Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
349/10.4TBLSD-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
CONTA COMUM
SALDO BANCÁRIO
LEVANTAMENTOS OPERADOS
CÔNJUGES
DATA PRÓXIMA
SEPARAÇÃO
Nº do Documento: RP20180206349/10.4TBLSD-C.P1
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º810, FLS.20-27)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do artigo 1789º do Código Civil, os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da propositura da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.
II - Caso se apure que um dado saldo bancário de uma conta comum ao casal foi substancialmente reduzido por força de levantamentos operados por um deles em data próxima da separação devem relacionar-se como bens comuns as quantias em dinheiro correspondentes a tais levantamentos, independentemente do saldo bancário, necessariamente menor, que subsista.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 349/10.4TBLSD-C.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
Recorrente(s): B…;
C….
Recorrido(s): C…;
B…
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo de Família e Menores de Paredes.
******
Nos presentes autos de inventário, destinado à partilha dos bens do dissolvido casal partes na presente acção, na sequência de divórcio, a requerente C… veio reclamar da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, B….
A requerente pretende a actualização dos valores de algumas verbas, bem como o relacionamento de diversas quantias existentes nas contas à ordem da D… e do E…, descritas nos autos de arrolamento, pedindo ainda sejam relacionados títulos de crédito, não indicados pelo cabeça de casal, uma quota social, diversos bens móveis e uma benfeitoria num imóvel. Finalmente, impugna o passivo relacionado pelo cabeça de casal.
O cabeça de casal respondeu, afirmando que os valores movimentados das contas bancárias à ordem da D… e do E…, pertenciam ao seu irmão F…, o que era do conhecimento da requerente, apresentando ainda motivos para o não relacionamento dos restantes bens e para o passivo dado como relacionado.
Após junção de prova documental e obtenção de informação junto das entidades bancárias, avaliados alguns dos bens descritos, produzida a prova testemunhal e as declarações de parte, foi produzida a decisão, ora sob recurso, a qual se reproduz na parte dispositiva:
Por tudo o exposto, julgo parcialmente procedente a reclamação, determinando o seguinte:
- o valor das verbas n.ºs 1 a 3 do ativo deverá ser apreciado e deliberado na conferência de interessados;
- deverão ser relacionadas, como dinheiro do casal a partilhar, as quantias de €100.000,00 e respetivos juros (contados desde a 26/02/2010), e de €103.325,00 e €50.330,50 e respetivos juros (a contar de 24/11/2008 e de 26/02/2010, respetivamente);
- deverá ser relacionada a quota social da sociedade comercial Talhos G… Unipessoal, Lda. , com o valor de €5.000,00;
- deverá ser relacionado o veículo de marca Piaggio , com a matrícula .. – GT - ..;
- sobre o passivo deverá ser deliberado em conferência de interessados.
(...)
Custas do incidente pela reclamante e pelo cabeça de casal, na proporção do respetivo decaimento.
*
Inconformada, a requerente C… deduziu recurso no qual formula as seguintes conclusões:
1.ª - O presente recurso fundamenta-se, essencialmente, em dois aspectos, os quais, sempre salvo o devido respeito por melhor opinião, carecem de decisão distinta;
2.ª - Em primeiro lugar, não pode aqui Recorrente aceitar que tenha sido dado como não provado que:
“2. Existem, tituladas pelo cabeça de casal e pela reclamante, 520 ações da H… e 2525 ações da I…, como os valores de €1.388,40 e de €5.507,023”;
3.ª - Na verdade, desde o momento em que a aqui Recorrente, no artigo 25.º da reclamação contra a relação de bens, alegou que o ora Recorrido estaria a omitir a existência de tais acções, que o próprio não só reconheceu a sua existência, como também que a sua propriedade pertencia à ora Recorrente (cfr. artigo 9.º da resposta à reclamação contra a reclamação de bens, de 17 de Dezembro de 2012);
4.ª - Existência essa, também comprovada através do documento n.º 12 junto com a predita reclamação contra a relação de bens, apresentada em juízo, pela Recorrente, em dia 29 de Novembro de 2012;
5.ª - Resultou, assim, e ao contrário do decidido pela Meritíssima Juíza a quo, suficientemente provada a existência das questionadas acções e a sua propriedade;
6.ª - Motivo pelo qual, e atendendo ao facto dos questionados títulos se encontrarem em nome do Recorrido, se impõe que o facto descrito no ponto 2. da decisão recorrida, passe a constar dos factos assentes, pois só assim, a Recorrente poderá movimentar e usufruir daquilo que, efectivamente, lhe pertence;
7.ª - Por outro lado, entende a Recorrente que também não podia ter sido dado como não provado que:
“6. No prédio identificado em p), em data não concretamente apurada, foi edificada a casa de morada de família do ex-casal composto pelo cabeça de casal e pela reclamante, situada no 2.º andar.”
“7. A respetiva construção ficou a cargo e a expensas do dito casal, em montante não concretamente apurado.”;
8.ª - Com efeito, resulta, quer através da audição dos depoimentos prestados, quer através da sua conjugação com a demais prova constante dos autos, que a casa de morada de família foi edificada após o casamento da ora Recorrente com o Recorrido e na constância deste, e que essa mesma construção foi suportada com dinheiro que integrava o património comum do extinto casal;
9.ª - Factos esses, concretamente alegados pela Recorrente, em sede de reclamação contra a relação de bens, e no requerimento datado de 15 de Julho de 2013, através dos quais se constata que o prédio em questão foi edificado entre o final do ano de 1993 e o final do ano de 1995, com recurso a dinheiro que saiu directamente da conta bancária n.º ………….., domiciliada na J…, titulada por ambos os membros do extinto casal;
10.ª - De facto, e conforme melhor resulta do teor do documento n.º 1 junto com o identificado requerimento que deu entrada nos autos a 15 de Julho de 2013, no período temporal referido existiram variadíssimas movimentações nessa conta bancária, sendo, algumas delas, de valor considerável.;
11.ª - Ora, perante tal constatação, a aqui Recorrente teve o cuidado de fazer um pequeno quadro resumo relativo aos movimentos de maior valor, que se encontravam titulados por cheque e sobre os quais não havia qualquer dúvida que se haviam destinado ao pagamento da construção da casa de morada de família (cfr. documento n.º 2, junto com o requerimento que deu entrada nos autos a 15 de Julho de 2013);
12.ª - Daí resultando, que no ano de 1994 foram pagos Esc. 10.710.000,00 e no ano de 1995, Esc. 10.645.799,00;
13.ª - Montantes esses, que atento o período a que respeitam e o facto de, nessa mesma altura, não ter havido qualquer acréscimo ao património do extinto casal, que não fosse a construção em causa, respeitam, forçosamente, à edificação da referida habitação;
14.ª - Aliás, isso mesmo foi confirmado em sede de audiência de discussão e julgamento quer pela Recorrente, quer por várias testemunhas;
15.ª - De facto, ao longo de todo o seu depoimento a aqui Recorrente foi clara e objectiva, mesmo quando instada pelo Ilustre Mandatário do Recorrido, daí não advindo qualquer dúvida de que os montantes titulados por cheque e acima melhor identificados se destinaram à construção e acabamento da fracção autónoma que constituía a casa de morada de família;
16.ª - Sem esquecer que, existiam outros movimentos bancários para além dos titulados por cheque, ou seja, os mais de vinte mil contos movimentados através de cheque bancário, apenas se traduzem numa parte do valor integral da construção aqui em análise;
17.ª - E a verdade é que, se a Recorrente não logrou provar documentalmente que os referidos cheques se destinaram à construção da casa de morada de família, foi porque tal não lhe era possível;
18.ª - De facto, tendo passado mais de 15 anos sobre a sua emissão, já não se logrou junto da J… obter cópia dos mesmos, ou, ainda que fosse, da sua microfilmagem;
19.ª - Por sua vez, do depoimento prestado pela testemunha K…, na audiência de julgamento que teve lugar no dia 26 de Junho de 2017, resultou, também de forma clara, a enorme surpresa da Recorrente quando teve conhecimento de que não era proprietária da habitação do extinto casal;
20.ª - Corroborando essa surpresa da Recorrente e confirmando de forma inequívoca e clara, que a casa de morada de família foi construída na constância do matrimónio da Recorrente e do Recorrido e com recurso a dinheiros comuns do casal, depôs a filha de ambos, L…, nessa audiência de julgamento, que teve lugar no dito dia 26 de Junho de 2017, que também esclareceu, que os cheques constantes do documento n.º 2 atrás referido se destinaram ao pagamento da construção do apartamento propriamente dito e, ainda, que o esqueleto do prédio foi pago em numerário, a um empreiteiro de nome M…, também com recurso a dinheiros comuns do extinto casal;
21.ª - Sendo certo que, por forma a credibilizar o seu depoimento, logo no início da sua intervenção, e quando instada a respeito, essa testemunha esclareceu que não estava, de forma alguma, inimizada com o seu pai, aqui Recorrido;
22.ª - Também no mesmo sentido, ou seja, de que a referida habitação foi construída na constância do matrimónio da Recorrente e do Recorrido e com recurso a dinheiros comuns do casal, depôs a testemunha N…, nessa audiência de julgamento de 26 de Junho de 2017;
23.ª - Vale isto por dizer, que quer para a Recorrente, quer para as testemunhas, não há dúvidas de que a casa de morada de família foi construída após o casamento do extinto casal e na constância deste, com recurso ao património conjugal, ainda que o prédio em questão pertença ao Recorrido, por doação de seu pai;
24.ª - Aliás, tal como uma testemunha do próprio Recorrido, O…, acabou por afirmar quando instado a tal propósito pelo Ilustre Mandatário do Recorrido, ao referir que a casa ainda não estaria completamente construída aquando do casamento da Recorrente com o Recorrido;
25.ª - Em suma, se dúvidas havia, não mais existem, pois é absolutamente inequívoco que, pelo menos, a construção do apartamento, propriamente dito, bem como todos os seus acabamentos foram feitos na pendência do matrimónio e com recurso a dinheiros comuns, em valor nunca inferior, àqueles que se encontram referidos nos documentos n.ºs 1 e 2 supra melhor identificados;
26.ª - Face ao exposto, e atenta toda a prova carreada para os autos, designadamente a prova documental e, essencialmente, a prova testemunhal produzida a este respeito, é forçoso concluir que os factos dados como não provados nos pontos 6. e 7. da decisão recorrida deveriam ter sido dados como assentes, passando a ter a seguinte redacção:
6. No prédio identificado em p), pelo menos entre os anos de 1994 e 1995, foi edificada a casa de morada de família do ex-casal composto pelo cabeça de casal e pela reclamante, situada no 2.º andar.
7. A respetiva construção ficou a cargo e a expensas do património comum do dito casal, em montante nunca inferior a Esc. 21.355.799,00 (Esc. 10.710.000,00 + Esc. 10.645.799,00), ou seja, €106.522,00 (cento e seis mil, quinhentos e vinte e dois euros);
27.ª - Não tendo sido colocado em causa que a casa de morada de família, que constitui o 2.º andar do prédio sito na Rua …, da extinta freguesia de …, da Vila de Lousada, inscrita na matriz sob o artigo 976.º e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º 425/19961010, foi edificada num terreno que não era propriedade do extinto casal, a sua construção constitui uma benfeitoria;
28.ª - E nessa qualidade, deverá ser objecto de partilha, tendo por base o valor resultante do relatório pericial de avaliação, que se cifra em €140.400,00 (cento e quarenta mil e quatrocentos euros);
29.ª - Em suma, violou a douta decisão ora recorrida, pelo menos, os artigos 490.º, n.º 2, 1345.º e 1349.º, todos do Código de Processo Civil de 1961.
Termina peticionando o provimento do presente recurso nos termos explanados.
Houve contra - alegações onde se pugna pela manutenção do decidido em primeira instância na vertente apelada.
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Do mesmo modo, o requerido B… deduziu recurso no qual formula as conclusões que ora igualmente se transcrevem:
I. Em 22.02.2010 a Recorrida propôs contra o aqui Recorrente providência cautelar de arrolamento.
II. Entretanto, foi decretado o divórcio de ambos.
III. E, no âmbito do processo de inventário, após o Recorrente apresentar a relação de bens, na qualidade de cabeça de casal, a Recorrida reclamou da mesma, alegando, entre outros, que o Recorrente tinha omitido voluptuosas quantias em dinheiro que eram pertença do património conjugal.
IV. Assim, apresentada a reclamação, o Tribunal a quo, decidiu por Douto Despacho recorrido, que eram bens comum, e portanto, tinham que ser partilhadas pelo casal, as seguintes quantias:
€100.000,00 e respetivos juros (a contar desde 26.02.2010);
€103.325,00 (a contar desde 24.11.2008);
€50.330,50 e respetivos juros (a contar desde 26.02.2010).
V. Acontece que, o Recorrente não se conforma com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo porquanto daquelas quantias, apenas os 50.330,50 é um bem comum do casal que, por isso, deve ser relacionado.
Senão veja-se,
VI. Em primeiro lugar, impugna-se o teor dos factos dados como provados em f) e g) porquanto não correspondem à realidade, tendo resultado de um lapso.
VII. Assim, é pretensão do Recorrente que o teor constante do facto f) seja retificado no seguinte sentido: “Em 2l/11/2009, o cabeça de casal transferiu da conta com o n.° ……….. para a conta com o n.° ……….. a quantia de €100.000,00, como liquidação de poupança.”, por ser esta a factualidade que resulta do Doc.1 junto pela Recorrida na reclamação apresentada.
VIII. O mesmo pretende em relação ao facto dado como provado em g), designadamente, que seja alterado, passando a ter o seguinte teor: “No dia 26/02/2010, o cabeça de casal transferiu a quantia de € 100.439,22 da conta com o n.° ………… para a conta com o n° ………...”, cfr. consta do Doc.2, pag.2 junto pela reclamante.
Isto posto,
IX. Entende o Recorrente que, no que toca aos €103.325,00 (cento e três mil trezentos e vinte e cinco euros), a que alude o facto k), tal montante não tem, nem tinha que ser mencionado na relação de bens.
X. Tal montante foi gasto na constância do matrimónio – no ano de 2008, por ambos os cônjuges, e, por isso, não entra para o acervo patrimonial a partilhar, o que se invoca.
XI. Por outro lado, mas no seguimento do mesmo sentido, entende o Recorrente que, se na relação de bens só devem constar os bens que à data da propositura da ação de divórcio ou, neste caso, no arrolamento, faziam parte do acervo patrimonial do casal, não deve qualquer montante auferido, por um só dos cônjuges, após essa mesma data, integrar a relação de bens.
XII. Todavia, o Tribunal a quo entendeu ser de relacionar, como bem comum, €100.000,00 que foram, em 26.02.2010, depositados na conta comum do casal – pelo Recorrente - e, no mesmo dia, transferidos para uma conta titulada pelo Recorrente e o seu filho, com o que o Recorrente não se conforma.
XIII. Afinal, mesmo que o Recorrente não tenha logrado provar a proveniência daquela quantia, facto é que a Recorrida propôs providência cautelar de arrolamento contra o Recorrente, em 22.02.2010, com o fito de proteger os bens e direitos do património conjugal, existentes àquela data.
XIV. E, àquela data não existiam os €100.000,00 vindos de aludir, este montante apenas entrou na conta conjunta do casal, já em 26.02.2010, ou seja, após a propositura, pela Recorrida, da providência cautelar.
XV. Razão pela qual, a entender que tal quantia é património conjunto, cabe à Recorrida provar que o dinheiro é um bem comum, exatamente porque entrou na conta conjunta após o casal já estar separado.
XVI. Subsumir os factos vindos de referir no direito aplicado pelo Tribunal a quo vai contra o espírito que subjaz ao preconizado no art.º 1789º do Código Civil, segundo o qual “Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, ma retrotraem-se à data da propositura da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges”.
XVII. Afinal, não faz sentido que após a separação, e na pendência da ação de divórcio/arrolamento, os futuros ex-cônjuges continuem a partilhar, por exemplo, os rendimentos que, por si, aufiram!
XVIII. A ser assim, terá o cabeça de casal, aqui Recorrente, que indicar na relação de bens todas as despesas que após a separação de facto passou a custear a expensas suas para, posteriormente, se fazer um acerto de contas que devolva ao património próprio do Recorrido despesas que eram comuns ao casal.
XIX. Portanto, para que o Tribunal pudesse ajuizar se aquela quantia fazia, ou não, fazer parte do acervo patrimonial conjunto impunha-se que, antes de mais, fosse apurada a proveniência daquele montante, no sentido de se escrutinar se a quantia que passou a integrar a conta conjunta do Recorrente e da Recorrida era um bem próprio do ora Recorrente ou se, pelo contrário, consubstanciava, efetivamente, um bem pertencente ao casal ou que fosse fruto de um qualquer negócio celebrado na constância do matrimónio, o que não aconteceu.
XX. E para efeitos de prova, sempre se impunha que a Recorrida provasse que aquele montante era um bem comum, uma vez que foi esta quem invocou o direito sobre tal montante, cfr. preconiza o art.º342º, n.º1 do Código Civil, no entanto, nada foi provado.
XXI. Ora, assim não tendo acontecido, os €100.000,00 depositados e transferidos, pelo Recorrente, em 26.02.2010, não devem ser relacionados, por não serem um bem comum do dissolvido casal.
XXII. Sem prescindir e subsidiariamente,
XXIII. Caso assim não se entenda, com o que não se concede, mas se equaciona por mera cautela de patrocínio, concluindo V/ Excias. que é ao Recorrente a quem cabe provar que os €100.000,00 (depositados em 26/02/2010 na conta conjunta do casal e, posteriormente, transferido para uma conta titulada pelo Recorrente e o seu filho) não são um bem comum, deve o Recorrente elencar na relação de bens, apenas, os mencionados €100.000,00, bem como €50.330,56, acrescidos dos respetivos juros.
Termina o recorrente peticionando a procedência do presente recurso com a revogação do despacho recorrido.
II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar.
O objecto do recurso é delimitado, em regra, pelas alegações e respectivas conclusões.
As questões a dirimir relativamente ao recursos deduzidos são, em conjunto, a referente à impugnação da matéria de facto e, no caso do requerente B…, também a que concerne a uma indevida relacionação de bens mesmo à luz da factologia apurada em primeira instância.
III – Factos Provados
Resultaram provados na primeira instância os seguintes factos:
a) C… e B… casaram no dia 23 de agosto de 1987, sem convenção antenupcial.
b) Em 12 de fevereiro de 2010, C… instaurou providência cautelar de arrolamento contra B…, como incidente prévio à ação de divórcio, tendo sido decretado o arrolamento, por despacho de 22/02/2010, conforme resulta de fls. 42 e seguintes do apenso A.
c) Por sentença de 11 de maio de 2011, transitada em julgado, foi declarada a dissolução, por divórcio, do casamento entre C… e B…, conforme resulta de fls. 48 e seguintes do processo principal.
d) O cabeça de casal e a reclamante são titulares das contas n.ºs ……….. e ……….., da D… de …, e da conta n.º …….., do E…, hoje P….
e) À data da relação de bens, a primeira das contas indicadas apresentava o saldo de €10.454,73, a segunda, o saldo de €4.744,13, e a terceira o saldo de €110,00.
f) Em 21/11/2009, o cabeça de casal transferiu da conta com o n.º ……….. para a conta com o n.º ……….. a quantia de € 100.000,00, como liquidação de poupança.
g) No dia 26/02/2010, o cabeça de casal transferiu a quantia de €100.439,22 da conta com o n.º ……….. para a conta com o n.º ………...
h) No dia 26/02/2010, o cabeça de casal transferiu a quantia de €100.000,00 da conta com o n.º ……….., para a conta com o n.º …………..
i) Em 24/11/2008, o cabeça de casal liquidou, da conta n.º …….., do E…, a poupança com a quantia de €100.000,00.
j) Em 26/02/2010, o cabeça de casal liquidou, da mesma conta, a poupança com a quantia de €50.000,00.
k) O cabeça de casal emitiu dois cheques, com os n.ºs …… e …….., com as datas de 24/11/2008 e de 26/02/2010, nos valores, respetivamente, de €103.325,00 e €50.330,50, sacados sobre a mesma conta.
l) As transferências e movimentos bancários referidos em f) a k) foram realizados pelo cabeça de casal sem o conhecimento da ora reclamante.
m) Em 17/01/2007, foi constituída a sociedade comercial por quotas, designada Talhos G…, Unipessoal, Lda., com a matrícula n.º ………, com sede na Rua …, Lousada, com o objeto social de comércio de carnes verdes, com o capital social de €5.000,00 e quota única no mesmo valor, sendo o único sócio e gerente B…, aqui cabeça de casal.
n) Encontra-se inscrita a favor de B… o veículo de marca Piaggio , com a matrícula .. – GT - .., através da Ap. n.º ……, de 22/01/2009.
o) Através de financiamento obtido pelo cabeça de casal junto de Q… Bank, e mediante o pagamento de rendas mensais, com início em 05/05/2011, aquele passou a usar e fruir do veículo de marca Q…, modelo …., com a matrícula .. - LQ- .., com inscrição, de 04/05/2011, a favor de Q… Portugal, Lda..
p) Está inscrito a favor de S…, de F…, casado com S…, e do ora cabeça de casal, B…, casado com a aqui requerente C…, o prédio urbano, composto por cave, rés-do-chão e 1.º e 2.º andares com logradouro, sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Lousada, inscrito na matriz sob o artigo 976, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 425/19961010, com o valor tributável de €239.861,43, através da Ap. 5, de 10/10/1996, por doação de T…, casado com U….
IV - Fundamentação aplicável
I) Ambos os recorrentes cumpriram suficientemente o ónus imposto pelo artigo 640º do Código do Processo Civil.
A recorrente V… pretende que se altere para provado o facto dado como não provado segundo o qual:
“Existem, tituladas pelo cabeça de casal e pela reclamante, 520 acções da H… e 2525 acções da I…, como os valores de €1.388,40 e de €5.507,023”;
Alega, para tanto, que o próprio recorrido reconheceu a existência dessas acções para além de aceitar que a sua propriedade pertencia à ora Recorrente (cfr. artigo 9.º da resposta à reclamação contra a reclamação de bens, de 17 de Dezembro de 2012);
De facto, nenhuma das partes põe em causa que tais acções existem (vide documento de fls. 44); por outro lado, o próprio tribunal ao dar como não provado que as ditas acções não eram tituladas por ambos terá transmitido a convicção de que as mesmas não deveriam ser relacionadas porque não faziam parte do acervo a partilhar (tendo mesmo referido que as mesmas seriam um bem próprio da reclamante).
Ou seja, haverá consenso no sentido de que estamos perante um bem próprio da recorrente.
Avança a apelante que, uma vez que as acções estão em nome do Recorrido, se impõe que o facto descrito no ponto 2. da decisão recorrida passe a constar dos factos assentes, pois só assim, a Recorrente poderá movimentar e usufruir daquilo que, efectivamente, lhe pertence.
Aceitemos que assim seja, face ao consenso das partes.
Deste modo, não alterando a decisão recorrida – a quem se pedia que indicasse quais os bens a ser partilhado – consigna-se que as 520 acções da H… e 2525 acções da I…, como os valores de €1.388,40 e de €5.507,023, pertencem à C…; adita-se, pois, o facto em causa.
Impugna ainda a recorrente a matéria de facto no sentido de que também não podia ter sido dado como não provado que:
“6. No prédio identificado em p), em data não concretamente apurada, foi edificada a casa de morada de família do ex-casal composto pelo cabeça de casal e pela reclamante, situada no 2.º andar.”
“7. A respectiva construção ficou a cargo e a expensas do dito casal, em montante não concretamente apurado.”;
Segundo a apelante resulta, quer através da audição dos depoimentos prestados, quer através da sua conjugação com a demais prova constante dos autos, que a casa de morada de família foi edificada após o casamento da ora recorrente com o recorrido e na constância deste, e que essa mesma construção foi suportada com dinheiro que integrava o património comum do extinto casal.
Dissentiu o tribunal. O prédio urbano em causa foi doado ao cabeça-de-casal (e ainda a S… e F…, irmãos deste) em 10 de Outubro de 1996 estando já erigido com cave, rés-do-chão e andares. Por outro lado, no confronto entre depoimentos díspares e não resultando apurado que os montantes discriminados num resumo de extractos de movimentos bancários fossem efectivamente direccionados para a obras de construção no dito prédio, quedou-se a decisão por um “non liquet” o que penalizou a parte alegante, ou seja, a reclamante.
Pois bem. Reanalisada a prova não encontramos motivos para sustentar posição diversa.
Na verdade, temos, desde logo, a circunstância objectiva de a doação, como vimos, ser conferida aos filhos do pai do B…, e só a estes, estando já erigido o prédio aquando da mesma (a irmã do B… terá aberto no local um restaurante em 1992, segundo este).
Por sua vez, reconhece-se que os depoimentos testemunhais ou de parte sobre esta matéria específica sejam, efectivamente inconclusivos tanto mais que se aventou nos autos a hipótese de as obras de acabamento da casa terem sido financiadas com um bem próprio do requerido, o Café W…. Note-se, a título de exemplo, como a testemunha K… referiu em relação à casa cuja construção se iniciou em 1982 apenas sabia que a recorrente sempre lhe teria dito que resultaria de um esforço do casal não podendo explicar a circunstância de a primeira licença de construção do prédio datar de data anterior ao casamento; do mesmo modo a testemunha N… logo disse saber apenas aquilo que a V… lhe contou muito embora fosse clara em indicar que a casa foi construída depois do casamento, não podendo precisar quem a financiou na sequência da doação feita pelo pai do B…. Por sua vez, a testemunha O… declarou que a casa estava por terminar – tinha apenas o “esqueleto” – aquando da doação mas “já estava de pé”.
Depois temos os depoimentos inconciliáveis das partes respectivas e da família mais chegada; entendemos, pois, como equilibrada a opção tomada pelo tribunal em relação à casa em causa.
Em síntese, aceitam-se as dúvidas plasmadas na decisão sob escrutínio e não logramos encontrar, pese os depoimentos daqueles mais próximos do interesse da recorrente, motivos para delas nos descartarmos, neste específico circunstancialismo.
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Apreciemos agora a impugnação da matéria de facto feita pelo apelante B….
Avente-se, desde já, que assiste razão ao recorrente na medida em que houve, efectivamente, um lapso no que respeita ao teor dos factos dados como provados em f) e g).
Deste modo, deverá rectificar-se o teor constante do facto f) no seguinte sentido:
“Em 2l/11/2009, o cabeça de casal transferiu da conta com o n.° ……… para a conta com o n.° ………… a quantia de € 100.000,00, como liquidação de poupança” por ser esta a factualidade que resulta do documento 1 junto pela Recorrida na reclamação apresentada.
O mesmo se decreta em relação ao facto dado como provado em g), passando a ter o seguinte teor: “No dia 26/02/2010, o cabeça de casal transferiu a quantia de €100.439,22 da conta com o n.° ……….. para a conta com o n° ………..” conforme consta do documento 2 junto pela reclamante.
Porém, subsidiariamente, o recorrente entende ainda dever ser escrutinado o facto que levou à inclusão como objecto de partilha o montante de €103.325,00. Em defesa da sua tese o recorrente socorre-se da transcrição dos depoimentos prestados pela recorrida e pela filha comum do extinto casal, L…, designadamente quando as mesmas aludem a um “desvio” que rondaria os cento e cinquenta mil euros e que, portanto, não incluiria o montante agora impugnado.
Contudo, salvo o devido respeito, não nos pareça que deva ser essa a conclusão a extrair dos depoimentos em causa bem como das movimentações bancárias associadas ao património em litigio.
É que terá de considerar-se não apenas a conta do E… (hoje P…) mas também a da D…. Ponderando a integralidade dos depoimentos, em particular o da recorrida, conclui-se, tal como foi aventado na própria reclamação, que estão em causa duzentos e cinquenta mil euros, parte deles existentes na D… e outra no E… (leia-se a propósito a reprodução do depoimento da cabeça de casal a fls. 206 e 297). A própria filha confirma com um “sim” uma pergunta sobre se estariam em causa centenas de milhares de euros. O tribunal “a quo” procedeu, justamente, à ponderação destas diversas quantias movimentadas entre estas duas instituições bancárias e plasmou o que resulta da prova apurada em relação a elas, na sua globalidade, estando em causa quantias que pertencem ao património comum do casal, estando completamente afastada a tese da pertença de algumas quantias ao irmão do recorrente como, em sede de instância apelada, este pretendeu demonstrar.
II) Entende o recorrente que, no que toca aos €103.325,00 (cento e três mil trezentos e vinte e cinco euros), a que alude o facto k), tal montante não deveria ser mencionado na relação de bens uma vez que foi gasto na constância do matrimónio – no ano de 2008, por ambos os cônjuges. Por outro lado, atendendo a que na relação de bens só devem constar os bens que à data da propositura da acção de divórcio ou, neste caso, do arrolamento, faziam parte do acervo patrimonial do casal, não deve qualquer montante auferido, por um só dos cônjuges, após essa mesma data, integrar a relação de bens.
Donde, uma vez que a quantia de €100.000,00 foi depositada em 26.02.2010 na conta comum do casal, pelo apelante, e, no mesmo dia, transferida para uma conta titulada por este e pelo seu filho e que a apelada propôs providência cautelar de arrolamento em 22.02.2010, teremos de concluir não existir àquela data os €100.000,00 vindos de aludir na conta conjunta do casal.
Contrapõe a recorrida que muito embora tais bens tenham sido feitos desaparecer pelo ex-marido em momento anterior ao arrolamento não se poderá, em caso algum, permitir que qualquer dos cônjuges que previsse a hipótese de se vir a divorciar ou tivesse intenção de o fazer, dissipasse, sem mais, bens que teriam, forçosamente, de integrar o acervo comum do casal, objecto de partilha. Por outro lado, procura explicar como as movimentações da contas bancárias demonstram que o património em causa à data do arrolamento seria aquele que o tribunal apurou após análise das mesmas.
Cumpre decidir. Considerando o que consta da sentença ora sob escrutínio, verifica-se que houve o cuidado de explicar que a descrição em causa na relação de bens não seria concernente a qualquer saldo de contas bancárias – aceitando que à data da arrolamento as mesmas, naturalmente, já não estariam disponíveis nessa conta bancária – mas, sim, “como quantias em dinheiro, pertencentes ao casal.”
Destarte, na avaliação do tribunal, existiam à data da propositura da acção de divórcio ou, neste caso, do prévio arrolamento, as ditas quantias em dinheiro que faziam parte do acervo patrimonial do casal, nem tendo sido, naturalmente, dissipadas nem podendo, repita-se, ser confundidas com qualquer saldo bancário.
Deste modo, não se vislumbra motivo para pôr em causa a relacionação efectuada que corresponde ao que da prova, designadamente documental, resulta.
Em síntese conclusiva: improcederá o presente recurso confirmando-se integralmente a sentença apelada, sem prejuízo do que foi já aclarado acima quanto à titularidade de um específico bem próprio da recorrente (acções da H… e I…).
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Sumariando (art.663º, nº7 do Código do Processo Civil):
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V - Decisão
Pelo exposto, decide-se, na total improcedência do recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes em partes iguais.
Registe e notifique.
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Porto, 6 de Fevereiro de 2018
José Igreja Matos
Rui Moreira
Lina Baptista