Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
982/21.9T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: BALDIOS
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP20220517982/21.9T8PNF.P1
Data do Acordão: 05/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os baldios, não sendo bens pertencentes a entidades públicas nem a entidades privadas, são uma terceira espécie de propriedade, entronada em comunidades locais, as quais podem não coincidir com as circunscrições administrativas.
II - O fio condutor na definição dos baldios tem sido o de que a sua titularidade reside nos Compartes, sendo o universo destes integrado por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais, podendo também ser atribuída pela Assembleia de Compartes essa qualidade a cidadão não residente.
III - Como forma de incentivo à sobrevivência dos baldios, a regra é a de que as receitas obtidas com a exploração dos seus recursos não são distribuíveis e são investidas na sua valorização económica e em benefício das respetivas comunidades locais. IV - A força do caso julgado incide, em princípio, sobre as questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença ou do acórdão, mas pode abranger também as questões preliminares que, tendo sido decididas expressamente na respetiva fundamentação, sejam o antecedente lógico indispensável à decisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 982/21.9T8PNF.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
JUNTA FREGUESIA ..., na arrogada qualidade de administradora do baldio melhor identificado na petição veio propor contra AA e mulher BB a presente acção, sob a forma de processo comum, concluindo a final pedindo, sejam condenados os réus:
a) a reconhecerem que o terreno a logradouro comum-baldio com os limites descritos na petição inicial e na planta topográfica, com ela junta como doc. nº 1, onde se encontravam duas presas em pedra (ou represas), uma fonte, uma mina e um tanque em pedra, é baldio da comunidade formada pelos cidadãos (compartes) residentes na área dos lugares da ..., ..., ..., ..., ..., CC, DD e ... da FREGUESIA ... do Concelho de Paredes;
b) a demolirem e retirarem do dito terreno a logradouro comum tudo aquilo com que o ocuparam, ou seja, vedações, muros, construções, pavimentos e outras obras que ali colocaram, restituindo-o à sua primitiva feição, reconstruindo o tanque, as presas, a mina, a fonte e as condutas de escoamento de água, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da sentença;
c) A restituírem à autora e aos compartes a posse do terreno a logradouro comum incluído o tanque, as presas, a mina, a fonte e as condutas de escoamento de água, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da sentença;
d) A absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam a livre fruição e utilização do terreno a logradouro comum descrito;
e) Em sanção pecuniária compulsória de 100,00€ por cada dia de incumprimento dos pedidos formulados supra.
Para fundamentar a respectiva pretensão aduziu a posse comunal da parcela pelos compartes da freguesia desde tempos imemoriais e o apossamento pelos réus desta, mediante a destruição das infra-estruturas fruídas pela comunidade caracterizada no articulado inicial.

Contestaram os réus, concluindo pela improcedência da acção, começando por excepcionar o caso julgado denegatório da pretensão e a falta de legitimidade a autora para a causa, mais impugnando os factos alegados para caracterizar a natureza de baldio aduzida, justificando outrossim a natureza particular e sua da parcela em apreço.

Em sede de saneamento decidiu-se da improcedência das excepções dilatórias convocadas pelos réus, nos termos e com os fundamentos que do despacho respectivo melhor constam, confirmando-se a regularidade da instância e seleccionando-se os factos assentes e controvertidos com interesse para a decisão da causa.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.

Foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, por não provada, absolvendo os réus dos pedidos e a julgar improcedente a pretensão de condenação da Autora como litigante de má-fé.

A JUNTA DE FREGUESIA ... veio interpor recurso, concluindo:
1-A sentença recorrida depois de concluir que a parcela de terreno em questão nestes autos não integra o prédio dos RR, termina por decidir que se trata de um bem do domínio público - não de um baldio – e por isso julga improcedente por não provada a presente ação.
2-Compreendendo a A./Recorrente que nem sempre a distinção entre o que é domínio público e o que é baldio (domínio coletivo/comunal) é nítida, o certo é que a matéria dada por provada nos presentes autos é manifestamente suficiente para concluir que a parcela em questão é um baldio.
3-Assim não assiste razão ao Tribunal recorrido quando na sentença refere que “ Sempre o uso ou aproveitamento das utilidades relacionadas com a lavagem da roupa e abeberamento/uso da água da fonte não foi referido a uma comunidade de compartes …apenas e só aos moradores do local, vizinhos e aos pacientes de um médico local”
4-É que, ao contrário do que defende a sentença, os cidadãos que utilizam e aproveitam o local em questão nos autos, são uma comunidade de compartes, no conceito de “comparte” ínsito no art. 7º nº 2 da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto.
5-Importa desde logo recordar o que ficou provado na alíneas H e L dos factos provados isto é que, durante décadas sempre foram os habitantes mais próximos do lugar da ... e os consortes da água represada nos equipamentos ali existentes, que utilizaram e fruíram em proveito próprio do terreno denominado “...” bem como das infraestruturas ali existentes.
6-Ora,nos termos do art.7 nº2 da Lei 75/2017 de 17 de Agosto “ O universo dos compartes é integrado por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais…”
7-Pelo que o reconhecimento do baldio aqui em questão não está dependente da maior ou menor dimensão da sempre “fluida” comunidade local que é dele titular, sendo certo que no Lugar ... e na vizinhança continua a existir uma “comunidade de compartes”, qualquer que seja o conteúdo que se ofereça a este conceito, uma vez que, de qualquer maneira, aquela comunidade sempre contempla, pelo menos, os moradores do local e vizinhos (alíneas H e L dos factos provados)
8-Não faz por isso qualquer sentido limitar a figura de comparte por uma “régua administrativa”, ainda por mais regendo-se os baldios, não obstante a força da lei, por usos e costumes.
Melhor dizendo,
9-O artigo 2.º alínea a) da Lei 75/2017 de 17 de Agosto dispõe que são Baldios, “os terrenos com as suas partes e equipamentos integrantes, possuídos e geridos por comunidades locais.”
10-Por seu turno, nos termos da alínea c) da mesma norma, ”Comunidade local “é o” conjunto de compartes organizado nos termos da presente lei que possui e gere os baldios e outros meios de produção comunitários.”
11-Compartes “são os titulares dos baldios.”(art. 7 nº 1 da mesma Lei)
12-Assim, as "comunidades locais" a que se refere a Constituição da República Portuguesa são constituídas pelo "universo dos compartes", sendo estes " Os cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais." ..”(art.7 nº 2 da mesma Lei)
13-Portanto, o "universo dos compartes", leia-se as "comunidades locais", tanto podem ser: os moradores de uma freguesia; os moradores de mais do que uma freguesia; os moradores de uma parte de uma freguesia designadamente de um lugar.
14-Significa isto que, para a Lei 75/2017 de 17 de Agosto as "comunidades locais" não têm como limite mínimo territorial "a menor divisão administrativa territorial", ou seja a freguesia. No âmbito daquela lei a correspondência entre a comunidade local e a freguesia é somente uma das hipóteses mas não é a única, nem esta constitui qualquer limite mínimo quanto à área daquela.
Acresce que,
15-Não tem razão o Tribunal recorrido quando na sentença refere que está “Ausente absolutamente a referencia espontânea pelas testemunhas à natureza da parcela como “baldio” e que “É certo que reconduzindo-se as testemunhas à natureza pública da parcela. Mas nunca a referência a “baldio” ou “comunidade de compartes” e sempre nunca a caracterização de uma fruição compatível ou indiciadora dessa natureza. Sempre a mais do uso privatístico da água de rega, o que resultou foi um uso temporalmente datado(a partir da construção das infraestruturas) pela generalidade dos habitantes do lugar e lugares próximos”
Na verdade
16-Esqueceu a sentença recorrida que quando as testemunhas referem que o terreno é público, tal afirmação tem de entender-se “cum grano salis”, pois ao olhos do cidadão comum a distinção entre domínio coletivo/comunal e domínio público não é nítida.
17-E não é nítida tal distinção dado que o conceito de baldio pelo menos nos últimos 70 anos oscilou entre a dominialidade coletiva/comunal e a dominialidade pública
18-Esqueceu por isso o tribunal recorrido que as testemunhas, todas elas com mais de 60 anos, viveram uma boa parte das suas vidas com os baldios sob o domínio público/autárquico, não admirando por isso que venham agora ao tribunal dizer que o terreno é público.
19-E não pode exigir-se às testemunhas, simples cidadãos comuns, que vão mudando a sua terminologia de acordo com as alterações legislativas que vão ocorrendo ao longo dos tempos relativamente ao conceito de baldio.
20-Tanto mais quando expressão "baldio" é um conceito de direito, não bastando a utilização desta palavra para, só por si, que se considere baldio determinado local.
21-Como não pode bastar que as testemunhas digam que o terreno é público para que o tribunal considere como de dominialidade pública do local
22-A tudo isto acresce que, embora a expressão baldio só tenha sido referida por algumas testemunhas, o certo é que na exposição/abaixo assinado(alínea G dos factos provados) datada de 7 de julho de 2018 ao Município de ... os subscritores autodenominaram-se “compartes do baldio”.
23-Não tem razão o Tribunal recorrido quando na sentença refere que “Foi decisivamente, a falta de prova da existência de uma comunidade local com características ancestrais e organizada (apenas e só organizados os consortes da agua), como titular do aproveitamento da parcela e suas utilidades…..Na verdade, a mais da intervenção e gestão das infraestruturas de aproveitamento de águas para rega pelos consortes, prova ausente de qualquer gestão comum (limpeza, cuidado, definição do gozo) da parcela.”
Vejamos,
24-Reitera-se aqui tudo o que quanto à existência e definição de comunidade local atrás ficou exposto e que comprovadamente tem características ancestrais pois existe desde há mais de 70 anos (alínea H dos factos provados) muito embora a ancestralidade não seja um pressuposto para a aquisição pelas comunidades locais de baldios (art.6 nº 1 Lei 75/2017 de 17 de Agosto).
25-Acresce que a organização da utilização e fruição do terreno denominado “...” pela comunidade local resulta desde lodo da ausência de prova de uma utilização anárquica e desregulada por parte dos respetivos compartes. Cada comparte utilizava o local para satisfação das suas necessidades pessoais de forma pacifica e sem violência (alínea M dos factos provados), utilização essa respeitada e reconhecida pelos consortes, vizinhos e habitantes próximos do lugar (alínea L dos facos provados).
26-Por outro lado, também não colhe o argumento de que “o aproveitamento de águas para rega pelos consortes, prova a ausência de qualquer gestão comum (limpeza, cuidado, definição do gozo) da parcela.
27-Desde logo a figura de “consorte” utilizador da água do terreno denominado “...” não é incompatível com a figura de “comparte” do aludido local.
28-Ambos coexistem simultaneamente e não é pelo facto de serem consortes que os utilizadores da água deixam de ser compartes.
29-De resto é o próprio art. 7 nº 5 da Lei 75/2017 de 17 de agosto que qualifica também como compartes as “pessoas singulares, detentoras a qualquer título de áreas agrícolas e que nelas desenvolvam actividade agrícola, ou tendo em consideração as suas ligações sociais e de origem à comunidade local, os usos e costumes locais. Assim os denominados “consortes” proprietários de terrenos no local utilizadores da água (alínea GG dos factos provados) sempre integrariam o conceito de comparte na previsão naquela norma.
30-Depois, embora nos factos provados se aluda à existência de consortes da água das “...” o certo é que não ficou provado qualquer direito de propriedade ou servidão de determinadas pessoas sobre as águas do terreno denominado ....
31-Dai não poder asseverar-se, como parece concluir a sentença, a existência de direitos de privatísticos sobre a água do terreno denominado “....”
32-Quando muito, da matéria dada por provada unicamente se pode concluir que, “consortes” são os “utilizadores agrícolas” da água para rega do terreno denominado ..., fazendo-o estes de forma “costumeira em dias e horas de todos conhecida”(alínea GG dos factos provados). Nada mais.
33-De resto, tendo resultado provada( alínea J dos factos provados) que as infraestruturas hidráulicas(tanque e presas) eram em parte alimentadas por águas provenientes dos lados norte e sul da autoestrada ..., não pode deixar de concluir-se que se tratam de águas públicas, insuscetíveis de apropriação particular e de direitos privatísticos.
34-Não obstante, mesmo que assim não fosse que é, se “ no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pela comunidade local” dos moradores do Lugar ... e vizinhos (art.3 nº 3 e 7 nº 2 Lei 75/2017 de 17 de agosto), a administração e gestão comum ( limpeza, cuidado e definição do gozo)do terreno denominado “...” estivesse confiada de facto pela comunidade de compartes, aos consortes da água, nem assim estaria ausente uma gestão comum pela comunidade de compartes.
Finalmente,
35-Mesmo que se verificasse a ausência de gestão comum do terreno denominado “...” pela comunidade de compartes, ao contrário do que refere a sentença recorrida, tal não bastava para concluir pela inexistência do baldio.
36-É que o “vazio administrativo” do baldio nunca ocorre. (art. 36 nº 1 da Lei 68/93 de 4 de Setembro , artigo 35.º, n.º 1 da Lei 75/2017 de 17 de agosto, e alínea oo do artigo 16.º] Lei 75/2013, de 12 de setembro). Na verdade
37-Quando os órgãos dos baldios não os administram, a administração compete, precariamente, às Juntas de Freguesia até que as comunidades locais se organizem para o exercício dos actos de representação, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes baldios, através de uma assembleia de compartes, um conselho diretivo e uma comissão de fiscalização»,
38-Ora resulta claramente da matéria dada como provada nas alíneas C) F) N) O) P) Q) e R) dos factos provados que a A/Recorrente Junta de Freguesia desde há muitos anos vem administrando o terreno denominado “...”
Em suma,
39-Tendo sido considerado provado que o terreno denominado “...” vem sendo, ao longo de décadas, aproveitado pelos habitantes mais próximos do Lugar ... e vizinhos, podendo qualquer pessoa daquele local, no terreno e respetivas infraestruturas, lavar a roupa, ir buscar água à fonte, dar de beber ao gado, usar como passagem/caminho para outros lugares da freguesia, nadar (sobretudo as crianças), conversar à sombra e captar água para rega, tudo com vista tão só à satisfação das suas necessidades próprias pessoais, e que tal atuação tem perdurado de forma pacifica desde pelo menos da década de 50 do século passado, não podem restar dúvidas de que se apurou estarmos perante um baldio.
40-Assim, violou a sentença recorrida por erro de interpretação o disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 82.º da Constituição da República Portuguesa; nos artigos 2.º, alínea a), 3º nº 3 e 7.º, n.ºs 1, 2 e 5 da Lei n.º 75/2017 de 17 de Agosto e no artigo 16.º alínea oo) da Lei 75/2013, de 12 de setembro.
41./Assim, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se Acórdão que acolha as conclusões precedentes e condene os RR/Recorridos nos pedidos SE FARÁ JUSTIÇA

Os réus AA E OUTRA vieram também interpor recurso, concluindo:
1ª Não obstante a presente lide ter sido julgada totalmente improcedente, ainda assim se impõe o recurso agora interposto pelos aqui recorrentes, para o qual têm legitimidade os recorrentes nos termos do disposto nos artigos 615º, nºs 1 al. d) e 4 e 631º, nº 2 ambos do Cód. Proc. Civil.
2ª E impõe-se pelo que vai vertido na decisão aqui em crise, quando se escreveu o seguinte:
De todo o modo, não foi esse o fundamento da pretensão deduzida, nem o pedido, com o que, como se adiantou, cabe julgar improcedente a pretensão (sem prejuízo da possibilidade/admissibilidade da propositura pela A. de uma nova/outra acção com os correspondentes pedido e causa de pedir, mediante a afirmação agora da autoridade do caso julgado quanto aos factos apurados).
3ª Ora, considerando que o pedido que foi formulado nos presentes autos pela recorrida contra os aqui recorrentes foi o seguinte:
a) A reconhecerem que o terreno a logradouro comum-baldio- com os limites descritos na petição inicial e na planta topográfica com ela junta como doc. nº 1, onde se encontravam duas presas em pedra (ou represas), uma fonte, uma mina e um tanque em pedra, é baldio a comunidade formada pelos cidadãos (compartes) residentes na área dos lugares de ..., ..., ..., ..., ...,CC, DD e ... da FREGUESIA ... do Concelho de Paredes;
b) A demolirem e retirarem do dito terreno a logradouro comum aquilo com que o ocuparam, ou seja, vedações, muros, construções, pavimentos e outras obras que ali colocaram, restituindo-o à sua primitiva feição, reconstruindo o tanque, as presas, a mina, a fonte e as condutas de escoamento de água, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da sentença;
c) A restituírem à A. e aos compartes a posse do terreno a logradouro comum incluindo o tanque, as presas, a mina, a fonte e as condutas de escoamento de águas, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da sentença;
d) A absterem-se de praticar quaisquer atos que impeçam a livre fruição e utilização do terreno a logradouro comum descrito;
e) Em sanção pecuniária compulsória de 100,00 € por cada dia de incumprimento dos pedidos formulados supra. (mais uma vez o sublinhado e destacado é nosso), jamais a Meritíssima Juíza a quo poderia ter-se pronunciado como pronunciou em relação a uma putativa pertença daquela parcela de terreno ao domínio público.
4ª Por isso, e nessa parte deve a decisão aqui em crise ser julgada nula, por ofensa do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Cód. Proc. Civil, uma vez que a Meritíssima Juíza a quo se pronunciou sobre matéria que nem tampouco tinha sido articulada, estando-lhe, assim, vedado esse conhecimento e pronuncia.
5ª Certo é que a Meritíssima Juíza a quo deveria apenas ter-se pronunciado sobre se aquela parcela era ou não um baldio.
E pelo que vai referido na decisão aqui em crise, entendeu – e bem – a Meritíssima Juíza a quo considerar que aquela parcela de terreno não constitui qualquer baldio.
6ª Mas ainda assim, extravasando as suas competências, entendeu – e mal – deixar o alerta para a recorrida para que intentasse nova acção, servindo-se do caso julgado que se formaria na presente lide…!
É claramente, e com o devido respeito, uma verdadeira substituição do Tribunal à parte, que nem tampouco alegou essa matéria!
7ªPor isso, as extensas 7 (sete) páginas que se escreveram na decisão aqui em crise a esse propósito – de se considerar aquela parcela de terreno como pertencente ao domínio público – devem ser tidas por não escritas e absolutamente expurgadas da referida decisão, por representarem uma clara violação legal.
8ªPara além do que já se deixou referido, existe contradição entre o que se deu como provado na alínea B) e V) dos factos provados.
Se, por um lado na primeira se assume – e bem – que a recorrida não tem qualquer registo a seu favor sobre aquela parcela de terreno, mal se percebe que não sendo aquela parcela considerada baldio, decorra da segunda (alínea V) que os recorrentes teriam de solicitar autorização à recorrida para ocupar e vedar aquela parcela de terreno.
Mas por que teriam os recorrentes de solicitar essa autorização à recorrida? Que direito reconhecido tinha a recorrida sobre aquela parcela de terreno?
Diremos nós, com todo o respeito por opinião diversa, que NENHUM!
9ª Demonstrou-se à saciedade que a recorrida apenas ali efectuou, comprovadamente, duas intervenções para limpeza e manutenção daquelas infraestruturas hidráulicas e da parcela de terreno.
Porém, sem se perceber por que motivo ou com que objectivo.
10ª Por outro lado, e não obstante os mais diversos documentos juntos aos autos (que foram considerados imprestáveis pela Meritíssima Juíz a quo), sempre deles resulta que a propriedade se encontra registada a favor dos recorrentes – tal como sucede já desde a Providência Cautelar que se encontra junta aos autos com a contestação – e que inclui aquela parcela de terreno aqui em crise.
11ªResulta dessa inscrição no registo predial o seguinte:
PREDIO URBANO – Casa do rés-do-chão e andar, com quinteiro e terreno de mato junto. – S.C.:84 m2. – S.D.: 940 m2. – .... – Nascente – EE, ponte – herdeiros de FF, norte e sul – caminho público.
12ªOu seja, daquele documento resulta à evidência que a presa se encontra incluída naquela parcela de terreno.
E, por isso, mal se percebe que a Meritíssima Juíza a quo, sem qualquer sustentação probatória¸ acabe por afirmar o seguinte:
(…)
Acresce, no sentido desta inconcludência, a alteração da descrição predial e matricial do imóvel dos RR, como documentalmente caracterizada, a qual é compatível (embora não demonstrativa a se) com uma modificação intendida ou intencional no sentido da comprovação da inclusão até então insubsistente.
Quem, que os recorrentes humildemente desconhecem, afirmou em Tribunal tal realidade?!!!
Em que depoimento poderia a Meritíssima Juíza a quo ter ancorada tamanha afirmação?!
E a modificação intencional não teve qualquer consequência?!
Estranho, no mínimo …
13ª Mas o que se decidiu, – e bem – como já se deixou supra referido, foi que aquela parcela de terreno não constitui qualquer baldio, pois que nem a isso se referiram, como afirmou a Meritíssima Juíza a quo (com excepção de duas testemunhas absolutamente interessadas e apaixonadas, a saber os Presidentes da Junta de Freguesia demandante), espontaneamente qualquer das testemunhas inquiridas.
14ªE, com o devido respeito, a decisão deveria ter-se quedado por aí, não devendo, em respeito pela legalidade, a Meritíssima Juíza a quo ter extrapolado para outras eventuais e putativas classificações daquela parcela de terreno em discussão nos autos.
15ª Não podemos é de deixar de trazer à colação aquilo que se referiu quanto à construção e edificação dessas infraestruturas hidráulicas e que foi relatado na decisão em crise do seguinte modo:
De resto, mais resultou dos depoimentos de GG, HH, II, JJ e KK, as pessoas que, com maior e mais remoto conhecimento da existência e fruição das águas e da parcela depuseram, que as infra-estruturas existentes na parcela foram construídas precisamente em função do aproveitamento para uso privativo em compropriedade de águas particulares, pelo “cedente” da água da nascente que se constituía como a principal fonte das mesmas águas… Também a presa/tanque de lavagem e a fonte e mina foram identificados como aproveitamentos criados/executados pelo mesmo benemérito.
16ª Ora, se era assim – como inquestionavelmente era – que direito teria a recorrida perante aquela parcela de terreno?
E que uso ininterrupto faria a recorrida daquelas infraestruturas que lhe pudesse ver atribuído um qualquer direito sobre essa mesma parcela de terreno?
Seriam aquelas duas intervenções em dezenas de anos que teriam o condão de lhe atribuir fosse que direito fosse?
Parece-nos particularmente claro que NÃO.
17ª Por isso, igualmente mal se percebe como pôde a Meritíssima Juíza a quo utilizar expressões como as que constam das alíneas I) e L) quando ali inscreve a expressão sempre se efectuou ou sempre teve fins agrícolas …
Mas quando é esse sempre?
Parece ter a Meritíssima Juíza a quo ter esquecido o facto de ter tida por provada a matéria de facto que inelutavelmente demonstrou um total abandono daquela parcela por parte dos consortes das águas.
Faria ali a recorrida alguma intervenção?
Servir-se-ia a recorrida daquela parcela para alguma das suas actividades?
Os autos, quer na prova testemunhal, quer na prova documental, demonstram à saciedade que nenhum interesse a recorrida tinha naquela parcela de terreno.
18ª Curiosamente esta é a segunda demanda que os aqui recorrentes têm de enfrentar na posição de demandados e nunca foram essas lides promovidas pelos consortes daquelas águas ali represadas, o que não deixa de ser estranho.
Não o foram porque jamais em tempo algum os recorrentes impediram os consortes das águas ali represadas de dela se servirem livremente e como muito bem entenderem.
Aquilo de que os recorrentes têm perfeita noção é que essas águas ali represadas jamais poderiam por eles ser utilizadas.
E sempre agiram no cumprimento dessa obrigação…
19ªA este propósito veja-se aquilo que a Meritíssima Juíza a quo verteu naquela sua decisão:
(…)
É ainda este “estado” de abandono que descaracteriza a utilização/detenção contínua da parcela por quaisquer compartes, consortes ou mesmo pela Junta. Quanto a esta, intervenções esporádicas, mas regulares e a intervenção maior havida por provada, de beneficiação e melhoramento, de limpeza e manutenção (não se tendo por suficiente, novamente, o depoimento do aludido Marcelo, mesmo porquanto contrariado frontalmente pelo do Presidente à data, a justificar uma autorização dos então proprietários/possuidores dos prédios entretanto transmitidos aos RR.
20ª Por isso, melhor teria andado a Meritíssima Juíza a quo se se tivesse quedado pela decisão do pedido que lhe foi dirigido na petição inicial, julgando a presente lide – e bem – totalmente improcedente por não se verificar estar-se perante uma situação de baldio.
E nada mais!!!
21ª Com todo o respeito não tinha de se ter pronunciado sobre uma questão que lhe não tinha sido colocado, muito menos a de se substituir à parte na sua total ausência de alegação e muito menos ainda de aconselhar a parte “perdedora” a intentar nova acção e servir-se do caso julgado para essa mesma acção!!!
22ªAssim, e para não tornar demasiadamente extensas as presentes conclusões no que tange ao modo como deveria ter sido proferida a decisão, com o devido respeito e vénia, se remete para o ponto II do corpo desta alegações, dizendo-se de forma resumida que dos tidos por provados devem ser expurgadas afirmações dos alíneas H), I), M), N), V), ao que deve ser acrescentada a alínea HH) (retirada do ponto 16 dos factos não provados) e que deverá ter a seguinte redacção:
HH) O prédio dos RR integra a parcela em apreço nos autos.
23ª Quanto aos factos não provados, deverão manter-se inalterados, com a excepção como acabou de se referir quanto ao ponto 16, o qual deverá passar a integrar o elenco dos factos provados.
24ª A decisão recorrida é nula por clara e evidente violação, entre o mais, do disposto no artigo 615º, nº 1 al. d) do Cód. Proc. Civil.
Pelo exposto, julgando o presente recurso totalmente procedente, e produzindo douto acórdão que expurgue a decisão recorrida de todos os considerando relativos a uma putativa pertença daquela parcela de terreno ao domínio publico e alterando a matéria de facto provada e não provada nos termos supra referido, se fará sã e acostumada JUSTIÇA

Os réus AA e BB A vieram apresentar contra-alegações ao recurso da JUNTA DE FREGUESIA ..., concluindo:
1ª Não assiste à recorrente a mais ténue ponta de razão no presente recurso, como a mesma bem o sabe.
2ª E é pelo facto de confundir conceitos, ou com eles pretender brincar, deturpando o que é um terreno baldio e um terreno do domínio público, que “ousou” interpor o presente recurso.
3ª Ao contrário daquilo que a recorrente afirma, não está preto no branco que se tenha entendido na decisão recorrida que a parcela de terreno em discussão nos autos não integre o prédio dos recorridos.
4ª Com efeito, e não obstante a Meritíssima Juíza a quo rotular de imprestáveis os vários documentos juntos aos autos (certidões prediais e matriciais), o certo é que do documento junto com a contestação sob a designação de doc. nº 5 refere expressamente o seguinte:
PREDIO URBANO – Casa do rés-do-chão e andar, com quinteiro e terreno de mato junto. – S.C.: 84 m2. – S.D.: 940 m2. – .... – Nascente – EE, ponte – herdeiros de FF, norte e sul – caminho público, apresentação que datava já desde 2005
5ª Ora, com o devido respeito por opinião diversa, sempre os recorridos beneficiavam de uma presunção que decorre do registo efectuado a seu favor.
E incumbia à recorrente – que não ao Tribunal – afastar essa mesma presunção.
6ª Aqui chegados, e considerando o que foi peticionado nos presentes autos pela recorrente – que aquela parcela de terreno fosse considerada como um baldio –, jamais o Tribunal a quo poderia, ao entender – e bem – que aquela parcela não revestia o carácter de baldio, poderia estar integrada no domínio público.
7ª Por isso, e atento o desfecho da presente lide, a recorrente entendeu brincar com as palavras e com os conceitos, quando quis vir afirmar que a linha que divide o entendimento jurídico de baldio com o de domínio público é muito ténue.
8ª Porém, e como a mesma bem o sabe, esses conceitos são absolutamente distintos, não se confundindo, tal como muito bem foram retratados – os conceitos – na decisão aqui em crise e para a qual, por uma questão de economia processual, nessa parte remetemos.
9ª Não há nem nunca existiu comunidade de compartes na área de intervenção da recorrente; o que existe, e no que respeita à parcela aqui em discussão, é uma comunidade de consortes, comunidade que tem por objectivo apenas e só o aproveitamento das águas represadas nas presas existentes na parcela em discussão nos autos.
E esse aproveitamento é feito apenas e só pelos proprietários e/ou “caseiros” dos terrenos agrícolas que se situam a jusante daquelas presas.
10ªVeja-se que mesmo na decisão em crise no presente recurso jamais se faz referência a uma qualquer comunidade de compartes, mas sim a uma comunidade de consortes das águas.
Porém, a recorrente pretende que se leia nessa mesma decisão o que ali não está escrito!
11ªE nem mesmo o que vai referido nas alíneas H) e L) dos factos provados tem o condão de dar cobertura à posição assumida pela recorrente, isto é, a de que existe uma comunidade de compartes e que, por isso, se trata aquela parcela de terreno baldio.
É necessário bem mais do que isso.
12ªTambém se refere na decisão em crise que aquele equipamento hidráulico há muito foi abandonado, de tal sorte que as intervenções ali ocorridas pela recorrente o foram considerando as queixas que vizinhos lhe apresentavam atento o estado de abandono a que estava votado aquele equipamento.
13ªMas ainda assim a recorrente insiste em negar o óbvio.
Quem hoje, nos dias de hoje, ali recorreria para lavar a roupa, para dar de beber aos seus animais (que se presume seja gado bovino), para nadar e se banhar naquelas águas ou mesmo procurar sombra para dar duas de prosa?!
Ousamos responder um rotundo NINGUÉM...!
14ªA recorrente, como muito bem se decidiu na alínea B) dos factos provados, não tem qualquer registo ou inscrição a seu favor no que tange àquela parcela de terreno, matéria de facto que, de resto, foi pela própria recorrente trazida aos autos.
Isto é, não tem qualquer direito reconhecido e/ou registado sobre aquela parcela de terreno.
15ªA recorrente parece igualmente ter esquecido o que vai referido na decisão aqui em crise no que respeita à construção daquele equipamento hidráulico e à sua utilização.
Mas recordemos um trecho dessa passagem que está transcrita no corpo desta contra alegações – e que foi feita por referência ao depoimento das testemunhas arroladas pela própria recorrente – que diz o seguinte:
(...) as pessoas que, com maior e mais remoto conhecimento da existência e fruição das águas e da parcela depuseram, que as infra-estruturas existentes na parcela foram construídas precisamente em função do aproveitamento para uso privativo em compropriedade de águas particulares, pelo “cedente” da água de nascente que se constituía como a principal fonte das mesmas águas... Também a presa/tanque de lavagem e a fonte e a mina foram identificados como aproveitamentos criados/executados pelo mesmo benemérito. Ora, sempre o uso, limpeza e manutenção das infraestruturas (tanque/presa superior e presa junto ao caminho) conexas ao aproveitamento daquela água foram atribuídas unanimemente aos consortes da água, sem prejuízo das intervenções feitas pela Junta havidas pro provadas, nos termos supra.
Sempre pontuais, mas reiteradas estas, provocadas inclusive por reclamações da vizinhança quando ao estado “selvagem” da parcela, provocado pelo progressivo desuso e pela inércia dos consortes.
16ª Não teria a recorrente escutado o que foi referido pelas suas próprias testemunhas? Não teria a recorrente atentado nessa parte da decisão aqui em crise?
Julgamos humildemente que sim, pois que se uma ou outra realidade não tivessem sucedido, jamais o presente recurso teria sido intentado.
E, adiante-se, por que motivo a recorrente, que entende ter sido realizado um mau julgamento da matéria de facto, não transcreve ou refere uma única passagem de um único depoimento que fosse de encontro à sua pretensão?
Simplesmente porque não existiu...!
17ª Como pode a recorrente vir dizer que sobre aquela parcela estava constituída uma comunidade de compartes? Era ou não a utilização daquele equipamento de uso particular, desde sempre consentido pelo seu proprietário?!!!
A resposta encontra-se com uma cristalina clareza no trecho da decisão recorrida supra transcrita.
18ªJamais demonstrou a recorrente que aquela parcela de terreno era baldio; e depois de o Tribunal a quo se ter substituído à própria recorrente, nem assim a mesma consegue libertar-se do entendimento – errado – em que sempre laborou de ali existir um baldio.
Nem mesmo de terreno do domínio público...
19ªPor isso, e por muito que insista em que os conceitos se confundem, ainda que aos olhos do cidadão comum, nem assim consegue encontrar onde ancorar aquele seu entendimento.
Onde está a assembleia de compartes legal e democraticamente eleita? Onde está o conselho directivo? Onde está a comissão de fiscalização?
Em lado algum, porque não existe, naquela freguesia, qualquer baldio que impusesse a criação quer de uma assembleia de compartes, quer de um conselho directivo dos baldios.
20ªE não é pelo facto de numa exposição/abaixo assinado que foi remetido pela recorrente ao Município de ... em que ali se intitularam de “compartes do baldio” que aquele terreno de que se queriam indevidamente apropriar passaria a ser baldio.
Era o que mais faltava... quando nos autos nem tampouco conseguiu a recorrente demonstrar a existência de uma comunidade local com características ancestrais e organizada como titular do aproveitamento da parcela e suas utilidades.
21ªE lamentavelmente nestes autos a recorrente, mais uma vez, parece querer tomar as dores de quem não as tem, ou seja, parece querer substituir-se aos consortes – que não compartes – das águas que nunca foram impedidos de ali aceder para poderem servir-se das águas ali represadas.
22ª E à semelhança da confusão que a recorrente faz de baldio e terreno do domínio público, igualmente brinca com os conceitos de comparte e de consorte.
Chega mesmo ao cúmulo de afirmar que o consorte da água não é incompatível com o comparte da parcela.
Quanto ao consorte da água, está absolutamente certa, pois ele existia e ainda hoje existe.
Ainda hoje os proprietários e/ou “caseiros” dos terrenos agrícolas que se situam a jusante daquelas represas se servem daquelas águas.
Já quanto ao comparte não assiste a mais ténue razão, pelos motivos já supra expostos.
23ªE não deixa de ser curioso que ora o consorte – da água – possa ser comparte, ora já o não possa ser, pois que, como refere, não ficou provado qualquer direito de propriedade ou servidão de determinadas pessoas sobre as águas do terreno denominado ....
Porém, sabe a mesma que se demonstrou precisamente o contrário daquilo que alega; e essa prova decorreu dos depoimentos das testemunhas que a própria recorrente arrolou e fez comparecer em juízo.!
24ª E nem mesmo o abandono da administração – que não ocorreu porque nunca existiu – do alegado (e não demonstrado) baldio atribuiria à recorrente a título precário essa administração até que a comunidade local se organizasse.
Demoraria assim tantas décadas a organizar a tal assembleia de compartes para administrar aquele e outros baldios?!!!
Que dificuldade essa assembleia de compartes teria para se constituir?
Por nós arriscamo-nos a afirmar que a dificuldade maior era ter baldios para gerir/administrar, pois nem as testemunhas mais idosas tinha memória da existência de baldios...!
25ª A falta de razão da recorrente é de tal sorte confrangedora que cuidamos que nem a mesma acreditará naquilo que afirma.
Resultou de forma clara dos autos que os “autores” desta perseguição aos recorridos tem sido os antigos presidentes daquela Junta de Freguesia, únicos que curiosamente falaram em baldio sem que fossem os mais antigos moradores daquela freguesia.
Será, certamente, uma questão de cor partidária ...
26ªFinalmente, e não menos importante, é o facto de a recorrente entender que na decisão recorrida ocorreu erro de interpretação.
Mas interpretação do quê?
Estará a referir-se aos depoimentos testemunhais? Estará a referir-se a um qualquer documento?
Seja como for, de acordo com o disposto no artigo 640º do Cód. Proc. Civil deveria a recorrente ter indicado quais os concretos meios probatórios existentes nos autos que impunham decisão diversa da proferida.
27ª E se esses meios probatórios disserem respeito a depoimentos testemunhais deveria, sob pena de rejeição do recurso, ter, no mínimo, indicado com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
28ª Ora, lidas e relidas as doutas alegações, nem o mais ténue vestígio dessa referência ou uma simples transcrição de um qualquer depoimento.
E bem sabem os recorrido porquê: - porque pura e simplesmente NENHUMA
TESTEMUNHA fez referência a baldios, terrenos do domínio público ou o que quer que fosse que pudesse acolher o “entendimento” da recorrente.
29ª Assim, e porque os aqui recorridos igualmente interpuseram recurso de Apelação no que respeita à parte em que se faz apelo a nova acção judicial com a afirmação de caso julgado – no que se excedeu o Tribunal a quo, tanto mais que se trata de matéria que não foi sequer articulada ou peticionada
– cujas conclusões aqui se dão por reproduzidas, não pode o presente recurso deixar de ser julgado totalmente improcedente.
Pelo exposto
Deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a decisão – no que ao presente recurso diz respeito e que não colida com o recurso interposto pelos aqui recorridos – proferida pelo Tribunal a quo, com o que se fará são e acostumada JUSTIÇA.

A JUNTA DE FREGUESIA ... veio apresentar contra-alegações ao recurso dos réus, defendendo que carecem de qualquer fundamento de direito ou de facto as conclusões formuladas pelos réus, devendo ser negado provimento ao recurso.

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, as questões a resolver consistem em saber se:
1. - RECURSO DA AUTORA JUNTA DE FREGUESIA ...
- a parcela em questão pertence a uma comunidade de compartes devendo ser considerado baldio
2. Recurso dos réus AA E OUTRA.
- ocorre a nulidade da sentença prevista no artigo 615º, nº 1 al. d) do Cód. Proc. Civil;
- existe contradição entre factos provados:
-ocorre e pode ser conhecido erro de julgamento da matéria de facto.

II – Fundamentação de facto
O tribunal recorrido considerou
Factos provados
A) Está registado a favor dos RR o direito de propriedade sobre o prédio urbano composto por casa de rés do chão e andar, com quinteiro e terreno de mato, destinado à habitação, inscrito na matriz predial sob o nº ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº ... da FREGUESIA ..., tudo como melhor decorre do teor dos documentos com a contestação, de fls. 185 a 189.
B) O terreno objecto desta acção não se encontra registado a favor da A. / Junta de Freguesia, nem dos compartes, como também não se encontra inscrito na matriz predial rústica a favor dos mesmos.
C) A A. interpelou os RR para desocuparem o terreno a logradouro.
D) À interpelação da A., o R. marido respondeu, por carta registada com aviso de receção, nos termos do doc.33 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
E) Em 17 de Março de 2016, a A. enviou ao R. marido, carta registada com aviso de receção, nos termos do documento junto à petição sob o doc. 34, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhe que “o terreno a logradouro comum, as presas, o tanque, a fonte e a mina, são pertença de domínio público, ordenando-lhe de não praticasse qualquer comportamento abusivo e de ocupação ilícita, peticionando que procedesse à desocupação do terreno indevidamente ocupado”.
F) A A. retirou todas as vedações colocadas pelos RR. no logradouro em causa antes de 2018.
G) Em 7 de Junho de 2018, por um conjunto de autodenominados compartes do baldio foi elaborado um abaixo assinado, no qual expuseram e demonstraram o seu desagrado perante a apropriação ilícita, por parte do Réu, das ditas represas de utilidade pública, tendo-o remetido para o Município de ..., nos termos do documento junto à petição inicial como documento nº 45, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
H) Desde há mais de 50/60/70 anos que, após a construção dos equipamentos de recolha/armazenamento e aproveitamento de águas por consortes (o aproveitamento), a saber, um tanque/represa com lavadouro em pedra, servido por uma mina, uma fonte/bica ou fontenário e duas presas ou represas em pedra, ao menos os habitantes mais próximos do lugar da ... e os consortes da água represada nos equipamentos ali existentes, gozavam das utilidades do imóvel/parcela conhecido como “...”, sito no antigo lugar da ..., atualmente Rua ..., FREGUESIA ..., Concelho de Paredes, com a área de cerca de 600 m2 e a confrontar do norte com a Rua ..., do Sul com a Rua ..., do Nascente com LL e do Poente com os RR. (doc. 1 com a petição inicial, área a amarelo). Assim, os habitantes próximos para lavar a roupa e ir buscar água à fonte (o que faziam também pessoas doutros lugares, por recomendação de um médico local), dar de beber ao gado, usar como passagem/caminho para outros lugares da freguesia, nadar (sobretudo as crianças) e conversar à sombra. Os consortes da água procediam à limpeza dos equipamentos de reserva e tornavam a água que lhes cabia, mantendo, pela deslocação continuada, a limpeza da parcela.
I) O acesso ao referido terreno sempre se efetuou de forma livre e desimpedida por uma entrada a sul a partir da Rua ... e por uma entrada a norte, através de uma escadaria em pedra a partir da Rua ..., sendo utilizado para circulação a pé entre lugares.
J) O conjunto das infraestruturas hidráulicas referidas em H) era alimentado e retinha os excedentes das águas provenientes de uma mina existente a montante, denominada “...”, bem assim como as águas oriundas de terrenos situados a seu montante, nomeadamente do lado Norte e Sul da auto-estrada ....
L) A parcela descrita em H), mormente o complexo hidráulico nele instalado, sempre teve os fins agrícolas (rega de terrenos de consortes a jusante) e sociais (abastecimento e recolha de água para consumo humano dos habitantes dos lugares próximos e lavadouro das suas roupas), recreativos, de abeberamento, nos termos referidos em H), assim sendo respeitado e reconhecido pelos consortes, vizinhos e habitantes próximos do lugar.
M) O terreno denominado por “...” foi utilizado pelo modo referido em H) e L) de forma pacífica e sem violência ou contra a vontade de quem quer que seja, publicamente à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, durante lapso de tempo superior a 20 anos, sendo que, progressivamente, nos últimos 10/15 anos, cessou o uso do tanque/lavadouro, recreativo, a recolha da água para beber, o abeberamento dos animais. Foi também reduzida a periodicidade da limpeza das presas/tanques pelos consortes da água, em termos de por vezes os equipamentos se acharem atolados, infestados de plantas/vegetação, o mesmo sucedendo com o terreno.
N) A A. Junta de Freguesia procedeu ocasional, mas regularmente, e à vista de toda a gente, à limpeza, corte das ervas e vegetação da parcela, ao longo dos anos, após 1974 e até ao presente.
O) A A. Junta de Freguesia a fim de benfeitorizar o imóvel na sua principal função, - a retenção de águas para rega-, inscreveu no seu plano de atividades do ano de 2008 diversas obras nas “...”…
P) Essas obras foram assim realizadas ainda no ano de 2008 com o apoio financeiro da Câmara Municipal ... e consistiram na reposição de algumas pedras nas presas, no desassoreamento do tanque e presas, na conservação e reparação dos caneiros condutores da água e na limpeza com corte das ervas e vegetação que cresce a esmo e na pavimentação da envolvente.
Q) Aquelas obras tiveram lugar à vista de toda a gente e sem a oposição de quem quer que seja e prolongaram-se por vários dias.
R) A A./ JUNTA DE FREGUESIA ..., em 15.12.2010, solicitou para efeitos do art. 89 do Dec. Lei nº 226/A/2007 de 31 de Maio junto do Presidente da ARH do Norte, IP a regularização do complexo hidráulico existente no terreno a logradouro referido, concretamente as construções que o compõem (tanque e represas), nos termos do doc.21 junto com a petição.
S) A habitação e logradouro do imóvel dos RR sempre estiveram na confrontação com o logradouro referido ao menos parcialmente vedados por muros de vedação…
T) O terreno do logradouro do prédio dos RR sempre se situou a uma quota superior à cota das presas existentes no terreno em apreço nos autos.
U) O prédio dos RR, pelo seu lado nascente, apresentava muros de vedação e suporte de terras, construídos com “lages” de pedra granítica, distinguindo-se perfeitamente do terreno onde estão implantadas as presas, mina e fonte.
V) Desde o início do ano de 2016, que os RR tentaram, por diversas vezes, ocupar e vedar a parcela onde se encontram as infraestruturas identificadas em H), querendo fazê-la sua, sem autorização da A. e sem autorização dos consortes da água.
X) Tendo os RR ocupado a totalidade do terreno identificado em H).
Z) Em data não exactamente apurada de 2017 os RR vedaram com rede o acesso ao terreno pelo lado Sul, a partir da Rua ..., e pelo lado Norte, a partir da Rua ....
AA) Impedindo, desta forma, o acesso ao referido terreno e ao complexo hidráulico nele existente, à excepção da presa mais próxima da Rua ..., que se manteve acessível a partir desta mesma Rua.
BB) Em meados do ano de 2017, os RR vedaram novamente o terreno.
CC) Desde meados de Abril de 2018 que o terreno se encontra vedado pelos RR.
DD) Os RR efetuaram diversas obras, nomeadamente, construindo muros, vedações e barracos mormente nos acessos existentes pelas vias públicas.
EE) Para além disso os RR destruíram/demoliram ao menos uma presa, aterrando os locais onde se encontravam implantadas assim também a fonte e a mina, compactando o solo do terreno.
FF) Mantém-se a possibilidade de rega pelos consortes da água, através da presa referida em AA) e mediante as águas referidas em J), sem prejuízo do desaparecimento da utilidade/aproveitamento das águas da fonte e mina destruídas.
GG) As águas referidas em J) e as demais represadas na parcela em causa sempre foram utilizadas para rega apenas e só pelos proprietários de vários prédios devidamente conhecidos/identificados, de acordo com uma repartição costumeira em dias e horas por todos conhecida.
HH) À data da aquisição pelos RR do seu prédio os consortes das águas das presas ali não procediam a quaisquer trabalhos de limpeza e/ou manutenção desde há largo tempo, achando-se as infraestruturas assoreadas e infestadas de plantas.
Factos não provados
Não se provou que:
1. A comunidade formada pelos cidadãos (compartes) residentes na área dos lugares da ..., ..., ..., ..., ..., CC, DD e ..., da FREGUESIA ... do Concelho de Paredes, faz uso comum desde tempos imemoriais de um imóvel/parcela denominado de “...” composto de terreno a logradouro comum com duas presas (ou represas) em pedra, uma fonte(bica ou fontenário), um tanque com lavadouro em pedra e uma mina, sito no antigo lugar da ..., atualmente Rua ..., FREGUESIA ..., Concelho de Paredes, com a área de cerca de 600 m2 e a confrontar do norte com a Rua ..., do Sul com a Rua ..., do Nascente com LL e do Poente com os RR. (doc. 1 com a petição inicial, área a amarelo);
2. A parcela referida em H) constituía-se como logradouro comum e era usada pela generalidade das pessoas/a comunidade dos lugares da FREGUESIA ..., nomeadamente os da designada zona de ....
3. O imóvel/logradouro servia a rega de terrenos de compartes a jusante; os compartes banhavam-se nas águas do tanque e reuniam-se à volta do tanque, presas e fonte para disfrutar da frescura proporcionada e servia fins cinegéticos: as presas e o tanque serviam bebedouro e local de nidificação a espécies cinegéticas como javalis e patos bravos.
4. O uso da parcela identificada em H) tem-no sido de forma ininterrupta e permanente, desde que há memória ou desde tempos imemoriais.
5. Todos os actos de fruição são e sempre foram praticados individualmente por cada um dos compartes com a intenção de afirmar e demonstrar um domínio/propriedade comunal sobre o dito terreno;
6. Desde tempos remotos, o espaço onde o tanque, as presas, a fonte e a mina se encontram construídas, tem vido a ser sucessivamente cuidado, quer pela acção de alguns compartes, quer pela acção da A. Junta de Freguesia, para além do provado em N) a P);
7. As obras referidas em P) decorreram por um período de cerca de 3 semanas;
8. No final da obra e para a comemorar o evento realizou-se no local um grande piquenique com a participação de mais de duas dezenas de compartes;
9. O prédio dos RR confrontava (ou partia) do lado nascente com as “lages da preza”, a saber, as pedras da presa a que se alude em H), sita na continuidade do prédio dos RR;
10. A habitação e logradouro do imóvel dos RR sempre estiveram na confrontação com o logradouro totalmente vedados por muros de vedação, sendo impossível a entrada no logradouro ou parcela a partir do prédio dos RR;
11. Nunca os RR ou antepossuidores do seu prédio possuíram qualquer abertura ou acesso direto do seu prédio para o terreno a logradouro;
12. Sempre os antepossuidores do prédio dos RR reconheceram que o terreno a logradouro integrado pelo complexo hidráulico nele existente (presas, tanque, fonte, regos) referido era terreno baldio e pertencia aos cidadãos (compartes);
13. Para além dos factos referidos na matéria assente, os RR destruíram e demoliram as demais presas, pavimentando e impermeabilizando a quase totalidade do solo do terreno;
14. Estão por isso a A. e os cidadãos compartes do baldio, como os consortes da água impedidos de utilizar e fruir da água referida em J) dos factos assentes;
15. O custo da demolição e remoção das construções ali efetuadas pelos RR e o custo de reconstrução das presas, tanque, fonte, mina e muros destruídos pelos RR, ascendem a um montante superior a €55.000,00;
16. O prédio dos RR integra a parcela em apreço nos autos;
17. As águas represadas nos equipamentos da parcela em apreço eram usadas pela generalidade dos moradores dos lugares próximos e/ou pela comunidade daqueles;
18. Nunca os consortes dessa água foram impedidos pelos aqui demandados de acederem à parcela para fazerem o que muito bem entendessem, nomeadamente com referência ao tanque/presa no topo da parcela entretanto vedada e à presa e mina aterradas;
19. Jamais a demandante ou mesmo os consortes das águas da presa procederam a quaisquer trabalhos de limpeza e ou manutenção das infraestruturas ali existentes ou da parcela onde se implantavam.

III- Do mérito dos recursos
1.- RECURSO DA AUTORA JUNTA DE FREGUESIA ...
Argumenta a autora que, ao contrário do que se defende a sentença, os cidadãos que utilizam e aproveitam o local em questão nos autos, são uma comunidade de compartes, no conceito de “comparte” ínsito no artigo 7º nº 2 da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto.
Que ficou provado nas alíneas H e L dos factos provados que durante décadas sempre foram os habitantes mais próximos do lugar da ... e os consortes da água represada nos equipamentos ali existentes, que utilizaram e fruíram em proveito próprio do terreno denominado “...” bem como das infra-estruturas ali existentes. Que o reconhecimento do baldio aqui em questão não está dependente da maior ou menor dimensão da sempre “fluida” comunidade local que é dele titular, sendo certo que no Lugar ... e na vizinhança continua a existir uma “comunidade de compartes”, qualquer que seja o conteúdo que se ofereça a este conceito, uma vez que, de qualquer maneira, aquela comunidade sempre contempla, pelo menos, os moradores do local e vizinhos (alíneas H e L dos factos provados).
Atentemos então na problemática dos baldios no geral.
Na vigência do Código Civil de 1867, as coisas, relativamente à titularidade do respectivo direito de propriedade, eram qualificadas de públicas, comuns ou particulares (artigo 379º).
As coisas comuns, naturais ou artificiais, em que se incluíam os baldios, municipais ou paroquiais, eram as não individualmente apropriadas, cujo aproveitamento, restrito aos habitantes de determinada circunscrição administrativa, obedecia aos pertinentes regulamentos administrativos (artigo 381º).
O Código Administrativo de 1940 reportou-se aos baldios, caracterizando-os como terrenos não individualmente apropriados, cujo proveito, nos termos dos regulamentos, era restrito aos indivíduos residentes em determinada circunscrição (artigo 394º).
O Código Civil de 1966, referindo-se às coisas fora do comércio, caracteriza-as como aquelas que não podem ser objecto de direitos privados (artigo 202º).
No diploma relativo ao programa da reforma agrária, o Decreto-Lei nº 203-C/75, de 15 de Abril, anunciou-se a restituição dos baldios aos seus legítimos donos, que passariam a administrá-los, através das respectivas associações, exclusivamente ou em colaboração com o Estado (Anexo 3).
Pouco depois, foi publicado o Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de Janeiro, visando alegadamente a entrega dos baldios às comunidades que deles teriam sido desapossadas, caracterizando-os como sendo os terrenos comunitariamente usados e fruídos pelos moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas (artigo 1º).
Na mesma data, foi publicado o Decreto-Lei nº 40/76, de 19 de Janeiro, com vista à recuperação pelas comunidades respectivas dos que haviam sido indevidamente apropriados.
Eram coisas fora do comércio jurídico, não podendo, no todo ou em parte, ser objecto de apropriação privada, incluída a usucapião, e a sua administração foi atribuída aos compartes.
Estabeleceu-se serem anuláveis a todo o tempo, nos termos de direito, os actos ou os negócios jurídicos cujo objecto tivesse sido a apropriação de baldios por particulares bem como as subsequentes transmissões que não fossem nulas.
Mas quando o acto de alienação, além de ter a forma legal, tivesse sido sancionado por entidade para o efeito competente, a anulação só poderia ser declarada em caso de relevante prejuízo económico ou lesão de interesses dos compartes.
A legitimidade para o pedido de anulação foi encabeçada nas assembleias de compartes e, na sua falta, nas juntas de freguesia.
Assim, a jurisprudência foi decidindo, uniformemente, pela prescritibilidade dos baldios, desde o Cód. de Seabra até ao início da vigência do citado Dec-lei 39/76 e pela sua imprescritibilidade a partir da entrada em vigor desse diploma (Ac. S.T.J. de 20-1-99, Col. Ac. S.T.J., Ano VII, tomo 1º, 53, entre outros).
A Constituição de 1976, aprovada no dia 2 de Abril desse ano, integrou os baldios no sector de produção pública e propriedade social, na espécie dos bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais (artigos 89º, nºs 1 e 2, alínea c) e 90º).
Com a revisão da Constituição em 1989, não alterada nesta matéria depois disso, os baldios são considerados meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais, integrando, a par dos sectores público e do privado, o sector cooperativo e social (artigo 82º, nºs 1 a 4, alínea b)).
Seguiu-se a Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, que revogou os Decretos-Leis nºs 39/76 e 40/76, de 19 de Janeiro, sucedendo-lhe a Lei n.º 89/97, de 30/07, a Lei n.º72/2014, de 02/09, a Retificação n.º 46/2014, de 29/10 e, recentemente, a Lei n.º 75/2017, de 17/08.
O fio condutor na definição dos baldios tem sido o de que a sua titularidade reside nos Compartes, sendo o universo destes integrado por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais, podendo também ser atribuída pela Assembleia de Compartes essa qualidade a cidadão não residente.
Para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes imóveis, os Compartes organizam-se em Assembleia de Compartes, bem como em Conselho Directivo e em Comissão de Fiscalização, eleitos por aquela.
A Assembleia de Compartes tem um vasto leque de competências de administração e gestão, sendo o Conselho Directivo eleito por ela como seu órgão representativo.
A sua posse e gestão comunitárias significam que as comunidades locais, enquanto comunidades de habitantes, são titulares em comum, dos direitos de gozo, de uso e de domínio dos meios de produção comunitários.
Portanto, os baldios, não sendo bens pertencentes a entidades públicas nem a entidades privadas, são, sem dúvida, uma terceira espécie de propriedade, entronada nas referidas comunidades locais, as quais podem não coincidir com as circunscrições administrativas.
Como forma de incentivo à sobrevivência dos baldios, a regra é a de que as receitas obtidas com a exploração dos seus recursos não são distribuíveis e são investidas na sua valorização económica e em benefício das respectivas comunidades locais, nomeadamente na administração dos imóveis comunitários, na valorização desses baldios e na constituição de reservas para sua futura valorização no mínimo de 20 % dos resultados positivos obtidos, na beneficiação cultural e social dos habitantes dos núcleos populacionais de residência dos seus compartes, bem como noutros fins de interesse colectivo relevante, deliberados pela Assembleia de Compartes. No caso de resultados positivos obtidos com gestão florestal, devem ser objecto de reinvestimento do mesmo tipo.
A existência dos baldios tem sido muito conturbada ao longo dos tempos. Desde logo, no século XVIII ocorreu a denominada guerra dos baldios, que não cessou com a implantação da República.
Na realidade a existência de terrenos comunais ou comunitários sempre conflituou com o conceito burguês da propriedade individual, livre e perfeita.
Em 1954 aconteceu que que foram submetidas ao regime florestal grandes áreas de terreno baldio. Tal atitude foi considerada uma “espoliação” à população de terrenos baldios, gerando-se, de novo, uma forte crispação social, sublimada na obra de Aquilino Ribeiro, “Quando os Lobos Uivam”. - (referência de Jaime Gralheiro, em Comentário às Leis das Baldios, Almedina).
Actualmente, com a acentuada diáspora do interior rural para o litoral com maior concentração de indústria comércio e serviços e consequente maior oferta de empregos, torna-se cada vez mais difícil a persistência desta forma de propriedade colectiva.
Cumpre referir que, por regra, dada a falta de organização dos compartes nos órgãos competentes, os baldios têm sido tendencialmente administrados pelas juntas de freguesia ou câmaras, conforme se tratasse de baldios paroquiais ou baldios municipais.
É essa noção que consta actualmente do artigo 37.º da Lei n.º 75/2017, de 17/08.
Depois deste enquadramento, importa, em face da prova produzida, perceber se a parcela em análise pode se ser considerada terreno baldio.
Provou-se o seguinte:
- Desde há mais de 50/60/70 anos que, após a construção dos equipamentos de recolha/armazenamento e aproveitamento de águas por consortes (o aproveitamento), a saber, um tanque/represa com lavadouro em pedra, servido por uma mina, uma fonte/bica ou fontenário e duas presas ou represas em pedra, ao menos os habitantes mais próximos do lugar da ... e os consortes da água represada nos equipamentos ali existentes, gozavam das utilidades do imóvel/parcela conhecido como “...”, sito no antigo lugar da ..., actualmente Rua ..., FREGUESIA ..., Concelho de Paredes, com a área de cerca de 600 m2 e a confrontar do norte com a Rua ..., do Sul com a Rua ..., do Nascente com LL e do Poente com os RR. (doc. 1 com a petição inicial, área a amarelo). Assim, os habitantes próximos para lavar a roupa e ir buscar água à fonte (o que faziam também pessoas doutros lugares, por recomendação de um médico local), dar de beber ao gado, usar como passagem/caminho para outros lugares da freguesia, nadar (sobretudo as crianças) e conversar à sombra. Os consortes da água procediam à limpeza dos equipamentos de reserva e tornavam a água que lhes cabia, mantendo, pela deslocação continuada, a limpeza da parcela.
- O acesso ao referido terreno sempre se efectuou de forma livre e desimpedida por uma entrada a Sul a partir da Rua ... e por uma entrada a Norte, através de uma escadaria em pedra a partir da Rua ..., sendo utilizado para circulação a pé entre lugares.
- O conjunto das infra-estruturas hidráulicas referidas era alimentado e retinha os excedentes das águas provenientes de uma mina existente a montante, denominada “...”, bem assim como as águas oriundas de terrenos situados a seu montante, nomeadamente do lado Norte e Sul da auto-estrada ....
- A parcela, mormente o complexo hidráulico nele instalado, sempre teve os fins agrícolas (rega de terrenos de consortes a jusante) e sociais (abastecimento e recolha de água para consumo humano dos habitantes dos lugares próximos e lavadouro das suas roupas), recreativos, de abeberamento, nos termos referidos em H), assim sendo respeitado e reconhecido pelos consortes, vizinhos e habitantes próximos do lugar.
- O terreno denominado por “...” foi utilizado de forma pacífica e sem violência ou contra a vontade de quem quer que seja, publicamente à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, durante lapso de tempo superior a 20 anos, sendo que, progressivamente, nos últimos 10/15 anos, cessou o uso do tanque/lavadouro, recreativo, a recolha da água para beber, o abeberamento dos animais. Foi também reduzida a periodicidade da limpeza das presas/tanques pelos consortes da água, em termos de por vezes os equipamentos se acharem atolados, infestados de plantas/vegetação, o mesmo sucedendo com o terreno.
- A A. Junta de Freguesia procedeu ocasional, mas regularmente, e à vista de toda a gente, à limpeza, corte das ervas e vegetação da parcela, ao longo dos anos, após 1974 e até ao presente.
- A A. Junta de Freguesia a fim de benfeitorizar o imóvel na sua principal função, - a retenção de águas para rega-, inscreveu no seu plano de atividades do ano de 2008 diversas obras nas “...”…
- Essas obras foram assim realizadas ainda no ano de 2008 com o apoio financeiro da Câmara Municipal ... e consistiram na reposição de algumas pedras nas presas, no desassoreamento do tanque e presas, na conservação e reparação dos caneiros condutores da água e na limpeza com corte das ervas e vegetação que cresce a esmo e na pavimentação da envolvente.
- Aquelas obras tiveram lugar à vista de toda a gente e sem a oposição de quem quer que seja e prolongaram-se por vários dias.
- Mantém-se a possibilidade de rega pelos consortes da água, através da presa mais próxima da Rua ... e mediante as águas provenientes de uma mina existente denominada “...”, bem assim como as águas oriundas de terrenos situados a montante, sem prejuízo do desaparecimento da utilidade/aproveitamento das águas da fonte e mina destruídas.
- Estas águas e as demais represadas na parcela em causa sempre foram utilizadas para rega apenas e só pelos proprietários de vários prédios devidamente conhecidos/identificados, de acordo com uma repartição costumeira em dias e horas por todos conhecida.
- À data da aquisição pelos réus do seu prédio os consortes das águas das presas ali não procediam a quaisquer trabalhos de limpeza e/ou manutenção desde há largo tempo, achando-se as infra-estruturas assoreadas e infestadas de plantas.
Portanto, não se demonstrou que um conjunto coeso e identificável de cidadãos se tentam instituído em comunidade local com a posse do terreno em causa, designadamente gozando e fruindo as utilidades: duas suas presas (ou represas) em pedra: uma fonte (bica ou fontenário) e de um tanque com lavadouro em pedra e uma mina.
O que se demonstrou foi que no local existiam esses artefactos hidráulicos cuja água era utilizada em comum pelos proprietários dos terrenos adjacentes. Daí a utilização constante pelas testemunhas do termo consortes da água.
Haveria por parte dos possuidores dos terrenos confinantes à parcela em causa um direito ao uso da água ali retida ou apresada, direito esse em comum do qual se desconhece por completo a caracterização.
Eram os consortes da água que procediam à limpeza do local onde se situavam as presas, sendo que está provado, que progressivamente, nos últimos 10/15 anos, cessou o uso do tanque/lavadouro, recreativo, a recolha da água para beber, o abeberamento dos animais e foi também reduzida a periodicidade da limpeza das presas pelos consortes, de tal forma que por vezes os equipamentos se achavam atolados, infestados de plantas/vegetação, o mesmo sucedendo com o terreno.
Deve dizer-se que, efectivamente, a existência de um direito comum à utilização da água não retirava que subjacente pudesse estar uma propriedade comunal, mas o que é decisivo é que não se colheram elementos de prova que indicassem a existência dessa forma de propriedade colectiva.
Só se apurou a utilização da água pelos ditos consortes, a utilização de um tanque para lavar roupa por quem quer que fosse, para as crianças tomarem banho, para as pessoas beberem ou levarem água duma bica (recomendada pelo médico local) e passarem por ali já que não havia muros ou vedações.
Em suma, cabendo á autora a prova dos factos constitutivos do direito que invoca, é completamente seguro que se não demonstrou que a parcela em causa, em algum momento, se tenha instituído em terreno baldio, caracterizado por ser uma propriedade comunal dos vizinhos de certa circunscrição ou parte dela, representada e gerida por órgãos que lhe são próprios ou supletivamente pela autarquia local a que pertence.
Termos em que se não acolhem as razões da recorrente.
2. Recurso dos réus AA E OUTRA.
Advogam os recorrentes que o tribunal a quo deveria apenas ter-se pronunciado sobre se aquela parcela era ou não um baldio.
Extravasando as suas competências, entendeu – e mal – deixar o alerta para a recorrida para que intentasse nova acção, servindo-se do caso julgado que se formaria na presente lide.
Que a decisão recorrida é nula por clara e evidente violação, entre o mais, do disposto no artigo 615º, nº 1 al. d) do Cód. Proc. Civil.
Vejamos.
A sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
Esta nulidade decorre, com particular relevância, do n.º 2 do artigo 608º do CPC segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Precisamos entender o que se entende por questão conhecida para efeitos desta proibição.
Sobretudo os recorrentes insurgem-se contra aquilo que se verteu na sentença sobre a possibilidade da recorrida intentar nova acção, servindo-se do caso julgado que se formaria na presente lide.
Quanto à abrangência do caso julgado para além do dispositivo da decisão, tradicionalmente podem conceber-se duas orientações: uma tese restritiva, de origem romanista, que entende que os limites objectivos do caso julgado se confinam à parte injuntiva da decisão e uma tese extensiva, de origem germânica, que defende que o caso julgado se estende aos motivos objectivos da decisão, ou seja, à relação jurídica que serve de base à pretensão reconhecida na sentença.
A nossa ordem jurídica acolheu a tese restritiva dos limites objectivos do caso julgado mas a doutrina e a jurisprudência têm adoptado uma solução mitigada
A sentença terá de valer como caso julgado, pelo menos, até onde contenha a resposta do tribunal ao pedido do autor.
Rodrigues Bastos, em Notas as Código de Processo Civil, Lisboa, 1971, III, página 253, assegura que mesmo considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, deve alargar-se a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.
Portanto, o caso julgado material abrange o segmento decisório e a decisão das questões preliminares que sejam seu antecedente lógico indispensável, não sendo de excluir o recurso à parte motivadora para alcançar e fixar o verdadeiro conteúdo da mesma decisão.
Assim pode resumir-se este tema ao bem ilustrativo Ac. do STJ de 3/04/2014, Revista n.º 5928/04.6TBCSC.L1.S1. – 2ª Secção, (citado no Ac. do mesmo tribunal de 19-01-2016, proc. 126/12.8TBPTL.G1.S1, em www.dgsi.pt):
A força do caso julgado incide, em princípio, sobre as questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença ou do acórdão, mas pode abranger também as questões preliminares que, tendo sido decididas expressamente na respectiva fundamentação, sejam o antecedente lógico indispensável à decisão.”
Nesta linha, a força do caso julgado material nestes autos refere-se ao que foi decidido acerca do pedido da autora sobre se a parcela de terreno em causa constituía propriedade comunal – baldio - e a toda a fundamentação da sentença sobre essa pretensão, isto quer na vertente da matéria de facto, quer na vertente da matéria de direito e sempre que essa fundamentação seja premissa lógica da decisão.
Tudo o mais, nomeadamente a possibilidade de propositura de outra acção são considerações supérfluas e desnecessárias.
E é nesta medida que não ocorre a aludida nulidade.
Referem também os recorrentes que existe contradição entre o que se deu como provado na alínea B) e V) dos factos provados.
Atentemos.
B) O terreno objecto desta acção não se encontra registado a favor da A./ Junta de Freguesia, nem dos compartes, como também não se encontra inscrito na matriz predial rústica a favor dos mesmos.
V) Desde o início do ano de 2016, que os RR tentaram, por diversas vezes, ocupar e vedar a parcela onde se encontram as infraestruturas identificadas em H), querendo fazê-la sua, sem autorização da A. e sem autorização dos consortes da água.
Patentemente se não vislumbra qualquer contradição entre estes factos.
O facto do terreno não se encontra registado a favor da A./ Junta de Freguesia, nem dos compartes não significa que a mesma pudesse ou não ser pertença da autora uma vez que é pacífico na doutrina e jurisprudência que, no nosso ordenamento jurídico, o registo predial tem natureza declarativa e não constitutiva – por não dar nem tirar direitos –, destinando-se o mesmo a dar publicidade à situação jurídica dos prédios tendo em vista a segurança do comércio imobiliário.
Por último advogam os recorrentes que, no que tange ao modo como deveria ter sido proferida a decisão, remetem para o ponto II do corpo das alegações, dizendo, de forma resumida, que dos factos tidos por provados devem ser expurgadas as afirmações das alíneas H), I), M), N), V), ao que deve ser acrescentada a alínea HH) (retirada do ponto 16 dos factos não provados) e que deverá ter a seguinte redacção:
HH) O prédio dos RR integra a parcela em apreço nos autos.
A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não poderá traduzir-se numa reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência
Conforme explicita António Santos Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso”.
Dispõe o artigo 640.º, n.º 1 do CPC que, quando “seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Acrescentando o nº 2 que:” No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
Tem sido entendido na doutrina e na jurisprudência que se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento têm de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso. Na verdade, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, importa que os pontos de facto por si considerados incorrectamente julgados sejam devidamente identificados nas conclusões, pois só assim se coloca ao tribunal ad quem uma questão concreta e objectiva para apreciar. Assim, se nas conclusões não forem indicados os pontos de facto que o recorrente pretende impugnar, o tribunal de recurso não poderá tomar conhecimento deles. – V.g. António Santos Abrantes Geraldes, op. cit. págs. 141a146; Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 466; Acórdãos do Supremo Tribunal de 13/6/2006, proc. nº 06S1079, de 03-11-2020, proc. nº 294/08.3TBTND.C3.S1, em www.dgsi.pt.
Ora, nas conclusões os recorrentes não cumprem nenhum dos requisitos da impugnação da matéria de facto e no corpo das alegações seguem uma metodologia que também não obedece ao preceituado na lei, traduzindo-se a impugnação fundamentalmente em considerações e opiniões sobre a motivação desenvolvida na sentença,
Tanto basta para obstar ao conhecimento desta matéria.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedentes as apelações, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes nas respectivas apelações.

Porto, 17 de Maio de 2022
Ana Lucinda Cabral
Márcia Portela
Rodrigues Pires

(A relatora escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.)