronal para ser resolvida a situação, que o Sinistrado/Autor, em cumprimento de ordens da Ré empregadora – que aquele advertiu para que circulasse apenas pelas placas de lusalite – subiu ao telhado, no qual necessitava de se movimentar, telhado esse que, como se provou também, apresentava-se em bom estado de conservação, não tendo uma inclinação muito acentuada, sendo composto na sua quase totalidade por telhas de fibrocimento, de maior resistência do que a das telhas translúcidas, que também aí existiam. Foi pois nessas circunstâncias que, como se provou, quando o Sinistrado se encontrava a substituir a tubagem de água (que se encontrava entupida) que liga o depósito aéreo ao «coberto» dos pulverizadores, por outra tubagem nova de maior diâmetro, o mesmo Sinistrado, ao estender/esticar no telhado essa tubagem, pisou uma telha translúcida, que se soltou ou desprendeu de um dos lados, levando a que caísse ao solo, no interior do armazém, de uma altura aproximada de 6 metros.
Pois bem, face a tal factualidade, com salvaguarda naturalmente do respeito devido por diferente opinião, afigura-se-nos que aquela é insuficiente no sentido da conclusão a que chegou a sentença recorrida de que ocorreu violação, pela Ré/entidade patronal, das supra mencionadas normas de segurança.
Na verdade, aceitando-se que os trabalhos em cima de um telhado possam apresentar algum risco de queda em altura, precisamente por decorrem em altura, pois que um telhado, regra geral, se situa a alguma distância do solo, o certo é que o legislador, naturalmente ciente desse facto, nos citados artigos 44.º e 45.º do DL 41.821/58, antes citados, como bem se afirma no Acórdão desta Relação de 23 de março de 2015[7] anteriormente citado, considerou que não seria esse, por si só, o fator determinante da necessidade de adoção de medidas de proteção.
Diversamente, como resulta das citadas normas, entendeu-se que essas medidas se justificariam nos casos em que os telhados ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da superfície, ou por efeito de condições atmosféricas (artigo 44.º), ou em que tenham fraca resistência (artigo 45.º).
Ora, no caso, face ao que se provou, não vemos como possamos concluir pela verificação de qualquer das indicadas previsões, pois que não se demonstrou, sendo esse como se disse anteriormente ónus que impendia sobre o Autor e sobre a Ré seguradora, quer que o telhado oferecesse perigo devido à sua inclinação (provou-se aliás que esta não era acentuada), quer que existisse perigo pela natureza e/ou resistência da superfície (repare-se que sequer se demonstrou a resistência real e sim, apenas, que, sendo o telhado composto na sua quase totalidade por telhas de fibrocimento, de maior resistência do que a das telhas translúcidas, que também aí existiam, uma destas se deslocou/desprendeu, não partindo pois, o que nada nos diz sobre a sua resistência efetiva)[8], ou do seu estado (provou-se, pelo contrário, que se apresentava em bom estado de conservação), ou, por último, que ocorresse risco devido às condições atmosféricas (como se provou, estava bom tempo).
Com evidente similitude com o caso que se decide, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de dezembro de 2010[9], de cujo sumário consta, citando:
“(...) V - A implementação de medidas de protecção contra quedas em altura, no quadro dos normativos ínsitos nos arts. 44.º e 45.º, do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41 821, de 11 de Agosto, e no art. 11.º, da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, só é obrigatória quando esse risco efectivamente existir, face a um juízo de prognose a formular, no quadro do circunstancialismo existente aquando do acidente, circunstancialismo de que o sinistrado tenha conhecimento ou de que se possa aperceber, agindo com a diligência normal do bonus pater familiae, e não face a um juízo a emitir com base em circunstâncias ou dados que só após o acidente se tornaram conhecidos ou cognoscíveis pelo sinistrado.
VI - Não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança, não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança.
VII - A simples prova de que o sinistrado subiu a um telhado, composto de telhas de fibrocimento e algumas de plástico translúcidas, e que, ao pisar uma destas últimas, a mesma não aguentou o seu peso e quebrou-se, determinando a sua queda, não é suficiente para se poder concluir que o estado geral do telhado era deficiente, em termos de resistência e segurança, e que o sinistrado, face aos dados de que dispunha e aos seus conhecimentos, devia ter tomado alguma ou algumas medidas de Segurança colectivas ou individuais.”
Concluindo, não foi feita no caso a prova de que, pela sua inclinação, natureza ou estado da superfície, por efeito de condições atmosféricas ou que a sua estrutura não fosse suscetível de suportar o peso do Sinistrado/autor, o telhado, a que este acedeu, apresentasse particular perigo de queda, que impusesse a adoção de outras medidas de segurança, nomeadamente de proteção coletiva (redes antiqueda, plataforma de trabalho ao nível da cobertura e tábuas de rojo, etc.) ou de proteção individual (arnês ou cinto de segurança), sem esquecermos que os riscos (e na sequências as medidas a adotar), como se disse já, terão de ser aferidos, perante o concreto circunstancialismo provado, em momento anterior ao acidente.
Daí que, no caso, verdadeiramente, não se nos afigure que, num juízo de prognose anterior ao acidente (e não pois a posteriori, a partir da constatação do mesmo), o acidente que é objeto de apreciação nos presentes autos possa ser imputável, ou possa sequer ser imputado, à violação pela Ré empregadora de normas de segurança.
Para além disso, por último, diga-se também que, ainda que porventura pudesse dizer-se que ocorreu a omissão de quaisquer regras de segurança, a verdade é que não se poderia ter por demonstrado o nexo de causalidade entre essa eventual omissão e a queda do Sinistrado. Como o têm afirmado a Jurisprudência, assim entre outros no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 2007[10], “não é suficiente, para se concluir pela existência da responsabilidade «agravada» da entidade empregadora, a verificação da violação, por esta, das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, exigindo-se também a demonstração de factos de onde resulte que foi a inobservância daquelas regras a razão do evento infortunístico”. Daí que, como se refere também no citado Acórdão, “mesmo que porventura tivesse vindo a ser apurado que, de banda da entidade empregadora, houve uma qualquer inobservância das regras legais e regulamentares – o que, como decorre do que se deixou dito, não se provou – ainda se tornava necessário saber em que condições eclodiu a queda do sinistrado e se ela foi devida à dita inobservância.”
Nos termos expostos, por obterem sustentação as conclusões da Apelante/empregadora, procede o recurso nesta parte, com a consequente revogação da sentença proferida, na parte em que afirmou a existência de violação por aquela de regras de segurança, e assim da verificação de responsabilidade nos quadros do artigo 18.º da LAT, com as consequências que daí resultam para a ação, desde logo para efeitos de cálculo das indemnizações devidas ao Sinistrado, bem como quanto à responsabilidade sobre o seu pagamento, questões a que procuraremos dar resposta de seguida.

2.3 Apuramento do devido
2.3.1 Enquadramento
Face ao que se conclui no recurso interposto pela Ré entidade patronal, afastada a violação das regras de segurança, e assim o regime previsto no artigo 18.º da LAT/2009, importa por fim dar cumprimento ao regime que dessa Lei resulta, limitado porém ao que decorre do que obteve provimento do presente recurso, aqui se incluindo, por estarmos agora também em condições de essa questão apreciar, o apuramento do que é devido por ITA – respondendo-se assim, deste modo, também ao recurso do Sinistrado quanto a essa questão, que apreciámos no ponto “2.1.2” deste acórdão, aí se mencionando, precisamente por se impor previamente a apreciação da questão da particular a aplicabilidade ou não do regime estabelecido referido artigo 18.º, que relegaríamos para momento posterior do acórdão o cálculo do devido.

2.3.2 Apuramento
Nos termos do disposto nos artigos 23.º, alínea b), 39.º, 47.º, n.º 1, alíneas a), c), 48.º, n.ºs 1, 2 e 3, alíneas c) e d), 50.º, 71.º e 79.º, n.ºs 4 e 5, atendendo à incapacidade de que o autor ficou a padecer, a reparação deste sinistrado deve consistir, como se refere na sentença, nomeadamente, (1) no pagamento das indemnizações por incapacidades temporárias e (2) no pagamento de uma pensão anual e vitalícia (já que a sua incapacidade permanente é superior a 30%, por ser de 41,4%).
Para efeitos de cálculo, teremos de atender à retribuição anual auferida pelo Sinistrado, de € 9.803,34 (retribuição base 600,00 x 14 meses + subsídio de alimentação de € 4,27 x 22 dias x 11 meses + €130,00 de prémio de assiduidade + € 240,00 de falhas de caixa), sendo que, porém, apenas havia sido transferida a responsabilidade, quanto à Ré seguradora, pelo valor anual de € 9.433,34.
Neste contexto mostra-se pois plenamente aplicável o preceituado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 79.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09, ou seja, a seguradora só é responsável em relação à retribuição cuja responsabilidade foi transferida – que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida –, respondendo o empregador “pela diferença relativas às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efetuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respetiva proporção”.
Decorre do regime referido que a Ré seguradora apenas é responsável pela reparação do acidente sofrido pelo Autor na proporção da retribuição anual declarada pela 2ª Ré empregadora àquela para efeitos de prémio de seguro, ou seja, pela retribuição anual de €9.433,34, respondendo a 2ª Ré empregadora pelo remanescente tendo em conta a retribuição anual de €9.803,34, sendo que, não se questionando nos autos que estamos perante um acidente de trabalho, constata-se que a consolidação médico-legal das lesões sofridas ocorreu a 10/02/2017, com fixação da IPP em 41,40%.

2.3.2.1 Pensão decorrente da IPP
Conferindo a incapacidade permanente parcial (IPP), nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.ºs 2 e 3, al. c), da Lei n.º 98/2000, ao Autor, o direito a receber uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho – ou de capital de remição da pensão, nos termos previstos no artigo 75.º, onde se declara serem obrigatoriamente remíveis todas as pensões anuais e vitalícias devidas ao sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30%, o que não é o caso –, sendo tal pensão, nos termos do n.º 2 do artigo 50.º fixada em montante anual e começando a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado, ou seja, no caso, em 11/02/2017, por aplicação ao caso do citado regime, ascendendo a retribuição legal devido ao Autor à data do acidente a € 9.803,34, por via daquela IPP de 41,40% de que se encontra afetado, assiste-lhe o direito a receber uma pensão anual e vitalícia de €2841,00, a partir de 11/02/2017 (€ 9.803,34 x 70% x 41,40% de IPP)[1].
Sendo a Ré seguradora responsável, reafirma-se, apenas em função da retribuição declarada para efeito do prémio de seguro, ou seja, €9.433,34, impende sobre a mesma a obrigação de pagar ao Autor, com efeitos a 11/02/2017 (dia seguinte ao da alta), a pensão anual e vitalícia de €2733,78 (€9.433,34 x 70% x 41,40% de IPP), impendendo, por sua vez, sobre a 2ª Ré empregadora a obrigação da pagar, com efeitos à mesma data, o remanescente devido ao Autor, ou seja, a pensão anual e vitalícia de €107,22 (€2841,00 - €2733,78).
Por força da entrada em vigor da Portaria n.º 22/2018, que impôs a atualização de 1,8% às pensões decorrentes de acidente de trabalho, esta pensão passou a ser, desde 1 de janeiro de 2018, de €2892,14, correspondendo a quantia de €2782,99 àquela responsabilidade da seguradora e a quantia de €109,15 à responsabilidade direta da empregadora. Por sua vez, por aplicação do regime estabelecido na Portaria n.º 23/2019, que impõe a atualização de 1,6% às mesmas pensões, a pensão global da pensão do Autor passou a ser de €2938,41, a partir de 1/1/2019, correspondendo a quantia de €2827,52 à responsabilidade da seguradora e a quantia de €110,89 à responsabilidade direta da empregadora.
Como nesta parte se refere na sentença, a estes valores da pensão anual agora fixados deverão ser descontados os montantes já pagos pelas Rés a título de pensão provisória (artigo 52.º, n.º 5, do DL n.º 98/2009).

2.3.2.2 Quanto ao cálculo da indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA) – importando ter presente que, como se provou, ocorrendo a consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Sinistrado a 10/2/2017, o autor padeceu de ITA no período compreendido entre 3/10/2015 e 10/2/2017 –, resulta do disposto no artigo 48.º, n.ºs 1 e 3, al. d), da Lei n.º 98/2009, que tal incapacidade confere ao trabalhador o direito a receber uma “indemnização diária igual a 70% da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75% no período subsequente”.
A indemnização é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao acidente, sendo o pagamento processado mensalmente (artigos 50.º/1 e 72.º/3, da LAT), e, sendo superior a 30 dias, como acontece no caso, é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da indemnização diária que for apurada (art.º 50.º /3).
Deste modo, quanto aos primeiros 365 dias (primeiros 12 meses) de ITA, incluindo já as partes proporcionais, na medida em que partimos do valor da RA integrando os subsídios de Férias e de Natal, assiste ao Autor o direito a receber €6956,90 – €19,06 (€9.803,34 : 12 : 30 x 70%) x 365 dias de ITA –, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €6694,10 – € 18,34 (€9.433,34 : 12 : 30 x 70%) x 365 dias de ITA – e da Ré empregadora o restante, ou seja €262,80 (€6956,90 - €6694,10).
Por sua vez, agora quanto ao período de ITA que excede os 12 meses (365 dias), ou seja um período de 68 dias, tem aqui aplicação da percentagem de 75%, nos termos resultantes da norma citada, do que resulta, incluindo mais uma vez já as partes proporcionais (na medida em que partimos do valor da RA integrando os subsídios de Férias e de Natal) assistir ao Autor o direito a receber €1388,56 – €20,42 (€9.803,34 : 12 : 30 x 75%) x 68 dias de ITA –, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €1336,20 – €19,65 (€9.433,34 : 12 : 30 x 75%) x 68 dias de ITA – e da Ré empregadora o restante, ou seja €52,36 (€1388,56 - €1336,20).
Através da operação de adição de ambos os valores a que se chegou, o total devido a título de ITA, que deveria ter sido pago ao Autor, é pois de €8345,46 (€6956,90 + €1388,56), resultando da aplicação do regime previsto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 79.º, face à proporção de responsabilidade, ser da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €8030,30 (€6694,10 + €1336,20) e da Ré empregadora o restante, ou seja €315,16 (€8345,46 - €8030,30 /ou, €262,80 + €52,36).
Como a Ré seguradora apenas pagou €1.085,48, há uma diferença em divida de €6944,82 (€8030,30 - €1.085,48), diferente pois da que se afirmou na sentença recorrida (nessa foi condenada na quantia de €7.905,25 a título de indemnização por incapacidades temporárias), que deste modo se impõe alterar.
Por sua vez, quanto à Ré empregadora, tendo já procedido ao pagamento de quantia superior, nada mais terá a pagar ao Autor a este título.
Por último, importando ter presente o disposto nos n.ºs 4 e 5 do supra mencionado artigo 79.º, “o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção” – aqui se não incluindo, pois, os transportes.

2.3.2.3
Em conformidade com o que anteriormente se concluiu, a sentença recorrida será então substituída por este acórdão na parte sobre que incidiu a nossa análise em sede de recurso, assim quanto aos valores a que chegámos, nos termos seguintes:
a) Quanto à alínea a) do dispositivo da sentença, referente à Ré C... - Companhia de Seguros, S.A., mantendo-se no mais, substitui-se a parte em que se refere “e sem prejuízo do direito de regresso contra a ré entidade patronal: - na quantia de €7.905,25 a título de indemnização por incapacidades temporárias; - sem prejuízo do dos montantes já pagos a título de pensão provisória, na pensão anual no montante de €2.733,78 devida desde 11/2/2017, que ascende ao montante de €2.782,99 a partir de 1/1/2018”, que é substituída por este acórdão, condenando-se a referida Ré a pagar ao Autor: - com efeitos a 11/02/2017, a pensão anual e vitalícia de €2733,78, valor que, por atualização, passou a ser a partir de janeiro de 2018 de €2782,99 e a partir de 1 de janeiro de 2019 de €2827,52; - a quantia de €6944,82 a título de indemnização por incapacidades temporárias;
b) Quanto à alínea b), referente à Ré D..., Lda., é substituída por este acórdão, condenando-se esta Ré a pagar ao Autor: sem prejuízo do dos montantes já pagos a título de pensão provisória, com efeitos a 11/02/2017, a pensão anual e vitalícia de €107,22, valor que, por atualização, passou a ser a partir de janeiro de 2018 de €109,15 e a partir de 1 de janeiro de 2019 de €110,89; - na quantia que se vier a liquidar a título de reembolso de despesas efetuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respetiva proporção.”
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
1. Na procedência parcial quer do recurso interposto do Autor B..., quer do recurso interposto pela Ré D..., Lda., nos exatos termos determinados no presente acórdão, altera-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
a) Quanto à alínea a) do seu dispositivo, referente à Ré C... - Companhia de Seguros, S.A., mantendo-a no mais, na parte em que se refere “e sem prejuízo do direito de regresso contra a ré entidade patronal: - na quantia de €7.905,25 a título de indemnização por incapacidades temporárias; - sem prejuízo do dos montantes já pagos a título de pensão provisória, na pensão anual no montante de €2.733,78 devida desde 11/2/2017, que ascende ao montante de €2.782,99 a partir de 1/1/2018”, é agora substituída por este acórdão, condenando-se a referida Ré a pagar ao Autor:
- sem prejuízo dos montantes já pagos a título de pensão provisória, com efeitos a 11/02/2017, a pensão anual e vitalícia de €2733,78, valor que, por atualização, passou a ser, respetivamente, o de €2782,99 a partir de janeiro de 2018 e o de €2827,52 a partir de 1 de janeiro de 2019;
- a quantia de €6944,82, a título de indemnização por incapacidades temporárias;
b) Quanto à alínea b), referente à Ré D..., Lda., revoga-se nessa parte a sentença, a qual é substituída por este acórdão, condenando-se esta Ré a pagar ao Autor:
- sem prejuízo dos montantes já pagos a título de pensão provisória, com efeitos a 11/02/2017, a pensão anual e vitalícia de €107,22, valor que, por atualização, passou a ser, respetivamente, a partir de janeiro de 2018 o de €109,15 e, a partir de 1 de janeiro de 2019, o de €110,89;
- na quantia que se vier a liquidar a título de reembolso de despesas efetuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respetiva proporção.”
2. Em declarar improcedentes os pedidos de condenação como litigante de má fé formulados, respetivamente, por Autor e Ré D..., Lda.
3. Sem prejuízo de benefício que tenha sido concedido, as custas da ação e dos recursos são da responsabilidade de Autor e Rés, na proporção do respetivo decaimento.

Porto, 4 de fevereiro de 2019
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso, in www.dgsi.pt.
[2] Relator Desembargador António José Ramos, in www.dgsi.pt.
[3] Relator Conselheiro Fernandes da Silva, in www.dgsi.pt., este citado no referenciado Acórdão desta Relação.
[4] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, in www.dgsi.pt.,
[5] Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso, in www.dgsi.pt.,
[6] proc. 838/06.5TTMTS.P1.S1, Relator Conselheiro Mário Pereira.
[7] Relator Desembargador António José Ramos, in www.dgsi.pt.
[8] Veja-se, sobre um caso em que estavam em causa chaps de luminosidade em policarbonato, o Ac. STJ de 19 de dezembro de 2007, Relator Conselheiro Bravo Serra, in www.dgsi.pt:
“(...) De outro lado, não são convocáveis os artigos 44º e 45º do Decreto-Lei nº 41.821, já que a cobertura em apreço, dada a sua superfície plana, sem qualquer inclinação, resultante de uma estrutura metálica e em que já estavam colocadas as chapas, não pode ser considerada um telhado que ofereça pela sua inclinação, natureza, estado de superfície e de resistência, riscos de queda.
Poder-se-ia dizer que seria aqui de ponderar o aludido artº 45º, uma vez que, muito embora se não tratasse, verdadeiramente, de um telhado envidraçado, as chapas de luminosidade em policarbonato se poderiam reconduzir à previsão constante daquele normativo.
Simplesmente, da factualidade apurada apenas resulta que as chapas de luminosidade tinham resistência inferior às chapas metálicas, não se provando que essa inferior resistência fosse de tal sorte que não suportasse o peso de um ser humano.
Daí que, face à referida factualidade, afastada a previsão das citadas normas, não se possa dizer, diversamente do que o entendeu o Tribunal a quo, que a empregadora/aqui Apelante estivesse obrigada a implementar qualquer medida de proteção, pois que, salvo o devido respeito, nada nos autos autoriza a conclusão de que, em concreto, naquelas circunstâncias provadas, existisse qualquer perigosidade, decorrente dos perigos a que aludem as normas antes citadas, como ainda, muito menos, que a entidade patronal tivesse ou devesse ter consciência da existência de eventuais riscos, em particular de deslocação/desprendimento das placas.(...)”
[9] Relator Conselheiro Mário Pereira, também disponível em www.dgsi.pt.
[10] Já antes citado em nota de rodapé.
[11] Nos cálculos fez-se o arredondamento para a centésima, pois que a moeda corrente apenas comporta os cêntimos.