Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
26380/17.0YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL
CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RP2018061326380/17.0YIPRT.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 834, FLS 17-26
Área Temática: .
Sumário: I - Face à redação do art. 266º, nº 2, al. c) do atual Cód. do Proc. Civil é de concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação de créditos terá sempre de ser operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis.
II - Embora seja entendimento generalizado que no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98 (emergente de injunções de valor não superior a 15.000,00€), não é admissível reconvenção, essa possibilidade, nesta forma de processo, deve ser dada ao réu de modo a que este possa invocar a compensação de créditos, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional.
III - Com efeito, não faz sentido que se retire ao réu a possibilidade de numa ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, quando essa mesma compensação poderá ser depois por ele invocada como fundamento de oposição à execução, conforme decorre do art. 729º, al. h) do Cód. do Proc. Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 26380/17.0 YIPRT.P1
Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Ílhavo – Juiz 1
Apelação
Recorrente: “B..., S.A.”
Recorrido: “C..., Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora “C..., Lda.”, com sede na Rua ..., nº ..., Ílhavo, intentou a presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra a ré “B..., S.A.”, com sede na Rua ..., nº .., apartado ...., ..., Braga, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 11.119,94€, acrescida de juros de mora, taxa de justiça paga e indemnização no valor de 40,00€ pelas despesas da requerente com a cobrança da dívida.
Alega para tal efeito que, no exercício da sua atividade, forneceu bens a solicitação da ré, relativamente aos quais emitiu duas faturas no valor de 11.518,46€, e que, uma vez deduzidas duas notas de crédito no valor de 398,52€, se encontram em dívida.
Citada, a ré deduziu oposição, admitindo ter sido celebrado o contrato de fornecimento de bens invocado pela autora e terem sido fornecidos os bens identificados no requerimento de injunção. Formulou, porém, reconvenção, invocando a existência de um contra-crédito sobre a autora no valor de 10.603,19€, pelo que seria devedora apenas da quantia de 516,75€. Subsidiariamente, invocou ainda exceção de compensação de créditos em idênticos termos.
Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a admissibilidade da reconvenção e da dedução da exceção de compensação na presente forma de processo especial, veio a autora pugnar pela sua inadmissibilidade com os fundamentos constantes de fls. 85 e segs. e a ré pugnar pela adequação formal dos autos e consequente admissibilidade da reconvenção ou, assim não se entendendo, da exceção de compensação de créditos.
A reconvenção não foi admitida, bem como a dedução da exceção de compensação de créditos na oposição.
Depois, por se entender que o estado do processo permitia desde já o conhecimento do mérito da causa, sem necessidade de ulterior produção de prova, proferiu-se sentença que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, condenou-se a ré “B..., S.A.” a pagar à autora “C..., Lda.” a quantia de 11.159,44€, acrescida de juros de mora à taxa comercial sucessivamente em vigor, sobre o montante de capital de 11.119,44€, desde 6.10.2014 quanto à fatura n.º 125 e desde 5.11.2014 quanto à fatura n.º1611, até efetivo e integral pagamento.
Inconformada com o decidido, interpôs recurso a ré que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª – No regime previsto nos art.ºs 1.º a 5.º do Anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, que estabelece o Regime Jurídico a que se refere o Artigo 1.º do Diploma Preambular não existe norma (especial) expressa, que exclua a possibilidade de dedução de pedido reconvencional.
2ª - A admissibilidade da Oposição, com dedução de pedido reconvencional mediante invocação de compensação de créditos, não prejudica simplificação e celeridade do processo.
3ª – É por conseguinte admissível a reconvenção nas acções especiais para cumprimento das obrigações pecuniárias, de valor inferior à alçada da Relação, sob pena de ser negado o direito da parte se defender por via de excepção, designadamente, invocando a compensação.
4ª – De todo o modo, o juiz pode autorizar a dedução de pedido reconvencional “…sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio”, adequando a forma do processo aos termos do próprio litígio.
5ª - Mesmo nos processos especiais tem de se assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, pelo que, subsidiariamente, nestas acções é sempre admissível a dedução da compensação enquanto excepção peremptória a ser discutida em sede de julgamento sem que tal precluda ou diminua as suas possibilidades de defesa ou prejudique a desejada celeridade processual;
6ª – No respeito pelo princípio da economia processual, é sempre preferível e desejável aproveitar a ação proposta e evitar a propositura de nova ação sobre o mesmo litígio. Mesmo nas acções especais, a procura da celeridade processual deve ceder ao princípio da economia processual, para que seja alcançada a justa composição do litígio.
7ª – Em cumprimento do dever de gestão, adequação processual, melhor composição do litígio e da economia processual, sempre deveria o M. Tribunal convidar a Ré/Recorrente ao aperfeiçoamento da contestação – cfr art. 6º, 7º, 583º e 590º do CPC para que a excepção de compensação fosse alegada e conhecida pelo M. Tribunal, sob pena de violação do direito de defesa daquela.
8ª - Por outro lado, ainda que se entendesse não ser possível o conhecimento da excepção da compensação de créditos, sempre o M. Tribunal estaria obrigado a analisar e conhecer de outras soluções de direito aplicáveis à matéria de facto em causa, designadamente – mas sem limitar – a excepção de não cumprimento ou o cumprimento defeituoso por parte da Autora, ora Recorrida, conforme alegado na Oposição.
9ª - Excepções que, salvo o devido respeito, se encontram alegadas na oposição (arts 9º, 10º, 11º, 12º e 14º) e obstavam à apreciação imediata e célere do mérito da causa, “sem necessidade de ulterior produção de prova.”
10ª - Veja-se o que foi alegado pela Recorrente na OPOSIÇÃO: “10º Sucede que a Requerente não cumpriu os prazos de entrega acordados, atrasando-se no fornecimento das lajes em mais de 16 dias; 11º - De facto, a Requerida comprometeu-se a entregar o material encomendado a partir de 7 de Maio e da 2ª fase das lajes até meados de Junho 2014, conforme Documento n. º 2,que ora se junta e cujo teor por brevidade, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, o que não cumpriu. 12º - O que só veio a suceder em 15 de Julho de 2014. (…) - 14º- Razão pela qual, perante o atraso de 16 dias, a Requerida mediante comunicação email de 15-7-2014 procedeu à aplicação das penalidades e prejuízos supra mencionados da seguinte forma: camião grua – 16 dias x 480,00€/dia = 7.680,00€ e atraso da obra – 16 dias x 58,78€ = 940,48€ no total de 8.620,48€, mais iva”.
11ª - Sendo estas aliás, no entendimento da Recorrente, as questões fundamentais do processo: Cumpriu a Autora o contrato de fornecimento acordado? Quais os danos para a Ré decorrentes do incumprimento da Autora? Há direito à aplicação de penalidades por parte da Ré pelo incumprimento da Autora?
12ª - Questões que o M. Tribunal se escusou a tomar conhecimento sob a errónea interpretação que a Oposição apresentada se reduzia à dedução da reconvenção e da compensação de créditos.
13ª – Se a defesa por excepção apresentada na Oposição foi considerada inadmissível e como tal não escrita, posição com a qual não se concorda, sempre a defesa por impugnação devia ser aceite e considerada na decisão de mérito a proferir.
14ª - Pese embora tenha sido alegado pela Recorrente, o M. Tribunal não analisou sequer a possibilidade de ter existido cumprimento defeituoso da prestação contratual (artigo 799.º, nº 1 do C. Civil) por parte da Autora e quais os danos que a Ré/Recorrente sofreu nessa decorrência e ainda que a consequência mais importante do cumprimento defeituoso é a obrigação do ressarcimento dos danos causados ao credor.
15ª - Desta forma, a decisão do M. Tribunal de proferir sentença de mérito, sem produção de prova quanto ao apuramento dos factos alegados pela Recorrente como defesa por impugnação, constitui uma negação do direito de defesa desta e uma nulidade da sentença que se encontra prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, directamente relacionado com o dever previsto no n.º 2 do art. 608º do CPC, também este violado.
16ª - Ora, a Ré, ora Recorrente alegou o cumprimento defeituoso por parte da Autora do contrato de fornecimento, mais propriamente, a entrega dos bens para além do prazo acordado com aquela. Mais alegou que tal atraso lhe provocou prejuízos referentes aos 16 dias de aluguer de camião no valor 7.680,00€. E que tal incumprimento lhe conferiu o direito – contratualmente previsto – de lhe aplicar penalidades contratuais, no valor de 58,60€ /dia num total em 16 dias de 940,98€.
17ª - Sobre esta(s) questão(s), o M. Tribunal não se pronuncia por entender que as questões se encontravam incluídas na reconvenção/excepção de compensação e como tal, escusou-se a delas tomar conhecimento, por entender que tal não foi devidamente alegado.
18ª - Mas se o M. Tribunal entendeu que a Ré/Recorrente não alegou de forma válida os factos que lhe incumbiam, conforme parece resultar de fls_supra referido, impunha-se-lhe o dever da gestão processual do processo previsto nos n.sº 3 a 6 do art. 590º do CPC, também aplicável às acções especiais para cumprimento das obrigações pecuniárias, de convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
19ª - De facto, a decisão de proferir “saneador-sentença”, como sucedeu no presente caso, sem antes proceder ao convite ao aperfeiçoamento dos articulados ou à produção de prova testemunhal, configura um juízo que deve ser exercido parcimoniosamente e que no caso concreto, atento o estado do processo não permitia ao M. Tribunal conhecer imediatamente do mérito da causa, reconduzindo-se à nulidade e/ou irregularidade com influência no exame e decisão da causa, prevista e sancionada nos art.s º195º e segs e 201º e segs do CPC.
20ª – Por outro lado, subsidiariamente, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, impende sobre a Recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto individualizar os pontos que considera incorrectamente julgados, e os meios probatórios, constantes do processo, que determinariam a resposta, em sentido diverso, aos pontos questionados.
21ª - Assim, expressamente se consigna, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, serem os factos vertidos nos pontos 2 e 3 dos factos provados os pontos da matéria de facto cujo sentido decisório vem inquinado por erro de julgamento e que mereciam resposta em sentido diametralmente oposto.
22ª - De facto, os factos n.º 2 e 3 devem ser substituídos por outros que considerem provado que: “PONTO 2.No exercício dessa sua actividade e na sequência de prévia solicitação da Ré, aquela apenas em 15 de Julho de 2014, ou seja, com um atraso de 16 dias, forneceu-lhe produtos por esta encomendados, tais como laje alveolar PE 400 F, paletes de madeira de 3 barrotes e blocos de Isolsonico, ou seja, com um atraso de 16 dias.; PONTO 3. Foi também acordado que a Autora iria proceder ao transporte dos referidos produtos, o que fez, com um atraso de 16 dias em relação ao acordado com a Ré.”
23ª - Devendo ainda ser aditados outros 2 factos provados, como sejam, por questão de respeito pela numeração dos factos dados como provados na sentença: “PONTO 7- Nos termos dos pontos 3º e 4º das condições gerais de adjudicação, foi acordado entre Autora e Ré que: “Pelo atraso em relação aos prazos parcelares ou global fixados neste contrato/adjudicação por factos que lhe sejam imputáveis a Adjudicatária fica sujeita ao pagamento de uma multa por cada dia de calendário de atraso no montante definido no art. 201º do Decreto-Lei n.º 59/99 de 2 de Março, que será deduzida no pagamento imediato que haja a fazer. E que “Sem prejuízo das penalidades previstas no corpo da presente cláusula, o Adjudicante, reserva-se o direito de verificado o atraso máximo de 3 (três) dias em relação ao definido no contrato/adjudicação, rescindir sem aviso prévio o contrato com a Adjudicatária e adjudicar a outrem o trabalho/fornecimento não realizado, independentemente de se ressarcir dos prejuízos causados.” PONTO 8 - A Ré mediante comunicação email de 15-7-2014 procedeu à aplicação das penalidades e prejuízos, cfr. fls. calculados da seguinte forma: camião grua – 16 dias x 480,00€/dia = 7.680,00€ e atraso da obra – 16 dias x 58,78€ = 940,48€ no total de 8.620,48€,mais iva”.
24ª - Os meios de prova que implicariam a prolação de decisão em inverso sentido, e que aqui se deixam consignados nos termos e para os efeitos do preceituado pela alínea b) do n.º 1 e pelo n.º 2 do dispositivo referido no parágrafo que antecede, são os documentos juntos com a Oposição, designadamente documentos 1 a 8 que não foram impugnados pela Autora, ora Recorrida, e cuja apreciação crítica impunha decisão diversa da proferida, o que se requer.
25ª - Ora, conforme já se deixou adiantado, a apreciação crítica da prova trazida aos autos, impunha que a decisão sobre a matéria de facto que supra foi já individualizada o fosse em sentido oposto. E de tal forma o impunha, pela sua clareza e objectividade, que a solução propugnada pelo M. Tribunal não pode deixar de ser remetida a erro de julgamento. Não uma interpretação dúbia ou dentro de um limite admissível de razoabilidade discricionária, mas – sempre salvo o devido respeito, que é obviamente muito – verdadeiros erros de julgamento.
26ª - Impondo-se, nos termos do disposto no n.º 1 e 2 do art. 662º do CPC, decisão diversa da proferida, o que se requer.
27ª - No caso sub judice, conjugando a matéria de direito e os dispositivos legais, verificamos que o M. Tribunal a quo não atendeu a estas regras e argumentos, violando assim a douta sentença os arts 2º, 6º, 7º, 195º, 201º, 266º 546º,571º, 576º, 583º, 590º, 608º e 615º do CPC e os arts. 8º, 483º, 799º e 847º do C.C., o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
Pretende assim a revogação da sentença recorrida.
O autor apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se no caso dos presentes autos é admissível invocar a compensação de créditos por via de reconvenção ou de dedução de exceção perentória.
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A factualidade dada como provada na sentença recorrida é a seguinte:
1. A Autora dedica-se à fabricação e comércio de pré-esforçados e produtos pré-moldados em cimento, betão ou betão pronto, tais como blocos, pavês, lancis, abobadilhas, vigotas, ripas e perfis, executando também obras de construção civil e desenvolvendo investigação ao nível das ciências físicas e naturais.
2. No exercício dessa sua actividade e na sequência de prévia solicitação da Ré, aquela forneceu-lhe produtos por esta encomendados, tais como laje alveolar PE 400 F, paletes de madeira de 3 barrotes e blocos de Isolsonico.
3. Foi também acordado que a Autora iria proceder ao transporte dos referidos produtos, o que fez.
4. Na sequência, a Autora emitiu as seguintes facturas:
a. Factura n.º 125, emitida em 4/07/2014, com data de vencimento de 2/10/2014, no valor de 10.603,19 €;
b. Factura n.º 1611, emitida em 7/08/2014, com data de vencimento de 5/11/2014, no valor de 915,27 €.
5. A Autora emitiu também as notas de crédito n.º 711, de 28/07/2014, no valor de 332,10 € e n.º 853, de 03/09/2014, no valor de 66,42 €.
6. A Ré teve conhecimento das facturas referidas em 4) pelo menos em 6/10/2014.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
1. Na oposição que deduziu a ré “B..., S.A.” veio formular reconvenção contra a autora “C..., Lda.”, invocando ter contra esta um crédito de 10.603,19€, que pretende ver compensado com o crédito da autora no montante de 11.119,94€. E para o caso de não ser admitida a reconvenção, invocou a compensação de créditos como exceção.
Sucede que a Mmª Juíza “a quo”, por inadmissibilidade legal, não admitiu a reconvenção, nem tão-pouco a dedução da exceção de compensação de créditos em sede de oposição, entendimento que teve a discordância da ré, expressa na interposição do presente recurso, no qual pugnou, em primeira linha, pela admissão do pedido reconvencional.
Vejamos então.
2. A questão aqui em análise já foi objeto de apreciação no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.5.2015, proferido no âmbito do proc. nº 143043/14.5 YIPRT.P1 (disponível in www.dgsi.pt.), subscrito pelo ora relator e também pela ora 1ª adjunta[1], onde se escreveu o seguinte:
“O art. 266º, nº 2, al. c) do actual Cód. do Proc. Civil estatui que a «a reconvenção é admissível (…) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.»
Na lei anterior – art. 274º, nº 2, al. b) do Cód. do Proc. Civil de 1961 – admitia-se a reconvenção quando o réu se propõe obter a compensação. No entanto, a jurisprudência e grande parte da doutrina entendiam que a compensação poderia ser invocada por via de excepção peremptória, até ao valor do crédito invocado pelo autor.
Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in “Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil” – Vol. I, 2ª ed., 2014, pág. 259), confrontando os dois regimes processuais, escrevem:
“Poder-se-ia dizer que a norma contida nesta alínea [o art. 266º, nº 2, al. c)] não encerra a questão. Por um lado, o artigo só dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível. Não versa sobre a possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para obter idêntico efeito – no caso, meramente extintivo do crédito do autor (art. 576º, nº 3).
Por outro lado, a letra da lei consente uma interpretação de acordo com a qual a reconvenção aqui prevista apenas visa o reconhecimento de crédito de valor superior ao invocado pelo autor. Reza a norma: “pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”; e não: pagamento do valor em que o crédito invocado exceda (!) o do autor. Nos créditos de valor igual ou inferior, continuaria aberta a possibilidade de invocação da compensação por via de exceção.”
Neste sentido se pronuncia Lebre de Freitas (in “A Acção Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., págs. 130/132) que escreve: “Pessoalmente, estou em crer que, pese embora a intenção do legislador de 2013, a melhor interpretação a fazer do regime do CPC de 2013 é a de que com ele nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa.”[2]
Já Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (ob. e loc. citado) sustentam posição oposta, afirmando o seguinte:
“(…) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Na falta de outra explicação para a intervenção legislativa, seria a querela acima referida a emprestar-lhe um contexto, o que obrigaria a concluir que o legislador pretendeu nela tomar posição, pondo fim a uma corrente jurisprudencial praticamente pacífica.
Mas outra explicação existe, mais forte e mais imediata. A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efectivamente, a natureza de uma demanda judicial, implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (art. 847º, nº 1, do CC). Ora, a atual estrutura da forma única de processo comum de declaração só admite a réplica nos casos de reconvenção (art. 584º) – bem como nas ações de simples apreciação negativa. Considerando que o momento previsto no art. 3º, nº 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tenha de ser pedido em via de reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica.
Esta solução tem a vantagem de sujeitar a pretensão do réu à estrutura de uma causa – onerando-o com a clara alegação de uma causa de pedir e com a formulação de um pedido certo, ao qual o reconvindo oporá formalmente as exceções que entender -, permitindo um tratamento da questão mais esclarecido.”
Também no mesmo sentido se pronuncia Jorge Augusto Pais de Amaral (in “Direito Processual Civil”, 2015, 12ª ed., pág. 247) que escreve: “Atualmente, considerando o teor do preceito, sempre que o réu pretenda o reconhecimento do seu crédito, quer seja para obter a compensação, quer seja para obter o pagamento da parte em que o seu crédito excede o do autor, deve deduzir reconvenção.
Entende-se que o pedido de compensação ultrapassa o mero pedido de defesa, pois o réu não se limita a invocar um facto extintivo do direito do autor, mas submete à apreciação do tribunal uma relação jurídica sobre o património do autor e, portanto, diferente da que foi configurada por este na ação.”
Tal como ainda no mesmo sentido se pronuncia Paulo Pimenta (in “Processo Civil Declarativo”, 2015, págs. 186/7):
“(…) a alínea c) do nº 2 do art. 266º revela que o legislador quis tomar posição em termos de pôr fim à querela, tendo-o feito no sentido previsível face aos inúmeros sinais legislativos já existentes (…). Fica agora claro – mais claro, dir-se-á – que o réu, sempre que se afirme credor do autor e pretenda obter o reconhecimento de tal crédito na acção em que está sendo demandado, deverá formular pedido reconvencional nesse sentido e pedir a fixação das consequências possíveis em face desse reconhecimento.
(…)
Em face do exposto, é de entender que esta alínea c) do art. 266º tem natureza interpretativa, para os efeitos do art. 13º do CC.
O regime em apreço não permite ao réu qualquer tipo de opção, isto é, não se afigura possível ao réu optar entre a via reconvencional ou a mera invocação de um crédito sobre o autor por meio de excepção peremptória. Admitir essa opção seria reeditar a polémica do passado, bem assim desrespeitar o intuito legislativo.”
Neste contexto, confrontando-nos com aquela que foi a intenção do legislador com a redacção que conferiu ao art. 266º, nº 2, al. c) do actual Cód. do Proc. Civil, consideramos, em consonância com o entendimento doutrinariamente maioritário, que este preceito deve ser interpretado no sentido de que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.
Este entendimento é de adoptar tanto no âmbito da acção declarativa comum como no âmbito da acção especial prevista no Dec. Lei nº 269/98, de 1.9.
Prosseguindo, há a referir que nesta segunda situação, com o Dec. Lei nº 62/2013, de 10.5 (que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.2.2011, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais), no seu art. 10º, veio-se referir expressamente que a linha separadora entre a aplicabilidade do processo comum e do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98, de 1.9, em caso de oposição à injunção, é a metade da alçada da Relação (15.000,00€).
Como tal, daqui decorre que nos casos em que é deduzida oposição à injunção por incumprimento de pagamento em transacções comerciais de valor superior a 15.000,00€ se aplica a forma de processo comum e nos casos em que esse valor é inferior aos referidos 15.000,00€ se segue o procedimento constante do anexo ao Dec. Lei nº 269/98.
Atendendo a que na situação “sub judice” o valor da injunção se circunscreve a 12.252,17€, e uma vez que lhe foi deduzida oposição, seguir-se-á o apontado procedimento previsto no Dec. Lei nº 269/98.
Sucede que esta forma de processo especial só comporta dois articulados[3], razão pela qual, no seu âmbito, é de concluir não ser admissível resposta à contestação e, consequentemente, reconvenção, solução que, aliás, inteiramente se harmoniza com as ideias de simplificação e celeridade que presidiram ao seu aparecimento.
Ora, a circunstância de não ser admissível reconvenção não autoriza a que se possa concluir que neste tipo de acções, excepcionalmente e apenas no seu domínio, a compensação de créditos possa ser encarada como excepção peremptória.
Tal solução, a ser seguida, significaria um desvio dificilmente justificável àquela que foi a intenção do legislador expressa no actual Cód. do Proc. Civil com a redacção conferida ao art. 266º, nº 2, nº 2, al. c).
Com efeito, como já atrás sublinhámos, a opção legislativa foi no sentido de a compensação de créditos apenas poder ser invocada por via reconvencional, sem embargo de o réu, não deduzindo ou não podendo deduzir reconvenção, fazer valer o seu direito de crédito em acção autónoma, o que, neste caso, sempre teria de fazer, mesmo no regime anterior, caso pretendesse obter o pagamento de um contra-crédito de valor superior ao autor, uma vez que no processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98 não é admissível reconvenção.[4]”
Em sentido idêntico ao que acabámos de expor, que jurisprudencialmente se perfila como maioritário, há ainda que ter em atenção os Acórdãos da Relação de Coimbra de 7.6.2016 (proc. nº 139381/13.2YIPRT.C1), da Relação de Guimarães de 22.6.2017 (proc. nº 69039/16.0 YIPRT.G1), da Relação de Évora de 9.2.2017 (proc. nº 89791/15.0 YIPRT.E1) e da Relação do Porto de 30.5.2017 (proc. nº 28549/16.6 YIPRT.P1), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
3. No entanto, esta posição, que, ancorada na atual lei processual, veda no processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98 a possibilidade de invocação da compensação de créditos, tem vindo, pelos resultados incómodos a que conduz, a ser objeto de apreciação crítica no plano doutrinal, designadamente por parte de Miguel Teixeira de Sousa.
Escreveu este Professor o seguinte no blogue do IPPC em 26.4.2017 sob o título “AECOPs e compensação”:
“1. Tendo presente que, no actual CPC, a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC), tem vindo a discutir-se a aplicação deste regime às acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (conhecidas vulgarmente através do acrónimo AECOPs e reguladas pelo regime constante do anexo ao DL 269/98, de 1/9).
Aparentemente, não deveria haver nenhuma dúvida sobre a solução a dar ao problema acima enunciado. As AECOPs são um processo especial, pelo que, como qualquer processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias, como pelas disposições gerais e comuns (art. 549.°, n.° 1, CPC). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266.° CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPs.
Contra esta solução poder-se-ia invocar que o regime estabelecido no art. 549.º CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais "extravagantes", isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPs, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC.
Contra aquela solução poder-se-ia também alegar que o regime das AECOPs -- nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere -- não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado. Sob um ponto de vista teórico nada haveria a objectar a este argumento, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção. A ser assim, haveria que concluir que a reconvenção não é admissível nas AECOPs e que procurar soluções alternativas para a invocação da compensação nessas acções.
Contra este argumento existe, no entanto, um contra-argumento de muito peso. É ele o seguinte: se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.°, al. h), CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções.
Sendo assim, há que concluir que o demandado numa AECOP pode invocar a compensação por via de reconvenção. Se for necessário, cabe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cf. art. 6.º e 547.º CPC) para ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.
2. Uma solução alternativa a esta consistiria em defender que a compensação (que é uma forma de extinção das obrigações) deveria ser invocada por via de excepção. No entanto, contra esta solução pode invocar-se o seguinte:
-- A solução não tem qualquer apoio legal; como se disse, o regime da reconvenção consta das disposições gerais e comuns do CPC, pelo que é aplicável a qualquer processo; uma diferenciação quanto à forma de alegação da compensação seria, por isso, contra legem;
-- A solução comunga de todos os inconvenientes da dedução da compensação por via de excepção; um dos mais significativos é o de que, atendendo a que a decisão sobre as excepções peremptórias não fica abrangida pelo caso julgado material (cf. art. 91.°, n.° 2, CPC), se o contracrédito invocado na AECOP pelo demandado vier a ser reconhecido nessa acção, não é possível invocar a excepção de caso julgado numa acção posterior em que se peça a condenação no pagamento do mesmo contracrédito e, se o contracrédito alegado pelo demandado na AECOP não vier a ser reconhecido nessa acção, ainda assim é possível procurar obter o seu reconhecimento numa acção posterior; qualquer destas soluções é absurda (sendo, aliás, por isso que a reconvenção como forma de alegar a compensação judicial é totalmente correcta, porque é a única que evita as referidas consequências).
3. O que se disse a propósito da dedução da reconvenção para fazer valer a compensação vale para todos os outros casos em que, nos termos do art. 266.º, n.º 2, CPC, a reconvenção seja admissível na AECOP pendente.”
Por seu turno, Maria Gabriela Cunha Rodrigues escreveu o seguinte (in “A Acção Declarativa Comum”, pág. 54, disponível in repositório.ulusiada.pt):
“(…)
Nas acções em que não é admissível reconvenção, como as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, ou nas acções em que seja inadmissível a dedução da compensação quando a apreciação do contracrédito não seja da competência do tribunal judicial (artigo 93.º, n.º 1), a interpretação deste preceito não nos deve conduzir a efeitos tão restritivos[5].
Na verdade, o chamamento de uma nova relação jurídica a tribunal também acontece na novação (artigo 857.º do CC), cuja natureza de excepção peremptória não é discutida.
E o artigo 395.º do Código Civil integra a compensação e a novação no conceito de factos extintivos da obrigação.
Parece-nos que ao réu não deve ser coarctado este relevantíssimo fundamento de defesa.
É, pois, de concluir que, ainda que se entenda que, deduzida a compensação, o réu tem o ónus de reconvir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da excepção peremptória nos processos em que não é admissível a reconvenção.” [6]
A incomodidade que resulta da solução que, com apoio na lei processual, tem sido maioritariamente seguida, foi também refletida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.6.2017 (proc. n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2, disponível in www.dgsi.pt.), onde se consignou o seguinte no respetivo sumário:[7]
“I - Inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior.
II - Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça.
III - A partir do momento em que é deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção e este adquire cariz jurisdicional, há que aplicar as regras dos arts. 299.º e seguintes do CPC (que o disposto no n.º 2 do art. 10.º do DL n.º 62/2013 não afastam), cabendo então e caso os pedidos sejam distintos, adicionar o valor do pedido formulado pelo réu ao valor do pedido formulado pelo autor”.
Escreve-se no mesmo acórdão:
“Por outro lado, a solução encontrada pelo Tribunal recorrido gera, efectivamente, uma desigualdade – aliás, o Acórdão recorrido afirma expressamente que “a reconvenção é admissível quando a injunção, por força do valor do pedido, é superior à metade da alçada da Relação, não o sendo na hipótese inversa, que é aquela que aqui acontece” (f. 104). Ou seja, porque um comerciante exigiu o pagamento de €4.265,41, o outro comerciante não poderia opor-lhe no processo em que a injunção se convertesse por haver oposição o seu crédito de €50.000,00, mas se fosse o credor de €50.000,00 o autor da injunção – e entre comerciantes a injunção não está sujeita a limites de valor – o credor de €4.265,41 já poderia invocar a compensação. Ora não se vislumbra qualquer motivo de justiça material para tal desigualdade. Acresce que o legislador civil quis facilitar a compensação, como resulta de no nosso sistema legal a compensação ser possível mesmo com créditos ilíquidos.
A celeridade é sem dúvida importante, mas não deve olvidar-se que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da justiça. Em suma, não é porque uma decisão judicial é célere que a mesma é justa”.
4. Ora, não podemos deixar de ser sensíveis aos argumentos que têm vindo a ser explanados de modo a contrariar a orientação jurisprudencial maioritária que, com arrimo na lei processual, tem vindo a ser seguida e que se reconduz à impossibilidade de invocação da compensação de créditos, tanto por via de reconvenção como por via de exceção perentória, no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98.
Porém, no que tange à alteração do valor da causa por força da dedução da reconvenção, caminho que em parte foi trilhado no Acórdão do STJ de 6.6.2017 atrás citado, sempre há a referir que, tal como preceitua o art. 299º, nº 2 do Cód. do Proc. Civil, o valor do pedido formulado pelo réu só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando estes sejam distintos, nos termos do disposto no nº 3 do art. 530º.
Sucede de acordo com esta última disposição legal não se considera distinto o pedido quando a parte pretenda conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter ou quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos.
Por conseguinte, como no caso “sub judice” a ré, através da reconvenção, visa tão-só a compensação de créditos, entendemos, salvo melhor opinião, não haver lugar à alteração do valor da causa, o que inviabiliza a admissão do pedido reconvencional como mero efeito da alteração da forma de processo para comum em resultado da automática modificação daquele valor.
Aliás, nem sequer a ré/recorrente pugna por essa alteração de valor, centrando antes a sua argumentação em realidades como a economia processual, a adequação formal e o dever de gestão processual.
Mas, acima de tudo, serão razões de justiça material as que deverão ser convocadas a favor da admissibilidade da reconvenção, como forma de viabilizar a compensação de créditos, mesmo quando o inicial procedimento de injunção se reporta a quantia inferior a metade da alçada do tribunal da relação.
É, com efeito, de questionar que a reconvenção seja de admitir quando o procedimento de injunção tem valor superior a metade da alçada do tribunal da relação, por força da sua transmutação em processo comum, e não o seja quando o seu valor é inferior àquele marco.
Por outro lado, também não faz sentido que se retire ao réu a possibilidade de numa ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, quando essa mesma compensação poderá ser depois por ele invocada como fundamento de oposição à execução, conforme decorre do art. 729º, al. h) do Cód. do Proc. Civil.
Como pertinentemente afirma Miguel Teixeira de Sousa está a permitir-se a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível e, deste modo, a economia de custos que se visa como uma AECOP acabaria afinal por converter-se num desperdício de recursos.
É que em vez de uma única ação teremos duas.
Prosseguindo, há ainda a referir que, se nos encontramos numa forma de processo em que é vedada a dedução de reconvenção[8], tal ficou a dever-se à autora que unilateralmente escolheu essa via processual, sendo ainda de registar que o contra-crédito invocado pela ré se situa no âmbito da mesma relação jurídica que foi alegada pela autora.
A autora reclama da ré o pagamento de uma quantia correspondente a diversos bens que lhe forneceu, ao passo que a ré sustenta que esses mesmos bens lhe foram fornecidos com atraso significativo, situação que a levou a proceder à aplicação de penalidades decorrentes das condições gerais de adjudicação.
Pretende assim compensar o valor dos bens fornecidos com as penalidades em que autora incorreu pelos atrasos verificados nesse fornecimento.
O art. 547º do Cód. de Proc. Civil, sob a epígrafe “adequação formal” diz-nos que o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma os atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
Deste modo, em consonância com a argumentação que foi expendida por Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC, em 26.4.2017 e alterando o presente relator a sua anterior posição sobre a matéria expressa no Acórdão da Relação do Porto de 12.5.2015, entendemos que deve ser dada a possibilidade ao demandado de no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual (art. 6º do Cód. do Proc. Civil) de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.
Por conseguinte, a reconvenção, na qual a ré invocou a compensação de créditos, é de admitir, e simultaneamente é de dar, desde já, a possibilidade ao autor de a ela responder em articulado próprio.
Tal implica pois a procedência do recurso interposto, ficando prejudicadas todas as demais questões suscitadas pela ré/recorrente – cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela ré “B..., S.A.” e, em consequência:
a) Revoga-se o despacho que não admitiu a reconvenção, o qual se substitui por outro que procede à sua admissão, devendo dar-se à autora a possibilidade de, no tocante à matéria da reconvenção, apresentar articulado de resposta;
b) Revoga-se também a sentença que foi proferida.
Custas conforme vencimento a final.

Porto, 13.6.2018
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Referenciado na decisão recorrida e parcialmente transcrito nas contra-alegações.
[2] Entendimento que se manteve na 4ª edição da mesma obra, pág. 155.
[3] Do art. 1º, nº 4 do Anexo resulta que o duplicado da contestação só é remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento, donde decorre não ser admissível nem resposta à contestação, nem reconvenção.
[4] Os argumentos que se podem alinhar a favor da admissibilidade da reconvenção no processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98 radicam precisamente no interesse que o réu teria em invocar, por motivos de economia processual, a compensação de créditos no âmbito da acção contra ele proposta, ao que, porém, se opõem a própria letra da lei e as ideias de celeridade e simplificação que presidiram ao aparecimento desta forma processual. De qualquer modo, Lebre de Freitas (in ob. cit., págs. 348/9, nota 19) entende que a solução legal para esta questão no domínio da acção declarativa prevista no Dec. Lei nº 269/98 não lhe parece ser a melhor.
[5] 16 Este problema não se coloca nos embargos de executado, em que a lei exceptua especificamente o fundamento da compensação (artigo 729.º, alínea h)).
[6] Em sentido semelhante, cfr. o recente Acórdão da Relação de Coimbra de 16.1.2018, proc. 12373/17.1 YIPRT-A.C1, disponível in www.dgsi.pt, onde se escreveu o seguinte no sumário: “Em processo onde seja vedada a dedução de reconvenção, ao réu terá de ser facultada a possibilidade de invocar a compensação por via de exceção, sob pena de lhe ser coartado um importante meio de defesa.”
[7] Incomodidade que é também expressa no Acórdão da Relação do Porto de 24.1.2018 (proc. 200879/11, disponível in www.dgsi.pt).
[8] É entendimento generalizado não ser admissível reconvenção no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 262/98 – cfr., por ex., Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6ª ed. 2008, Almedina, p.87, e Acórdão da Relação de Évora de 3.12.2015, proc. 51776/17.9 YIPRT-A.E1disponível in www.dgsi.pt.