Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7327/06.6TBMTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE
Nº do Documento: RP201611227327/06.6TBMTS-B.P1
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 741, FLS.73-80)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 6º, Nº7 DO RCP
Sumário: I - A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto no art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais deverá ser deferida quando a especificidade da situação o justifique e o juiz, de forma fundamentada, a conceda, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
II - Este preceito legal deve, porém, ser interpretado de forma a que seja possível ao juiz dispensar o pagamento quer da totalidade, quer de uma fração do remanescente da taxa de justiça devida nas causas cujo valor exceda os 275.000,00€, sendo-lhe assim lícito modular o respetivo valor pecuniário, ponderando as particularidades do caso concreto e com atenção aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 7327/06.6 TBMTS-B.P1
Comarca do Porto – Matosinhos – Instância Local – Secção Cível – J4
Apelação (em separado)
Recorrentes: “Infraestruturas de Portugal, SA”; B… e mulher
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
No âmbito dos presentes autos de expropriação por utilidade pública a expropriante “Infraestruturas de Portugal, SA” veio expor e requerer o seguinte:
“1. Dispõe o nº 7, do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais que «Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”
2. A conduta processual das partes no presente processo não merece quaisquer reparos (todas as peças processuais e requerimentos apresentados, foram-no no âmbito dos meios que as partes tinham legalmente ao seu dispor).
3. Ora, não obstante o valor da causa ser superior, o certo é que a mesma não se revela de maior complexidade, não envolveu meios nem custos que tivessem excedido de forma significativa o normal de um outro qualquer processo expropriativo cujo valor não ultrapasse os €275.000,00.
4. Razão pela qual, entende a entidade expropriante que o Tribunal poderá dispensar as partes, nesta lide, do pagamento da taxa de justiça que excede o valor de €275.000,00.
5. Ao elaborar-se a conta de custas de acordo com o valor da causa, afigura-se claramente excessivo para o volume do processado, para a parca complexidade da matéria abordada e atenta a conduta processual das partes.
6. Não traduzindo a necessária relação de correspetividade entre as taxas de justiça devida e os serviços prestados.
7. Razão pela qual se justifica que a conta final dos presentes autos não considere o remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor tributário superior a €275.000,00, o que se requer e espera.
8. A não ser assim, violar-se-ia de forma flagrante o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, bem como o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, nº 2, segunda parte, da Constituição da República Portuguesa, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.”
Os expropriados B… e mulher C… vieram aderir ao requerimento da expropriante nos seguintes termos:
“1. Conforme é mencionado no requerimento, a conduta das partes não merece quaisquer reparos, sempre, nas suas intervenções, no processo, utilizaram os meios que legalmente tinham ao seu dispor.
2. Muito embora o valor da causa seja superior aos €275.000,00, a complexidade do processo, a produção de prova, praticamente baseada no laudo de peritagem, seria idêntica para um qualquer outro processo de expropriação cujo valor fosse inferior a €275.000,00.
3. Pelo que, os expropriados, aderindo ao requerimento da expropriante, requerem a v. Exª que, nos termos do nº 7, do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, na conta final dos presentes autos, não seja considerado, às partes, o remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor tributário superior a €275.000,00.
4. Por fim, conforme consta do requerimento da expropriante, a não ser assim, será violado o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da CRP, e do princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, nº 2, segunda parte, da Constituição da República Portuguesa, o que se invoca para os devidos efeitos legais.”
O Min. Público, sobre esta questão, emitiu o seguinte parecer:
“Fls. 915v a 918:
Nos termos do preceituado no art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, considerando a tramitação dos autos, nada temos a opor a que seja deferido o requerido.”
Foi depois proferido o seguinte despacho:
“Nas fls. 915 a 917 vieram ambas as partes requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça relativa ao remanescente do valor de 275.000 euros, ao abrigo do disposto no art. 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.
Para o efeito alegaram, em suma, a pouca complexidade dos autos, a sua conduta colaborante e não dilatória.
Veio a digna Magistrada do Ministério Público pronunciar-se no sentido do deferimento, atendendo à tramitação dos autos.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo nº 1319/12.3 TVLSB-B.L1.S1, datado de 12-12-2013, e consultado in www.dgsi.pt: “A norma constante do nº 7 doa art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo fato de o valor da causa exceder o patamar de €275.000 consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Ora, compulsados os autos, não se nos afigura que o mesmo se contenha numa simplificação que justifique o requerido.
Ou seja, verifica-se que o mesmo contém quatro volumes, está a caminho das 1000 páginas e as partes utilizaram todos os incidentes previstos na lei.
Foram apresentados quesitos, foram apresentados recursos da decisão arbitral proferida nos autos, foi apresentada resposta aos recursos apresentados pela expropriante, foram apresentados pedidos de esclarecimento do relatório pericial, foram apresentadas alegações, houve audiência de julgamento, foram interpostos recursos da sentença, foi anulada a sentença da 1ª instância e repetida a perícia, foi proferida nova sentença, foi apresentado novo recurso. Foram apresentados requerimentos autónomos.
Por sentença proferida nos autos, após remessa dos autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto, a indemnização devida pela parcela expropriada foi fixada em 1.796.978,00 euros.
Ora, atendendo à conduta processual das partes, se é certo que a dinâmica dos autos não revela nenhum expediente dilatório, não pode deixar de apontar-se a cabal utilização de todos os mecanismos e direitos processuais ao dispor das partes, induzindo nos autos o competente impulso processual (facto originador da taxa de justiça devida).
Por outro lado, em proporção com o valor que caberá aos expropriados no montante indemnizatório, não se nos afigura excessivo, desadequado, ou desproporcional o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo impulso processual, cujo valor base é de 29.008,80 euros, atento o valor tributário do processo (à qual acrescerão as taxas devidas pelos incidentes).
Termos em que se indefere ao requerido por ambas as partes.
Notifique.”
Tanto a entidade expropriante como os expropriados, inconformados com o decidido, interpuseram recurso deste despacho.
A entidade expropriante finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Por sentença proferida em 22 de Junho de 2015, foi fixado em €2.759.511,00 o valor da presente acção.
II. Com base no disposto no nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, as partes apresentaram em juízo requerimento no qual foi pedido a dispensa do pagamento da taxa de justiça relativa ao remanescente do valor que exceda os €275.000,00.
III. O Digno Magistrado do Ministério Público, e quanto ao pedido efectuado pelas partes, pronunciou-se no sentido de este ser deferido.
IV. Em 11.07.2016, foi proferido pelo tribunal a quo, despacho de indeferimento, o qual, nomeadamente, considerou que a presente causa não revela uma “simplificação que justifique o requerido.”
V. Se é certo que o processo é volumoso – critério que [não] pode ser determinante na avaliação da complexidade da causa – não se pode dizer que estavam em causa questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importassem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, porquanto a questão em análise versava unicamente sobre expropriações.
VI. Apesar de os presentes autos terem implicado a prática de múltiplos actos processuais, tais actos, deram origem ao pagamento automático dos correspondentes custos por parte dos sujeitos processuais, designadamente com o pagamento das taxas de justiça devidas pela interposição de recurso e com o pagamento dos custos inerentes aos meios de prova cuja produção foi requerida.
VII. O remanescente da taxa de justiça a ser liquidado pelas partes, e que se traduz num valor aproximado de €42.840,00/parte (já considerando o remanescente a pagar pelos incidentes), é um valor que ultrapassa em muito aquilo que é razoável e aceitável visto que esta concreta acção não acarretou para o Tribunal um trabalho mais intenso e prolongado, do que seria se a acção tivesse valor substancialmente inferior.
VIII. Na verdade, o facto de o valor da causa ser superior a €275.000,00, não é motivo para que os presentes autos se tenham revelado de maior complexidade face a um outro qualquer processo expropriativo cujo valor não ultrapasse os €275.000,00 – a tramitação processual de um processo expropriativo é sempre idêntica (independentemente do valor) e pressupõe uma avaliação judicial obrigatória cujo custo é suportado pelas partes.
IX. De acordo com o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 2º e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º, ambos do CRP, deverá existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada a quem recorre aos tribunais.
X. Andou mal o Tribunal a quo na interpretação que fez do princípio da proporcionalidade.
XI. Na verdade o princípio da proporcionalidade não pode ser aferido e aplicado unicamente em função da correlação entre o montante das custas e a utilidade económica do pedido (in casu o valor do montante indemnizatório que caberá aos expropriados), mas sim tendo em linha de conta a actividade judicial efectivamente desenvolvida pelo tribunal.
XII. Importa salientar que – em acórdão relativamente recente – o Tribunal Constitucional (AC. 421/2013) julgou inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, nº 2, da segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6º e 11º, conjugados com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
XIII. No caso dos autos, e porque aplicável o Regulamento das Custas Processuais na versão que lhe foi conferida pela Lei 7/2012, está naturalmente afastada a existência da inconstitucionalidade normativa verificada no referido Acórdão 421/13, contudo, não [pode] deixar de se ter em consideração, na concretização casuística dos critérios previstos no nº 7 do art. 6º do RCP, a jurisprudência constitucional das noções de proporcionalidade, justeza e adequação dos valores da taxa de justiça devida pela parte em cada acção ou procedimento.
XIV. Acresce ainda dizer que o valor da acção fixado em €2.759.511,00 teve como base de cálculo a diferença entre o valor fixado no Acórdão de Arbitragem (€571.194,00) e o recurso da decisão arbitral apresentado, pelos expropriados, e ao qual atribuíram o valor de €3.330.705,00, atribuição esta, à recorrente completamente alheia.
XV. Quanto ao comportamento das partes, nada há a censurar como, aliás, se admite na decisão recorrida.
XVI. A actuação processual das partes limitou-se (sem qualquer violação dos deveres de boa fé, cooperação, razoabilidade ou prudência) a lançar mão dos normais meios impugnatórios que tiveram por adequados à defesa dos seus interesses, sem qualquer excesso ou requerimento abusivo ou injustificável.
XVII. Por tudo o que supra ficou exposto, deverá ser revogado o despacho ora recorrido, nos exactos termos exarados na presente peça processual, e em consequência, deve a decisão quanto a custas ser substituída por outra que dispense a recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6º, nº 7 do RCP, por ser a única interpretação deste preceito conforme aos artigos 2º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
XVIII. Com a decisão recorrida, o Tribunal a quo violou, entre outras, as normas previstas no artigo 6º, nº 7 do RCP e nos artigos 2º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
Por seu turno, os expropriados finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Por sentença proferida em 22 de Junho de 2015, foi fixado em €2.759.511,00 o valor da presente acção.
2. As partes, invocando o disposto no nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, apresentaram em juízo um requerimento no qual foi pedido a dispensa do pagamento da taxa de justiça relativa ao remanescente do valor que exceda os €275.000,00.
3. O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser deferido o pedido de dispensa.
4. O Tribunal a quo em 11.07.2016 proferiu despacho de indeferimento, invocando a complexidade do processo e o valor que os expropriados recebiam.
5. Os recorrentes expropriados entendem que, pelo facto de se tratar de um processo de expropriação, e as partes processualmente terem tido uma conduta correta, deverá ser interpretado o nº 7 do artigo 6º do RCP, no sentido de serem dispensados do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
6. Isto porque, os expropriados, ao terem sido forçados à transmissão do prédio expropriado, e ao terem que suportar encargos com a justiça, quando os não expropriados podem, livremente, transmitir os seus prédios, vendendo, sem terem que suportar encargos com a justiça, determina uma desigualdade de tratamento.
Ou seja,
7. Ao estar em causa um processo de expropriação, para que possa, minimamente, haver igualdade relativamente aos não expropriados, proprietários de prédios idênticos, não deve haver lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça.
8. Não podendo, num processo de expropriação, estar em causa a complexidade ou valor do processo, o que deve estar em causa é a conduta processual das partes e o valor fixado a final da indemnização que corresponderá ao valor real e corrente do prédio expropriado.
9. No presente processo, tendo a conduta processual das partes sido correta, e sido fixada a justa indemnização, haverá lugar à aplicação do nº 7 do artigo 6º do RCP, e, os recorrentes expropriados, dispensados do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
10. No entanto, no caso concreto, conforme o exposto, se através da interpretação do nº 7 do artigo 6º do RCP, não houver lugar à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, estará em causa a violação do princípio da igualdade na vertente externa e da proporcionalidade artigos 13º e 18º da CRP, e esta norma será inconstitucional, inconstitucionalidade que se invoca.
11. Efetivamente, conforme se disse, os recorrentes expropriados, ao terem sido obrigados a ser parte no processo judicial, não podem suportar encargos que, terceiros não expropriados, não suportam, quando podem, livremente, vender os seus prédios.
12. Contudo, mesmo que o nº 7 do artigo 6º do RCP, pelas razões invocadas, não seja inconstitucional, atenta a conduta das partes e a complexidade do processo haverá lugar à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
13. Quanto à complexidade do processo, não é o valor que torna um processo mais complexo, ou menos complexo, e no presente processo de expropriação a complexidade, no essencial, foi a fixação da justa indemnização através do laudo maioritário dos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal.
14. Quanto à conduta processual das partes, o Tribunal a quo, considerou que não revela nenhum expediente dilatório, ou seja agiram de boa-fé.
15. Quanto à utilidade ou valor económico, o que está em causa é a utilidade pública, e a adjudicação, para a expropriante, do prédio através do Tribunal, e a fixação de uma justa indemnização aos recorrentes expropriados.
Ou seja,
16. Não foi a fixação de uma justa indemnização, que desencadeou o processo em Tribunal, mas sim a adjudicação do prédio à expropriante.
17. Quanto ao comportamento das partes, conforme se disse, processualmente agiram de boa-fé, não procurando expedientes dilatórios.
18. Quanto à complexidade, conforme se disse, seguiu a normal tramitação de um processo de expropriação, com o recurso de arbitragem, peritagem, esclarecimentos, decisão e recurso para o Tribunal da Relação.
19. Conforme foi mencionado pela expropriante, o remanescente da taxa de justiça a ser liquidado pelas partes, e que se traduz num valor aproximado de €42.840/parte (já considerando o remanescente a pagar pelos incidentes), é um valor que ultrapassa em muito aquilo que é razoável e aceitável visto que esta concreta acção não acarretou para o Tribunal um trabalho mais intenso e prolongado, do que seria se a acção tivesse valor substancialmente inferior.
20. Em conformidade com tudo o que foi exposto, deverá ser revogado o despacho ora recorrido, nos exatos termos exarados na presente peça processual, e em consequência, deve a decisão quanto a custas ser substituída por outra que dispense os recorrentes expropriados do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6º, nº 7 do RCP, por ser a única interpretação deste preceito conforme aos artigos 2º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
21. Com a decisão recorrida, o Tribunal a quo violou, entre outras, as normas previstas no artigo 6º, nº 7 do RCP e nos artigos 2º, 20º, 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se no presente caso deve ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
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Passemos à apreciação jurídica.
O art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, aditado pela Lei nº 7/2012, de 13.2., estabelece que «nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Tal significa que, não existindo qualquer limite máximo para a taxa de justiça a cobrar, se prevê que nas causas cujo valor tributário exceda os 275.000,00€ a taxa de justiça seja dividida em dois segmentos: até esse valor é paga antecipadamente; o remanescente é pago a final, sendo, porém, possível que o juiz dispense esse pagamento, em determinadas circunstâncias.[1]
Sobre este preceito legal, introduzido pela Lei nº 7/2012, de 13.2., escreve-se o seguinte no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.9.2013 (proc. nº 738/08.4 TVLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.):
“Na versão inicial do RCP, aprovado pelo Dec. Lei nº 34/08, de 26-2, não se previa a possibilidade de ser dispensado o pagamento de qualquer parcela da taxa de justiça.
Tal opção foi modificada pelo Dec. Lei nº 52/11, de 13-4, em cujo Preâmbulo se aludia a “um aumento progressivo da taxa de justiça a partir do último escalão da tabela” que então foi fixado no valor de €275.000,00, a partir do qual o valor da taxa de justiça acrescia por cada fracção de €25.000,00 em 3, 1,5 e 4,5 UC’s, consoante a taxa integrada nas colunas A, B e C, respectivamente.
Tal regime, em determinados casos concretos, não conseguiu ultrapassar o filtro da constitucionalidade, como se resume no […] Ac. do Tribunal Constitucional, de 15-7-13 (Ac. nº 421/2013), onde se julgaram inconstitucionais as normas dos arts. 6º e 11º, aquele na versão emergente do Dec. Lei nº 52/11, de 13-4, conjugadas com a Tabela I-A “quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção, sem qualquer limite máximo, não permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título”.
É neste quadro que se integra a modificação entretanto operada pela Lei nº 7/12, com introdução do nº 7 do art. 6º. Continuando a não existir qualquer limite máximo para a taxa de justiça a cobrar, prevê-se, no entanto, que para as acções ou recursos cujo valor tributário exceda €275.000,00 a taxa de justiça seja dividida em dois segmentos: até esse valor, a taxa de justiça é paga antecipadamente; o remanescente é pago a final, admitindo-se, contudo, que o juiz o dispense nas circunstâncias […] enunciadas [naquele preceito].
Foi assim recuperado o regime que já constara do art. 27º do anterior CCJ, onde se previa que “nas causas de valor superior a €250.000,00 não é considerado o excesso para efeito do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente” (nº 1), “sendo o remanescente considerado na conta a final” (nº 2), mas “se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente” (nº 3)”.
Por outro lado, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2013 (proc. 1319/12.3 TVLSB-B.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.), sobre a aplicação do critério de correção consagrado no art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais coloca-se uma importante dúvida:
“Deverá o juiz, quando entenda materialmente justificado o exercício do poder de conformação casuística do valor das custas, limitar-se, em termos de estrita alternatividade, a dispensar na totalidade o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte excedente ao valor tributário de €275.000? ou, pelo contrário, poderá modular em concreto, consoante as especificidades do caso, a percentagem de tal dispensa, reportando-a a uma fracção ou parcela do valor global remanescente que seria devido se não fosse actuada a dita faculdade?”
Respondendo-se neste mesmo aresto a tal questão, entendeu-se “que os objectivos de plena realização prática dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação, que estão subjacentes à norma flexibilizadora consagrada no citado nº 7 do art. 6º do RCP, só são plenamente alcançados se ao juiz for possível moldar ou modular o valor pecuniário correspondente ao remanescente da taxa de justiça devida nas causas de valor especialmente elevado, ponderando integralmente as especificidades do caso concreto e evitando uma lógica binária de tudo ou nada, segundo a qual ou apenas seria devido o montante da taxa de justiça já paga ou teria de ser liquidada a totalidade das custas correspondentes ao valor da causa – devendo antes poder dispensar o pagamento, conforme seja mais adequado, da totalidade ou apenas de uma parcela ou fracção daquele valor remanescente.”
E acrescentou-se a seguir:
“… a entender-se que ao juiz apenas estaria facultada a opção, ou por uma dispensa total, ou pelo integral pagamento do remanescente, criar-se-ia uma intolerável desproporção de resultados, consoante a decisão tomada…”[2]
*
Retornando ao caso dos autos, a fim de apurar se deve ou não haver lugar à dispensa do remanescente da taxa de justiça e, em caso afirmativo, se essa dispensa abrangerá a totalidade do remanescente ou apenas uma fração ou parcela dele, há que ter em atenção três aspetos: i) a utilidade ou valor económico dos interesses envolvidos; ii) o comportamento processual das partes e iii) a complexidade da tramitação processual.
Vejamos então cada um destes itens.
i) O valor económico dos interesses envolvidos é muito expressivo, como decorre do valor da causa – 2.579.511,00€ - e do montante da indemnização que foi atribuída aos expropriados – 1.796.978,80€.
ii) No tocante ao comportamento processual das partes nada há a censurar, de tal forma que na própria decisão recorrida se afirma que a dinâmica dos autos não revela nenhum expediente dilatório, embora logo de seguida assinale a cabal utilização de todos os mecanismos e direitos processuais ao dispor das partes.
Ora, se as partes lançam mão dos mecanismos e direitos processuais que têm à sua disposição e que entendem ajustados à defesa dos seus interesses, sem que haja qualquer violação dos deveres de boa-fé, cooperação, razoabilidade e prudência, sem que se evidencie qualquer excesso ou requerimento abusivo ou injustificável, como sucede no caso dos autos, terá que se considerar a sua atuação processual como plenamente adequada à concreta natureza dos presentes autos de expropriação, onde se discute a atribuição de uma indemnização de montante muito elevado.
iii) Quanto à complexidade do processo, a Mmª Juíza “a quo” assinalou que este contém quatro volumes e está próximo das 1000 páginas, para depois salientar que foram apresentados recursos da decisão arbitral pelos expropriados, houve resposta por parte da expropriante, foram apresentados pedidos de esclarecimento ao relatório pericial, houve audiência de julgamento com tribunal coletivo. A sentença proferida pela 1ª instância foi objeto da interposição de recursos e viria a ser anulada por acórdão do tribunal da relação, com repetição de perícia e subsequentemente com nova sentença, novo recurso e, por fim, novo acórdão do tribunal da relação, agora confirmativo do anteriormente decidido. E entendeu, da análise que fez do processo, que este não se caracteriza por uma simplificação que justifique o deferimento do requerido
Acontece que o art. 530º, nº 7 do Novo Cód. do Proc. Civil nos diz que se consideram de especial complexidade, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, as ações que: a) contenham articulados ou alegações prolixas; b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Com referência a este preceito legal, o presente processo não pode, de modo algum, ser havido como especialmente complexo. Ao cabo e ao resto, trata-se de um processo de expropriação por utilidade pública, que não envolveu nem articulados, nem alegações prolixos, tal como as questões analisadas, relacionadas com a classificação do solo e o cálculo da justa indemnização, não se mostram de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, nem implicam a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso. A produção de prova conteve-se dentro do que se pode entender como normal neste tipo de processos, assumindo particular importância a realização de perícias.
Mas, se decididamente não nos encontramos perante um processo especialmente complexo, também o mesmo não se reveste de absoluta simplicidade. Não deixa de ser um processo de expropriação por utilidade pública onde as partes, como atrás já se assinalou, lançaram mão de todos os meios processuais que tinham ao alcance para melhor defenderem os seus direitos e sustentarem as suas posições, até porque estavam em apreciação valores indemnizatórios muito elevados; estes sim bem superiores aos que normalmente são atribuídos neste tipo de processo.
*
Deste modo, a conduta processual das partes – correta e isenta de censura – e a complexidade do processo – longe da excecionalidade – justificam que no presente caso se recorra à solução prevista no art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais e que, diversamente da decisão recorrida, se dispensem as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder 275.000,00€.
Contudo, não podemos ignorar que nesta causa, definitivamente solucionada, estamos perante importâncias muito elevadas – o seu valor foi fixado em 2.579.511,00€ e o montante da indemnização atribuída aos expropriados elevou-se a 1.796.978,80€ - e, neste quadro, entendemos que a total dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não se nos afigura que possa ser uma decisão adequada.
E tal como já atrás se referiu o juiz, na aplicação deste preceito, não pode ser colocado perante duas alternativas extremas – a dispensa total ou o integral pagamento do remanescente – o que seria suscetível de conduzir a casos de grave desproporção de resultados, consoante a decisão tomada.
Por isso, perfilha-se a posição de que ao juiz é lícito, ao abrigo do art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, dispensar não apenas o pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, mas também de uma fração ou remanescente dessa taxa de justiça.
Assim, consideramos adequado dispensar as entidades recorrentes do pagamento de 80% do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de 275.000,00€, apenas sendo devido, pelos recorrentes, o valor correspondente a 20% desse remanescente.
Solução que, de resto, se nos afigura inteiramente consentânea com os princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito, consagrados nos arts. 2º, 18º, nº 2 e 20º da Constituição da República, que com ela não se mostram violados.
Há, pois, que revogar o despacho recorrido.[3]
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto no art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais deverá ser deferida quando a especificidade da situação o justifique e o juiz, de forma fundamentada, a conceda, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
- Este preceito legal deve, porém, ser interpretado de forma a que seja possível ao juiz dispensar o pagamento quer da totalidade, quer de uma fração do remanescente da taxa de justiça devida nas causas cujo valor exceda os 275.000,00€, sendo-lhe assim lícito modular o respetivo valor pecuniário, ponderando as particularidades do caso concreto e com atenção aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedentes os recursos de apelação interpostos pela entidade expropriante “Infraestruturas de Portugal, SA” e pelos expropriados B… e C… e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que se substitui por outra que dispensa os recorrentes do pagamento de 80% do remanescente da taxa de justiça na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de 275.000,00€.
Sem custas.

Porto, 22.11.2016
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] É de anotar que o juiz também pode agravar o montante da taxa de justiça nos processos que revelem especial complexidade – art. 26º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais.
[2] Cfr. também o Acórdão da Relação do Porto de 8.3.2016 desta mesma secção, proc. nº 2164/14.7 TBSTS.P1 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 21.4.2015, proc. 2339/05.0 TCSNT.L1.7, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Sobre a questão apreciada nestes autos, cfr. ainda o Acórdão da Relação do Porto de 11.1.2016, proc. 464/09.7TBMDL-C.P1, disponível in www.dgsi.pt.