Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5216/18.0T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÃO NOVA
EXAME POR JUNTA MÉDICA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RP202109205216/18.0T8MAI.P1
Data do Acordão: 09/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As causas determinantes da nulidade da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente aquela e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, ou seja, são vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.
II - A nulidade da falta de fundamentação prevista na al. b) do nº 1 daquele artigo está relacionada com o comando do art. 607º, nº 3, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
III - Mas, aquela nulidade só se verifica quando haja absoluta falta de fundamentação de facto ou de direito da decisão.
IV – Como é sabido, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
V – Ou seja, os recursos destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, constituindo um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso.
VI - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação pelo Juiz de factos em relação aos quais o mesmo não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, sendo os peritos médicos quem dispõem desse conhecimento especializado, cabendo-lhes a eles emitirem ”o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”,
VII – No entanto, pese embora isso, as conclusões do laudo pericial, mesmo que unânimes, não vinculam o Juiz, dado estarem sujeitas ao princípio da livre apreciação julgador (art.s 389º do Cód. Civil e 489º do CPC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 5216/18.0T8MAI.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho da Maia - Juiz 1
Recorrente: B…, Companhia de Seguros, S.A.
Recorrido: C…

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Na presente acção emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado C… e entidade responsável “B…, Companhia de Seguros, S.A.” face à discordância das partes na tentativa de conciliação que, pese embora, terem acordado na existência e caracterização do acidente como de trabalho, bem como na relação de causalidade entre o acidente e as lesões, na retribuição e bem assim na quantia reclamada a título de transportes ainda não paga, a seguradora não aceitou o grau de incapacidade decorrente do relatório de perícia médica realizada ao sinistrado pelo INML, nem a IPATH também aí reconhecida àquele, razão porque veio requerer exame médico por junta médica, elaborando para o efeito os seguintes quesitos:
1. Quais as sequelas que o sinistrado apresenta e que são consequência do acidente dos autos?
2. Originaram essas sequelas alguma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual?
3. Qual a I.P.P. a atribuir face à T.N.I.?
Designada a data para a realização da requerida junta médica, nos termos do despacho proferido em 24.09.2020, nele o Tribunal “a quo” decidiu, ainda, o seguinte:
«Os quesitos a responder pelos senhores peritos na aludida junta médica são os apresentados pela Seguradora no seu requerimento que antecede, datado de 22-09-2020, (Refª 26799550), a que aditamos o seguinte quesito a que os senhores peritos também deverão dar resposta:
4º Devido às sequelas sofridas em consequência do acidente de trabalho destes autos, o sinistrado está ainda dependente da adaptação do local de trabalho, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas (uso de canadiana, analgesia em SOS e tratamentos de fisioterapia/hidroterapia de manutenção), cuja regularidade e tipologia deverá ser definida pelo médico assistente, consoante a evolução clínica?».
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A junta médica foi realizada, nos termos documentados no auto datado de 14.10.2020, tendo os Sr.s peritos respondido por maioria, nomeadamente, ao quesito 2º “Não” e o perito do sinistrado que “considera que o examinado está incapaz para a sua profissão habitual”.
Notificado do auto de exame por junta médica, o sinistrado requereu que “seja oficiado o D… para, depois de examinar o Sinistrado, emitir parecer fundamentado sobre se, em razão das sequelas de que padece por via do acidente a que reportam os autos, o Sinistrado se encontra, ou não, incapaz para a profissão habitual (Encarregado em Estruturas Metálicas e Equipamentos), pois é este o organismo especializado para emitir parecer acerca desta matéria”, o que foi deferido, nos termos do despacho proferido, em 09.11.2020, que se transcreve:
«Atenta a pertinência do requerido pelo sinistrado e a não oposição da parte contrária, defiro ao requerido pelo sinistrado no seu requerimento em epígrafe e em consequência determino que se oficie ao D… para, depois de examinar o Sinistrado, emitir parecer fundamentado sobre se, em razão das sequelas de que padece por via do acidente a que reportam os autos, o Sinistrado se encontra, ou não, incapaz para a profissão habitual (Encarregado em Estruturas Metálicas e Equipamentos).
Notifique, oficie e D.N., enviando cópias do auto de junta médica que antecede (datado de 14/10/2020- Refª 418008524) e do requerimento de fls.147 v. para total esclarecimento.
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Na sequência do despacho que antecede, e por se afigurar com interesse para a decisão a proferir pelo Tribunal quanto á questão enunciada pelo sinistrado, que ainda se mostra controvertida nestes autos de acidente de trabalho, determino igualmente que se oficie ao IEFP para que elabore relatório acerca das características do posto de trabalho do sinistrado, mormente das actividades e funções essenciais e nucleares que caracterizam o exercício pelo sinistrado da sua profissão habitual (Encarregado em Estruturas Metálicas e Equipamentos) e em que medida a IPP já reconhecida ao sinistrado impossibilita, ou não, o exercício pelo sinistrado das actividades e funções essenciais e nucleares que caracterizam a sua profissão habitual (Encarregado em Estruturas Metálicas e Equipamentos).
D.N., enviando cópias do auto de junta médica que antecede (datado de 14/10/2020- Refª 418008524) e do requerimento de fls.147 v. para total esclarecimento.
Mais notifique ao sinistrado e à seguradora os despachos que antecedem.».
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Em consequência o IEFP apresentou o Parecer, junto a fls. 169 e ss., dos autos, em que concluiu que, “atendendo às exigências requeridas para o desempenho profissional das tarefas fundamentais do posto de trabalho de Encarregado de Montagem de Estruturas Metálicas e Equipamentos, entendemos que as tarefas de coordenação, acompanhamento e supervisão de todas as atividades de edificação e montagem de estruturas e equipamentos em obra, que podem representar cerca de 70% da ocupação diária da função, parecem ser dificilmente compatíveis com as limitações funcionais que o Sr. C… evidencia atualmente, tendo ainda em consideração motivos de segurança no trabalho e a perseveração da sua saúde”, (sic), o qual foi notificado a ambas as partes em 20.01.2021.
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Depois do Serviço de Verificação de Incapacidades Temporárias da Unidade de Prestações - Núcleo de Verificação de Incapacidades do Instituto da Segurança Social, I.P. ter informado não ter realizado o exame ao sinistrado, foi proferido, em 15.03.2021, o seguinte despacho: «Solicite ao D1… que, depois de examinar o Sinistrado, que emita parecer fundamentado sobre se, em razão das sequelas que lhe foram reconhecidas no auto de exame por junta médica que antecede, o Sinistrado se encontra, ou não, incapaz para a profissão habitual (Encarregado em Estruturas Metálicas e Equipamentos).
Oficie, notifique e D.N., nos termos habituais, enviando-se, no ofício remetido, cópia do auto de exame por junta médica que antecede para integral esclarecimento.».
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Nessa sequência, veio o D1… juntar aos autos, em 28.04.2021, nos termos que constam a fls. 182 e ss., dos autos, o seu parecer onde conclui que “o examinado se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de encarregado em estruturas metálicas e equipamentos, podendo beneficiar do plano de reintegração proposto”, (sic), o qual foi notificado a ambas as partes em 29.04.2021.
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Notificadas de tais pareceres, respectivamente, em 20.01 e 29.04 de 2021, as partes nada vieram dizer ou requerer quanto aos mesmos.
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Após, foi proferida sentença “nos termos previstos no artigo 140º, nº1, do C.P.T., observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º do mesmo Código”, que terminou com o seguinte dispositivo:
«DECISÃO
Pelo exposto, aplicando os citados normativos à matéria de facto apurada, nos termos do disposto no art.140º, nº1, do C.P.T., observando-se o disposto no nº3 do artigo 73º do mesmo Código, julgo a ação procedente e em consequência:
A) Decido que o sinistrado C… no dia 26 de Março de 2018 sofreu um acidente de trabalho, em consequência do qual sofreu uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 15% com IPATH (IPP de 15% com IPATH);
B) Em consequência, condeno a Seguradora “B…, Companhia de Seguros, S.A.a pagar ao sinistrado C… uma pensão anual, vitalícia e actualizável no valor de €24.263,40 (vinte e quatro mil duzentos e sessenta e três euros e quarenta cêntimos), devida a partir de 28 de Junho de 2018, a ser paga mensalmente até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescida de subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respectivamente, bem como dos juros de mora desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento;
C) condeno a Seguradora “B…, Companhia de Seguros, S.A.a pagar ao sinistrado C… a quantia de €4.217,80 (quatro mil duzentos e dezassete euros e oitenta cêntimos) referente a subsídio de elevada incapacidade permanente relativo à incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, acrescida dos juros legais de mora que se vencerem desde a data do trânsito em julgado da presente sentença e até efectivo e integral pagamento;
D) condeno a Seguradora “B…, Companhia de Seguros, S.A.a pagar ao sinistrado C… a quantia de €40,00, a título de despesas com deslocações a Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal de Guimarães, acrescida de juros de mora á taxa legal desde 12-12-2018 até integral e efectivo pagamento.
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Custas e despesas a cargo da Seguradora, incluindo os encargos com os exames realizados -artigo 17º, nº8, do RCP.
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Valor da causa: €289.813,75 (artigo 120º do Código do Processo do Trabalho).
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Registe e Notifique.».
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Inconformada a seguradora veio apresentar recurso, nos termos das alegações juntas, que finalizou com as seguintes “C o n c l u s õ e s:
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Termos em que,
Atentos os fundamentos e conclusões ex ante expostos, deverá ser dado provimento ao presente Recurso e nessa medida revogar-se a Douta Sentença, devendo nessa medida ser substituída por outra que fixe uma Incapacidade Parcial Permanente de 15% como resulta da resposta aos quesitos formulados na Perícia Médica (Junta Médica), com todas as legais consequências, com o que se fará a devida, J U S T I Ç A.”.
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O A. respondeu, nos termos das contra-alegações juntas que terminou, do seguinte modo: “EM CONCLUSÃO:
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Entretanto, o sinistrado veio reiterar o seu requerimento efectuado, ao abrigo do disposto nos artigos 52.º n.º 3 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro e 123.º do Código do Processo do Trabalho, para fixação de “uma pensão ou indemnização provisória a ser paga pela Seguradora responsável ao aqui Sinistrado”, agora, na sequência da seguradora ter solicitado efeito suspensivo do recurso.
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Após, nos termos do despacho proferido, em 09.07.2021, foi fixada provisoriamente pensão a favor do Autor sinistrado, a suportar pela Ré seguradora.
E foi admitido “o recurso interposto, o qual é de apelação, a subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo” e ordenada a sua subida a esta Relação do Porto.
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O Ex.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos termos do art. 87º nº3, do CPT, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida, no essencial, por considerar que “a questão principal é a de saber se deve (ou não) considerar-se o sinistrado absoluta e permanentemente incapaz para o trabalho habitual” e crer que a “sentença em recurso, pormenorizadamente analisa todos os elementos de prova e decide pela atribuição ao sinistrado de uma IPP de 15% com incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual-IPATH.
A recorrente refere, com insistência, que o parecer do IEFP não vem assinado, não podendo assim, tomar-se em conta para a decisão.
Mas este é apenas um parecer. Para além dele há a perícia medica realizada no INML, na fase conciliatória, o parecer do D1…, e o parecer do perito vencido na Junta.
3 – Tudo para concluir que, embora o mais normal seja o juiz aceitar o resultado da Junta Médica, não está vinculado a ele. E conquanto que o fundadamente, pode tomar decisão diversa, como aconteceu neste caso.
E analisada a douta sentença em recurso, e todos os elementos de prova juntos, não merece censura, pelo que deverá ser confirmada.”.
Notificadas deste, apenas o A. apresentou resposta, referindo que “o parecer a que ora se responde entronca nas alegações apresentadas oportunamente pelo aqui Recorrido, e, como tal, o douto parecer do Ministério Público não nos merece qualquer apontamento depreciativo” e conclui como nas contra-alegações de recurso que apresentou.

Dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2 do CPC, há que decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em analisar se, a decisão recorrida deve:
- ser anulada por violação do disposto nos art.s 607º nº 4 e 5 e na al. b), nº 1, do art. 615º, do CPC;
- ser revogada e ser atribuída ao sinistrado uma IPP para o trabalho de 15%, conforme consta da Junta Médica e defende a recorrente.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A 1ª instância, considerou: “Com relevo para a decisão da presente causa, pelos documentos juntos aos autos e por acordo das partes expresso no auto de tentativa de conciliação, mostram-se provados os seguintes factos:
1- O sinistrado nasceu no dia 14-12-1960
2- No dia 26-03-2018, pelas 10 horas, na França, o sinistrado sofreu um acidente de trabalho, quando exercia as funções de encarregado em estruturas metálicas e de equipamentos, sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade empregadora "E… Lda.”, com sede na Rua …, .., 3.º, Sala .., …. Vila Nova de Famalicão.
3- O acidente ocorreu quando caiu de umas escadas tendo sofrido uma queda com torção do tronco e como consequência resultou-lhe uma lombalgia de esforço.
4- A responsabilidade infortunística-laboral encontrava-se integralmente transferida para a seguradora “B…, Companhia de Seguros, S.A.”, mediante contrato de seguro titulado pela apólice dos autos, quanto ao trabalhador aqui sinistrado.
5- O sinistrado auferia a retribuição anual de € 3.270,00 x 14 meses (total anual de € 45.780,00).
6- O sinistrado teve alta em 27-06-2018.
7- Foram-lhe pagas todas as indemnizações e demais despesas acessórias que lhe eram devidas até à data da alta.
8- O sinistrado despendeu a quantia de €40,00 em deslocações obrigatórias para comparecer neste Tribunal e ao GML de Guimarães.
9- O sinistrado sofreu lombociatalgia esquerda com IPP de acidente de trabalho há 14 anos- operado 3 vezes num espaço aproximadamente de dois anos (as 2 primeiras no Hospital F…, Dr. G…, e a última na H… em 2005/2006, pelo Dr. I…) após recaídas.
10-A RM lombar realizada em 02/04/2018 na “J… (centro de diagnóstico) apresenta o seguinte relatório:
“Perda da normal lordose lombar
Canal vertebral com amplitude normal
Desidratação de todos os discos lombares, observando-se em L4-L5 abaulamento discal foraminal direito a contactar a face inferior da raiz L3 direita à saída do buraco de conjugação, podendo ser causa de conflito de espaço
Sinais de cirurgia em L5-S1 à esquerda com tecidos fibrocicatriciais captantes a rodear a raiz S1 esquerda
Acentuada diminuição de altura do disco L5-S1 e alterações de sinal das plataformas vertebrais em L2-L3 e L5-S1, de causa degenerativa, com hipersinal em T1 e T2.
Não se observam outras alterações das estruturas raquidianas estudadas.”
11- A TAC lombo-sagrada realizada em 05/06/2018 na “J… (centro de diagnóstico) apresenta o seguinte relatório:
“Protusão disco – osteofitária L3-L4, sem repercussão sobre estruturas nervosas
Aspectos análogos descrevemos em L4-L5
Espondilodiscartrose L5-S1 importante com manifesta procidência discal póstero –lateral esquerda com expressão na margem superior do recesso esquerdo de S1, podendo determinar a este nível conflito de espaço para a raiz residente S1 esquerda
Alterações degenerativas das articulações posteriores
O disco apresenta altura francamente reduzida em testemunho da sua particular degenerescência.
Os aspectos descritos devem ser devidamente valorizados clinicamente, merecendo estudo complementar com Ressonância Magnética.
Canal raquidiano amplo.
Espaços paravertebrais sem sinais de lesão, para além de calcificações ateromatosas da aorta abdominal.”
12- No relatório médico-legal do GML de Guimarães de 16 de Setembro de 2019, junto a estes autos, o senhor perito médico concluiu que os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, devendo ser entendido este novo acidente como uma recaída/recidiva do primeiro evento traumático que levou às várias intervenções à coluna a que foi submetido.
13- Mais consta do relatório médico-legal do GML de Guimarães de 16 de Setembro de 2019, junto a estes autos que existe o parecer de Neurocirurgia de que a sintomatologia de lombalgia axial é explicada pela patologia degenerativa lombar, no entanto sem queixas associada a compressão radicular, sem alteração ao exame neurológico e sem imagem de comprometimento neurológico (…). Por Neurologia (impressão final): (…) quadro doloroso provavelmente relacionado com sequelas de patologia degenerativa da coluna submetida a várias intervenções cirúrgicas. 14- Consta ainda do relatório médico-legal do GML de Guimarães de 16 de Setembro de 2019, junto a estes autos que a data da consolidação médico-legal das lesões relativa a esta recaída/recidiva é fixável em 27/06/2018, tendo em conta os seguintes aspectos: a data da alta clínica dada pela seguradora.
15- O relatório médico-legal do GML de Guimarães de 16 de Setembro de 2019, junto a estes autos, considerou que o sinistrado apresentou as seguintes sequelas relacionáveis com o evento: ráquis: cicatriz mediana de natureza cirúrgica na região lombar; manobras de Lasègue positivas à esquerda a 45º; distância dos dedos ao solo (DDS) de 40 cm, rigidez raquidiana global marcada com contractura lombar, reflexo rotuliano presente e simétrico bilateralmente e reflexo aquiliano diminuído à esquerda; marcha em bicos e calcanhares não possível por desequilíbrio e que tais sequelas são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual.
16- No auto de exame por junta médica de 14/10/2020 os senhores peritos consideraram que o sinistrado apresenta como sequelas que são consequência do acidente dos autos, sinais e sintomas de moderada radiculalgia inferior esquerda.
17-Após solicitação do Tribunal, o IEFP elaborou parecer, onde aquele Instituto considerou que:
“O conteúdo funcional da atividade profissional do Sr. C…, ou seja, as tarefas exercidas habitualmente pelo trabalhador no concreto posto de trabalho que ocupava à data do acidente, segundo descrição do próprio e consulta de documentação existente, é o abaixo descrito:
Assegura a edificação de estruturas metálicas de grande dimensão para a construção de edifícios industriais, armazéns e instalações fabris, planeando e coordenando as atividades das equipas de montagem, gerindo os materiais e equipamentos necessários, verificando e avaliando o trabalho realizado em obra, desenvolvendo as seguintes tarefas e operações:
1. Analisa o projeto de obra e elabora a planificação do mesmo:
1.1 Esclarece e discute particularidades acerca do projeto de obra; 1.2 Identifica os recursos humanos necessários, quanto ao número e características, e participa na sua seleção;
1.3 Identifica equipamentos e máquinas ferramenta necessários para a realização do projeto;
1.4 Elabora o cronograma e a planificação da obra;
1.5 Ministra formação especifica aos colaboradores quando necessário.
2. Consulta diariamente o cronograma da obra e efetua, quando necessário, os ajustes necessários.
3. Efetua o “briefing” diário com a equipa de colaboradores, organizando o trabalho, distribuindo as tarefas, emitindo informações pertinentes.
4. Confirma o material e equipamento rececionado na obra ou estaleiro.
5. Organiza, sempre que necessário, os estaleiros de materiais e equipamentos.
6. Supervisiona o cumprimento das normas de segurança no trabalho.
7. Coordena, acompanha e supervisiona todas as atividades de edificação e montagem de estruturas e equipamentos em obra:
7.1 Lê e interpreta desenhos, croquis, normas e tabelas, com vista à identificação de dimensões, tolerâncias e formas dos elementos a executar e montar;
7.2 Coordena e acompanha, no local, a montagem de estruturas ou componentes de estruturas, de porte pequeno ou médio;
7.3 Coadjuva na seleção e preparação dos equipamentos, das ferramentas e das máquinas-ferramentas necessárias ao trabalho de montagem;
7.4 Colabora no manuseamento e colocação das vigas, peças e estruturas metálicas para fixação com o auxílio de gruas;
7.5 Sobe ao local de montagem/fixação trepando pela estrutura já construída ou através de uma plataforma elevatória;
7.6 Procede à verificação dos apertos das porcas que fixam as estruturas, utilizando uma chave dinamométrica, e da qualidade das soldaduras, ajustamentos e tolerâncias respetivas;
7.7 Colabora na instalação de motores e máquinas diversas nas estruturas montadas.
8. Elabora relatórios periódicos da execução e evolução do projeto da obra
9. Coadjuva o diretor de obra em todas as tarefas inerentes ao planeamento e execução do projeto.”
18- No seu aludido parecer o IEFP concluiu que:
“Atendendo às exigências requeridas para o desempenho profissional das tarefas fundamentais do posto de trabalho de Encarregado de Montagem de Estruturas Metálicas e Equipamentos, entendemos que as tarefas de coordenação, acompanhamento e supervisão todas as atividades de edificação e montagem de estruturas e equipamentos em obra, que podem representar cerca de 70% da ocupação diária da função, parecem ser dificilmente compatíveis com as limitações funcionais que o Sr. C… evidencia atualmente, tendo ainda em consideração motivos de segurança no trabalho e a perseveração da sua saúde.”
19- No seu parecer o D1… refere que o sinistrado apresenta as seguintes alterações funcionais:
- Funções neuro-músculo-esqueléticas – alteração da mobilidade das articulações, condicionando alteração postural durante a marcha (tronco inclinado para a frente, limitado para realizar marcha apressada ou correr, e alteração da marcha em piso irregular, por arrastar e bater com os pés no chão). Apresenta dificuldade para se colocar de joelhos ou de cócoras, e situação agravada para sair destas posições e colocar-se de pé. Movimentação manual de cargas, em movimento, limitada a 10 kg
- Funções sensoriais e dor – dor referida à região lombar e constante, por vezes intensa e incapacitante, limitadora de movimentos dos membros inferiores, e com irradiação frequente para o membro inferior esquerdo, pela região posterior da coxa e perna. A dor é agravada por alterações climáticas assim como com esforços (marcha ou carga).
A sintomatologia atrás referida pelo examinando (a dor, alterações de força) tem características subjectivas, mas perfeitamente adequadas no quadro clínico em avaliação.
Tem antecedentes: em 2001, acidente de trabalho – lombalgia de esforço (hérnia discal L5 S1) operada nesta data e com recaída em 2003 (nova cirurgia) e outra recaída em 2005 (com nova cirurgia). Sem intercorrências desde 2005 para além de dor ligeira e alterações funcionais discretas dos membros inferiores com maior agravamento a partir de 2017.
Descrições das actividades que integram o conteúdo funcional da profissão habitual:
Enquanto encarregado em estruturas metálicas e equipamentos o examinando desempenhava as seguintes tarefas:
a) analisar o projeto de obra e elaborar a sua planificação, identificando os recursos humanos, os equipamentos, máquinas e ferramentas, necessárias para a sua realização;
b) elaborar cronograma do projecto da obra;
c) ministrar formação especifica aos colaboradores sempre que necessário.
d) consultar diariamente o cronograma da obra e efetuar, sempre que necessário, os respectivos ajustes.
e) efetuar “briefing” diário com a equipa de colaboradores, organizando o trabalho, distribuindo tarefas e partilhando informações pertinentes sobre/para o decurso da obra.
f) confirmar o material e equipamento rececionado na obra ou estaleiro.
g) organizar, sempre que necessário, os estaleiros de materiais e equipamentos.
h) coordenar, acompanhar e supervisionar todas as atividades de edificação e montagem de estruturas e equipamentos em obra.
i) Ler, interpretar desenhos, croquis, normas e tabelas, com vista à identificação de dimensões, tolerâncias e formas dos elementos a executar e montar.
j) coordenar e acompanhar, no local, a montagem de estruturas ou componentes de estruturas, de porte pequeno ou médio;
k) coadjuvar na seleção e preparação dos equipamentos, das ferramentas e das máquinas-ferramentas necessárias ao trabalho de montagem;
l) colaborar no manuseamento e colocação das vigas, peças e estruturas metálicas para fixação com auxílio de gruas;
m) subir ao local de montagem/fixação, subindo pela estrutura já construída ou através de uma plataforma elevatória;
n) proceder à verificação dos apertos das porcas que fixam as estruturas, utilizando uma chave dinamométrica, e da qualidade das soldaduras, ajustamentos e tolerâncias respetivas;
o) colaborar nas instalações de motores e máquinas diversas nas estruturas montadas.
p) elaborar relatórios periódicos da execução e evolução do projeto da obra
q) coadjuvar o diretor de obra em todas as tarefas inerentes ao planeamento e execução do projeto.
r) cumprir e supervisionar o cumprimento das normas de higiene, saúde e segurança no trabalho.
De acordo com o aludido parecer, as alterações funcionais, decorrentes do evento traumático em apreço, e que interferem com a actividade profissional do examinando, enquanto encarregado de montagem de estruturas metálicas e de equipamentos, incapacitam-no de executar as tarefas descritas nas alíneas c), e), f), g), h), j), k), l), m), n), o), p) e q) da descrição das actividades que integram o conteúdo funcional da profissão habitual.
“Pelo exposto, somos de parecer que o examinando se encontra em incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.”
“O maior impacto do acidente no desempenho profissional do examinando encontra-se, como anteriormente referido, ao nível da dor persistente e recorrente na região lombar e sua irradiação, condicionando o desempenho por parte do examinando de funções profissionais. Assim, o seu actual perfil profissional será compatível com a ocupação de um posto de trabalho cujo conteúdo funcional não tenha grande exigência física, como seja, rececionista, auxiliar administrativo (contínuo)”, (sic).”.
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B) O DIREITO
- Nulidade da Sentença
Vem o recurso interposto da decisão recorrida, pretendendo a R. a sua revogação e, consequentemente, que seja substituída por outra que fixe uma Incapacidade Parcial Permanente ao sinistrado, alegando e defendendo que, resulta da resposta aos quesitos formulados na Perícia Médica (Junta Médica).
Conclui, também, que deve aquela ser anulada por violação do disposto nos art.s 607º nº 4 e 5 e na al. b), nº 1, do art. 615º, do CPC, o que importa que analisemos se a decisão recorrida, padece de nulidade, nos termos do nº 1, al. b) daquele artigo do CPC, (Código de Processo Civil-diploma legal a que pertencerão os demais artigos a seguir citados, sem outra indicação de origem) por como invoca a recorrente “a fundamentação da Decisão, circunscrita, ao documento não assinado do IEFP e ao Parecer da D1… – entidade não vocacionada para este tipo de análises - não se coaduna com a aferição correta, clara e inequívoca, do “nexo de não imputação clínica”, já descrito no referido Relatório Pericial Colegial.”.
Vejamos.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas naquele nº 1 do art. 615º.
Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”.
Como ensinam, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Revista e Actualizada, 1985, pág. 686), as causas de nulidade constantes do elenco do nº1, do art. 615º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.
Como já dissemos, vem a recorrente dizer que a sentença violou o disposto nos art.s 607º, nº 4 e 5, 615º, nº 1, al. b), concluindo que, “deverá ser anulada”.
Mas, analisando os argumentos constantes quer das alegações quer das conclusões da recorrente, em relação ao que a mesma invoca como causas de nulidade da sentença, nos termos daquela referida al. b) há, desde já, que dizer que, é nosso entendimento, que não vislumbramos que tal ocorra.
Importando dizer que, não lhe assiste qualquer razão, ao afirmar que “a fundamentação da Decisão, circunscrita, ao documento não assinado do IEFP e ao Parecer da D1… ...”, sendo que, ainda que desse modo fosse, tal não é causa de nulidade, nem é verdade, sempre com o devido respeito, o que a recorrente afirma nas conclusões 6, 7 e 8, da sua alegação.
Nos autos, a questão em litígio consiste em saber, como já ficou dito, se as sequelas que o sinistrado apresenta, em consequência do acidente participado, originaram incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Apreciando, na sentença recorrida, o Mº Juiz “a quo” considerou que sim, tendo referido, a esse propósito, em síntese, o seguinte:
«Importa decidir a questão da determinação do grau de incapacidade que afeta o sinistrado e bem assim se o mesmo se encontra, ou não, numa situação de IPATH.
Vejamos primeiramente se o sinistrado se encontra, ou não, numa situação de IPATH.
No relatório da perícia de avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho, realizado pelo GML de Guimarães, o senhor perito concluiu que as sequelas do sinistrado, que resultaram do acidente dos presentes autos, são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual (IPATH).
(...) Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30.05.2018 (in www.dgsi.pt):
“(...).
A incapacidade permanente poderá ser: absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA); absoluta para o trabalho habitual (IPATH); e parcial (IPP) [cfr. art. 48º da Lei 98/2009].
(...)
Referem os mencionados autores, in ob. citada, págs. 145 e 156, que a
O trabalho habitual a considerar será aquele que o sinistrado levava a cabo à data do acidente e que correspondia ao executado “de forma permanente, contínua, por contraposição ao trabalho ocasional, eventual, de curta duração” – cfr. Acórdão da RE 16.04.2015, (www.dgsi./pt- Proc. 26/14.7TTPTG.E1).
O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa(s) tarefa(s) residual (ais), essa profissão/trabalho habitual.
(...)
A determinação da existência, ou não, de IPATH nem sempre é fácil, sendo certo que, por vezes, poderá ser ténue a fronteira entre esta e uma mera IPP, impondo-se a avaliação da repercussão desta na (in)capacidade para o sinistrado continuar a desempenhar o seu trabalho habitual.
Tal questão tem a natureza de questão de facto, prende-se com a determinação da incapacidade e deverá ser submetida a perícia médica (exame médico singular, na fase conciliatória do processo especial emergente de acidente de trabalho, e/ou exame por junta médica, na fase contenciosa do mesmo).
Tratando-se embora a fixação de incapacidade de matéria sobre a qual o juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, o laudo pericial (seja do exame médico singular, seja do exame por junta médica), não tem, todavia, força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (arts. 389º do Cód. Civil e 489º do CPC/2013), devendo, no entanto, a eventual divergência ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária.
Mas, importa também referi-lo, definidas e enquadradas que sejam, na TNI, as lesões que o sinistrado apresente (questão esta de cariz essencialmente técnico/médico), o juízo a fazer quanto à questão de saber se as mesmas determinam, ou não, IPATH passa também pela apreciação de diversos outros aspetos, como o tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual do sinistrado envolve, conjugado, se for o caso, com outros elementos probatórios e com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico.
Ora, neste âmbito, apresenta-se da maior importância a realização do inquérito profissional e análise do posto de trabalho, a que se reportam as als. a) e b) do nº 13 das Instruções Gerais das TNI de 1993 e de 2007, bem como a requisição, pelo tribunal de 1ª instância, de parecer por parte de peritos especializados a que se reporta o art. 21º, nº 4, da Lei 98/2009 (…) sendo de realçar que tal entidade, tal como os demais Centros de Reabilitação Profissional, pelas atribuições, competências e atividades que levam a cabo, se mostram especialmente habilitadas para a ponderação e avaliação da capacidade funcional do trabalhador.”
*
Em concreto, importa assim verificar se os elementos probatórios reunidos nos autos nos levam à convicção se o Autor ficou afectado de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual de encarregado em estruturas metálicas e de equipamentos.
Desde já adiantamos que é nossa convicção que o Autor ficou afectado de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual de encarregado em estruturas metálicas e de equipamentos.
É aqui decisivo sublinhar que no relatório da perícia de avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho, realizado pelo GML de Guimarães, o senhor perito concluiu que as sequelas do sinistrado, que resultaram do acidente dos presentes autos, são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual (IPATH).
É certo que realizada junta médica, por maioria os senhores peritos do INML e da seguradora consideraram que as sequelas que o sinistrado apresenta não originaram IPATH, tendo o perito do sinistrado considerado que este está incapaz para a sua profissão habitual.
Porém, quer os senhores peritos maioritários, quer o senhor perito minoritário responderam laconicamente ao quesito correspondente (2º) constante dos quesitos apresentados pela seguradora, “Originaram essas sequelas alguma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual?”, tendo aqueles respondido tão-somente “Não” e este perito declarado “pelo perito do examinando, considera que o examinando está incapaz para a sua profissão habitual”, (sic).
Sendo certo que os senhores peritos maioritários consideraram que a rubrica da TNI correspondente às sequelas que resultaram para o sinistrado foi a III.7 correspondente a nevralgias e radiculalgias persistentes e segundo a localização e a impotência funcional, acabando, assim os senhores peritos maioritários por reconhecerem que as sequelas do sinistrado são causadoras de impotência funcional do sinistrado.
Por sua vez, o IEFP elaborou parecer, onde aquele Instituto considerou que:
“O conteúdo funcional da atividade profissional do Sr. C…, ou seja, as tarefas exercidas habitualmente pelo trabalhador no concreto posto de trabalho que ocupava à data do acidente, segundo descrição do próprio e consulta de documentação existente, é o abaixo descrito:
Assegura a edificação de estruturas metálicas de grande dimensão para a construção de edifícios industriais, armazéns e instalações fabris, planeando e coordenando as atividades das equipas de montagem, gerindo os materiais e equipamentos necessários, verificando e avaliando o trabalho realizado em obra, desenvolvendo as seguintes tarefas e operações:
1. Analisa o projeto de obra e elabora a planificação do mesmo:
1.1 Esclarece e discute particularidades acerca do projeto de obra;
1.2 Identifica os recursos humanos necessários, quanto ao número e características, e participa na sua seleção;
1.3 Identifica equipamentos e máquinas ferramenta necessários para a realização do projeto;
1.4 Elabora o cronograma e a planificação da obra;
1.5 Ministra formação especifica aos colaboradores quando necessário.
2. Consulta diariamente o cronograma da obra e efetua, quando necessário, os ajustes necessários.
3. Efetua o “briefing” diário com a equipa de colaboradores, organizando o trabalho, distribuindo as tarefas, emitindo informações pertinentes.
4. Confirma o material e equipamento rececionado na obra ou estaleiro.
5. Organiza, sempre que necessário, os estaleiros de materiais e equipamentos.
6. Supervisiona o cumprimento das normas de segurança no trabalho.
7. Coordena, acompanha e supervisiona todas as atividades de edificação e montagem de estruturas e equipamentos em obra:
7.1 Lê e interpreta desenhos, croquis, normas e tabelas, com vista à identificação de dimensões, tolerâncias e formas dos elementos a executar e montar;
7.2 Coordena e acompanha, no local, a montagem de estruturas ou componentes de estruturas, de porte pequeno ou médio;
7.3 Coadjuva na seleção e preparação dos equipamentos, das ferramentas e das máquinas-ferramentas necessárias ao trabalho de montagem;
7.4 Colabora no manuseamento e colocação das vigas, peças e estruturas metálicas para fixação com o auxílio de gruas;
7.5 Sobe ao local de montagem/fixação trepando pela estrutura já construída ou através de uma plataforma elevatória;
7.6 Procede à verificação dos apertos das porcas que fixam as estruturas, utilizando uma chave dinamométrica, e da qualidade das soldaduras, ajustamentos e tolerâncias respetivas;
7.7 Colabora na instalação de motores e máquinas diversas nas estruturas montadas.
8. Elabora relatórios periódicos da execução e evolução do projeto da obra
9. Coadjuva o diretor de obra em todas as tarefas inerentes ao planeamento e execução do projeto.”, tendo o IEFP concluído que :
“A capacidade de mobilização e força dinâmica da coluna dorso-lombar parece apresentar limitações;”
“A mobilização, força dinâmica e sensibilidade do membro inferior esquerdo aparenta revelar défice pertinente.”
Das principais tarefas, e suas exigências, do posto de trabalho de Encarregado de Montagem de Estruturas Metálicas e Equipamentos que o Sr. C… desempenhava à data do acidente, destacam-se as seguintes por considerarmos serem as mais relevantes para a avaliação da incapacidade para o trabalho habitual:
• É requerida a persistente mobilização, destreza, coordenação e força dinâmica de ambos os membros inferiores, especificamente a necessidade de equilíbrio instável, necessidade de se movimentar sobre plataformas estreitas, com reduzido apoio e a grande altura, subir e descer escadas industriais, manter equilíbrio sobre plataformas elevatórias, marcha em piso irregular;
• São exigidas, de forma regular, flexões frontais do tronco e do pescoço, torsões laterais do pescoço e torsões dorso-lombares, designadamente na verificação da montagem e ligações das estruturas, equipamentos, e na coordenação, em obra, de toda a atividade de montagem e edificação;
• É necessário, de forma frequente, levantar, puxar, manipular e deslocar pesos até 50 Kg, atendendo a que integra a equipa de montagem de estruturas metálicas e equipamentos e colabora em todas as atividades inerentes à mesma.”
“Atendendo às exigências requeridas para o desempenho profissional das tarefas fundamentais do posto de trabalho de Encarregado de Montagem de Estruturas Metálicas e Equipamentos, entendemos que as tarefas de coordenação, acompanhamento e supervisão de todas as atividades de edificação e montagem de estruturas e equipamentos em obra, que podem representar cerca de 70% da ocupação diária da função, parecem ser dificilmente compatíveis com as limitações funcionais que o Sr. C… evidencia atualmente, tendo ainda em consideração motivos de segurança no trabalho e a perseveração da sua saúde.”
Por sua vez, no seu parecer o D1… refere que o sinistrado apresenta as seguintes alterações funcionais:
- Funções neuro-músculo-esqueléticas – alteração da mobilidade das articulações, condicionando alteração postural durante a marcha (tronco inclinado para a frente, limitado para realizar marcha apressada ou correr, e alteração da marcha em piso irregular, por arrastar e bater com os pés no chão). Apresenta dificuldade para se colocar de joelhos ou de cócoras, e situação agravada para sair destas posições e colocar-se de pé. Movimentação manual de cargas, em movimento, limitada a 10 kg
- Funções sensoriais e dor – dor referida à região lombar e constante, por vezes intensa e incapacitante, limitadora de movimentos dos membros inferiores, e com irradiação frequente para o membro inferior esquerdo, pela região posterior da coxa e perna. A dor é agravada por alterações climáticas assim como com esforços (marcha ou carga).
A sintomatologia atrás referida pelo examinando (a dor, alterações de força) tem características subjectivas, mas perfeitamente adequadas no quadro clínico em avaliação.
Tem antecedentes: em 2001, acidente de trabalho – lombalgia de esforço (hérnia discal L5 S1) operada nesta data e com recaída em 2003 (nova cirurgia) e outra recaída em 2005 (com nova cirurgia). Sem intercorrências desde 2005 para além de dor ligeira e alterações funcionais discretas dos membros inferiores com maior agravamento a partir de 2017.
Descrições das actividades que integram o conteúdo funcional da profissão habitual:
Enquanto encarregado em estruturas metálicas e equipamentos o examinando desempenhava as seguintes tarefas:
a) analisar o projeto de obra e elaborar a sua planificação, identificando os recursos humanos, os equipamentos, máquinas e ferramentas, necessárias para a sua realização;
b) elaborar cronograma do projecto da obra;
c) ministrar formação especifica aos colaboradores sempre que necessário.
d) consultar diariamente o cronograma da obra e efetuar, sempre que necessário, os respectivos ajustes.
e) efetuar “briefing” diário com a equipa de colaboradores, organizando o trabalho, distribuindo tarefas e partilhando informações pertinentes sobre/para o decurso da obra.
f) confirmar o material e equipamento rececionado na obra ou estaleiro.
g) organizar, sempre que necessário, os estaleiros de materiais e equipamentos.
h) coordenar, acompanhar e supervisionar todas as atividades de edificação e montagem de estruturas e equipamentos em obra.
i) Ler, interpretar desenhos, croquis, normas e tabelas, com vista à identificação de dimensões, tolerâncias e formas dos elementos a executar e montar.
j) coordenar e acompanhar, no local, a montagem de estruturas ou componentes de estruturas, de porte pequeno ou médio;
k) coadjuvar na seleção e preparação dos equipamentos, das ferramentas e das máquinas-ferramentas necessárias ao trabalho de montagem;
l) colaborar no manuseamento e colocação das vigas, peças e estruturas metálicas para fixação com auxílio de gruas;
m) subir ao local de montagem/fixação, subindo pela estrutura já construída ou através de uma plataforma elevatória;
n) proceder à verificação dos apertos das porcas que fixam as estruturas, utilizando uma chave dinamométrica, e da qualidade das soldaduras, ajustamentos e tolerâncias respetivas;
o) colaborar nas instalações de motores e máquinas diversas nas estruturas montadas.
p) elaborar relatórios periódicos da execução e evolução do projeto da obra
q) coadjuvar o diretor de obra em todas as tarefas inerentes ao planeamento e execução do projeto.
r) cumprir e supervisionar o cumprimento das normas de higiene, saúde e segurança no trabalho.
De acordo com o aludido parecer, as alterações funcionais, decorrentes do evento traumático em apreço, e que interferem com a actividade profissional do examinando, enquanto encarregado de montagem de estruturas metálicas e de equipamentos, incapacitam-no de executar as tarefas descritas nas alíneas c), e), f), g), h), j), k), l), m), n), o), p) e q) da descrição das actividades que integram o conteúdo funcional da profissão habitual.
“Pelo exposto, somos de parecer que o examinando se encontra em incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.”
“O maior impacto do acidente no desempenho profissional do examinando encontra-se, como anteriormente referido, ao nível da dor persistente e recorrente na região lombar e sua irradiação, condicionando o desempenho por parte do examinando de funções profissionais. Assim, o seu actual perfil profissional será compatível com a ocupação de um posto de trabalho cujo conteúdo funcional não tenha grande exigência física, como seja, rececionista, auxiliar administrativo (contínuo)”, (sic).
(...).
Por outro lado, conforme se refere no Acórdão anteriormente citado” apresenta-se da maior importância a realização do inquérito profissional e análise do posto de trabalho, a que se reportam as als. a) e b) do nº 13 das Instruções Gerais das TNI de 1993 e de 2007, bem como a requisição, pelo tribunal de 1ª instância, de parecer por parte de peritos especializados a que se reporta o art. 21º, nº 4, da Lei 98/2009 (…) sendo de realçar que tal entidade, tal como os demais Centros de Reabilitação Profissional, pelas atribuições, competências e atividades que levam a cabo, se mostram especialmente habilitadas para a ponderação e avaliação da capacidade funcional do trabalhador.”
Em suma, o IEFP concluiu que “atendendo às exigências requeridas para o desempenho profissional das tarefas fundamentais do posto de trabalho de Encarregado de Montagem de Estruturas Metálicas e Equipamentos, entendemos que as tarefas de coordenação, acompanhamento e supervisão de todas as atividades de edificação e montagem de estruturas e equipamentos em obra, que podem representar cerca de 70% da ocupação diária da função, parecem ser dificilmente compatíveis com as limitações funcionais que o Sr. C… evidencia atualmente, tendo ainda em consideração motivos de segurança no trabalho e a perseveração da sua saúde”.
Por sua vez, o D1… foi mais incisivo em concluir pela IPATH do sinistrado, em que no fundo ambos os pareceres se sintonizam. Por sua vez, um médico da junta médica e um médico do GML, com base na observação directa do sinistrado- o que implica levar em conta as suas queixas – e, bem assim dos elementos clínicos disponíveis, consideraram o sinistrado com IPATH e dois médicos da junta médica, com base na observação directa do sinistrado- o que implica levar em conta as suas queixas – e, bem assim dos elementos clínicos disponíveis concluiram que não há fundamento para aplicação de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, apenas sendo de atribuir a incapacidade permanente parcial de 15%.
Ora, como é sabido, a prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art.º 388.º do CC “(..) a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” ou quando os factos “relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
(...)
A sua função é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”, não impedindo tal que seja “um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 578).
Mas desempenhando a prova pericial a função apontada, importa atender a que não se verifica unanimidade entre os laudos dos peritos médicos, tendo o relatório pericial do GML concluído pela IPATH do sinistrado e na junta médica realizada os senhores peritos responderam, por maioria, não se verificar a IPATH do sinistrado.
Por outro lado, o Juiz não dispõe dos conhecimentos técnicos e científicos de natureza médica ou técnica que autorizem a pôr em causa uma avaliação médica ou as avaliações realizadas pelo D1… e pelo IEFP, devidamente fundamentadas e formulados por peritos devidamente habilitados, sem que existam fundamentos concretos, lógicos e razoáveis - necessariamente com natureza médica ou técnica-, que se perfilem e imponham, de forma inequívoca, uma decisão diversa, o que in casu não se verifica.
Assim, tendo em conta a fundamentação concreta, lógica e razoável das avaliações realizadas pelo D1… e pelo IEFP e do relatório pericial do GML, em contraste com a fundamentação minimalista da junta médica, onde nem sequer se verificou unanimidade entre os senhores peritos quanto a essa matéria, e tendo em conta o disposto no artº11º, nº2, da LAT, resta concluir pela verificação in casu da reclamada IPATH.».(sublinhado e negrito nossos).
Ora, sustentando a recorrente que a alegada nulidade ocorre em razão do tribunal ter circunscrito a fundamentação da Decisão, ao documento não assinado do IEFP e ao Parecer da D1…, o que se pode concluir é, apenas, pela discordância daquela quanto aos fundamentos invocados e a conclusão a que nela se chegou.
Sem dúvida, o que a recorrente está a pôr em causa é a correcção e certeza da decisão na aplicação do direito aos factos, ou seja, o eventual erro de julgamento.
De resto, tanto assim é, que na parte do recurso em que sustenta o erro de julgamento a recorrente usa os mesmos fundamentos. E, como parece inquestionável, uma sentença, ou parte dela, não pode ser, simultaneamente, nula e enfermar de erro de julgamento com base nas mesmas causas.
Pois, como começou por se deixar assinalado, as nulidades da sentença não devem ser confundidas com o eventual erro de julgamento.
Assim, com este fundamento improcede a arguida nulidade da sentença.
Justificando, ainda.
A nulidade da falta de fundamentação prevista na al. b) do nº 1 daquele artigo está relacionada com o comando do art. 607º, nº 3, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Reportando-se os nºs 4 e 5, do mesmo dispositivo à estrutura em si da fundamentação e à apreciação das provas produzidas segundo a prudente convicção do julgador.
Ou seja, aquela, verifica-se quando a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.
Mas, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, nomeadamente, quando haja falta da discriminação de factos considerados provados, art. 607º, nº 3 e, quando não explicite qualquer fundamento de direito que justifique a decisão.
Pois, como é jurisprudência pacífica só a absoluta falta de fundamentação de facto ou de direito constitui a alegada nulidade.
E, isso não se verifica na decisão recorrida. Nela, como se verifica do que se deixou transcrito, previamente, ao que se considerou no dispositivo, discriminaram-se os factos considerados provados que sustentaram aquela conclusão, contra a qual a recorrente se insurge, de ter sido fixada ao sinistrado incapacidade permanente para o trabalho habitual (IPATH) pelo acidente em causa nos autos. O que cremos, é suficiente para que a mesma se mostre fundamentada de facto e tenha efectuado a subsunção dos factos ao direito.
Sendo certo que, o incorrecto julgamento e apreciação da matéria de facto e menos correcta interpretação e aplicação do direito, não configuram qualquer vício susceptível de gerar a nulidade da sentença, nos termos em que estas se encontram definidas no nº1, do art. 615º.
Nem a apreciação das provas produzidas, todas elas como é o caso, sujeitas à livre apreciação do julgador, segundo a sua prudente convicção, configura qualquer causa de nulidade da sentença.
Assim, no caso, por não se verificar a falta de especificação dos fundamentos de facto que justificaram a decisão, a invocada nulidade não se verifica. Nem a mesma pode ser anulada, por qualquer violação dos nºs 4 e 5, do invocado art. 607º.
Senão, vejamos.
A este propósito, sob a epígrafe “Sentença” refere o nº 5, daquele art. 607º, do CPC que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; ...
E, determina o nº 4, do mesmo artigo que, “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” (sublinhado nosso).
Importa, então, analisar em que é que se traduz o acto “analisando criticamente as provas” e o acto “especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”?
Segundo (Marta João Dias, in “A fundamentação do juízo probatório”, em Julgar, nº13, páginas 194/195/197), analisar criticamente as provas “é valorá-las” (…) “isto é, o julgador terá que fazer um conciso dos meios de prova produzidos, ponderando o valor de cada e estabelecendo entre eles a hierarquia de valor determinante para a formação da sua convicção. Com isto está a «pesar» as provas” (…) “Já quanto à especificação dos fundamentos decisivos para a convicção do julgador, parece claro que não se limita à mera enunciação dos concretos meios de prova. Tendo-se imposto uma análise crítica das provas, é implícita a maior exigência que o legislador quis imprimir ao dever de fundamentação. Especificando os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção, o julgador deverá conseguir justificar a suficiência ou insuficiência dos meios de prova produzidos e estabelecer um nexo entre a convicção e as provas. Deve, pois, na linha do que já vinha sendo defendido por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, apontar «as razões de credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova»” (…) “Não se exigirá ao juiz que transcreva, em forma de discurso indirecto, nem que resuma, o depoimento da testemunha ou o eventual esclarecimento do perito, mas antes que extraía dele os elementos que fundamentam a decisão” (…)”.
Por sua vez, (Jorge Augusto Pais do Amaral in “Direito Processual Civil”, 9ªedição, página 375) refere que “Actualmente a exigência de motivação não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção. Além da referência aos concretos meios de prova que foram tidos em conta devem ser indicadas as razões por que tiveram especial relevância para a formação da convicção do tribunal”.
Ora, posto isto e transpondo-o para o caso dos autos, desde logo analisando a parte que releva da fundamentação da decisão da matéria de facto, onde o Mº Juiz consigna que foram relevantes para a sua convicção, os documentos juntos aos autos e o acordo das partes expresso no auto de tentativa de conciliação, explicando as razões porque cada um daqueles documentos, entre eles a Junta Médica, foi ou não relevante para a formação da sua convicção, não podemos concordar que se verifique qualquer falta de motivação/fundamentação da decisão, só podendo merecer total falta de aceitação, da nossa parte, o afirmado pela recorrente nas conclusões 10, 11 e 12 da sua alegação.
Sem dúvida, o que resulta da análise da decisão recorrida é que, o Tribunal “a quo” indicou os meios de prova que considerou relevantes para a decisão da matéria de facto, fazendo um resumo do teor dos documentos juntos aos autos indicando, de forma devidamente fundamentada, ao longo da decisão, o que considerou relevante daqueles documentos e igualmente o que desvalorizou dos mesmos e porquê. Naturalmente tendo em conta o que foi a sua prudente convicção, obviamente, como se nota não coincidente com a da recorrente. Mas, isso, não é causa de nulidade da sentença.
Deste modo, improcede a invocada falta ou indevida fundamentação da decisão, assim, como já havíamos dito, qualquer outra causa de nulidade da mesma que, manifestamente, não ocorre.
*
Passemos, agora, à análise da derradeira e última questão de saber, se deve a sentença ser revogada e ser atribuída ao sinistrado uma IPP para o trabalho de 15%, conforme consta da Junta Médica e defende a recorrente.
*
No entanto, previamente, a saber se lhe assiste razão, importa referir o seguinte.
Veio, agora, a recorrente, para justificar a sua pretensão de que seja revogada a decisão recorrida, como decorre das conclusões 2, 3, 4, 5, 12, 15, 16, 17, 18 e 19, tecer diversas considerações quanto aos pareceres emanados do IEFP e do D1… que, em seu entender, são fundamento para que o Tribunal “a quo” não os tivesse considerado como prova nos autos.
Ora, sendo desse modo, há que assentar, desde já, que é indiscutível, que o recurso vem interposto da decisão recorrida e que se destina à reponderação das questões nela decididas e que, como já referimos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, tal como decorre das disposições legais dos art.s 635º, nº 3 e 639º, nº 1, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, cfr. art. 608º, nº 2. E, de entre estas questões, excepto no tocante àquelas que o tribunal conhece “ex officio”, o tribunal de 2ª instância, apenas, poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do art. 5º, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Esta questão posta pela apelante nas suas alegações e sintetizada, naquelas referidas conclusões, só agora é suscitada e, pese embora isso, pretende a mesma que se conheça desta sua alegação e dela se tirem consequências jurídicas de modo a revogar-se a decisão recorrida.
Que dizer?
Obviamente, desde já, que tal não pode proceder.
Tudo porque, independentemente das razões que a recorrente possa invocar, verificamos que a 1ª instância não se pronunciou sobre a questão.
No entanto, ainda assim, não cometeu qualquer irregularidade ou omissão de pronúncia, esta questão não lhe foi colocada. Como se deixou claro supra, só, agora, em sede de recurso a recorrente a coloca e, como é evidente, não se trata de questão que possa ser apreciada oficiosamente.
E, por sua vez, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas, questões não suscitadas na 1ª instância.
O alegado pela recorrente, no sentido de infirmar o que decorre daqueles pareceres, conforme vem referido por ela nas suas conclusões, são uma questão nova que não foi colocada à apreciação do Tribunal “a quo”, nem foi com base na análise da mesma que se proferiu a decisão recorrida.
Esta questão não foi colocada na 1ª instância e não foi controvertida na decisão recorrida, o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a mesma e nem o poderia fazer, sempre com o devido respeito por diferente opinião, porque não lhe foi posta.
Ao contrário, a recorrente foi notificada dos despachos proferidos pelo Tribunal “a quo”, em 09.11.2020 e em 15.03.2021, a justificar e solicitar a intervenção e colaboração daquelas entidades, das quais emanaram os Pareceres e, posteriormente, em 20.01 e 29.04.2021, do teor daqueles e nada disse. Não tendo o Tribunal “a quo” sido chamado a pronunciar-se sobre esta questão que, agora, a recorrente, coloca.
As considerações tecidas pela recorrente, naquelas mencionadas conclusões, são questões novas, porque como decorre dos autos e bem diz o recorrido, “a Recorrente notificada do requerimento apresentado pelo Autor, nada disse, tendo o tribunal optado por determinar que aquele organismo fosse oficiado de acordo com o requerido, optando, igualmente, por notificar o IEFP para que elaborasse relatório acerca das características do posto de trabalho do Recorrido, designadamente as atividades e funções essenciais e nucleares que caracterizam o exercício pelo Autor da sua profissão habitual e, em que medida, a IPP reconhecida ao Autor impossibilita, ou não, o exercício pelo Autor das atividades e funções essenciais e nucleares que caracterizam a sua profissão habitual. Acresce ainda que a Ré foi notificada do respetivo parecer, tendo tido oportunidade para se pronunciar, contudo, não impugnou, nem se pronunciou quanto à validade do mesmo, tendo, desse modo, aceite o seu teor.”.
E, agora?
Como já deixámos exposto, também, não o podemos fazer.
Pois, como é sabido, os recursos destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, constituindo, assim, um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso. Este entendimento, conforme com a natureza dos recursos e, subjacente às regras que dimanam do art.º 635, tem sido afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, com clareza e unanimidade, cfr. entre outros, (Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, pág. 26, Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª Edição, pág. 153 a 158 e Ac. RC de 15.2.2011 e Ac. STJ de 28.4.2010, ambos in www.dgsi.pt).
“Nesta linha, vem a nossa jurisprudência, repetidamente, afirmando que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.”, como refere, (Amâncio Ferreira, obra citada, pág. 156).
Razão, porque, não pode agora, por via do recurso, este tribunal da Relação conhecer tal matéria, apreciando questão de facto que não foi apreciada na instância recorrida e, na sequência disso, introduzindo, eventualmente, alterações ou revogando a sentença impugnada no recurso.
Assim, improcede esta questão da apelação.
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Apreciemos, então, a questão de saber se deve ser revogada a sentença recorrida, onde se decidiu que o A. se encontra afectado de IPATH, já que é desta conclusão que a recorrente discorda, com o argumento de que o laudo, por maioria, da junta médica, deve prevalecer sobre os pareceres do IEFP e do D1….
Mas, adiantando, desde já, o nosso entendimento, sem razão.
A sentença recorrida, como bem se retira da transcrição que, da mesma, deixámos supra, não nos merece qualquer censura ou reparo, quanto ao que a este respeito decidiu. Mostra-se devidamente fundamentada de facto e de direito e com referências doutrinais e jurisprudenciais que, subscrevemos, pelo que, apenas, para justificarmos esta nossa concordância e refutar a falta de razão da recorrente, em concreto, quanto às afirmações que tece nas suas conclusões 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 20 e 21, diremos o seguinte.
Pois, se é certo que a Junta Médica se pronunciou negativamente, quanto ao facto de o A. se encontrar afectado de IPATH, para o exercício do seu trabalho habitual de Encarregado de Montagem de Estruturas Metálicas e Equipamentos, e o IEFP e o D1… se pronunciaram afirmativamente. É, também, certo que o Mº Juiz “a quo”, como erradamente o diz a recorrente, não fundamentou a sua convicção, apenas, nos Pareceres emanados daquelas entidades.
Ao contrário, atendeu a todas as provas/documentos juntos aos autos, em particular, os referidos Pareceres, o exame pericial do GML e a Junta Médica. Como o mesmo refere, teve em conta “a fundamentação concreta, lógica e razoável das avaliações realizadas pelo D1… e pelo IEFP e do relatório pericial do GML, em contraste com a fundamentação minimalista da junta médica, onde nem sequer se verificou unanimidade entre os senhores peritos quanto a essa matéria,...”.
Ou seja, analisando todos aqueles exames e pareceres, fundamentadamente, o Mº Juiz concluiu e decidiu, explicando porque o fez, que o A. se encontra afectado de IPATH, pese embora, não ter sido esse o entendimento expresso, simplesmente com um “Não”, por maioria, na Junta Médica.
Em, nosso entender, acertadamente, porque ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente, mas bem sabe que não é desse modo, o julgador não está vinculado ao resultado da Junta Médica, tal como não o está ao resultado de outras perícias e pareceres.
Quanto a isto é entendimento da jurisprudência e doutrina, devidamente citadas na decisão recorrida que o juiz, embora não tendo conhecimentos técnicos para avaliar o grau de IPP de que o sinistrado é portador, - por isso o processo prevê a realização de perícias médicas e perícias médicas de especialidade -, não está vinculado ao resultado da junta médica, dela podendo afastar-se, conquanto que o faça fundamentadamente.
Neste sentido, dispensando-nos de outros referir, vejam-se, como bem o refere o Ex.mo Procurador no seu parecer, “o Ac. da RL de 11.10.2000, in CJ, tomo IV, pg. 167, onde se pode ler que “os laudos da junta médica, mesmo os emitidos por unanimidade, enquanto prova pericial, não são vinculativos para o tribunal. Actua aqui o principio da livre apreciação pelo tribunal”…
Também no Ac. da RE de 22.06.2004, in CJ, tomo III, pg. 272, onde se lê que “realizado o exame por junta médica, o juiz não está obrigado à observância rigorosa das conclusões dos peritos, delas podendo afastar-se, se tal se justificar, por forma devidamente fundamentada.”
E ainda no Ac. da RL de 26.06.2009, CJ, tomo III, pg. 159, concluindo que “a determinação da natureza e grau de desvalorização a fixar ao sinistrado o juiz recorre a todos os elementos periciais juntos aos autos cuja força probatória lhe cabe fixar. Desde que fundadamente, pode o juiz desviar-se do parecer, ainda que unânime, dos peritos constante do auto de junta médica.”.
Em suma, o Mº Juiz “ a quo”, como bem o possibilita a lei (art. 139º, nº 7, do CPT), após a realização da Junta Médica, a pedido do sinistrado e porque o considerou necessário, solicitou a realização de Pareceres ao IEFP e ao D1… que, como decorre dos mesmos, fundamentada e exaustivamente avaliaram a situação do A. e as exigências do posto de trabalho que levava a cabo à data do acidente e pronunciaram-se no sentido, de estar ele afectado de IPATH, do mesmo modo que consta do relatório pericial do GML. E, após, a análise pormenorizada que levou a cabo de todos os elementos de prova, como bem o demonstra a sentença, o Mº Juiz “ a quo”, convenceu-se e decidiu, - como lhe compete, de acordo com o que dispõe o art. 140, nº 1, do CPT -, pela atribuição ao sinistrado de uma IPP de 15% com incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual-IPATH, desviando-se, em nosso entender, acertadamente, do parecer emitido pelo laudo, maioritário, da junta médica.
Não tem, assim, qualquer suporte a alegação e conclusão da recorrente de que o “Ex.mo Juiz do Tribunal a quo” ignorou o resultado da Perícia Colegial”, como não tem a afirmação de que se limitou a descredibilizá-lo e a aderir ao “sentido conclusivo e abstracto do documento emanado do IEFP”.
É nossa firme convicção que não foi desse modo, a decisão recorrida não se baseou, apenas, no Parecer do IEFP, que não é possível qualificar de “conclusivo e abstracto”, mas também no emitido pelo D1…, os quais, não foram postos em causa, por ninguém, incluindo pela Recorrente, junto do Tribunal “a quo”, com as consequências, nesta decisão que já referimos, tendo também sido tido em conta o exame pericial do GML de Guimarães, junto aos autos.
Ou seja, o que aconteceu é que o Mº Juiz “a quo” da avaliação que efectuou da Perícia Colegial/Junta Médica, do Parecer do IEFP e dos restantes elementos que analisou nos autos, não se convenceu no sentido expresso, por maioria naquela.
Assim, só podemos concluir que a sentença recorrida não merece censura, não havendo elementos que permitam alterá-la, nos termos pretendidos pela recorrente.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões do recurso.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes desta secção em julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Porto, 20 de Setembro de 2021
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão