Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0546876
Nº Convencional: JTRP00039208
Relator: DIAS CABRAL
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RP200605240546876
Data do Acordão: 05/24/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: LIVRO 225 - FLS 19
Área Temática: .
Sumário: O apoio judiciário requerido antes do trânsito em julgado da decisão final abrange as custas anteriores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto.

O arguido B………. interpôs recurso do despacho que lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário, no que se refere às custas já contadas até àquele momento, com a motivação que se transcreve:
«1- Salvo o devido respeito por opinião contrária, ao ter consignado que o beneficio do apoio judiciário formulado pelo ora recorrente não abrangerá as custa contadas até esse momento, o despacho recorrido não procedeu a uma correcta interpretação do direito aplicável à situação sub judicio;
2- Mais, a decisão ora recorrida carece, até, de fundamento legal;
3- Na verdade, a Lei n°34/2004, de 29/7 não contém nenhuma norma ou disposição que permita ao tribunal restringir os efeitos do apoio judiciário a qualquer das fases do processo ou que impeça as partes de formularem o seu pedido em qualquer estado da causa.
4- Por outro lado, a jurisprudência invocada pelo meritíssimo juiz a quo foi tirada ao abrigo do anterior regime legal contido na Lei n°30-E/2000, de 20/12.
5- Sendo que, ao caso sub judice é aplicável o regime legal contido na lei n°34/2004, de 29/7.
6- Por último, o douto despacho recorrido partiu do errado pressuposto de que, à data da apresentação do pedido de apoio judiciário, a «decisão definitiva» já havia transitado em julgado.
7- Ora, basta compulsar os autos, para facilmente se concluir que, em 13/4/2005, os doutos despachos de fls. 468 e 484 (e por via destes os próprios despachos de fls. 463 e 379) ainda não tinham transitado em julgado.
8- E, consequentemente, nessa data ainda havia a possibilidade teórica do próprio acórdão poder vir a ser anulado.
9- De qualquer forma, não obstante o despacho recorrido não invocar uma única norma legal para o sustentar, o entendimento do meritíssimo juiz a quo é manifestamente inconstitucional;
10- Na verdade, a ser correcta a interpretação que no despacho recorrido é feita da regulamentação do apoio judiciário dela decorrente, então a lei n°34/2004, de 29/7 é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do acesso ao direito consagrado no art° 20°, n°1 da Constituição da República Portuguesa.
11- Inconstitucionalidade essa que aqui se deixa invocada para todos os efeitos legais.
12- Pelo que, ao ter decidido como decidiu, a decisão recorrida viola as normas dos art°s 1º, 6°, 18° da Lei n°34/2004, de 29/7 e 20°, n°1 da CRP.

Termos em que, dando-se integral provimento ao presente recurso, deverá o despacho ora impugnado ser revogado».
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Respondeu o Mº. Pº. defendendo o convite para o recorrente aperfeiçoar a motivação de recurso e a manutenção da decisão recorrida.

Após despacho tabelar de sustentação subiram os autos a esta Relação, onde o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da rejeição do recurso pelo facto da motivação não conter conclusões.

Cumprido o artº 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP), respondeu o recorrente, pronunciando-se pela desnecessidade das conclusões ou o convite para aperfeiçoamento da motivação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O despacho recorrido é o seguinte:
«O arguido B………. apresentou pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, conforme documento junto a fls. 512 e ss., datado de 13/04/2005.
Cumpre apreciar.
A jurisprudência tem vindo a entender que ainda que o pedido de apoio judiciário seja formulado na pendência do processo, isto é, antes do trânsito em julgado da decisão, apenas deve compreender as custas posteriores ao pedido.
Como se pode ver no Acórdão do TRP de 18/02/04 (recurso 410436), citado no Acórdão desse mesmo Alto Tribunal de 19/05/2004 (publicado em www.dgsi.pt)
"(…) o apoio judiciário não deve abranger as custas em que o requerente já esteja condenado no momento em que apresenta o pedido. Na verdade, destinando-se o acesso ao direito, de que o apoio judiciário é uma das vertentes, a "promover que a ninguém seja dificultado ou impedido (…), por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os sus direitos" (...), "o apoio judiciário não pode abranger as custas anteriores ao momento em que foi pedido, pois só daí para a frente há direitos a conhecer, a fazer valer ou a defender. Os que até esse momento havia a conhecer, a fazer valer ou a defender já foram conhecidos, feitos valer ou defendidos, mal ou bem, sem apoio judiciário. Em relação a eles, a posterior concessão do apoio judiciário nada alteraria. Se foram mal defendidos, por falta de apoio judiciário, a posterior concessão deste não corrigiria esse mal (…)”.
No presente caso, tendo já transitado a decisão definitiva, o requerimento de apoio judiciário apresentado não tendo sido, obviamente, para efeito de interposição de recurso, apenas o foi para efeitos de dispensa de custas.
Ora, como já dissemos supra, tal pedido de apoio, a ser concedido, apenas terá relevância para as custas que lhe forem imputadas em momento posterior à sua concessão.
Nesta medida consigna-se desde já que tal benefício não abrangerá as custas contadas até esse momento.

Notifique e dê conhecimento do presente despacho ao Instituto da Segurança Social.».
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Quanto à questão prévia levantada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto entendemos que o recurso não deve ser rejeitado por falta de motivação/conclusões.
Embora a jurisprudência não seja uniforme entendemos que “Faltando as conclusões do recurso, deve aplicar-se subsidiariamente o disposto no nº 4 do art. 690º do CPC, ex vi do art. 4º do CPP, devendo o recorrente ser notificado para apresentar as conclusões, sob pena de rejeição do recurso” (Ac. STJ de 26/9/01, proc. nº 2263/01-3ª, citado em anotação ao artº 412º no CPP de Maia Gonçalves, ed. 15ª).
Conforme o decidido no Ac. do TC, de 24/9/03, in DR, II S, de 20/11/03, “É inconstitucional, por violação do art. 32º, nº 1, da Constituição, a norma constante dos arts. 412º, nº 1; 414º, nº 2 e 420º, nº 1 do CPP, interpretada no sentido de que a falta de conclusões da motivação do recurso conduz à rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência”.
No caso presente, conforme se verifica da motivação transcrita, a mesma é de tal modo clara e sucinta que nos permite, com toda a facilidade, conhecer as razões do pedido, sendo uma pura perda de tempo o convite para apresentação de conclusões, pelo que o relator se absteve de praticar um acto que considerou inútil.

A questão a decidir é a de saber se o apoio judiciário requerido antes do trânsito da decisão final abrange as custas anteriores.

Na vigência do DL 387-B/87, de 29.12 e da Lei nº 30-E/00, de 20/12, em recursos sobre igual questão, relatados pelo ora relator, sempre se decidiu no sentido de que o apoio judiciário só produzia efeito a partir do momento em que tinha sido requerido, ou seja, só operava para o futuro (cfr. acs. proferidos no recursos nºs 132/01, 1535/01 e 3001/02, desta Secção), parecendo-nos que as razões que nos levaram a essa solução se alteraram em face do novo regime para o apoio judiciário estabelecido na Lei nº 34/04, de 29/7.
O apoio judiciário traduz uma das formas de concretizar a garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais expresso no artº 20º da C.R.P..
Nos termos do nº 1, do artº 1º, da Lei nº 34/04, o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
E, nos termos dos seus artºs 7º, nº 1 e 8º, nº 1, têm direito a protecção jurídica os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os …. que demonstrem não terem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo.
O pedido de apoio judiciário na vigência do DL 387-B/87 e Lei 30-E/00 podia ser requerido em qualquer estado da causa (nº 2 do artº 17º).
Com a actual Lei 34/04 foi alterado o momento em que o pedido pode ser efectuado. Nos termos do seu artº 18º, nº 2, o apoio judiciário “deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente ou se, em virtude do processo, ocorrer um encargo excepcional”. Mesmo nos casos supervenientes o apoio judiciário “deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da respectiva situação” (artº 18º, nº 3).
No presente regime o apoio judiciário é sempre pedido e decidido pelos serviços de segurança social (artº 20º). Assim sendo, teria que ser encontrada solução diferente para o arguido em processo penal, sob pena de certas situações (por ex. arguido detido presente de imediato a interrogatório ou julgamento sumário) serem impeditivas de ser prestado apoio judiciário a quem dele pudesse necessitar.
Na vigência do regime anterior os pedidos de apoio judiciário efectuados pelos arguidos eram “apresentados, instruídos, apreciados e decididos perante a autoridade judiciária” (artº 57º, nº 3 da Lei nº 30-E/00), o que permitia ao arguido poder beneficiar do apoio judiciário em qualquer situação.
Para suprir tal dificuldade o legislador estabeleceu um regime excepcional (artº 44º, nº 1 da Lei nº 34/04) para o arguido em processo penal, no que se refere ao momento do pedido do apoio judiciário. Deve “ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final”.
Diferentemente do que sucedia no regime anterior a lei actual estabelece o momento até quando normalmente deve ser requerido o apoio judiciário. Na generalidade dos processos até à primeira intervenção processual; no processo penal, para o arguido, até ao trânsito em julgado da decisão final.
Conforme se escreveu no Ac. da Relação de Guimarães, de 31/10/05, proferido no processo 1783/05, «não deve o aplicador da lei distinguir onde o legislador nenhuma razão viu para diferenciar. Fixando a lei um prazo final para a formulação do pedido do apoio judiciário, se o mesmo for respeitado, o deferimento abrangerá todo o processo».
Talvez a solução legal devesse apenas abranger os arguidos detidos e não os não detidos, mas não cabe ao julgador censurar a solução legislativa.
Não vemos qualquer razão para distinguir o pedido do arguido, efectuado antes do trânsito da decisão final, do pedido de outro sujeito processual que, no decurso do processo, devido a um encargo excepcional ou insuficiência económica superveniente (artº 18º, nº 2), requereu o apoio judiciário. No caso de deferimento, em ambos os casos, deverão beneficiar desse apoio em relação a todo o processo e não só para futuro.
No caso dos autos o apoio judiciário foi requerido ainda antes do trânsito da decisão final e foi concedido na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, pelo que não há lugar ao pagamento da taxa de justiça e demais custas de todo o processo.

DECISÃO

Em conformidade, decidem os juízes desta Relação em, dando provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida que se substitui por outra a considera que o apoio judiciário é válido para todo o processo.

Sem tributação.

Porto, 24 de Maio de 2006.
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro