Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
153/12.5YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: DECISÃO ARBITRAL
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP20120924153/12.5YRPRT
Data do Acordão: 09/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADO O JULGAMENTO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 23º E 27º DA LAV - L. 31/86, DE 29 DE AGOSTO
Sumário: A indicação genérica de com base nos meios de prova produzidos se consideram provados certos factos tem que ser tratada como falta de fundamentação, pois não concretiza em relação aos factos em causa qual o concreto meio de prova que determinou que fosse considerado provado ou não provado, faltando em absoluto o raciocínio que levou a essa decisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 153/12
Apelação n.º 729/12
T.R.P. – 5ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1 -
B… e C…, moradores na …, …, Vila Nova de Gaia, intentaram no Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros processo contra
D…, SA, com sede social na …, .., .., Lisboa,
pretendendo obter a condenação desta a pagar-lhes a quantia de € 15.758,31, para o que alegaram que:
no dia 8-5-2011, na …, em Vila Nova de Gaia, ocorreu uma colisão entre os veículos ..-FL-.., pertencente aos Recorrentes e conduzido pelo também ora Recorrente, e ..-..-EZ, conduzido pela sua proprietária, E…, estando este seguro na Reclamada;
o acidente é inteiramente imputável à condutora do EZ;
e desse sinistro resultaram danos para os Reclamantes, que ascendem ao mencionado montante.
2 –
A Seguradora contestou, concluindo pela improcedência do pedido, pois que o acidente é imputável, exclusivamente, à condução do Reclamante.
3 –
Os Reclamantes, invocando não ser justo terem tido a obrigação de se cingir ao formulário para expor a matéria de facto e a Reclamada não ter essa obrigação, requereram a rejeição da Contestação.
4 –
Teve lugar o julgamento e foi proferida a Decisão, em cuja parte dispositiva se lê:
“Em consequência, sendo o acidente imputável ao próprio Reclamante, condutor do LF, encontra-se excluída a responsabilidade da Reclamada (Artigo 505º do C.C.), enquanto seguradora do EZ, razão por que julgo a reclamação improcedente, absolvendo a Reclamada do pedido.”
5 -
Os Reclamantes recorreram desta Decisão, tendo formulado nas suas Alegações as CONCLUSÕES que a seguir se transcrevem:
«1. Nos termos do artigo 680º do CPC, o recurso está a ser interposto por aqueles que direta e efetivamente ficaram prejudicados pela decisão arbitral;
O recurso visa:
2. Que nos termos do disposto no nº 5 do artigo 9º, e ainda dos artigos 19º, 20º e 23º do Regulamento de Arbitragem e das Custas, atendendo ao supra alegado em 23, 24 e 25, a contestação apresentada nestes autos seja desentranhada e, com isso, desatendido o seu teor, isto é, a defesa apresentada pela recorrida;
3. Que, nos termos do n.º 3 do artigo 18º do Regulamento da Arbitragem e das Custas, o julgamento to no que respeita à solução do conflito de interesses juridicamente relevantes se faça de acordo com o direito constituído;
4. Que, nos termos do artigo 712º do CPC, as testemunhas sejam novamente ouvidas, já que:
4.1 Tal determinação revela-se indispensável ao apuramento da verdade,
4.2 Não consta do processo qualquer registo dos depoimentos prestados,
4.3 A decisão arbitral em questão está deficientemente fundamentada;
4.4 A decisão arbitral em causa excede os limites da discricionariedade;
5. Que as alíneas B, C e D da decisão arbitral, atendendo ao supra alegado e, 1 a 22, sejam dadas, por falta de produção de prova nesse sentido, como não provadas;
6. Que V. Exªs decidam que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova e, por conseguinte, ao não considerar violado pela recorrida o nº artigo 35º do Código da Estrada, uma errada subsunção jurídica dos factos ao direito.
7. Que V. Exªs decidam alterar, conferindo, com isso, garantia de acerto no que respeita à solução do conflito de interesses juridicamente relevantes, por erro de julgamento, com o cotejo de efeitos do artigo 681º do CPC emanam, a decisão arbitral proferida;
8. Que a recorrida seja condenada a pagar aos recorrentes o valor de 15.758,31€, correspondente aos prejuízos que foram dados como provados na decisão arbitral».
5 – A Recorrida pronunciou-se pela confirmação da Decisão em apreço.

II – FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

A – Da Decisão constam como sendo Factos e adquiridos para os autos

1. No dia 8-5-2011, cerca das 12H45, na …, em V. N. de Gaia, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o motociclo de matrícula ..-FL-.., conduzido por C…, propriedade dos Reclamantes, e o veículo ligeiro passageiros de matrícula ..-..-EZ conduzido por E… e propriedade da mesma, com responsabilidade civil automóvel transferida para a Reclamada, mediante contrato de seguro, titulado pela apólice ……….
2. O EZ circulava na …, em marcha lenta, na faixa da esquerda, pois excepcionalmente encontravam-se parados nessa ... na faixa da direita, em fila, vários automóveis marca SMART.
3. O EZ, atempadamente, acionou o pisca para virar à esquerda, e quando estava a iniciar a manobra de mudança de direção, aparece o FL, de repente, a ultrapassar sobre as duas linhas contínuas paralelas.
4. O EZ, quando se apercebeu da manobra do FL, parou, mas não conseguiu evitar o embate, na porta lateral esquerda da frente.
5. Em consequência desse embate, o Reclamante sofreu prejuízos estimados em € 15.758,31.”

B – O Recurso e os Factos
1 -

Os Recorrentes impugnam, essencialmente, a Decisão de Facto, pretendendo a sua alteração por via desta Apelação.
A produção da prova testemunhal não foi gravada, o que nenhuma censura merece, mas impede a sua reapreciação em sede de recurso.
Porém, não estando à disposição deste Tribunal de Recurso todos os elementos em que se baseou a Decisão de Facto não é possível proceder à apreciação da sua justeza quanto ao sentido dessa mesma Decisão – ver artigo 712º, 1, a), do CPC. Por outro lado, dos autos nada é fornecido que imponha uma decisão diversa, nem foi apresentado qualquer documento novo superveniente – ver artigo 712º, 1, b) e c), do CPC
2 –
Invocam, ainda, a sua deficiente fundamentação.
Para fundamentar a Decisão de Facto está escrito: “Atenta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, os documentos juntos aos autos, a prova testemunhal produzida, e tudo o que foi possível apurar em Audiência de Julgamento, ficaram provados, apenas, os seguintes …
É evidente que esta fundamentação não é só deficiente, mas corresponde e tem de ser tratada como ausência de fundamentação, pois que não concretiza em relação aos factos em causa qual o concreto meio de prova que o levou a considerá-lo como provado ou não; falta, em absoluto, o raciocínio que levou à decisão de provado ou não provado. É esta ausência de esclarecimento do raciocínio que levou à decisão que implica considerar que há uma carência absoluta da menção das razões justificativas da convicção do julgador; há uma ausência total de apreciação crítica das provas produzidas.
Só a absoluta falta de fundamentação integra a previsão do artigo 668º, 1, b), do CPC.
Do mesmo modo, só a absoluta falta de fundamentação integrará o fundamento de anulação previsto nas disposições combinadas dos artigos 23º, 3, e 27º, 1, d), da LAV aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29-8, aplicável atenta a data da instauração – ver artigo 4º, 1 e 2, da Lei n.º 63/2011, de 14-12.
Por outro lado, o artigo 25º da LAV não permite que seja, agora, possível suprir esse vício, ordenando a repetição do julgamento, pois que já se esgotou o poder jurisdicional da Sr.ª Árbitra.
Fica, desta forma, prejudicada toda e qualquer outra questão, nomeadamente a apreciação da etiologia do acidente.
E sempre se dirá que haveria de proceder à eliminação da Decisão de Facto de elementos conclusivos como “excecionalmente” e “atempadamente”.

III – DECISÃO

Por tudo o que exposto fica acordamos em anular a Decisão Arbitral em recurso.
Custas pela Recorrida.

Porto, 2012-09-24
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
Ana Paula Vasques de Carvalho
Manuel José Caimoto Jácome
______________
Face ao acima escrito é possível elaborar o seguinte SUMÁRIO:
1 - Escrever, exclusivamente, para fundamentar a Decisão de Facto: “Atenta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, os documentos juntos aos autos, a prova testemunhal produzida, e tudo o que foi possível apurar em Audiência de Julgamento, ficaram provados, apenas, os seguintes …” equivale a total ausência de fundamentação por falta de referência a um concreto meio de prova.
2 - Só a absoluta falta de fundamentação integrará o fundamento de anulação previsto nas disposições combinadas dos artigos 23º, 3, e 27º, 1, d), da LAV aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29-8.
3 - O artigo 25º da LAV não permite que seja possível suprir esse vício através da repetição do julgamento, pois que já se esgotou o poder jurisdicional do Árbitro.

José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira