Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7748/08.0TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAUL ESTEVES
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
NOTIFICAÇÃO
MONTANTES EM DÍVIDA
Nº do Documento: RP201510287748/08.0TDPRT.P1
Data do Acordão: 10/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não assume relevância jurídica a existência de diferenças não significativas entre os montantes indicados na notificação a que se refere o artº 105º4 al.b) RGIT e os montantes apurados em audiência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

1 Relatório
Nos autos de processo comum singular nº 7748/08.0TDPRT.P1 que correu os seus termos na Comarca do Porto, Instância Local, secção criminal J7, foi proferida sentença que decidiu:
a) Absolver o arguido B… do crime de abuso de confiança contra a segurança social que lhe vinha imputado;
b) Condenar o arguido C… pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 105º, nºs 1 e 4, e 107º, nºs 1 e 2, do RGIT, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa à razão diária de €12 (doze euros), o que perfaz a quantia de €1.680, fixando-se desde já a prisão subsidiária em 93 dias.
c) Condenar a sociedade D… pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 105º, nºs 1 e 4, e 107º, nºs 1 e 2 do RGIT, nos termos do art. 7º daquele diploma, dispensando-se a mesma da respectiva pena.

Não conformado, veio o arguido C…, interpor recurso, alegando para tanto o que consta de fls. 2188 e seguintes e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo nos seguintes termos:

A) Discordando do acórdão proferido no que procedeu à condenação pela prática, em autoria matéria, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 107º, n.ºs 1 e 2, e 105º n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, submete o arguido à apreciação dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto a bondade do decidido.

DA AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA

B) No que respeita aos elementos constitutivos do crime de abuso de confiança, há a considerar para uma cabal qualificação, quer o elemento objetivo, quer o elemento subjetivo.

C) Para que se verifique o elemento objetivo, a lei exige que a entidade empregadora tenha feito a dedução do montante das contribuições do valor das remunerações dos trabalhadores e/ou do valor das remunerações dos membros dos órgãos sociais e que não tenha procedido à entrega de tais contribuições às instituições da segurança social.

C) Exige ainda, como condição de punibilidade, que hajam decorridos 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação e que a prestação tributária comunicada através da respetiva declaração, não seja paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.

D) Assim sendo, no caso em apreço, para se verificar o elemento objetivo do crime de abuso de confiança, teremos que estar em face a uma situação em que os salários foram efetivamente pagos junto dos trabalhadores da sociedade arguida e por sua vez retida a contribuição respetiva esta não foi entregue nos cofres da segurança social.

E) Sucede porém que, em nenhum momento resultou, quer das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, quer dos documentos/elementos juntos ao processo pelas partes que os salários respeitantes aos meses de Maio a Outubro de 2007 tivessem sido efetivamente pagos.

F) Muito pelo contrário, a totalidade das testemunhas arrolados prestaram o seu depoimento afirmando e forma inequívoca que há data dos factos tinham mais de um ano de salários em atraso - em nenhum momento é feita a competente prova do pagamento dos salários referentes aos meses de Maio a Outubro de 2007.

G) A verdade é que, mesmo que tivessem existido entregas de quantias aos trabalhadores (o que também não ficou provado) no período de Maio a Outubro, a verdade é que as mesmas teriam o fito de proceder ao pagamento de salários respeitantes a períodos anteriores a maio de 2007 - esses valores estariam sob a alçada de outra declaração que não a respeitante aos meses em apreço.

H) É sempre importante salientar que a necessidade de comprovação do pagamento dos salários e logo assim a verificação da retenção da contribuição compete à acusação - não bastante tal necessidade a verdade é que tal circunstancialismo não se verificou.

I) Assim sendo, não se pode concluir que esteja verificado o elemento objetivo do crime.

J) Logo assim, por inexistência da verificação de tal elemento não poderá o arguido ser condenado pela prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social devendo o presente recurso merecer provimento e o arguido ser absolvido da prática de tal crime.

K) Acresce que, não se verificando o elemento objetivo caímos na impossibilidade de se verificar o elemento subjetivo do crime.

L) Para que estejamos face a um crime de abuso de confiança é necessário que a atuação do agente seja animada por um dolo genérico, exigindo-se por isso que aquele tenha conhecimento da obrigação da entrega das quantias deduzidas e da antijuricidade da ação, assim como a vontade de não enviar aos competentes serviços o montante deduzido.

M) Quanto a esta matéria compete afirmar que, tal como foi atestado pelo Recorrente, este tem perfeito conhecimento da totalidade das obrigações inerentes ao cargo que assumiu junto da sociedade arguida - tal facto potenciou a circunstância do Recorrente, ter cumprido de forma escrupulosa com as obrigações que sobre si impendiam.

N) A verdade é que pontuais incumprimentos no pagamento das contribuições junto do ente Estado eram logo objeto de resolução, quanto mais não fosse através da obtenção de acordo de pagamento junto da entidade creditória - chamamos à colação a adesão ao PEC por parte da sociedade arguida ao tempo liderada pelo aqui Recorrente, sendo que este sempre pugnou pelo pagamento das prestações acordadas.

O) No que esta matéria concerne, é importante, tal como resulta supra, salientar que apesar de a norma ser o cumprimento das obrigações perante a Segurança Social, reconhece-se que durante os mandatos do Arguido se verificaram, contra a sua vontade, algumas situações pontuais de incumprimento (momentos distintos dos períodos constantes da acusação), por impossibilidade objetiva e involuntária de pagamento (o que levou à celebração de acordos de pagamento que foram cumpridos enquanto se manteve ao “leme” da sociedade arguida).

P) Os motivos para tais incumprimentos pontuais, deveram-se única e exclusivamente a uma grave e manifesta discriminação operada pelas entidades públicas relativamente ao D1… e a tal D….

Q) Com efeito, Estado e Câmara Municipal … trataram desigualmente a instituição D1… fundador e acionista maioritário da D…, – relativamente a todos os demais clubes, no que concerne aos apoios para a construção dos respetivos estádios para o E….

R) Fruto dessa desigualdade, o D1… passou a ter fortes dificuldades económico-financeiras, que originaram por sua vez dificuldades à D….

S) A aludida desigualdade traduz-se na circunstância de que, em dez estádios construídos para o E….

T) Destes, cinco são Municipais, isto é foram totalmente financiados por dinheiros públicos.

U)Os restantes cinco são, sem exceção, propriedade de clubes desportivos.

V) Destes, um, o do F…, foi integralmente pago pela Câmara Municipal respetiva, logo, também foi integralmente pago por dinheiros públicos.

W) Nos restantes, pertencentes ao G…, H… e I… houve fortíssimos apoios camarários, computando-se nos seguintes valores:

• G… – 94.213.729,85 €
• I… – 88.379.146,00 €
• H… – 79.285.989,55 €

X) Tal situação, originou as dificuldades económicas já aludidas, e a consequente impossibilidade de cumprimento atempado das várias obrigações assumidas.

Y) Face a tais desigualdades de tratamento, o D1… foi constrangido a suportar fortes encargos na construção do seu estádio para o E…, tendo sido obrigado a contrair financiamentos junto da banca, o que originou pesados encargos prestacionais.

Z) O principal de tais financiamentos, no valor de quinze milhões de euros, foi obtido pelo D1… junto de um consórcio bancário liderado pelo J…, que exigiu para a sua concretização e operacionalidade que a D…, utilizadora do estádio e como tal parte interessada no financiamento, também prestasse garantias no referido mútuo, tendo como tal esta ficado obrigada a dar como garantia de cumprimento pelo D1… parte substancial das receitas do seu contrato de transmissões televisivas com a K….

AA) Assim sendo, ficou a D…, de um momento para o outro, e em consequência de uma grave descriminação ao D1… pelas entidades públicas nacionais, privada de receitas anuais de cerca de 2,5 milhões de euros, o que evidentemente lhe originou grandes dificuldades económicas, e resultou em alguns incumprimentos pontuais de obrigações perante a Segurança Social, contra a vontade dos seus responsáveis.

AB) Porém, não obstante a existência de assinaláveis dificuldades, diga-se aliás que, os pontuais atrasos no pagamento da Segurança Social sempre foram objeto de acordos de pagamento prestacional, que foram escrupulosamente cumpridos enquanto o Arguido se manteve em funções na D… – como foi o caso de um PEC assinado com a DGI e SS, cujas prestações mensais a ambas as entidades foram pagas, sem exceção, durante o seu mandato.

AC) Ainda no que respeita ao cumprimento das obrigações por parte da D…, é ainda importante salientar que, o Arguido por diversas vezes disponibilizou meios pessoais para fazer face às dificuldades daquela entidade.

AD) Idem para avais pessoais que, em conjunto com sua mulher, prestou a entidades financeiras (O…, P…, outros) para obtenção de crédito por parte da D…, sem o qual esta não teria provavelmente subsistido, e devido aos quais ainda hoje suporta pesados encargos.

AE) Ainda, no que a esta matéria respeita é importante salientar que não era o Recorrente que cuidava de dar a indicação para o pagamento dos valores que deveriam ser efetuados junto da Segurança Social.

AF) Tal como decorreu do depoimento prestado pelo Dr. L… (à data Diretor Financeiro da D…), era este que procedia a tais pagamentos - O depoimento da testemunha em apreço (suportada pelo alegado pelo Recorrente), explicou de forma clara e inequívoca que ao “Presidente” competia “arranjar” dinheiro e depois era aquele que destinava os pagamentos a fazer.

AG) Tendo acrescentado igualmente que à data dos factos omitiu, ao Recorrente, uma série de informação relativamente a esta matéria (tendo sido posteriormente repreendido pelo Recorrente) e que achava que a sociedade arguida era detentora de um crédito junto da Segurança Social.

AH) Na verdade, o Recorrente não possuía a totalidade da informação, pelo que, a existir um qualquer ato omissivo, a este não lhe pode ser imputada qualquer culpa.

AI) Nesse sentido, deverá ser dado provimento ao aqui alegado pelo Recorrente e o mesmo ser absolvido do crime em reflexão.

DA MATÉRIA RESPEITANTE À NOTIFICAÇÃO NO TERMOS DO ARTIGO 105º N.º 4, AL.B) DO RGIT

Momento da notificação

AJ) A notificação efetuada ao Arguido nos termos do art.º 105.º n.º 4 do RGIT, ocorre, como facilmente se depreende da análise dos presentes autos, em momento posterior à saída do mesmo das funções de Presidente do Conselho de Administração da sociedade Arguida.

AK) Relembre-se que a dita cessação de funções por parte do Arguido ocorreu de facto em 20 de Novembro de 2007 e formalmente em 30 de Novembro de 2007.

AL) Assim, tendo a notificação nos termos do art.º 105.º n.º 4 do RGIT sido levada a efeito em 17 de Novembro de 2009, já há muito que este havia cessado as funções de Presidente do Conselho de Administração do D….

AM) Conforme facilmente se compreenderá, não se encontrava, à data, na disponibilidade do Arguido a possibilidade da Devedora D…, proceder ao pagamento da prestação em causa nos 30 dias seguintes à pretensa notificação.

AN) Tal possibilidade, estava sempre dependente de um terceiro (legal representante da devedora originária) pelo que, ao Arguido não pode ser imputada uma omissão recorrente da conduta de um terceiro, cuja vontade não está no seu domínio – impossibilidade objetiva e inultrapassável.

AM) Conforme acórdão do Tribunal Constitucional n.º 34/2007 (Processo n.º 127/07 de 16.05.07) “A responsabilidade solidária ou subsidiária assenta na consideração de que o responsável tributário é quem, à face do direito e das circunstancias de facto, se encontra na posição jurídica factual de poder cumprir a obrigação de imposto pelo sujeito passivo originário, por ser através dele que este actua a sua própria capacidade de exercício de direitos (Isabel Marques da Silva, PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO, VISLIS, 1999, página 13), ou pode, jurídico-factualmente expressar e executar a sua vontade de cumprimento da obrigação e disposição dos necessários meios financeiros que o mesmo demanda”

AO) O que, no caso em apreço e em relação ao Arguido, claramente não ocorre.

AP) Dessa conjugação, resulta que a notificação como requisito de punibilidade prevista no n.º 4 do art.º 105.º do RGIT na sua atual redação pressupõe obrigatoriamente que o Notificado, ora Arguido, no momento da notificação fosse a essa época Administrador efetivo e em funções da devedora originária e que, como tal, pudesse expressar a vontade (ou não) de cumprimento da obrigação então exigida.

AQ) Na verdade, é fundamental que se entenda que o Arguido seria apenas e exclusivamente responsável subsidiário e não solidário do pagamento da prestação em causa (art.º 24 n.º 1 da LGT) ou seja, a notificação neste tipo de casos só faria sentido substantivo para que o mesmo pudesse cumprir a obrigação com os necessários e efetivos meios de que dispunha a devedora originária - no entanto, como se consta da simples leitura da matéria constante dos autos, não sendo o Arguido à data da notificação Administrador da D…, não teve aquele a possibilidade de determinar a vontade e ação desta - não pode assim a conduta do Arguido ser criminalizada pois o mesmo, aquando a notificação, não tinha o efetivo poder nem meios para determinar o pagamento.

AR) Por outro lado, não pode haver lugar à denominada punição por omissão alheia – do terceiro com capacidade para promover a manifestação de vontade para o cumprimento da obrigação.

AS) Nos presentes autos, não se verificam substantivamente os pressupostos definidos no n.º 4 do art.º 105.º do RGIT, uma vez que o Arguido à data da notificação não exercia qualquer cargo no D… e como tal, não podia determinar a vontade desta e logo assim promover o pagamento dos montantes em causa - realçamos que ao Arguido não pode ser imputada a omissão patenteada pela devedora originária.

AT) Caso assim não se entendesse estaríamos, além das demais considerações jurídicas, perante uma verdadeira Inconstitucionalidade por ofensa aos princípios de justiça e igualdade consagrados nos artigos 1 e 13 da Constituição da Republica - por dever de ofício, não sendo dado provimento à intenção do Arguido, no que nesta matéria se refere, vem o mesmo expressamente arguir desde já a inconstitucionalidade de tal ato.

Da Divergência dos valores constantes dos mapas (art.º 105.n.º4 do RGIT)

AU) O mapa constante da notificação levada a efeito no dia 17 de Novembro de 2009 apresenta claras divergências para com o mapa constante da acusação - tal facto retirou ao Arguido a possibilidade de, na fase instrutória, poder fazer face à matéria que mais tarde vem a resultar na acusação.

AV) Numa clara e hipotética abstração, se o Arguido tivesse pago o montante constante do mapa que lhe foi entregue aquando a notificação nos termos do artigo 105 n.º 4 do RGIT, estaria a pagar um valor que não correspondia à (putativa) dívida existente à data.

AW) Mais, os meios de defesa levados a cabo pelo Arguido na fase instrutória promovida pelo órgão acusatório, tiveram como base um valor em dívida que não corresponde ao que mais tarde veio a ser plasmado na acusação - o Arguido ficou assim impossibilitado do exercer a sua defesa de forma condigna - tal circunstância terá obrigatoriamente que resultar na declaração de nulidade da acusação - caso assim não se entendesse, sempre devia ser declarada, por força da mesma factualidade, tal nulidade, mas por força do constante no artigo 120º n.º 2 alínea b) do CPP, pois que o Arguido a alegou ainda na fase de instrução, conforme consta do processo,

AX) Tudo com as consequências legais previstas, que no caso resultariam no arquivamento do presente processo, pois que entretanto o putativo crime prescreveu.

AY) Ainda no que se refere a esta matéria compete-nos chamar a colação o facto de, no passado dia 27 de Junho de 2014, o Recorrente foi notificado, pelo Tribunal a quo, de uma série de documentos que haviam sido juntos pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social e que se reportam às Declarações de Remunerações enviadas pela D… relativas ao período de tributo que medeia Maio a Novembro de 2007 inclusive.

AZ) Da leitura e análise dos documentos em apreço, constatamos que:
h. Declaração referente ao mês de Maio de 2007 – data de entrega 19/09/2007;
i. Declaração referente ao mês de Junho de 2007 – data de entrega 30/11/2007;
j. Declaração referente ao mês de Julho de 2007 – data de entrega 30/11/2007;
k. Declaração referente ao mês de Agosto de 2007 – data de entrega 18/02/2008;
l. Declaração referente ao mês de Setembro de 2007 – data de entrega 18/02/2008;
m. Declaração referente ao mês de Outubro de 2007 – data de entrega 18/02/2008;
n. Declaração referente ao mês de Novembro de 2007 – data de entrega 10/03/2008;

BA) Da leitura da acusação que estriba a lide processual, retiramos dos seus artigos 13.º e 14.º:

Artigo 13.º da acusação
“E em data não concretamente apurada, mas situada até Maio de 2007, os Arguidos apensar de terem entregue as declarações de remunerações mensais em que declaram os descontos que efetuaram sobre as remunerações pagas aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, conforme resulta dos documentos fls. 310 a 314 que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais,

Artigo 14.º da acusação:
não entregaram nos serviços da Segurança Social o valor das cotizações que descontaram relativas à aplicação da taxa de 10% e 11% sobre o valor dos salários pagos aos trabalhadores e nas remunerações dos membros dos órgãos estatutários, nos meses de Maio a Novembro de 2007 inclusive, no montante global de € 75.729,67 (setenta e cinco mil, setecentos e vinte e nove euros e sessenta e sete cêntimos)”

BB) Assim sendo, tal articulado, de forma inequívoca, consubstancia a sua pretensão na circunstância da D… ter efetivamente pagos salários de Maio a Novembro de 2007 atempadamente e que o arguido, C…, se encontrava revestido da qualidade de Presidente do Conselho de Administração daquela entidade, no momento em que foram enviadas as Declarações de Remunerações junto do Instituto da Segurança Social.
BC) Porém, tal como resultou dos depoimentos prestados pelas testemunhas e demais provas junto aos autos, a verdade é que, quer os trabalhadores quer os membros dos órgãos estatutários, tinham, à data, o vencimento em atraso por um período, em muitos casos, superior mais de um ano - ou seja, os salários correspondentes ao período que medeia Maio a Novembro de 2007, não foram, na sua totalidade ou parcialmente, pagos durante a vigência do arguido como Presidente do Conselho de Administração da Sociedade D….

BD) Logo assim, entende o exponente que, só esse motivo é suficiente para a absolvição dos presentes autos, uma vez que, não tendo sido pagos os salários desse período, a verdade é que, nenhum valor poderia ter sido objeto de retenção e muito menos de apropriação.

BE) Não obstante e apesar do arguido entender ser suficiente a argumentação supra exposta, não deixará de ser necessária uma prudente alusão à data em que as Declarações de Remunerações foram entregues junto do Instituto de Solidariedade e Segurança Social.

BF) Como facilmente concluímos dos documentos em reflexão, as Declarações de Remunerações foram entregues de forma espaçada no tempo, num período que medeia Setembro de 2007 e Março 2008.

BG) Resulta igualmente dos articulados vertidos para os autos que, o arguido cessou funções, junto da sociedade arguida, de facto em 20 de Novembro de 2007 e formalmente em 30 de Novembro desse mesmo ano.

BH) De forma inequívoca aquando o envio das Declarações de Remunerações em Fevereiro e Março de 2008, o arguido já não era Presidente do Conselho de Administração da D….

BI) As Declarações de Remunerações enviadas em Fevereiro e Março de 2008, reportam ao período de tributo de Agosto a Novembro de 2007 e computam o valor de contribuições no total € 36,630,76 (trinte e seis mil, seiscentos e trinta e setenta e seis cêntimos).

BJ) Assim, assentando a fundamentação da acusação no facto do envio das Declarações de Remunerações ser suficiente para a obrigatoriedade da entrega dos valores (ainda que não retidos por não pagamento dos salários), a verdade é que, não restará qualquer dúvida que aquando o envio das declarações em Fevereiro e Março de 2008, o arguido já não era Presidente do Conselho de Administração da D… e logo assim, não pode ser acusado do crime constante dos presentes autos

BK) Mais se diga quanto a esta matéria que a questão supra suscitada tem ainda relevância no que concerne à questão da notificação nos termos do Art. 105 n. 4 alínea b) do RGIT.

BL) Tal como resulta da matéria dada como provada, o recorrente foi, na pendência doo presente processo, notificado nos termos do artigo Art. 105 n. 4 alínea b) do RGIT.

BM) Porém, da notificação em apreço consta como condição para a não “punibilidade” do arguido, o pagamento do montante de 75.729,67 (setenta e cinco mil, setecentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos).

BN) Este valor corresponde ao tributo que medeia Maio a Novembro de 2007.

BO) Assim sendo, não obstante o Recorrente entender que não lhe pode ser assacada a responsabilidade por n nenhum dos períodos de que foi acusado e que sustentou a condenação, a verdade é que mesma na tese da acusação, aquele não pode ser imputada qualquer comprometimento pelo período compreendido entre Agosto e Novembro 2007 inclusive.

BP) É importante salientar que uma coisa é o arguido ser notificado para o pagamento de € 75.729,67 (valor constante da notificação levada a cabo nos termos do artigo 105 n.º 4 alínea b)), outra coisa é ser notificado para o pagamento do montante de € 39.098,91 (valor constante das Declarações de Remunerações enviadas até 30 de Novembro de 2007).

BQ) Se o arguido tivesse sido devidamente notificado, provavelmente encontraria uma forma de resolver a questão, evitando assim o julgamento.

BR) É importante salientar, que a notificação efetuada ao arguido tinha presente o valor que consta da acusação - não se tratou de uma situação em que a divergência assentava em aspeto de pormenor como a eventual quantificação dos juros moratórios (o valor que corresponde quase ao dobro do que “eventualmente” poderia ser exigido.)

BS) Foi assim retirada a possibilidade ao arguido de pôr fim ao processo em referência através do pagamento.

BT) Quanto a esta questão é importante salientar que a decisão em reflexão, condena o arguido pela prática de um crime de abuso de confiança quanto à segurança Social pela retenção das contribuições referentes aos meses de Maio a Outubro de 2007 - absolve o Recorrente, quanto ao mês de Novembro de 2007, alterando logo aqui o valor que supostamente deveria ter sido pago pelo arguido.

BU) Nesse sentido, deveria ter-se levado a efeito, junto do Recorrente, nova notificação (nos termos do artigo 105º n.º 4 do RGIT) e tendo em conta que o valor agora apurado já se encontra integralmente pago, não se verificaria o regime de punibilidade e o processo seria arquivado.

BV) Face ao teor da matéria aqui produzida, requer -se a alteração da decisão proferida, sendo a mesma substituída pela absolvição do Recorrente nos presentes autos.

SEM PRESCINDIR

Da Isenção da Pena por pagamento da totalidade do montante constante da acusação:

BW) Tal como resulta da matéria supra vertida, o Recorrente entende qua a decisão proferida pelo Tribunal a quo se encontra ferida de morte e deva ser substituída por outra que absolva o arguido.

BX) Não obstante tal convicção, por dever de ofício compete-nos nesta sede fazer uma análise da medida da pena aplicada.

BY) Assume fundamental e decisiva importância para a boa decisão do presente processo o facto de, no âmbito do Plano Extraordinário de regularização de Dívidas junto da Administração Tributária e Segurança Social, ter sido efetuado o pagamento da totalidade do montante constante na acusação.

BZ) O valor atempadamente pago, tal como já foi referido, foi levado a efeito no âmbito do Plano Extraordinário de Regularização de Dívidas à Administração Tributária e Segurança Social – assim sendo, a D… conseguiu dessa forma beneficiar do perdão integral de juros de mora e compensatórios, tendo como tal desse modo sido integralmente regularizada pelo pagamento a totalidade dos débitos descritos na acusação.

CA) Para obtenção dos meios necessários à efetivação de tal pagamento, foi decisiva a atuação do ora Recorrente.

CB) Com efeito, tal como se encontra amplamente comprovado nos autos, o pagamento da quantia em causa foi efetuado através de verbas obtidas pela D2…, LDA.

CC) Encontram-se juntos aos autos os comprovativos dos pagamentos efetuados, sendo que os valores em apreço foram efetivamente debitados à SGPS.

CD) Ora, a D2…, LDA é uma SGPS detida a 100% pelo D1…, de que o Arguido é Presidente da Direção (sendo essa SGPS, aliás, detentora de um pouco mais de 10% do capital social da D….)

CE) Assim sendo, foi através da atividade do Arguido que, não só foram obtidos meios de pagamento dos débitos em causa, como também foi por decisão do mesmo, enquanto Presidente do D1…, (entidade esta, repete-se detentora da totalidade do capital da D2…, LDA), que as aludidas verbas foram disponibilizadas à D…, para fazer face aos débitos à Segurança Social referentes ao presente processo.

CF) Conclui-se então que:

• Foi integralmente reposta a verdade sobre a situação tributária;

• O Arguido, apesar de meramente responsável subsidiário, foi o agente cuja ação permitiu a reposição de tal verdade sobre a situação tributária da D…

CG) Posto isto, a dar-se como provado os factos de que o mesmo foi acusado (o que não se concebe) deveria ter sido aplicada a Dispensa de Pena.

CH) Desde logo, porque estamos face a um putativo crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada (que reporta ao período compreendido entre Maio e Novembro de 2007), deve atender-se ao valor que corresponde a cada apropriação da prestação tributária, e não ao total de todas as prestações que integram a continuação criminosa, para se apurar a respetiva conduta corresponde à sua comunicação simples e agravada.

CI) De acordo com o preceituado no n.º 5 do artigo 105.º do RGIT quando a entrega não efetuada for superior a € 50.000,00, a pena é a de prisão e a de multa de 240 a 1200 dias, no que concerne às pessoas coletivas.

CJ) Todavia, como já se afirmou, aquele referido montante de € 50.000,00, porque se está perante um crime continuado, não se deve reportar à totalidade dos tributos retidos e não pagos, mas sim ao montante da prestação mais alta em apreço.

CK) No caso em apreço, e porque nenhuma das prestações atinge tal valor, sempre o crime em questão deve ser enquadrado no regime legal que prevê pena de prisão de 1 a 3 anos de multa até 360 dias.

CL) Logo assim, em virtude de estarmos face a uma tipologia criminal em que a moldura penal é inferior a três anos o Arguido deveria ter beneficiado do regime consagrado no art.º 22 do RGIT – Dispensa de Pena, o que desde já se Requer.

CM) A sustentar a aplicação de tal principio normativo, está ainda atuação que tem vindo a ser perpetrada pelo Recorrente.

CN) Como é sabido, o Arguido foi Presidente em ambas as instituições, durante a década anterior ao período constante dos autos, e na D…, designadamente desde a sua constituição em 8 de Agosto de 2000, tendo desde sempre cumprido com as suas obrigações perante a Segurança Social, sempre no âmbito da legislação respetiva aplicável.

CO) Ora, passados mais de 6 anos, regressado às suas funções, de imediato o Arguido, como sempre o fez no mandato anterior, procurou meios e soluções jurídicas que permitissem, como acabou por acontecer, o pagamento integral dos valores constantes do presente processo (incluindo inclusive aqueles referentes a períodos posteriores à sua anterior saída de funções, ocorrida, repete-se, em Novembro de 2007).
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CP) O regresso do Arguido a tais funções, deveu-se única e exclusivamente às dificuldades vividas no seio do D1… que muito provavelmente iriam culminar, caso o mesmo não decidisse regressar, com o fim de tal prestigiada instituição.

CQ) Nesse sentido e com o único objetivo de manter viva uma Instituição com mais de 110 anos de existência, o Arguido voltou a ser Presidente do D1… (associação de utilidade publica) acionista maioritário da D….

CR) O Arguido esteve afastado durante aproximadamente 6 anos do Clube, tendo regressado, como já foi afirmado, no dia 02 de Janeiro de 2013, sendo que desde essa data até então já viu aprovado um PER, encontrando-se o Clube neste momento a cumprir escrupulosamente o acordado em tal plano – nomeadamente com a Administração Tributária e Segurança Social.

CS) Diga-se, quanto a esta matéria, que o D1…, sob a égide do aqui Arguido, procedeu ao pagamento à Autoridade Tributária das prestações do PER entretanto já vencidas.

CT) Por outro lado, D1… e D… procederam igualmente ao pagamento à Autoridade Tributária, referentes a períodos de tributação anteriores, de uma série de valores que ascendem centenas de milhares de euros.

CU) O aqui Arguido, na qualidade de Presidente do maior acionista da D…, contribuiu de forma decisiva para a obtenção de receitas que permitissem o pagamento integral quer das referidas quantias, quer daquelas constantes dos presentes autos.

CV) Não será demais afirmar, que o D1… fruto de uma gestão criteriosa do aqui Arguido, conseguiu levar a cabo a aprovação do aludido PER e nesse sentido a obtenção de um acordo de pagamento com a totalidade dos credores, nomeadamente com a Administração Tributária e Segurança Social.

CW) Fruto de tal démarches desenvolvidas pelo Arguido, o D1… mercê da aprovação do aludido PER, tem agora a sua situação regularizada perante a Administração Tributária, Segurança Social e demais credores.

CY) Não satisfeito com a concretização de tal desiderato, o D1… (na pessoa do seu Presidente), na qualidade de acionista maioritário da aqui Arguida, lançou-se na busca de meios e soluções que permitam a resolução da situação “complexa” que a D… atravessa - nesse sentido, tem desenvolvido todas as démarches necessárias que viabilizem o cumprimento das obrigações tributárias e perante a Segurança Social vencidas e não liquidadas relativas à D….

CZ) Face a isto, tem seguido de forma atenta o desenrolar do denominado procedimento SIREVE, sendo que na decorrência do procedimento aludido, a Segurança Social veio-se pronunciar pela aprovação do SIREVE fixando igualmente as condições de pagamento.
DA) Face a tal desiderato, está assim encontrada a solução que pugna pelo cumprimento das dívidas fiscais vencidas e não liquidadas.

DB) Assim sendo, face à matéria supra vertida, a provar-se a os factos de que foi acusado o (o que não se concebe) , deveria ter sido aplicado o regime de dispensa de pena ao Recorrente, o que se Requer.
O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, alegando para tanto o que consta de fls. 2251 e seguintes, concluindo pela sua improcedência.
Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, emitindo parecer no mesmo sentido.

Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º do CPP, foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.

Cumpre assim apreciar e decidir:

2 Fundamentação

Resultam assentes nos autos os seguintes factos:

A. Discutida a causa resultaram PROVADOS os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
1) A arguida D…, é uma sociedade anónima, com o número de identificação de pessoa colectiva ………, está inscrita na Segurança Social com o NISS ……….. e tem sede no …, sito na Rua …, ….-… Porto, conforme resulta da certidão da Conservatória do Registo Comercial do Porto de fls. 40 a 44 que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
2) O objecto social da sociedade arguida consiste na participação em competições desportivas de carácter profissional na modalidade de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades desportivas relacionadas com a prática desportiva profissionalizada dessa modalidade, pelo que emprega trabalhadores por conta de outrem, obrigatoriamente inscritos na Segurança Social.
3) A sociedade arguida obriga-se com a intervenção do presidente do Conselho de Administração e de um vogal.
4) O arguido C… foi designado Presidente do Conselho de Administração da sociedade arguida em 08.08.2000, passando desde então a exercer as inerentes funções.
5) O arguido B… foi designado Vogal do Conselho de Administração da sociedade arguida em 28.06.2006, designação essa levada a registo 16.01.2007.
6) Os arguidos C… e B… renunciaram às funções de membros do Conselho de Administração da sociedade arguida, com efeitos a partir de 30.11.2007, renúncias essas levadas a registo no dia 10.12.2007.
7) Em 03.01.2008, foi deliberada a designação dos novos membros do conselho de administração da sociedade arguida para o triénio 2008/2010, designação essa que foi registada na respectiva Conservatória do Registo Comercial em 16.01.2008.
8) Entre 02.07.2004 e 30.11.2007, o arguido C… esteve inscrito na Segurança Social como membro dos órgãos estatutários da sociedade arguida, conforme resulta do “print” do extracto da base de dados da segurança social de fls. 271 e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
9) Entre 28.06.2006 e 26.12.2007, o arguido B… esteve inscrito na Segurança Social como membro dos órgãos estatutários da sociedade arguida, conforme resulta do “print” do extracto da base de dados da segurança social de fls. 271 e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
10) Até 30.11.2007, o arguido C… foi sempre, de facto e de direito, responsável pela gestão e administração da sociedade arguida, competindo-lhe tomar as decisões relativas à gestão comercial e financeira da mesma, incluindo as obrigações para com a Segurança Social.
11) O arguido C… sabia que estava legalmente obrigado a entregar ao competente organismo da Segurança Social, até ao 15º dia do mês seguinte àquele a que respeitavam, as quantias descontadas, a título de contribuições devidas àquela, nos salários pagos aos trabalhadores da sociedade arguida inscritos no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, bem como nas remunerações pagas aos futebolistas abrangidos pelo mencionado regime.
12) Todavia, actuando em nome da sociedade arguida, o arguido C…, em data não concretamente apurada, mas anterior a Maio de 2007, decidiu não entregar, como não entregou, à Segurança Social as quantias retidas nos salários e remunerações pagos àqueles.
13) Assim, o arguido C… não entregou nos Serviços da Segurança Social o valor das cotizações que descontou, relativas à taxa de 11% sobre o valor dos salários pagos aos trabalhadores e aos futebolistas, nos meses de Maio a Outubro de 2007, inclusive, no montante global de €75.057,91 (setenta e cinco mil, cinquenta e sete euros e noventa e um cêntimos), conforme resulta do seguinte mapa:
Mês/Ano Data limite da
entrega da
declaração Data da efectiva entrega
da declaração Taxa Cotizações Retidas Cotizações efectivamente deduzidas e não pagas
Maio/07 15.06.2007 19.09.2007 11% €8.991,75
€5.674,67 €8.991,75
€5.674,67
Jun/07 15.07.2007 30.11.2007 11% €9.122,37
€3.465,45 €9.122,37
€3.465,45
Jul/07 15.08.2007 30.11.2007 11% €8.991,75
€4.852,91 €8.991,75
€4.852,91
Ago/07 15.09.2007 18.02.2008 11% €8.663,10
€6.353,97 €8.663,10
€6.353,97
Set/07 15.10.2007 18.02.2008 11% €9.319,23
€5.792,78 €9.319,23
€5.792,78
Out/07 5.11.2007 18.02.2008 11% €3.829,93 €3.829,93
Total €75.057,91 €75.057,91

14) O arguido C… bem sabia que as quantias deduzidas nos salários dos trabalhadores e nas remunerações dos futebolistas não lhe pertenciam a si nem à sociedade arguida, mas sim ao Estado, e que as devia ter entregue, conjuntamente com as declarações de remunerações mensais, nos competentes Serviços da Segurança Social até ao 15º dia do mês seguinte àquele a que respeitavam.
15) Não obstante, aproveitando-se das facilidades que lhe advinham do exercício das funções de administrador que desempenhava na sociedade arguida e agindo com o propósito de as integrar no acervo patrimonial daquela sociedade, o arguido C… não entregou as aludidas quantias nos Serviços de Segurança Social até ao 15º dia do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem aquando da entrega das respectivas declarações, não tendo também regularizado a situação nos 90 dias subsequentes àquelas datas.
16) O arguido C… fez da sociedade arguida tais quantias retidas a título de contribuições devidas à Segurança Social, integrando-as no património daquela sociedade e diluindo tais montantes nos meios financeiros daquela.
17) O arguido C… tinha perfeita consciência de que tais quantias pertenciam ao Estado, bem sabendo que, ao não entregar as mesmas, lesava o erário público da Fazenda Nacional, como de facto lesou, ofendendo por via disso o regular funcionamento do sistema de Segurança Social e, consequentemente, os interesses de ordem pública que o mesmo deve satisfazer.
18) O arguido C… agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
19) Os arguidos B… e C… foram notificados, em 15.09.2011 e 17.11.2009, respectivamente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105º, nº 4, al. b), do RGIT.
20) Por seu turno, a sociedade arguida também foi notificada, em 20.09.2011, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105º, nº 4, al. b), do RGIT, na pessoa do seu presidente M….
21) Não obstante tais notificações, os arguidos não efectuaram qualquer pagamento das cotizações em dívida no respectivo prazo legal.
Provou-se ainda que:
22) Em Janeiro de 2013, o arguido C… assumiu as funções de presidente do D1…, que é o accionista maioritário da sociedade arguida.
23) Em 01.08.2013, a sociedade arguida apresentou junto do IAPMEI requerimento com vista à adesão ao procedimento SIREVE, o qual foi aceite no dia 04.08.2013.
24) No âmbito do Plano Extraordinário de Regularização de Dívidas junto da Administração Tributária e Segurança Social, a sociedade arguida efectuou, em 19.12.2013, o pagamento integral das cotizações retidas e não pagas à Segurança Social relativas ao período de Maio a Novembro de 2007.
25) Dessa forma, a sociedade arguida conseguiu beneficiar do perdão total dos juros de mora e compensatórios.
26) O arguido C… não era remunerado em virtude das funções exercidas na sociedade arguida.
27) Devido à construção do seu estádio para o E…, a sociedade arguida viu-se obrigada a contrair financiamentos junto da banca, o que originou pesados encargos prestacionais.
28) O principal de tais financiamentos, no valor de quinze milhões de euros, foi obtido pelo D1… junto de um consórcio bancário liderado pelo J…, que exigiu para a sua concretização e operacionalidade que a D…, utilizadora do estádio e com o tal parte interessada no financiamento, também prestasse garantias no referido mútuo, tendo como tal esta ficado obrigada a dar como garantia de cumprimento pelo D1… parte substancial das receitas do seu contrato de transmissões televisivas com a K….
29) Face a tal, a sociedade arguida ficou privada de grande parte das suas receitas anuais, o que originou grandes dificuldades económicas e resultou em incumprimentos de obrigações perante a Segurança Social.
30) Apesar das dificuldades económicas existentes, a sociedade arguida sempre conseguiu ir pagando os salários dos seus funcionários mais humildes, cujas famílias tinham a sua subsistência dependente de tal cumprimento, o que resultou, por insuficiência de meios financeiros, em débitos à Segurança Social, cuja existência se deveu exactamente ao facto de terem sido pagos tais salários.
31) No que diz respeito aos jogadores, e uma vez que o património de uma SAD é constituído essencialmente pelos direitos desportivos e financeiros que detêm sobre os "passes" dos jogadores, imperioso se tornava que os salários dos mesmos fossem pagos, a fim de evitar eventuais rescisões dos respectivos contractos, o que implicaria uma perda de património.
32) Tendo em conta as dificuldades vivenciadas à data, a administração da sociedade arguida tomou medidas com vista à contenção nos seus orçamentos, com redução dos custos de 52,26% de 2000 a 2005, que continuou nas épocas desportivas seguintes.
33) Os atrasos no pagamento da Segurança Social sempre foram objecto de acordos de pagamento prestacional, que foram cumpridos enquanto o arguido C… se manteve em funções na D1…, como foi o caso de um PEC assinado com a DGI e a SS, cujas prestações mensais a ambas as entidades foram sempre pagas durante o seu mandato.
34) Em face da renúncia aos respectivos cargos por parte dos então vogais do Conselho de Administração da sociedade arguida e não podendo esta permanecer com um único administrador – o Dr. C… –, por deliberação de 28 de Junho de 2006, foi cooptado o arguido B… para o Conselho de Administração.
35) Não obstante, o arguido B… manteve as funções que já desempenhava de responsável pelo departamento de futebol.
36) Depois de assumir formalmente o lugar de vogal no conselho de administração, o arguido B… continuou o ser pago como Director Executivo para a área do Futebol.
37) O arguido B…, após ter apresentado a sua demissão em 04.10.2007, rescindiu o contrato de trabalho com justa causa, por carta datada de 13.12.2007.
38) Aliás, o arguido interpôs acção contra a sociedade arguida no Tribunal de Trabalho do Porto para obter o pagamento de salários em atraso – Processo nº 426/08.1TTPRT, da 4ª Secção do Tribunal de Trabalho do Porto –, que terminou por transacção, em que a sociedade arguida reconheceu os seus créditos.
39) Os períodos de relaxe no pagamento junto da Segurança Social resultaram da inexistência de meios suficientes para a sociedade arguida cumprir todos os seus compromissos, utilizando os fundos gerados pela sociedade apenas para o pagamento de salários e fornecedores que lhe permitissem continuar a laboração da empresa e potenciar a sua recuperação.
Provou-se, por fim, que:
40) Nada consta do certificado do registo criminal do arguido B….
41) O arguido C… já foi condenado:
a) Por sentença transitada em 28.04.2008, proferida no Processo nº 547/08.0PTPRT, do 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, na pena de 50 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses e 15 dias, pela prática, em 29.03.2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Tais penas foram declaradas extintas, por cumpridas, em 17.09.2008;
b) Por sentença transitada em 11.05.2009, proferida no Processo nº 5767/05.7TDPRT, do 1º Juízo – 3ª Secção – Criminal do Porto, na pena de 75 dias de multa, pela prática, em 04.11.2005, de um crime de desobediência. Tal pena foi declarada extinta, por cumprida, em 14.07.2009.
42) O arguido C… é, desde Janeiro de 2013, Presidente do D1…, cargo que não é remunerado. O arguido exerce advocacia e faz consultadoria jurídico-financeira. Os seus rendimentos mensais situam-se entre os €1.500 e os €2.000. Vive com a mulher (administradora de uma sociedade, auferindo cerca de €1.000/mês) e com os quatro filhos do casal, de 24, 22, 20 e 15 anos de idade, todos eles ainda a cargo dos pais. O casal tem como despesa fixa mensal a prestação bancária relativa à aquisição de habitação própria, no valor de €1.200. O arguido tem um carro (Jaguar, de 1999). É licenciado em direito.
43) O arguido B… está actualmente desempregado. Está inscrito no Centro de Emprego. Não recebe subsídio de desemprego. Está a fazer o estágio de advocacia. O arguido subsiste à custa das suas economias, bem como da ajuda dos familiares. Vive sozinho, em casa própria, pagando de prestação bancária relativa à aquisição da mesma a quantia €600/mês. Não tem ninguém a seu cargo. É licenciado em direito e tem o bacharelato em comunicação social.
44) A sociedade arguida, que continua em actividade, tem cumprido o acordo celebrado no âmbito do SIREVE e tem demonstrado empenho e vontade no cumprimento das suas obrigações fiscais e perante a Segurança Social.
*
B. Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente, outros factos que estejam em contradição ou em desconformidade com os supra descritos.
NÃO SE PROVOU, nomeadamente, que:
a) O arguido B… exerceu, de facto, as funções de vogal do Conselho de Administração da sociedade arguida, responsabilizando-se pela gestão e administração daquela sociedade e tomando, juntamente com o co-arguido C…, as decisões relativas à gestão comercial e financeira da mesma, incluindo as obrigações para com a Segurança Social.
b) Apesar de os arguidos C… e B… terem renunciado às funções de membros dos órgãos sociais em 30.11.2007, o certo é que continuaram a exercer funções de administradores de facto da sociedade arguida pelo menos até 16.01.2008.
c) O arguido B… decidiu, juntamente com o co-arguido C…, não entregar à Segurança Social as quantias retidas nos salários e remunerações pagos aos trabalhadores e futebolistas nos meses de Maio a Novembro de 2007, para delas se apropriar, tendo cometido, de comum acordo e em conjugação de esforços e de intenções com aquele, os factos acima descritos em 12) a 18), que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
d) O arguido C… fez suas as quantias retidas a título de contribuições devidas à Segurança Social, integrando-as no seu património.
e) Foi o arguido C… que decidiu, em nome e no interesse da sociedade arguida, não entregar nos serviços da Segurança Social o valor das cotizações descontadas nos salários pagos aos trabalhadores no mês de Novembro de 2007, no valor de €671,76. f) O arguido C… deixou de exercer funções como presidente da sociedade arguida em 20.11.2007.
g) O arguido C… contribuiu de forma decisiva para a obtenção de receitas que permitissem o pagamento integral das quantias em causa nos autos.
h) O pagamento integral da quantia em causa nos autos foi efectuado através de verbas obtidas pela D2…, Lda., detida a 100% pelo D1…, pelo que foi através da actividade do arguido C… que foram obtidos os meios de pagamento dos débitos em causa, como também foi por decisão do mesmo, enquanto presidente do D1… que as referidas verbas foram disponibilizadas à sociedade arguida.
i) À data dos factos, a sociedade arguida era credora da Segurança Social de uma quantia superior a €72.978,29, pelo que nada devia àquela.
j) Os pagamentos efectuados ou a efectuar à Segurança Social eram decididos pelos serviços contabilísticos e financeiros da sociedade arguida e não pelo arguido C….
l) O novo presidente eleito da Direcção do D1…, N…, que tomou posse em 20.11.2007, passou a ser, a partir desse momento, o administrador da sociedade arguida, dando todas as instruções referentes a todos os assuntos que à D… dissessem respeito.
m) O arguido C…, nessa mesma data, desocupou o gabinete destinado ao Presidente do Conselho de Administração da sociedade arguida, o qual passou a ser ocupado por N….
n) O arguido C… por diversas vezes disponibilizou meios pessoais para fazer face às dificuldades da sociedade arguida.
o) Idem para avais pessoais que, em conjunto com sua mulher, prestou a entidades financeiras (O…, P…, outros) para obtenção de crédito por parte da sociedade arguida, sem o qual esta não teria provavelmente subsistido, e devido aos quais ainda hoje suporta pesados encargos.
p) Durante o seu mandato, o arguido C… dispôs do seu próprio rendimento e património ou do crédito concedido tendo por garantia o seu aval (e da sua mulher) para pagar os salários dos trabalhadores.
q) O arguido B…, após ter sido cooptado para o Conselho de Administração da sociedade arguida, continuou a exercer, apenas e tão só, as funções inerentes à orientação do departamento de futebol.
r) O arguido B… foi cooptado para o Conselho de Administração apenas para legitimar formalmente o Conselho de Administração, porquanto todas a questões relacionadas com a gestão da D…, em todos os seus domínios, económicos, financeiros, nunca passaram pelas suas "mãos".
s) Quando o arguido B… foi cooptado para exercer formalmente funções de administração, a D… era executada em dívidas fiscais no valor de vários milhões de euros, todos os bens da D… encontravam-se penhorados à ordem desses processos de execução fiscal e, ainda, de outras dívidas de natureza comercial, estando também penhorados, pela Fazenda, os saldos das contas de depósitos à ordem da D…, os passes dos próprios jogadores, bem como os créditos de que a D… era titular e as receitas, presentes e futuras, sendo que os cofres da sociedade estavam completamente esgotados e não existia no caixa ou nas contas bancárias sequer um tostão disponível.
t) Os salários dos trabalhadores declarados à Segurança Social nos meses de Maio a Novembro de 2007 não foram efectivamente pagos.
*
Atentas as conclusões do recurso, que como é pacífico delimitam o objecto do mesmo, importa apreciar e conhecer as seguintes questões:
a) Atipicidade da conduta do recorrente e o não preenchimento dos elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime pelo qual foi condenado;
b) A notificação do artigo 105º nº 4 al. b) do RGIT;
c) Isenção da pena ao arguido por pagamento da totalidade do montante constante da acusação.

Vejamos então:

A) Atipicidade da conduta do recorrente.

Alega o recorrente que não se mostram preenchidos os elementos do tipo do crime discordando do apreciação da prova feita pelo Tribunal que deu como assentes os factos sob os números 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e dos factos não provados sob os números 30 e 31.
Com o devido respeito, pretende o recorrente descaracterizar a conduta do recorrente mediante a impugnação dos factos provados e não provados assentes pelo Tribunal.
Discorda da apreciação factual e defende uma outra versão dos acontecimentos, sem contudo explicitar as razões dessa sua discordância, tal qual está obrigado por força do disposto no artigo 412º nº 3 e 4 do CPP.
Apesar de os tribunais da Relação conhecerem de facto e de direito, nos termos do disposto no artigo 428º do Código de Processo Penal, como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva, “o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância” , tendo, mais especificamente, o recurso ordinário “por finalidade a eliminação dos defeitos da decisão ilegal ainda não transitada em julgado”.
A mesma ideia tem sido destacada pela jurisprudência dos tribunais superiores que vêm afirmando que o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia, em toda a sua extensão, a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento aí realizado não existisse, mas sim um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados com precisão, com a nota das provas que demonstram esses erros.
Veja-se, o recentíssimo acórdão de Relação de Coimbra (Ac. da RC de 28/01/2015, processo 11/13.6PBCVL.C1, in www.dgsi.pt)
I - O julgamento da matéria de facto é feito pelo tribunal de 1ª instância. É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova.
II - O recurso da matéria de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1.ª instância pura e simplesmente não tivesse existido.
E, mesmo relativamente a estes, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma percepção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento.
Na verdade, a actividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários factores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes, não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está (como é o caso) limitado a gravações meramente sonoras.
O tribunal de 1ª instância tem é que respeitar, na motivação da sua convicção probatória – até em obediência ao princípio da livre apreciação da prova (cfr. artigo 127º do Código de Processo Penal) – o critério da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Porque assim é, o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, como já vimos, impõe uma correcta fundamentação da parte fáctica da sentença, de modo a permitir um efectivo controlo da sua motivação.
Ora, a convicção quanto à factualidade mostra-se devidamente fundamentada, compreensível e lógica não se afigurando qualquer vício que a invalide, nomeadamente os descritos no artigo 410º do CPP.
No caso dos autos, o recorrente pretendia discutir a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, mas não deu cumprimento ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP, sendo assim impossível apurar as suas razões, devendo ter-se a factualidade assente como fixada e sobre a mesma apreciar a questão ora levantada.
O recorrente foi condenado pelo cometimento de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 105º, nºs 1 e 4, e 107º, nºs 1 e 2, do RGIT.
Dispõe o art. 105º do RGIT, na redacção vigente à data dos factos, que:
1 – Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2 – Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
(…)
4 – Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
(…)
7 – Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
Por sua vez, dispõe o art. 107º do RGIT que:
1 – As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entregarem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos nºs 1 e 5 do art. 105º.
2 – É aplicável o disposto nos nºs 4, 6 e 7 do art. 105º.

Retiramos assim da estatuição dos normativos acima transcritos que preenche a tipicidade objectiva o agente que tendo procedido à dedução do montante das contribuições à segurança social do valor das remunerações dos trabalhadores e/ou do valor das remunerações dos membros dos órgãos sociais não tenha efectuado a entrega de tais contribuições, e que hajam decorrido 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação e que a prestação tributária, comunicada através da respectiva declaração, não seja paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
E preenche a tipicidade subjectiva o agente que tenha conhecimento da obrigação de entrega das quantias deduzidas e da ilicitude da acção, agindo com a vontade de não efectuar as entregas à segurança social.

Conforme resulta da sentença, foi ponderado o preenchimento da tipicidade legal, citando-se a mesma nessa parte:

“Relativamente ao arguido C… provou-se que o mesmo, exercendo, de facto e de direito, as funções de presidente do conselho de administração da sociedade arguida, e agindo nessa qualidade e no interesse da sociedade, deduziu as contribuições devidas pelas remunerações pagas aos trabalhadores nos meses de Maio a Outubro de 2007, no valor global de €75.057,91, ficando na situação de fiel depositário dos respectivos quantitativos, os quais eram devidos à Segurança Social, perante quem havia assumido, na qualidade de representante da sociedade, a obrigação legal de os entregar.
Provou-se também que o arguido reteve tais quantitativos, não os entregando aos serviços da Segurança Social até ao termo do respectivo prazo legal, ou seja, até ao 15º dia do mês seguinte a que respeitavam, como estava legalmente obrigado (cfr. art. 5º do Decreto-Lei nº 103/80, de 09.05, art. 10º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 199/99, de 08.06, e art. 59º, nº 1, da lei nº 4/2007, de 16.01).
Provou-se, por fim, que o arguido também não entregou as quantias retidas nos 90 dias subsequentes ao termo do prazo legal da entrega das prestações em causa, nem após a notificação que lhe foi feita para o efeito nos termos do art. 105º, nº 4, al. b), do RIGT.
Diga-se, quanto a tal notificação, que a mesma foi regulamente efectuada, porquanto o arguido foi notificado em seu nome pessoal, e não enquanto legal representante da sociedade arguida – pois já não o era –, para proceder ao pagamento da dívida pela qual também era pessoalmente responsável, a fim de, assim, evitar a punibilidade da sua conduta criminosa.
Consumando-se o crime de abuso de confiança contra a segurança social, como vimos, com a não entrega dolosa, no tempo devido, à segurança social, das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores, mostra-se irrelevante o facto de as declarações de remunerações relativas aos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2007 terem sido enviadas à Segurança Social apenas em 18.02.2008 – altura em que o arguido já não exercia as funções de administrador da sociedade arguida –, porquanto, tendo sido deduzidas nos salários pagos aos trabalhadores naqueles meses as contribuições devidas à Segurança Social, os respectivos quantitativos deviam ter sido entregues àquela até 15.09.2007, 15.10.2007 e 15.11.2007, respectivamente, alturas em que ainda cabia ao arguido, enquanto representante da sociedade arguida, diligenciar pela entrega dos mesmos, o que não fez, sabendo que a tal estava obrigado.
Assim sendo, temos de concluir que estão preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime em análise, bem como as referidas condições de punibilidade.
No que diz respeito ao elemento subjectivo do tipo, verifica-se que o mesmo também se mostra preenchido, porquanto ficou demonstrado que o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que tinha a obrigação de entregar as contribuições deduzidas dentro dos prazos legais e que tal conduta era proibida e punida por lei.
Não obstante o preenchimento múltiplo dos elementos objectivos do tipo legal de crime em apreço, face ao modo de actuação do arguido, temos como certo que existiu apenas um único desígnio ou resolução criminosa que persistiu ao longo de toda a realização do mesmo, ou seja, a intenção de beneficiar com a não entrega das contribuições deduzidas e devidas à Segurança Social.
Estamos, assim, perante uma unidade de resolução, pois os vários actos praticados pelo arguido são resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinados por nova motivação, sendo o mesmo, por isso, passível de um único juízo de censura.
Conclui-se, assim, que o arguido C… cometeu, em autoria material, um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 107º, nºs 1 e 2, e 105º, nº 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, impondo-se, por isso a sua condenação.”
Ora, só assim não seria se a factualidade assente fosse outra, como pretendia o recorrente, mostrando-se devidamente preenchidos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime imputado ao recorrente face aos factos provados, razão pela qual, e sem necessidade de maiores considerações, julga-se improcedente, nesta parte, o recurso.

B) A notificação do artigo 105º nº 4 al. b) do RGIT;
Vem o recorrente alegar e concluir que cessou funções de Presidente do CA do D… em 20 de Novembro de 2007 e formalmente em 30 de Novembro de 2007, tendo a notificação nos termos do art.º 105.º n.º 4 do RGIT sido levada a efeito em 17 de Novembro de 2009, ou seja, há muito que este havia cessado as suas funções.
Por outro lado, conclui também o recorrente que foi notificado nos termos do disposto no artigo 105º nº 4 do RGTI para pagar a quantia de 75.729,67 € quando na verdade o valor constante nas declarações de remunerações enviadas até 30 de Novembro de 2007 é de 39.098,91 €.
Como vimos no excerto da sentença acima transcrito, entendeu o Tribunal recorrido que a notificação, “foi regulamente efectuada, porquanto o arguido foi notificado em seu nome pessoal, e não enquanto legal representante da sociedade arguida – pois já não o era –, para proceder ao pagamento da dívida pela qual também era pessoalmente responsável, a fim de, assim, evitar a punibilidade da sua conduta criminosa”.
Ora, a exigência de notificação ao devedor, por parte da Segurança Social, em cumprimento do disposto no nº 4 do artigo 105º do RGIT constitui, sem dúvida, um requisito objectivo de punibilidade e deverá o mesmo ficar demonstrado nos autos pois como afirma Jescheck, “as condições objectivas de punibilidade comungam de todas as garantias do Estado de Direito, estabelecidas para os elementos do tipo”.
A atitude que o agente devedor, adopta perante essa notificação, apenas será relevante se pagar a dívida, não tendo outro alcance que não seja esse, sendo indiferente qualquer outro tipo de atitude que não finalize dessa forma.
A responsabilidade criminal do devedor de quotizações à Segurança Social não está dependente dos concretos montantes em dívida, ficando consumado o crime na data em que terminar o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários, conforme disposição expressa do art. 5.º nºs 1 e 2 do RGIT, contudo a sua punição apenas será possível uma vez que estejam preenchidos factualmente os elementos do tipo objectivo e subjectivo do ilícito e os requisitos objectivos de punibilidade, tudo no âmbito de um processo-crime, intentado perante um Tribunal Criminal e regulado através de um procedimento legal e codificado como é o caso do Código de Processo Penal, sendo observável na sua interpretação e aplicação os princípios constitucionais vigentes.
O recorrente consumou o crime na data em que lhe era exigível o pagamento e não na data em que foi notificado nos termos do artigo 105º nº 4 do RGIT, sendo uma falsa questão a que agora vem trazer em sede de recurso, pois não é possível confundir a verificação dos requisitos tipificados para a verificação do crime e os requisitos necessários para a sua punição.
Sendo notificado no ano de 2009, numa ocasião em que já não presidia ao CA do D…, e tendo-o sido pessoalmente e não enquanto presidente daquele órgão, nenhuma censura é possível de fazer a essa mesma notificação, mostrando-se a mesma apta a preencher o requisito de punibilidade que, quanto ao recorrente, importava verificar.
Quanto ao valor constante da notificação, como importância em dívida e que haveria de ser paga, foi o mesmo de 75.729,67 €, tendo sido fixado na sentença, como valor em dívida à Segurança Social, o valor de 75.057,91 € - facto assente sob o nº 13 com o seguinte teor: “Assim, o arguido C… não entregou nos Serviços da Segurança Social o valor das cotizações que descontou, relativas à taxa de 11% sobre o valor dos salários pagos aos trabalhadores e aos futebolistas, nos meses de Maio a Outubro de 2007, inclusive, no montante global de €75.057,91 (setenta e cinco mil, cinquenta e sete euros e noventa e um cêntimos),…” - o que se afigura uma diferença de montantes irrelevante enquanto razão determinante para o recorrente tomar a decisão de pagar ou de não pagar.
Recentemente, em 7 de Janeiro de 2015, veio este Tribunal da Relação, a proferir acórdão nos autos 735/09.2TAOAZ.P1 – disponível em www.dgsi.pt – e onde estava em causa tão somente a ausência da liquidação dos concretos montantes referentes aos juros vencidos, que não constavam da notificação, defendendo que:
I – A nova redação do artigo 105º, n.º 4, al. b), do RGIT, estabelece um pressuposto adicional de punibilidade segundo o qual a não punição resultará de uma atitude positiva do agente que obsta a essa consequência penal, pagando a dívida.
II – A condição de punibilidade não é a notificação para pagamento, mas sim a atitude que o contribuinte toma perante ela, liquidando (ou não) as quantias em causa [condição de não punibilidade].
III – Na notificação realizada ao abrigo do disposto no art. 105º, nº 4, alínea b), do RGIT, não têm que ser indicadas as concretas importâncias em dívida.
Ora, sem discutir o acórdão acima citado, entendemos que a questão colocada nos autos apenas assumiria relevância se estivessem em causa diferenças significativas entre os montantes indicados na notificação e os montantes efectivamente apurados em audiência, o que não é o caso como vimos, razão pela qual se entende não merecer provimento o recurso nesta parte.
Também, e com o devido respeito, não se revela qualquer inconstitucionalidade na interpretação feita pelo Tribunal recorrido, como parece pretender o recorrente, não resultando da notificação efectuada ao mesmo qualquer violação do disposto nos artigos 1º e 13º da CRP, carecendo a alegação desta matéria de maior especificação, que não foi feita na motivação da peça que se aprecia, sendo o facto de não ser já Presidente do CA do D… quando recebeu a notificação, perfeitamente ajustada à sua responsabilidade contributiva a titulo pessoal, como já foi referido.

Assim, nada nos permite concluir terem sio violados preceitos constitucionais na sentença agora em apreciação.

C) Isenção da pena ao arguido por pagamento da totalidade do montante constante da acusação.
Alega o recorrente e conclui que, no âmbito do Plano Extraordinário de regularização de Dívidas junto da Administração Tributária e Segurança Social, ter sido efectuado o pagamento da totalidade do montante constante na acusação e que para a obtenção dos meios necessários à efectivação de tal pagamento, foi decisiva a actuação do ora Recorrente.

Conforme resulta dos autos, a regularização dos pagamentos mediante acordo celebrado – aprovação do SIREVE – e os pedidos formulados referentes à suspensão e arquivamento dos autos foi já objecto de apreciação por despachos proferidos a fls. 1443 e 1518, despachos esses que transitaram em julgado.

De igual forma, a dispensa da pena, foi igualmente objecto de pedido que conheceu despacho a fls. 1864.

A sentença agora recorrida também se pronunciou quanto à dispensa da pena do recorrente, tendo sobre tal matéria sido referido:
“Cumpre dizer que, muito embora tenha sido reposta a verdade sobre a situação tributária, através do pagamento de todas as cotizações em causa nos autos até 20.12.2013, considera-se que não se verificam, quanto ao arguido C…, os pressupostos da dispensa da pena previstos no art. 22º, nº 1, do RGIT, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30.12, cuja aplicação ao caso se impõe, por se mostrar mais favorável aos arguidos (cfr. art. 2º, nº 4, do Código Penal), na medida em que aquela lei veio restringir a aplicação do instituto da dispensa da pena, impondo que o pagamento da prestação tributária e demais acréscimos legais seja efectuado até à dedução da acusação, imposição essa que não existia na anterior redacção do mesmo artigo, vigente à data da prática dos factos.
É que, para além de não ter sido o arguido C… a repor a verdade sobre a situação tributária, que é um pressuposto fundamental da aplicação do instituto em causa – pois foi a sociedade arguida, da qual aquele arguido já não é administrador desde 30.11.2007, a proceder ao pagamento da prestação tributária –, não são reduzidas, como vimos, as exigências de prevenção geral e especial, pelo que a dispensa da pena não se mostra suficiente à satisfação das finalidades da punição.”
Ora, como já vimos, não resultou provado que o recorrente “tivesse contribuído de forma decisiva para a obtenção de receitas que permitissem o pagamento integral das quantias em causa nos autos”, bem como que o “pagamento integral da quantia em causa nos autos foi efectuado através de verbas obtidas pela D2…, Lda., detida a 100% pelo D1…, pelo que foi através da actividade do arguido C… que foram obtidos os meios de pagamento dos débitos em causa, como também foi por decisão do mesmo, enquanto presidente do D1… que as referidas verbas foram disponibilizadas à sociedade arguida.”
A factualidade provada e não provada na sentença não foi agora modificada, ficando inalterada e é sobre a mesma que decide este Tribunal da Relação, razão pela qual, e atento o disposto no artigo 22º do RGIT – na redacção da Lei 15/2001 de 5 de Junho, aplicável pelo Tribunal por se afigurar mais favorável ao arguido, opção esta que não se oferece qualquer dúvida - podemos concluir que não se revelou ter sido o recorrente quem determinou a reposição da verdade sobre a situação tributária, carecendo de demonstração que foi a sua conduta que, perante a assimilação do desvalor da acção, veio a determinar o pagamento em falta.
Não se mostrando este requisito, atenta a factualidade assente, fica prejudicado o aprofundamento do instituto da dispensa de pena e a sua aplicação ao recorrente, pelo que, e também nesta parte, improcede o recurso.

3 Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso e consequentemente mantém-se nos seus precisos termos a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 uc’s

Notifique

Porto, 28 de Outubro de 2015
Raul Esteves
Élia São Pedro