Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2152/12.8TAPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: BORGES MARTINS
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
CONCURSO REAL
Nº do Documento: RP201611092152/12.8TAPVZ.P1
Data do Acordão: 11/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 696, FLS.435-445)
Área Temática: .
Sumário: Estando em causa a violação do direito a alimentos de 4 menores, ainda que ocorra apenas uma resolução criminosa, por se trata de bens de natureza eminentemente pessoal, o arguido incorre na prática de 4 crimes em concurso real.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Comum Singular n.º 2152/12.8TAPVZ.

Vila do Conde – Inst. Local – Secção Criminal – J3.

Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:

Nos presentes autos foi proferida a seguinte decisão:

Pelo exposto o tribunal decide julgar a pronúncia totalmente procedente e, em consequência:
a) Condena o arguido B… pela prática em concurso real, de quatro crimes de violação de obrigação de alimentos, p. e p. pelo art. 250.°, n.º 3, do CP., nas penas parcelares de 6 meses de prisão, por cada crime que, em cúmulo jurídico, se reconduzem à pena única de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada ao dever de liquidar à Assistente o montante devido a título de alimentos em falta, a saber: 18.450,00 Euros, no prazo de 1 ano - dr. arts. 50.°, n.ül, 3, 5 e 51.°, n.o1, a) e 2, todos do CP ..
b) Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ue' s.
c) Boletim ao registo criminal.
Quanto à parte cível:
d) Condeno o demandado no pagamento à demandante da quantia de € 18.450,00 valor global dos alimentos vencidos e não pagos entre Outubro de 2012 a Janeiro de 2015, devida a título de danos patrimoniais e da quantia de €1.000,00, devida a título de danos não patrimoniais, a que acrescem os juros à taxa civil a contar desde a citação quanto ao montante fixado a título de danos patrimoniais e desde a presente sentença, quanto ao montante fixado a título de danos não patrimoniais, ambos até efectivo e integral pagamento.
e) Absolvo o demandado quanto ao mais peticionado.

Recorreu o arguido B…, inconformado com o julgamento da matéria de facto, por se verificar a previsão do art.º 410.º, n.º2, al.) c) do CP e violação do disposto no art.º 127.º do CPP; dizendo a matéria apurada não integra todos os elementos do tipo; devia ter sido dado preferência à pena de multa, nos termos do disposto no art.º 70.º do CP; revogada a condição da suspensão; apelando para a improcedência do pedido cível.
Respondeu o MP, em síntese, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, bem como o Parecer do Exmo PGA junto deste Tribunal da Relação.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º2 do CPP.
Colhidos os Vistos, cumpre decidir.

Foi a seguinte a fundamentação de facto da decisão recorrida:

1. O arguido B… e a assistente C… casaram, um com o outro, no dia 21 de Outubro de 2000 e no decorrer desse casamento nasceram quatro menores: D…, nascido a 16- 12-1998, E…, nascido a 30-5-2001, G…, nascido a 13-10-2004, e de E…, nascida a 16-1-2008 - cfr. Assentos de Nascimento juntos a fls. 128 a 139.
2. Por decisão proferida a 3-7-2012 no processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais que correu termos no antigo 3.° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim sob o n.° 1209/12.0TBPVZ, foi homologado o acordo nos termos do qual os referidos menores ficaram entregues à guarda e cuidados da mãe, a C…, e o arguido obrigado a contribuir a título de alimentos devidos àqueles seus filhos com a quantia mensal de € 700, a liquidar por meio de transferência bancária para uma conta da C… até ao dia 8 de cada mês.
3. Mais ficou o arguido obrigado, nesse acordo, a contribuir na proporção de 50% nas despesas de saúde e educação dos mencionados menores, a pagar contra apresentação do respectivo orçamento/factura/recibo e juntamente com a prestação de alimentos do mês seguinte.
4. Posteriormente, por decisão transitada em 28-4-2014, proferida naqueles autos, que tomaram o n.° 2407/12.1 TBPVZ-A no antigo 3.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde, foi fixada em € 750 a contribuição mensal do arguido para os referidos menores: €250,00, para o menor D…, €225,00, para o menor E…, €150,00, para o menor Iúri, e €125,00, para a menor H…, a liquidar da mesma forma.
5. Ficou também determinado nessa decisão que aquela quantia será actualizada anualmente de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE em Janeiro, e que cada progenitor suportará ainda 50% das despesas extraordinárias escolares, médicas e medicamentosas referentes aos menores, a pagar pelo progenitor que apresente o documento comprovativo da respectiva despesa, no prazo de 30 dias seguintes à apresentação.
6. Todavia o arguido, não obstante ter possuído meios para o fazer, nunca contribuiu com a referida quantia, na íntegra, a título de alimentos devidos àqueles seus filhos nem com os 50% nas despesas de saúde e educação dos mesmos.
7. Desde Abril de 2007 que o arguido reside e trabalha na Suíça na construção civil, celebrando contratos de trabalho sazonais, entre Abril e Novembro ou meados de Dezembro, com a empresa de construção civil "F…", em …, auferindo o salário líquido mensal médio de € 4.499,93 (equivalente a 5'541 francos suíços).
8. Para além disso, nos meses de Inverno o arguido tem direito a receber o Subsídio de Desemprego, auferindo a esse título a quantia de € 3.600 mensais (equivalente a 4'433 francos suíços).
9. O arguido habita na Suíça um apartamento que partilha com uma sua irmã mais nova, a qual apoia economicamente.
10. Os menores D…, E…, G… e H… encontram-se, desde 2012, na dependência exclusiva da mãe, a C…, que de 1-6-2012 a 1-9-2014 recebeu de RSI o valor mensal de € 391,93, e de Dezembro/2012 a Junho/2014 frequentou um curso de formação para adultos, comparticipado, tendo recebido urna bolsa de formação no montante de € 146,73 mensais.
11. Desde 1 de Setembro de 2014 que a C… não aufere qualquer rendimento, fazendo apenas alguns trabalhos manuais (bordados) e de manicura sempre que consegue, com o que não retira mais de € 100 por mês.
12. E como encargos tem as despesas com a renda da casa, a água, a electricidade, o gás, a alimentação, o vestuário e a saúde dos seus filhos e a sua, bem como com a educação daquelas, despendendo mensalmente só com os menores quantia não inferior a € 1.065.
13. Para além disso despende ainda anualmente a quantia de € 300 em óculos para o menor G….
14. Assim, e para fazer face a todas as despesas, a C… tem recorrido, desde 2007, ao auxílio económico de familiares e de instituições, eéà custa deles que tanto ela como os menores sobrevivem.
15. O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito, conseguido, de se eximir ao pagamento das prestações alimentares que sabe serem-lhe legal e judicialmente exigíveis, com pleno conhecimento de que, não o fazendo, punha em causa a satisfação das necessidades básicas dos filhos D…, E…, G… e H…, e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
16. Por sentença de 26 de Fevereiro de 2015, transitada em julgado, proferida no processo n.° 1225/13.4TBVCD, da 3a Secção de Família e Menores da Instância Central do Porto, foi julgada parcialmente procedente a acção de impugnação de paternidade intentada pelo aqui arguido e em consequência declarou-se, na mesma sentença, que o autor B… não é o pai da menor H..,
ordenando-se a eliminação de tal menção, bem como da avoenga paterna, no respectivo assento de nascimento. MAIS SE PROVOU DO PIC:
17. A Demandante, por vezes, privou-se de se alimentar para proporcionar aos filhos mínimas condições de vida.
18. A Demandante não beneficia do abono de família para os menores porque o Arguido o requereu para si, na Suíça, obstaculizando a que o mesmo seja entregue à mãe aqui em Portugal.
19. A Demandante sofre grande desgosto e incómodos com a actuação do arguido ao não liquidar as prestações de alimentos.
MAIS SE PROVOU:
20. Dentro do período em causa nos autos (de Julho de 2012 até Janeiro de 2015) o arguido não liquidou, a título de alimentos, qualquer quantia entre Outubro de 2012 e Setembro de 2014 (€700,00 x 19meses + 750,00 x5 meses = €17.050,00).
21.0 arguido liquida desde Outubro de 2014 e actualmente € 400,00 mensais, a título de alimentos, acrescendo a essa quantia €50 que envia destinando-a ao filho D…, quando estava obrigado a liquidar até Março de 2015: €750,00 e desde Abril de 2015 está obrigado a liquidar €625,00, estando em falta no período em causa nos autos (entre Outubro de 2014 a Janeiro de 2015), por isso, €1.400,00.
22. O arguido não tem antecedentes criminais.
23. O arguido (segundo confessou) auferia da Segurança Social Suiça abono de família no montante de, pelo menos, €600,00, tendo deixado de receber abono de família em 2014.
24. O arguido tem despesas fixas de cerca de €2.000,00: alimentação (€15,00 almoço/dia), renda de casa (€450,00), seguro de saúde (€240,00), etc..
MAIS SE PROVOU DA CONTESTAÇÃO:
25. O arguido liquidou no período temporal em causa nos autos custas judiciais e honorários de acções que intentou valor não concretamente apurado.
26. Existe um imóvel, propriedade do ex casal, conforme certidão judicial junta que antecede e que se encontra na posse do arguido, encontrando-se desabitado.
27. O arguido efectuou transacção judicial em que, se comprometeu a proceder ao pagamento da quantia de €3.800,00, originada por dívida contraída junto do padrasto da Assistente, em 4 prestações mensais e sucessivas cada com vencimento a primeira no dia 4/04/2013 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, no montante mensal de €950,00/cada - conforme Acta junta a fls. 263 a 265.
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B - Factos Não Provados:
(DO PIC)
- Não se provou que o arguido comprou recentemente um carro de alta gama, veste roupa de marca, exibe nas redes sociais os bens de consumo e as viagens que compra e faz;
- Não se provou que o arguido levantou o dinheiro que possuía em Portugal, nas contas bancárias, e alienou bens suscetíveis de penhora, por forma a obstar a cobrança coerciva;
(DA CONTESTAÇÃO)
- Não se provou que seja falso que o arguido não proceda ao pagamento de uma quantia monetária a título de alimentos aos menores, já que todos os meses aquele deposita a importância de 450€, bem como, também paga material escolar.
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Inexistem outros factos a considerar com interesse para a decisão da causa.
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C- Motivação da decisão de facto
O art°374° do C.P.P., no seu n°2, determina, além do mais, que a fundamentação da sentença contenha a enumeração dos factos provados e não provados, que serão, como resulta do art°368°n°2 do mesmo código, apenas os que, sendo relevantes para a decisão, estejam descritos na acusação, ou na pronúncia, tenham sido alegados na contestação, ou que resultem da discussão da causa. Como é sabido, dada a uniformidade do entendimento que desde há muito o STJ tem vindo a adoptar sobre esse ponto - Cfr. por todos, os Ac. STJ de 03.04.91 e de 05.02.98, in CJ, 1991, T2,19, e CJ T2, 245, respectivamente - aquela enumeração visa a exaustiva cognição do "thema probandum", isto é, a demonstração de que o tribunal analisou especificamente toda a matéria de prova que foi submetida à sua apreciação e que se revestia de interesse para a decisão da causa, pelo que a obrigação legal de, na sentença, se fazer a descrição dos factos provados e não provados, se refere e tão somente "(....) aos que são essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes, o que exclui os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação ou na contestação" - Cfr. Ac. STJ de 15.01.97, in CJ, Ac. STJ, 1997, Tl, p.181
Isto posto, vejamos qual foi o nosso percurso para decidir como se fez.
A convicção do tribunal na fixação da matéria factual supra enunciada fundamentou-se no conjunto da prova produzida, socorrendo-se de todos os elementos apreendidos, e reconstruiu em consciência o que efectivamente se passou, e que se reconduz, ao fim e ao resto, apenas aos factos supra referidos dados como provados, atendendo-se ainda às regras da normalidade e de experiência comum.
No que concerne aos factos provados, o tribunal baseou-se nas declarações do arguido e da progenitora dos menores e bem assim na prova documental junta: certidões das decisões judiciais nos termos das quais foi fixada a obrigação, ao arguido, de contribuir com uma pensão de alimentos para os filhos menores do casal e outras a que se alude nos factos provados e na acusação para que remete a pronúncia, designadamente o relatório social feito pelas entidades suíças; certidões de nascimento dos menores e de casamento do arguido e da assistente.
No que concerne aos depoimentos tiveram-se em conta as declarações da assistente a qual afirmou que o arguido não paga pontualmente a pensão de alimentos devida aos filhos menores, sendo que, se encontra, em falta muitos meses.
Esclareceu ainda que o arguido desde 2007 que se encontra a trabalhar na Suíça na construção civil, sendo que quando se encontravam casados o arguido mandava-lhe cerca de € 1.200,00 a 1.300,00 mensais e uma vez por ano, no final do contrato trazia cerca de €8.000,00 para amortizarem as dívidas que tinham.
Afirmou ter auferido rendimento social de inserção e ter sido abonado durante um curso de formação que fez e ainda fazer alguns trabalhos, mas necessitar da ajuda da família, das instituições e de pessoas conhecidas para que os filhos vejam as suas necessidades básicas satisfeitas, tendo sido sobretudo impressivo o relato que fez sobre um tempo em que se dispôs a receber comida que sobrava de um restaurante para melhor poder servir uma refeição completa aos filhos.
Depôs de modo sério e isento, expressando preocupação com o bem-estar e sustento dos seus filhos.
O Tribunal acreditou nas suas palavras.
Por sua vez as testemunhas I…, que foi professora do E… e do G…, e J…, que foi professora do D… relataram episódios de onde foi notório concluir que os menores demostravam passar por graves carências, quer ao nível de material escolar, quer mesmo alimentar, tendo esta última testemunha aludido a um episódio em que o D… terá pedido para levar para casa "os restos de carne de churrasco" que sobraram de uma festa na escola para casa. Tendo esta última ainda referido que o D… lhe disse, assim corroborando o que afirmara a Assistente e consta alegado no PIC, que, ultimamente, o pai lhe enviava €50,00, para ele.
As testemunhas K…, prima da Assistente e madrinha do E…, L…, padrasto da Assistente, M…, mãe da Assistente, N…, vizinha e amiga da Assistente afirmaram de modo peremptório que sem o auxílio que os familiares, instituições e terceiros prestam à Assistente esta não teria possibilidade de providenciar pelo sustento dos filhos, esclarecendo que estes lhes foram fornecem bens alimentares bem como quantias em dinheiro.
Depuseram de modo isento, sincero e convincente, demonstrando bem ser conhecedores da factualidade em causa nos autos.
Ao invés, dos depoimentos das testemunhas de defesa O…, P… e Q…, foi notória a sua dificuldades em depôr de modo isento, revelando ser pouco conhecedores dos factos em apreço e da vivência dos menores no período em causa nos autos, e por isso pouco esclareceram quanto aos factos aqui em discussão, limitando-se a dizer que o arguido entregou quantias em dinheiro às advogadas da Assistente (mas em momento anterior aos factos em causa ou repetindo o que já resultava de documentos e é confessado no PIC) e que por vezes o arguido pedia-lhes para ir com os menores ao supermercado para fazer compras por sua conta, o que nada obsta ao incumprimento da obrigação de alimentos e aos factos em causa nos autos, atento o carácter esporádico das mesmas e aos itens adquiridos.
Todas as testemunhas descreveram o arguido como sendo um homem trabalhador.
Valoraram-se ainda os demais documentos juntos aos autos, em especial a certidão predial de onde resulta a co-titularidade de um imóvel pelo arguido (que é também da assistente) e que as testemunhas referiram estar na sua posse exclusiva, que o arguido poderia arrendar para obter rendimento para liquidar os aÜmentos em falta.
Dos elementos supra referidos resulta que o arguido ficou obrigado ao pagamento de uma pensão de alimentos aos seus filhos menores no valor de € 700,00 mensais até Abril de 2014, e de €750 daí em diante, sendo que, desde Outubro de 2012 e até Setembro de 2014 deixou de efectuar o pagamento de qualquer montante e para além desse período considerando o período em causa nos autos que vai desde Julho de 2012 e até Janeiro de 2015, remeteu alguns valores de modo esporádico e quase sempre de montante inferior ao devido.
Nada se tendo provado, designadamente da existência de um qualquer motivo atendível para deixar de efectuar o referido pagamento da pensão de alimentos na íntegra designadamente durante 24 meses seguidos (sendo verosímil que tenha assim agido por orgulho ferido, dado ter coincidido com o momento em que terá descoberto que tinha sido traído e suspeitado que poderia não ser o pai biológico dos filhos mais novos, o que veio a confirmar-se posteriormente relativamente à menor H…, como resulta supra dos factos provados. Situação que poderia até se compreender, ainda que lhe fosse censurável, caso assim agisse durante os primeiros meses mas não merece qualquer compreensão ao agir desse modo durante tanto tempo seguido, dado que, como é obvio, sabia da incapacidade da mãe para sustentar os menores sozinha, sendo que os menores nenhuma culpa teriam nessa situação).
Tanto que se existisse uma qualquer razão para não efectuar o pagamento em causa, deveria o arguido pelo menos, fazer tal comunicação à assistente ou deveria ainda diligenciar, junto da entidade competente para ver diminuído o valor da pensão de alimentos a suportar, o que não fez.
O arguido encontra-se na Suíça há quase de 10 anos, trabalhando na construção civil, tendo o arguido se mantido sempre na mesma empresa, sendo que até ao rompimento da relação conjugal o arguido enviava à assistente cerca de € 1.200,00 a €1.300,00, tendo sido por vontade do arguido que a Assistente deixou de trabalhar, para melhor poder acompanhar os seus 4 filhos.
Deste modo, tendo em conta que o arguido nada fez no sentido de ver diminuído o montante da pensão de alimentos, nada comunicou ou disse à assistente, deslocando-se a Portugal, durante este tempo, várias vezes ao ano, tendo consigo uma irmã adulta na Suíça, durante bastante tempo, a quem ajudava financeiramente, entende-se que o mesmo manteve e mantém condições que lhe permitiam proceder ao pagamento da pensão.
Resta dizer que, mesmo sendo verdadeiro que o arguido possa ter visto diminuída a sua disponibilidade financeira em virtude de ter litigado em processos judiciais, a obrigação de efectuar o pagamento da pensão de alimentos sobreleva quanto às demais.
Assim, o arguido, de modo livre, voluntário e consciente não pagou o montante da pensão a que se encontrava obrigado estando em condições de o fazer, e obrigando a que os seus filhos dependessem de terceiros a fim de verem satisfeitas as suas necessidades básicas.
Não é de difícil alcance perceber que os rendimentos auferidos pela Assistente, o rendimento social de inserção ou a bolsa auferida enquanto formanda ou o que aufere em trabalhos esporádicos de manicure ou outros é manifestamente insuficiente para fazer face às despesas do agregado familiar, impedindo a satisfação das mais básicas das necessidades.
Resulta ainda das regras da experiência comum, para além da prova produzida acerca deste particular, que quem se vê numa situação de ter de depender de terceiros para dar de comer aos filhos e que por vezes não tem para lhes dar, em virtude de o progenitor não proceder ao pagamento da pensão a que se obrigou, se priva a si mesma de se alimentar, sente desgosto e incómodos vários.
No que se refere à titularidade pelo arguido de um bens imóvel tal deveu-se ao facto de o arguido o ter trazido à colacção na sua contestação, tendo a assistente referido que ainda não foram realizadas partilhas, sendo que o imóvel pertença do extinto casal está desabitado, sendo possuído pelo aqui arguido, o que significa que o mesmo o poderia ter arrendado com vista a obter rendimento que poderia ser utilizado no pagamento das prestações alimentares.
No que concerne à matéria dada como não provada, do PIC e da Contestação, foi assim considerada por não se ter feito prova cabal da mesma que, por isso, foi assim considerada.
Tivemos ainda em conta as declarações do arguido no que respeita à sua situação pessoal, na parte que não foram contraditadas pelo teor dos documentos juntos aos autos acerca da mesma situação, documentos juntos sob a forma de certidão (junta a fls. 147 e seguintes), oriundo dos autos de regulação do poder paternal que não se encontram impugnados, os quais sustentam os factos provados quanto às condições financeiras do arguido.
Da mesma certidão nos fizemos valer para fixar as necessidades dos menores que, constam na acusação, por lapso, superiores ao que resulta do relatório social de fls. 149 e seguintes, documento não impugnado, e facto alterado que se prescindiu de comunicar, dado ser mais favorável ao arguido.
No que se refere à inexistência de antecedentes criminais do arguido, o tribunal teve ainda presente o C.R.C, junto.
Fundamentação:

Quanto à adesão que o tribunal fez da versão apresentada pela acusação, em detrimento da apresentada pela arguido, convém aqui lembrar que um princípio que informa o processo penal é o da livre apreciação da prova. Dispõe o art. 127.º do CPP que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. É no equilíbrio destas duas vertentes (as regras da experiência e a livre convicção do julgador) que a prova há- de ser apreciada.
Este princípio da livre apreciação da prova é válido em todas as fases processuais, mas é no julgamento que assume particular relevo. Não que se trate de prova arbitrária, no sentido de o juiz decidir conforme assim o desejar, ultrapassando as provas produzidas, A convicção do juiz não deverá ser puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Tal decorre do art.º 374.º, nº 2 do CPP, o qual determina que a sentença deverá conter “ uma exposição tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”.
Mas a decisão do juiz há-de ser sempre uma “convicção pessoal “- até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais “- Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, vol. I, ed. 1974, pag. 204).
Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade. Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis, “ a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há- de julgar e os elementos de que tem de se extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”. E concluía aquele Professor, citando Chiovenda, que “ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre apreciação da prova é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar”.
O art. 127.º do CPP indica-nos um limite à discricionaridade do julgador: as regras da experiência e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Assim, a exposição tanto possível completa sobre os critérios lógicos que constituíram o substracto racional da decisão- art.º 374.º, n.º 2 do CPP- não pode colidir com as regras da experiência.
Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.
Na mencionada obra, a este propósito refere o Prof. Figueiredo Dias: “Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao princípio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento(...). De qualquer modo, desde o momento em que- sobretudo por influxo das ideais da prevenção especial- se reconheceu a primacial importância da consideração da personalidade do arguido no processo penal, não mais se podia duvidar da absoluta prevalência a conferir aos princípios da oralidade e da imediação. Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”- págs. 233-234.
Os juízos dados como assentes na decisão recorrida asseveram-se como plenamente legítimos face ao conteúdo do princípio da livre apreciação da prova. A versão dada com provada é plausível e não contraria as leis da lógica.
O tribunal recorrido teve acesso a outros elementos, como tom de voz, gestos, capacidade física dos intervenientes, que lhe permitirão formar a sua convicção, a qual não resulta aqui sindicável.
A posição expressa pelo recorrente a propósito da não prova das omissões de pagamento por si perpetradas, parece apontar para o entendimento de que este Tribunal estaria agora em condições de proceder a um novo julgamento, considerando credível a versão da defesa do arguido e não a da acusação. Mas, pelas razões expostas supra, tal não é viável.
Inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova, o qual como é sabido, vem a traduzir-se num erro grosseiro, ostensivo, na apreciação da prova, o qual não passaria despercebido a um cidadão leitor de cultura mediana, e que resultaria apenas do texto da decisão recorrida, só por si ou de forma conjugada com as regras da experiência.
Por outro lado, o recorrente não cumpriu os ónus previstos nos ns. 3 e 4 do CPP, pelo que se pode sustentar não ter impugnado o juízo da matéria de facto no âmbito de tal mecanismo.
A valorização da prova documental foi feita de forma idónea, tendo particularmente em atenção aquela que documenta a situação económico-social do recorrente mais próxima das datas apontadas para a comissão do ilícito – com a rectificação que se impõe, no ponto 1 da matéria provada, de que o filho D… nasceu antes da celebração do casamento, rectificação esta, todavia, sem qualquer relevância para a apreciação do real mérito da pretensão recursiva.
Não ocorre, pois, motivo para alteração do juízo da matéria de facto; particularmente do ponto 7 da matéria apurada, com cuja alteração o arguido pretendia afastar a existência do tipo, por impossibilidade económica de satisfazer as suas obrigações.

Sobre esta matéria pronunciou-se o tribunal recorrido desta forma:

Vem o arguido acusado nestes autos da prática de quatro crimes de violação da obrigação de alimentos, p. e p. nos termos do art° 250°/3 CP.
Reza assim: "3.Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação, sem o auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias"
Dispõe assim o preceito em apreço que comete aquele crime quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito.
Como resulta do teor da norma em causa, trata-se de um tipo legal que visa proteger em primeira linha o titular do direito a alimentos face ao perigo de não satisfação das necessidades fundamentais [V. Damião da Cunha, in "Comentário Conimbricense do Código Penal", t. II, pg. 621].
Como escreve Maia Gonçalves, no Código Penal Português, 10a ed., pág. 737, "o conceito de alimentos é normativo, estabelecido no art° 2003° do CC, pelo que o Código Penal o recebe com a amplitude que tem no Direito Civil, isto é, tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário e ainda à instrução e educação do alimentando, no caso de este ser menor."
São elementos essenciais do crime de violação da obrigação de alimentos: a) a vinculação de uma pessoa a uma obrigação de alimentos; b) que essa pessoa esteja em condições de os prestar; c) o não cumprimento da obrigação; d) que esse não cumprimento ponha em perigo a satisfação das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito; e) a ocorrência desse perigo, independentemente do auxílio de terceiros.
Evidentemente que, ao lado do preenchimento dos elementos objectivos do tipo, exige-se a actuação a título de dolo, o qual deverá abranger todos aqueles elementos (art. 14.° do CP).
Para que se verifique o crime não é necessária a prévia condenação judicial do obrigado a alimentos, bastando que a obrigação de alimentar decorra da lei, mas, como é óbvio, a expressão "legalmente" abrange as decisões judiciais transitadas em julgado como o expressou o Prof. Figueiredo Dias, na Acta n° 26 da Comissão de Revisão do Código Penal- v. Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993, pág. 292.
Por outro lado, exige-se o perigo concreto da satisfação das necessidades fundamentais de quem tem direito aos alimentos. Basta a perspectiva do perigo e não já a carência efectiva, mesmo que estejam a receber o auxílio de terceiros, quer estes auxiliem por estarem legalmente obrigados, quer o façam voluntariamente. É um crime de perigo concreto e não um crime de dano.
Neste tipo de crime encontra-se reforçado o desvalor da acção, em si mesma considerada perigosa para a produção do resultado lesivo.
O perigo, como elemento do tipo, tem que ser real, exprimindo um resultado de perigo imputado à acção típica. Necessário, igualmente, se torna a produção de um "perigo de resultado" concreto, no sentido de um dano adequado e proibido, tal qual acontece nos crimes de dano. Este perigo determina-se de acordo com os critérios de imputação, com o auxílio de uma prognose posterior, objectiva (ex ante).- Roxin.
Trata-se de um crime de perigo, individual, atendendo à individualidade do objecto posto em perigo.
Caracterizado o tipo legal de crime agravado pelo que o arguido vinha acusado, atendamos à acção tipicamente configurada pelo art. 250.°, n.°l, do Cód. Penal, o tipo simples.
Tal actuação, consiste, no não cumprimento pelo agente da obrigação legal de prestar alimentos, estando em condições de o fazer.
Compulsando a factualidade provada, concluí-se que o arguido não cumpriu a obrigação de prestação de alimentos a que estava obrigado, designadamente nada liquidou entre Outubro de 2012 a Setembro de 2014, sendo que o arguido tinha possibilidades económicas de proceder a tal pagamento, e não o fez, obrigação essa a que se vinculou formalmente, no âmbito do processo de regulação do poder paternal n° 2407/12.1TBPVZ-A, que corre os seus termos no 3a Secção do Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, Comarca do Porto - J4.
Acresce que temos por assente que a prestação de alimentos devida pelo arguido condicionava a satisfação das suas necessidades essenciais.
Assim sendo, verificou-se em concreto o perigo de não satisfação das necessidades essenciais dos menores, pois que não fosse a contribuição de terceiros: mãe, avó, madrinha, padrasto da progenitora, instituições e terceiros, a sua subsistência seria inviável.
Existindo assim os referidos elementos objectivos do tipo legal de crime imputado ao arguido: a colocação em perigo da satisfação das necessidades fundamentais dos quatro menores, pelo que deverá ser condenado pelo tipo agravado, do n.° 3 do art. 250.° do C.P.P..
Resta referir que se mostram verificados também os requisitos subjectivos dos crimes, dado que não só terá actuado com consciência da ilicitude, como ainda com dolo directo (art. 14°/1 do Cód. Penal).
A questão que nesta fase importa apurar é saber se estamos diante quatro crimes, como propugna o Ministério Público, ou apenas diante um só crime ou até 1 crime continuado.
O problema ora suscitado prende-se com a noção de concurso de crimes que se mostra consagrada no n° 1 do art. 30° do Código Penal: o número de crimes determina- se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
Embora a lei o não refira de forma expressa, para se concluir pela existência de um concurso efectivo de crimes importa atender, além do recurso ao critério da pluralidade de tipos violados (que na hipótese não tem aplicação), ou da pluralidade de vezes em que o mesmo tipo de crime foi preenchido, importa atender, dizíamos, ao critério da pluralidade de juízos de censura, traduzido por uma pluralidade de resoluções autónomas [V. Eduardo Correia, in "Direito Criminal", II, reimpressão, pgs. 200 e ss.].
Ora, como bem se refere no Ac. da R.P. de 4-1-2006, in www.dgsi.pt, o crime de violação da obrigação de alimentos protege bens de natureza eminentemente pessoal e, como tal, o agente comete tantos crimes quantas as pessoas ofendidas, ainda que haja uma só resolução criminosa, isto porque não parece defensável que o argui in casu tenha tido quatro resoluções criminosas!
O que acontece é que, na situação em apreço, estão em causa bens eminentemente pessoais, pois que, o crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo art. 250° n.° 1 do C.P., visa a protecção, em primeira linha, do titular do direito a alimentos face ao perigo de não satisfação das necessidades fundamentais, traduzidas no direito a alimentos, no direito à saúde, no direito ã educação, etc.
Assim é que, como é referido no citado aresto, «no Acórdão proferido por esse Ilustre Tribunal em 21.04.2004 (in, www.dgsi.pt), escreve-se que "tal como no crime de homicídio e de ofensas à integridade física os bens jurídicos protegidos são, em última instância, a própria vida, a integridade física e a saúde dos alimentados, ou, como dito, bens eminentemente pessoais. Daí que, considerando-se a provada única resolução do agente, estejamos, então, perante um caso de concurso ideal homogéneo que, nos termos do art. 30° n.° 1 do C. Penal urge tratar como o concurso real (...)". E, neste apontado sentido, vejam-se ainda os seguintes Acórdãos: "O tipo legal de crime do artigo 250 do Código Penal de 1995 -violação da obrigação de alimentos- protege bens eminentemente pessoais" - Ac. da RP de 28.05.2003, in www.dgsi.pt -. "Com o crime de violação da obrigação de alimentos visa-se a protecção de bens jurídicos eminentemente pessoais. Tendo o arguido a obrigação de prestar alimentos a 4 pessoas diferentes e não tendo feito em relação a qualquer delas comete quatro crimes, em concurso real, e não um crime continuado" - Ac. da RP de 30-05-2001, in www.dgsi.pt. "I - O crime de violação da obrigação de alimentos é um crime de perigo concreto, pressupondo a concreta verificação do perigo de satisfação de necessidades fundamentais, afectando bens jurídicos eminentemente pessoais. II - A obrigação de alimentos não tem qualquer sinalagma com a obrigação da permissão de visitas de outrem. III - Agindo o arguido com dolo intenso e violando reiteradamente a obrigação alimentar ao filho menor, e adequada a pena de prisão" - Ac. da RL de 05-12-2000, in www.dgsi.pt -».
Face a tudo o exposto, uma vez dados como provados todos os elementos subjectivos e objectivos do tipo legal em análise, inclusivé que o arguido tinha a obrigação de pagar uma prestação de alimentos a favor de quatro menores, ao não fazê-lo, nos termos do disposto no art. 30° do C.P., incorreu na prática de quatro crimes de violação da obrigação de alimentos.
No caso destes autos, estamos perante a lesão do interesse exclusivo de quatro menores - portanto, perante a lesão de quatro relações de filiação distintas.
Uma breve palavra quanto ao facto de ter cessado a obrigação de alimentos da menor mais nova a partir do trânsito em julgado da decisão que julgou procedente a impugnação da paternidade do aqui arguido relativamente à mesma menor.
Considerando que apenas estão em causa a violação da obrigação de alimentos até Janeiro de 2015 inclusivé (até ao momento em que é deduzida acusação para que remete a pronúncia, datada de 6 de Fevereiro de 2015, vencendo-se a última prestação em causa a 8 de Janeiro anterior e só se vencendo a seguinte em momento ulterior ao da acusação) é manifesto que são devidos alimentos pelo arguido para essa menor, não tendo o arguido qualquer direito a libertar-se das obrigações alimentares vencidas e não pagas até esse momento ou qualquer outro direito.
Na verdade, conforme decidido no recente Ac. da RC de 11-03-2015: «a repercussão da acção de impugnação de perfilhação no procedimento criminal relativo a crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo art. 250.°, n.°s 1 e 2, do CP, não se reveste da essencialidade exigida pelo artigo 7.° para que seja declarada a suspensão do processo penal.», é que, nos termos da previsão legal, v.g. do art0 250°, 1 e 2, do CP, o que se exige para o preenchimento típico é a prática reiterada consistente no não cumprimento da obrigação de alimentos no prazo de 2 meses seguintes ao vencimento, por quem esteja legalmente obrigado a prestá-los e em condições de o fazer.
No momento da prática dos factos, que recordemos, se traduz num crime permanente e que perdura já desde Dezembro de 2012 (2 meses após o vencimento da prestação de Outubro de 2012), é indubitável que o arguido se encontrava obrigado a prestar alimentos a esta sua filha, por força da regulação do exercício do respectivo poder paternal.
Assim sendo para esses efeitos não importa averiguar da sorte da acção de impugnação de perfilhação, já que os elementos constantes do processo são suficientes para a integração do crime e das suas circunstâncias.
A este propósito nesse acórdão é citado o ac. do TRG de 25/1/2006, proc. 2498/05-2, disponível em www.dgsi, segundo o qual:
«1. O trânsito em julgado da sentença que julgue procedente o pedido de impugnação de paternidade, maternidade ou perfilhação faz cessar a obrigação de alimentos já que, desta maneira, o carecido perde o 'status' de filho relativamente ao outrora obrigado; 2. Todavia, fica naturalmente excluída a possibilidade de o impugnante pedir a restituição das quantias entregues (ao progenitor com guarda, para custear as despesas com aquele) pois que a sentença produz efeitos ex nunc.»
E que, como é sumariado nesse recente aresto da Relação de Coimbra: «muito embora a sentença em causa, no que concerne aos seus efeitos pessoais e aos demais efeitos patrimoniais, opere ex tunc, o certo é que relativamente aos alimentos já prestados e aos entretanto vencidos, esse efeito é meramente ex nunc.» ou seja: são devidos todos os alimentos vencidos e não pagos até esse momento.
Assim também se decidiu no Acórdão da RL DE 12-07-2006, in www.dgsi.pt: «Quem esteja registado como pai da menor não pode eximir-se à obrigação de prestar alimentos a que está obrigado judicialmente, com a alegação de estar eventualmente a correr qualquer acção de impugnação da paternidade. Só a partir do trânsito em julgado de uma decisão que sentencie não ser ele o pai da menor é que cessarão as suas obrigações e direitos relativamente à menor.».
Termos em que se entende o arguido será condenado pela prática, em concurso
real, dos quatro crimes, como vem pronunciado.
Pouco há a acrescentar a esta rigorosa tomada de posição sobre os factos em análise. Apenas acrescentaremos, em jeito de reforço, as seguintes notas:
O facto de posteriormente ter sido reconhecida a não paternidade do recorrente relativamente a um dos menores é de natureza a anular o interesse imperativo e indisponível que a norma penal tutela, no qual a comunidade deposita todo o empenho, e que é justamente o bem estar e crescimento harmonioso e saudável das crianças. Tal resultaria numa espécie de eficácia retroactiva da decisão judicial, incompatível com a salvaguarda dos interesses dos menores.
Se assim fosse, logo que um pai formulasse qualquer dúvida, bem ou mal intencionadamente, sentir-se-ia legitimado a incumprir desde logo os deveres a que estava adstrito até aí, em redundante e intolerável desprezo pela educação daqueles.
Alega o arguido na sua motivação de recurso que o ter pago algumas prestações, embora parcialmente, não equivale a nesse particular dar o crime por consumado. Mas não é assim, pois a expressão quantitativa de ingresso patrimonial destinado às despesas com todas as crianças ficou afectada substancialmente. Sobre este particular sentido, veja-se Francisco Muñoz Conde, “Derecho Penal”, parte especial, 15.ª edição, Ed. Tirant lo Blanch, Valencia, 2004, pág. 316.

Quanto à escolha da pena de prisão, perfilhamos igualmente a opção do tribunal recorrido:
O arguido praticou factos susceptíveis de consubstanciar crimes punidos com penas de prisão ou de multa.
Face ao preceituado no art.° 70.° do Código Penal, impõe-se dar prevalência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, quais sejam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.°40.°, n.°l do Código Penal).
O critério a utilizar para determinar a pena resulta do artigo 71°n°l e 40° do C.P., e nos termos do qual se atenderá à culpa do arguido, e às exigências de prevenção geral positiva e especial.
Mais concretamente.
Como está consagrado no art. 40° do CP, as finalidades da aplicação da pena buscam-se na protecção dos bens jurídicos e, na "medida do possível", na reintegração do agente na sociedade. Nestes termos apelar-se-á, na determinação da pena concreta, à necessidade de protecção dos bens jurídicos, num sentido prospectivo, isto é, enquanto tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e da vigência da norma desrespeitada.
Neste quadro limitativo permitido pela tutela dos bens jurídicos aferida no caso concreto, funcionarão as exigências de prevenção especial de ressocialização, as quais, determinarão assim, em último termo, a medida concreta da punição. A culpa não caberá assim fornecer o "quantum" exacto da pena a aplicar, mas tão somente o limite máximo que pode a punição concretamente alcançar.
Na fixação de tal pena concreta, considerará o tribunal ainda, nos termos do n°2 do artº 72° do C.P., nomeadamente ao grau de ilicitude do facto e a intensidade do dolo, os motivos determinantes do agir do arguido e ainda todos os elementos que não fazendo parte do tipos deponham a favor ou contra, ou seja, às condições pessoais do agente e sua situação económica, etc...
Vejamos:
O arguido está incurso, pela prática do crime p. e p. no art0 250.°, n.°3, do C.P. numa pena de prisão até 2 anos ou uma pena de multa de 10 a 240 dias - cfr. art. 47,° do C.P..
Temos em desfavor do arguido o facto de ter praticado o crime em causa com dolo directo ou de Io grau e a intensidade da ilicitude sobretudo no respectivo segmento desvalor de acção, atento tratar-se de incumprir a obrigação de alimentar dos seus quatro filhos menores.
Acresce a isto as particularidades do caso concreto, designadamente o período de tempo durante o qual não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos aos filhos, e a sua actuação posterior no sentido de continuar a não proceder ao pagamento integral da referida prestação e por outro lado os rendimentos mais que razoáveis que aufere, o facto de ter vindo a auferir durante algum tempo abono de família na Suiça, conforme confessou, no montante de €600,00, pelo menos até 2014, como disse e nada ter liquidado durante dois anos a título de prestação de alimentos.
Ora tudo isto considerando é permitido concluir que a aplicação de uma pena de multa não seria suficiente para acautelar e satisfazer as necessidades da punição, não protegendo a confiança da comunidade na validade do direito.
Mais: entendemos que a opção pela pena de prisão se mostra in casu adequada, pois a opção pela pena de multa mais não se traduzia do que um simulacro de condenação (não protegendo por isso de modo adequado e suficiente as finalidades da punição - art0 40° CP: protecção dos bens jurídicos e reinserção do arguido na sociedade de modo a que não volte a delinquir), tal como a não subordinação desta à condição de pagamento dentro do prazo da suspensão.
Temos assim que será de condenar o arguido numa pena de seis meses de prisão, por cada crime, ainda que suspensa na sua execução mas subordinada à condição de pagar as prestações alimentícias em falta dentro do período de suspensão.
Considerando o preceituado no art.° 77.°, n.°l do CP, sendo certo que os factos traduzem apreciável censurabilidade, visto o perigo que representam para o bem estar dos menores, além da gravidade que o incumprimento significativo dos deveres inerentes ao poder paternal tem vindo a representar para o destino de muitos milhares de crianças na nossa comunidade, por um lado, mas por outro, o aspecto de o arguido não ter revelado uma personalidade manifestamente propensa para a criminalidade, dado não ter antecedentes criminais, considera-se adequada a pena única de 1 ano e três meses de prisão, em cúmulo jurídico, ainda que suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada à condição de pagar as prestações alimentícias em falta no período objecto do processo no prazo de 1 ano.
Temos pois que só não se aplica a prisão efectiva, por se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena se mostram suficientes para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime (art. 50.° daquele diploma), embora só com a imposição de tal dever, a que fica subordinada a suspensão, ao arguido poderá se satisfazer as exigências cautelares que o caso requer nomeadamente no que
respeita à prevenção geral e especial - cfr. art. 51°, n.° 1, al. a), do C. Penal.
Note-se igualmente que no caso em apreço, nesta matéria, se destacam dois aspectos:
Um, que é o de com a sua conduta o arguido ter prejudicado gravemente a educação e o bem estar de um conjunto de quatro crianças; outro, o de a pretendida aplicação de uma pena patrimonial eventualmente redundar em prejuízo dos menores, pois que o arguido tem vindo a cumprir de forma correcta nos tempos mais recentes – queixando-se ele agora que os seus ingressos patrimoniais baixaram e que também já gastou muito dinheiro em despesas judiciais. Afugura-se, pois, correcta a opção pela pena privativa de liberdade, suspensa na sua execução, e condicionadamente ao pagamento da indemnização.

Alaga o recorrente que a assistente, na sua qualidade pessoal, é parte ilegítima para peticionar o pedido cível.
Sobre este assunto, ficou fundamentada a decisão do tribunal nestes termos:
A ofendida vem reclamar, a quantia de € 24.750,00, quantia essa acrescida dos respectivos juros, sendo €19.750,00 a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, pela não liquidação das prestações alimentares devidas e €5.000,00 a título de danos morais sofridos.
Cumpre decidir.
Nos termos do art°377° do C.P.P., "a sentença ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado".
É disso que de ora em diante curaremos.
Ora, provada em parte a responsabilidade criminal do arguido, satisfeitos se encontram os requisitos da responsabilidade civil uma vez que são menos exigentes - art°483° n°l do C.C.: "aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem (…) fica obrigado a indemnizar o lesado dos danos resultantes da violação".
Isto posto, resultam dos autos danos de natureza patrimonial que urge indemnizar.
Com efeito, resulta dos autos que o arguido com o seu comportamento determinou à ofendida prejuízo económico, uma vez que a mesma deixou de dispor de quantias que lhe eram devidas para o sustento dos menores que se encontram a seu cargo.
Pelo que se deixa dito, facilmente se alcança o preenchimento de dois dos pressupostos exigidos para se assacar a responsabilidade civil ao demandado - a ilicitude e o resultado danoso - (art°483°n°l do C.C. conjugado com o art°70n°l do C.C), como de resto se encontra preenchido o primeiro dos requisitos - comportamento dominado ou dominável pela vontade humana.
Quanto ao nexo de causalidade entre o comportamento do demandado e o prejuízo referido, basta o mero relance pela matéria de facto para concluir pela sua verificação, na parte e com o alcance em que assim foi considerado.
Resta, pois, para concluir definitivamente pela responsabilidade civil do demandado, aferir do nexo de imputação psicológica.
Quanto a este, como já se deixou analisado na parte criminal, em todo o iter criminis o arguido actuou com dolo.
Termos em que procederá o pedido ainda que não integralmente, procedendo nos termos dados supra como provados, a saber: €18.450,00, a que acrescem juros legais, como peticionado, desde a citação do demandado para o pedido cível.
Cumpre ainda referir que, o pedido civil foi posteriormente ampliado peticionando a assistente o pagamento da quantia em divida relativas a alimentos aos filhos para além das prestações pelas quais foi deduzida acusação e que integravam a conduta criminoso imputada.
Contudo, somos do entendimento de que os únicos danos que são indemnizáveis em sede processo penal são os decorrentes da prática do crime, pelo que, apenas podem ser apreciadas as prestações alimentares relativas aos meses constantes da acusação pública, podendo as restantes darem origem a um novo processo, sendo ali deduzidas.
É que, o pedido de indemnização deduzido no processo penal está subordinada ás regras processuais penais (principio da adesão - art° 71° CPP) e está subordinada á existência/ conhecimento do crime em apreciação, ou seja só pode ser deduzido em relação ao crime objecto de conhecimento no processo penal e não em relação a qualquer outro crime que o requerente entenda ter sido praticado (na mesma ou noutra ocasião) ou que vá para além do crime - cf. art° 71°: " O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime ..."
Se o crime abrange apenas as prestações alimentares de Outubro de 2012 a Janeiro de 2015, como já referimos, apenas estas podem ser objecto de decisão quanto à condenação no seu ressarcimento
Termos em que improcederá nesta parte o pedido cível.
Quanto aos danos não patrimoniais: tal pretensão que a demandante quer fazer valer contra o arguido, inscreve-se no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e correspondente obrigação de indemnizar, cujos pressupostos, nos termos dos art. 483°, n° 1, e 563° do CC, são: a) A verificação de um facto ilícito; b) a existência de um nexo de imputação subjectiva do facto ao agente (culpa - dolo ou negligência); c) a produção de um dano; d) e o estabelecimento de um nexo de causalidade entre o facto e o dano (imputação objectiva).
Ora, no caso em apreço, estão verificados todos os preditos pressupostos. Com efeito, o facto ilícito do arguido lesou direitos subjectivos absolutos da demandante: o direito à integridade física, à saúde, à tranquilidade, à culpa aqui aproveita o que se expendeu a propósito da questão penal e o dano, por seu lado, consubstancia-se no sofrimento psicológico sofrido pela demandante causado pelo arguido/demandado.
Finalmente, quanto ao nexo de causalidade, parece que qualquer consideração se revela despicienda face à evidência dos factos. Há assim, por conseguinte, obrigação de indemnizar pelo arguido relativamente aos danos morais sofridos.
Importa assim agora trazer à colação o disposto no art. 496° do CC que manda atender os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (n°.l), outrossim relevando que o montante da indemnização será fixado equitativamente, atentando-se às circunstâncias referidas no art. 494° do C.C.. Quanto à função da compensação, visa a mesma facultar ao lesado os meios de se proporcionar, até onde for possível, prazeres contra-equivalentes ao sofrimento que lhes foi infligido.
A esta luz, e ponderada a matéria assente, e bem assim a situação económica do arguido e da assistente, outrossim os valores praticados pela jurisprudência, julga-se equitativo e adequado o montante de 1.000 Euros a atribuir a título de indemnização à demandante pelos danos morais causados relativamente ao facto ilícito típico provado.
Por fim, resta referir que a computação dos juros sobre a quantia supra referida a título de indemnização por danos não patrimoniais apenas se operará a partir da prolação da presente sentença, à taxa de 7%, dado se tratar de indemnização por danos não patrimoniais e porquanto a quantia fixada foi alcançada com base em valores actualizados até ao presente momento, valor esse que já engloba os prejuízos que os
juros moratórios visam ressarcir - Cfr. Ac. da R.C. de 22.04.93, CJ, t.2, pág. 69.

Ocorre legitimidade activa de C…, mãe dos menores, para formular o pedido cível.
No processo penal, o pedido de indemnização deduzido está sujeito às normas processuais penais - principio da adesão - art° 71° CPP.
Encontra-se dependente da verificação do crime objecto da acusação em análise.
A admissão do pedido de indemnização civil em processo penal funda-se na comissão da prática de um crime, tendo legitimidade para a sua apresentação o titular do direito: "... lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime ... ainda que não possa constituir-se assistente" - art° 74°1 C.P.P..
Lesados imediatamente pelo crime foram os filhos do recorrente.
Sendo menores, tiveram que ser representados nos autos pela sua mãe, que como tal se constituiu assistente.
Como se evidencia do art° 74° do C. P. P. o conceito de lesado é muito amplo – implica todos os que sofreram danos pela prática do crime.
O Prof. Figueiredo Dias considerou que "como lesado deve ser considerada toda a pessoa que, segundo as normas do Direito Civil, tenha sido prejudicada em interesses seus juridicamente protegidos, desta perspectiva se alcançando um conceito lato ou extensivo de ofendido que abrangerá todas as pessoas civilmente lesadas pela infracção penal (“Direito Processual Penal”, Vol I, Coimbra Editora, págs. 508-509).
Provou-se que a Demandante C…, sofreu danos patrimoniais e morais ocasionados pelos crimes objecto do processo.
Nada impede que tivesse podido deduzir o pedido de indemnização por esses danos, com plena legitimidade - cfr. Ac. da Relação do Porto de 9/1/2013, publicado no site da dgsi.

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, confirmando a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três Ucs.

Porto, 9 de Novembro de 2016.
Borges Martins
Antónia Gama