Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5468/19.9T8MTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: COVID-19
MEDIDAS EXCECIONAIS E TEMPORÁRIAS
DECISÃO FINAL
PRAZOS PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: RP202111155468/19.9T8MTS-B.P1
Data do Acordão: 11/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA, MANTIDA A DECISÃO RECLAMADA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ART.º 643.º CPC
Sumário: I - A decisão final, a que se refere a al. d), nº 5, do art. 6º-B, da Lei 1-A/2020, na redacção da Lei 4-B/2021 só pode ser entendida como a decisão de mérito proferida, tanto, em sede de saneador/sentença (apreciando no todo ou em parte do mérito da causa) como a decisão de mérito que seja proferida no final, eventualmente, após, o julgamento, pondo termo ao processo.
II – Daí, aquela norma dever ser interpretada como sendo de aplicação a todas as decisões de mérito, no todo ou em parte, proferidas nos autos, sejam elas em que fase processual for porque, quanto ao que nelas se decidiu, o poder jurisdicional mostra-se igualmente esgotado.
III - Assim, no âmbito da al. d), nº 5, do art. 6º-B, da Lei 1-A/2020, na redacção da Lei 4-B/2021, a não suspensão dos prazos para interposição de recurso, aplica-se em relação a todas aquelas decisões, quer tenham sido proferidas na fase do saneador quer no final, após o julgamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 5468/19.9T8MTS-B.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2
Reclamante/recorrente: B…, Lda
Reclamado/recorrido: C…

Acordam, em conferência, nesta secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Nestes autos, foi deduzida reclamação contra o despacho proferido, em 29.06.2021, que não admitiu, por extemporâneo, o recurso interposto, em 29.04.2021, da decisão proferida no processo nº 5468/19.9T8MTS, em 24.02.2021, em sede de saneador, notificada aos mandatários em 25.02.2021, nos seguintes termos: “Nos presentes autos foi proferido, em 24/02/2021 despacho saneador sentença que conheceu parcialmente sobre o mérito da causa.
A notificação de tal decisão às partes, produziu efeitos, nos termos do disposto pelo art. 248º, nº 1 do Código de processo Civil, no dia 01/03/2021.
A ré veio interpor recurso daquela decisão por requerimento de 29/04/2021, tendo o autor arguido a extemporaneidade do recurso.
Do ponto de vista do tribunal o autor tem razão.
De facto, o prazo para interposição de recurso da decisão proferida pelo tribunal, considerando o disposto pelo art. 6º-B, nº 5, al. d), parte final, da Lei 1-a/2020 de 19/03, na redacção da lei nº 4-B/2021 de 01/0, ao contrário dos restantes previstos no nº 1 da mesma disposição legal, não se suspendeu.
Assim, sendo tal prazo de 30 (trinta dias), nos termos do art. 80º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, e descontando o período de férias judiciais de Páscoa, o recurso poderia ser interposto até 09/04/2021, sendo ainda admissível até 14/04/2021, mediante o pagamento da multa a que se refere o art. 139º, nº 5 do Código de Processo Civil.
A ré, porém, apenas apresentou o requerimento de interposição de recurso em 29/04/2021, pelo que, o recurso é manifestamente extemporâneo.
Nestes termos, ao abrigo do art. 82º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, decide-se não admitir o recurso interposto pela ré por ser intempestivo por ser intempestivo.
Custas do incidente pela ré.
Notifique.”.
*
Inconformada, a ré/recorrente veio deduzir reclamação, concluindo que na procedência da mesma, deve ser proferida decisão que admita o recurso interposto, nos termos do disposto no artigo 643º, do CPC.
Alegou e concluiu que,
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TERMOS EM QUE
e nos melhores de Direito, que V. Exa.. Doutamente se dignará suprir deve a presente reclamação ser atendida, considerando o recurso tempestivo, por não emergir de DECISÃO FINAL, emergente do nº 1, do artigo 613º do CPC., não podendo pois ser subsumida ao disposto na alínea d), do n.º 5, do artigo 6ºB, da Lei 4-B/2021, sendo-lhe pois aplicável a suspensão dos prazos judiciais em decorrência do Estado de Emergência decretado pelo senhor Presidente da República.
Assim decidindo, como se espera e é de direito, mais uma vez será feita a
COSTUMADA JUSTIÇA DE V. EXA.”.
*
Notificado o recorrido/reclamado, nada disse.
*
Nesta Relação, em 29 de Setembro de 2021, foi proferida pela, agora, relatora a seguinte decisão:
Nos termos expostos, indefere-se a presente reclamação, deduzida pela reclamante/recorrente, mantendo-se o despacho reclamado.
Custas pela reclamante.”.
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Não se conformando com a mesma, a recorrente/reclamante veio requerer que sobre ela recaia um acórdão, nos termos que constam do requerimento que apresentou, em 12.10.2021, terminando os fundamentos do seu pedido de alteração do despacho impugnado, com as seguintes Conclusões:
“A. Em 13 de março de 2020 em decorrência do estado de pandemia que assolou todo o mundo e igualmente o País, o Governo veio a emitir o Decreto-Lei nº 10-A/2020 no qual decidiu tomar “medidas extraordinárias e de caráter urgente” no sentido de mitigar e limitar ao máximo a propagação da doença.
B. Especificamente, para o setor da justiça pode ler-se no seu preâmbulo: “o Governo considera que é necessário aprovar um conjunto de medidas, atentos os constrangimentos causados no desenvolvimento da atividade judicial e administrativa. Importa, por isso, acautelar estas circunstâncias através do estabelecimento de um regime específico de justo impedimento e de suspensão de prazos processuais e procedimentais sempre que o impedimento ou o encerramento de instalações seja determinado por decisão de autoridade de saúde ou de outra autoridade pública”.
C. No artigo 13º de tal dispositivo legal, determinou o Governo: “Pode ser limitado o acesso a serviços e a edifícios públicos mediante despacho do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública e pela área a que o serviço ou edifício respeitam”.
D. Em 17-03-2020, na sequência deste quadro legislativo a Direção Geral da Administração da Justiça (DGAJ) emitiu o 0fício Circular nº 05/2020, de 17-3-2020 (Exmª Senhora (justica.gov.pt) na qual traça as linhas gerais de funcionamento dos tribunais, com elevadas restrições de mobilidade, acesso e liberdades, normas essas que continuam em vigor por não terem sido revogadas até ao momento.
E. Em 19 de março de 2020 a Assembleia da República (doravante AR), no seguimento da ação governativa antes descrita e face à extrema urgência de tomada de medidas de contenção e minimização de danos, nomeadamente, travar a propagação pandémica, aprovou a Lei 10-A/2020, de 19 de março, sob a epigrafe “Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.
F. Sendo que no nº 1, do artigo 7º, dispunha, em formulação genérica: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica -se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública” (sublinhado da nossa responsabilidade).
G. Em 23 de março de 2020, o Ministério da MODERNIZAÇÃO DO ESTADO E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA publica o Despacho n.º 3614-D/2020, sumariado da seguinte forma: “Define orientações para os serviços públicos em cumprimento do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, em execução da declaração do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março”, o qual vem estabelecer a adoção do regime de teletrabalho. Despacho 3614-D/2020, 2020-03-23 - DRE
H. Em 6 de abril de 2020, no seguimento desta “luta à pandemia” a AR, aprovou uma alteração à lei antes citada, a qual tomou o número 4-A/2020, de 6 de abril, sob a sinopse: “Procede à primeira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus — COVID 19”.
I. De relevante, no setor da justiça, colhe-se do diploma em causa a alteração aos artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março.
J. De relevante, evidencia-se a alteração ao artigo 7º que passou a ter a seguinte redação, transcrita de forma reduzida, no seguinte:
1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID -19, a decretar nos termos do número seguinte.
2 — (...)
3 — (...)
4 — (...)
5 — O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) A que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades entendam não ser necessária a realização de novas diligências.
K. Relevar as alterações do nº 5 que, no fundo, dão expressão ao princípio da celeridade processual, nomeadamente, a nível interno dos processos, que podiam ser operacionalizadas face à determinação da prestação de teletrabalho, na qual a função jurisdicional se incluía e desde que estivessem cumpridos os restantes requisitos nomeadamente que: “o tribunal e demais entidades entendam não ser necessária a realização de novas diligências”.
L. É fato público e notório que a situação pandémica voltou a agravar-se no início do presente ano forçando o Governo, a AR e o senhor Presidente da República a tomarem novas medidas de confinamento, com cerceamento de direitos, liberdade e garantias bem como de mobilidade dos cidadãos.
M. Em 1 de fevereiro de 2021, em resultado de tal agravamento pandémico o senhor PR renovou o ESTADO DE EMERGÊNCIA, pelo seu decreto 6-A/2021, de 01 de fevereiro de 2021, decretando-o para todo o “território nacional”, conforme artigo 2º de tal decreto.
N. Em 1 de Fevereiro de 2021 no seguimento de tal decretamento do Estado de emergência, a AR, aprovou e fez publicar a Lei n.º 4-B/2021 de 1 de Fevereiro, com o seguinte sumário: “Estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março”.
O. Aditando artigos à lei base de 2020.
P. Especificamente, para o que interessa à presente reclamação, consta do aditado artigo 6º B, que se transcreve de forma reduzida, o seguinte:
1 — São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 — O disposto no número anterior não se aplica aos processos para fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
3 — São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4 — O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
5 — O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;
b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.
Q. O legislador, como se verifica do respetivo quadro legislativo veio fazer uma profunda alteração do quadro anterior da alínea d), quando nele determina que pode ser proferida decisão final, caso em que esta não suspende os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimentos de retificação ou reforma da decisão.
R. Este trecho final da norma é manifestamente INCONSTITUCIONAL.
S. Todos os cidadãos estavam abrangidos por um Estado de Emergência, neste caso de forma continuada até às 23H59 do dia 30 de abril de 2021;
T. Estado de Emergência que foi regulamentado pelo Decreto nº 4/2021, de 13 Março, o qual determina o confinamento obrigatório (artigo 3º) o dever geral de recolhimento domiciliário (artigo 4º) serviços públicos (artigo 35º) que na sua globalidade cercearam os direitos completos que cabem à reclamada na prossecução dos seus direitos emergentes da normalidade estabelecida no C.P.C:
U. A inconstitucionalidade é ainda mais gritante, no caso de uma parte ser notificada de uma decisão final no dia anterior à entrada em vigor da suspensão de prazos judiciais (01-02-2021), beneficiando de tal suspensão até ao termo do seu fim legal – neste caso 23H59 do dia 30 de abril de 2021.
V. Já a decisão reclamada não assente sequer numa decisão final coartando de forma desabrida e sem suporte jurídico o princípio da igualdade contido no artigo 13º da Constituição da República, bem como o princípio da universalidade igualmente contido na CRP.
W. O conceito contido na alínea d), do nº 5, do artigo 6º B, da Lei 4-B/2021, refere-se perentoriamente a DECISÃO FINAL que só pode ser a sentença a que se refere o nº 1, do artigo 613º do CPC, quando este conceitualiza que a mesma é o MOMENTO em que fica ESGOTADO o poder JURISDICIONAL do juiz.
X. Sabe o Tribunal reclamado que a decisão de onde emerge o direito de recurso da ora reclamante não emerge de uma DECISÃO FINAL, porquanto é ele mesmo que o afirma no seu despacho de 29-06-2021, ao apreciar o requerimento do reclamado, quando nele expressamente refere “... foi a decisão que apenas conheceu parcialmente do pedido (...) as mesmas não esgotam a totalidade das pretensões deduzidas, nem consequentemente a sua procedência representa o decaimento total da Ré
Y. A igual conclusão se chega face à posição assumida pelo Tribunal reclamado, quando este questionado pela SS sobre o trânsito em julgado da eventual decisão informa aquela instituição pública que “(...) somos a informar que a sentença proferida nos presentes autos não transitou em julgado, tendo em conta a suspensão dos prazos processuais (Lei 4-B/2021)
A decisão reclamada e o despacho ora impugnado, violam, pois, o artigo 613º do C.PC; a alínea d), do n.º 5, do artigo 6º B, da Lei 4-B/2021, e está ferida de inconstitucionalidade por atentar contra o disposto no n.º 1, do artigo 12º; n. 2, do artigos 13º e ainda aos n.ºs 2 e 3, do artigo 18º, todos da Constituição da República Portuguesa. É que os “…os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva…”. Cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 190).
TERMOS EM QUE
e nos melhores de Direito, que V. Exa. doutamente se dignará suprir deve:
a) A presente impugnação do despacho de não admissão do recurso ser levada a conferência e nela se decidindo, como se espera e é de direito, a admissão do recurso, considerando-o tempestivo, por não emergir de DECISÃO FINAL, nos termos do nº 1, do artigo 613º do CPC., não podendo pois ser subsumida ao disposto na alínea d), do n.º 5, do artigo 6ºB, da Lei 4-B/2021, sendo-lhe pois aplicável a suspensão dos prazos judiciais em decorrência do Estado de Emergência decretado pelo senhor Presidente da República.
b) Que seja dada vista ao senhor Procurador da República junto desse Douto Tribunal, para no âmbito dos seu poderes e competências contidas no seu Estatuto, na Constituição e na Lei Orgânica do Tribunal Constitucional invoque junto deste a inconstitucionalidade
Assim decidindo, como se espera e é de direito, mais uma vez será feita a COSTUMADA JUSTIÇA DE V. EXA.”.
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Notificada, a parte contrária, respondeu, nos termos do requerimento junto, em 25.10.2021, requerendo que não seja admitido o Recurso, por se afigurar extemporâneo.
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Dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2 do CPC, há que apreciar e decidir.
*
A única questão a decidir e apreciar é saber se deve ser revogada a decisão reclamada e admitido o recurso interposto.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a ter em consideração são os que constam do relatório que antecede.

Discorda a recorrente do despacho proferido pela relatora, pretendendo a sua revogação, no qual se decidiu o seguinte:
«Nos autos principais, proc. nº 5468/19.9T8MTS, a ré deduziu a presente reclamação relativamente ao despacho da Mª Juíza “a quo” que não admitiu a apelação por ela interposta, com fundamento na sua extemporaneidade, dado ter entendido que o prazo legal de 30 dias que a recorrente tinha para recorrer da decisão proferida, em 24.02.2021, “considerando o disposto pelo art. 6º-B, nº 5, al. d), parte final, da Lei 1-a/2020 de 19/03, na redacção da lei nº 4-B/2021 de 01/0, ao contrário dos restantes previstos no nº 1 da mesma disposição legal, não se suspendeu.”.
Inconformada a reclamante defende que, deve “a presente reclamação ser atendida, considerando o recurso tempestivo, por não emergir de DECISÃO FINAL, emergente do nº 1, do artigo 613º do CPC., não podendo pois ser subsumida ao disposto na alínea d), do n.º 5, do artigo 6ºB, da Lei 4-B/2021, sendo-lhe pois aplicável a suspensão dos prazos judiciais em decorrência do Estado de Emergência decretado pelo senhor Presidente da República”, defendendo, também, que aquela al. d) está ferida de inconstitucionalidade.
Coloca-se, então, a questão de saber se deve ser admitido o recurso por, no caso, ao prazo que a recorrente dispunha para interpor recurso, não se aplicar o disposto na alínea d), do nº 5, do art. 6ºB, da Lei 4-B/2021, por a decisão recorrida não ser uma decisão final, nos termos do nº 1 do art. 613º do CPC e aquela alínea ser inconstitucional, como defende a reclamante.
Respondendo, desde já, sem quaisquer dúvidas, entendemos não assistir razão à reclamante.
Pois, sempre com o devido respeito, permita-se-nos dizer que, a razão não advém de se invocarem argumentos e violações de normas legais e constitucionais, é necessário, também, que os mesmos sejam aplicáveis e relevantes na situação concreta. O que reiterando aquele devido respeito, não é o caso do alegado pela reclamante nas conclusões R. e ss., da sua reclamação. O que, necessariamente, importará o indeferimento da sua pretensão.
Vejamos, então.
Conforme consta dos autos, não se discute que a recorrente, apresentou o recurso, além do prazo de 30 dias de que, nos termos do art. 80º, nº 1, do CPT, dispõe a parte para o fazer, em situações como a dos autos, após a notificação da sentença, no caso em concreto, descontado o período de 28.04 a 5.04 de 2021, correspondente ao período de férias judiciais de Páscoa.
Porque, como já adiantámos, não se suscitam dúvidas, que como bem o considerou a Mª Juíza “a quo” o prazo que a recorrente dispunha para apresentar recurso da decisão proferida, em 24.02.2021, não se suspendeu.
Explicando.
A questão em litígio, importa que procedamos à interpretação da Lei nº 4-B/2021, de 02.02. que alterou a redacção da Lei nº 1-A/2020, de 19.03, tendo procedido à revogação do seu art. 6º-A e aditando-lhe o art. 6º-B, a produzir efeitos em 22.01.2021.
O art. 6º -B sob a epígrafe «Prazos e diligências» dispõe que:
“1 — São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 — O disposto no número anterior não se aplica aos processos para fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
3 — São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4 — O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
5 — O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;
b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.”.
No caso, importa interpretar esta última al. d) do nº 5.
A reclamante alicerça e sustenta a sua posição, no texto da norma que salvaguarda no nº1 que seja proferida decisão final, caso em que, não se suspende o prazo de recurso, como dispõe a referida al. d) do nº 5, do mesmo artigo, para daí concluir que, as situações em que a decisão recorrida não seja como diz uma “decisão final que só pode ser a sentença a que se refere o nº 1, do art. 613º, do CPC”, não estão englobadas na excepção ali prevista.
Que dizer?
Previamente, vejamos o que a respeito das regras a observar na interpretação da lei foi decidido no Acórdão (desta Relação de 9.02.2021, Proc. 1275/19.7T8PVZ.P1, acessível in www.dgsi.pt) onde se lê: «Tal como flui do art. 9º, nº 1 do Cód. Civil a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Com esta norma afasta-se o exagero dos objetivistas que não atendem sequer às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, na medida em que se manda reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada.
Condena-se igualmente o excesso dos subjetivistas que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas à vontade do legislador, quando no nº 2[1] se afasta a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer como sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal.
E ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias – históricas – em que a lei foi elaborada, o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada, consagrando uma nota vincadamente atualista.
Porém, o facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei – a “mens legis”.
Pode assim dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Contudo, quando assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objetivo, como são os que constam do nº 3 do art. 9º[2] - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de Henrique Mesquita, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., págs. 58/59.
Por outro lado, deverá também ter-se em atenção o disposto no art. 11º do Cód. Civil onde se estabelece que «as normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.»
O recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é, que uma determinada situação não esteja compreendida nem na letra nem no espírito da lei. Esgotou-se todo o processo interpretativo dos textos sem se ter encontrado nenhum que contemplasse o caso cuja regulamentação se pretende, ao passo que na interpretação extensiva, encontra-se um texto, embora, para tanto, haja necessidade de estender as palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que, ao formular a norma, disse menos do efetivamente pretendia dizer. Mas aqui o caso está contemplado, não havendo omissão – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 60.
No entanto, a interpretação extensiva é admitida apenas no que concerne às normas excecionais.
Ora, no art. 1º, al. b) da Lei nº 1-A/2020, de 19.3 estatui-se que «a presente lei procede à (…) à aprovação de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-Cov-2, agente causador da doença COVID-19.»
Por conseguinte, daqui decorre estarmos perante normas de carácter excecional, área onde é viável o recurso à interpretação extensiva, como fez a Mmª Juíza “a quo”.» (fim de citação).
Atento o exposto, e orientados por os referidos critérios importa não esquecer que, a lei da suspensão dos prazos processuais surge no âmbito das medidas de contenção tomadas pela necessidade de controle da pandemia Covid 19 e perante a declaração de estado de emergência, sendo ela, destinadas a evitar deslocações de pessoas aos tribunais com o consequente risco de aumento da doença, por contágio.
Sendo com esta referência da ratio legis que terá de ser interpretada a norma em apreço.
Pelo que cabe perguntar se haverá alguma razão para o legislador determinar dois regimes diversos de prazos processuais, um para os casos em que a decisão seja relativa a questões apreciadas em sede de saneador, como diz a reclamante “quando afinal, o processo não se finda nela” e outro para os casos em que a decisão proferida, repetindo, novamente, aquela “quando põe termo ao processo”.
E, na verdade, não se vislumbra razão alguma que possa justificar a diferença sustentada, pela reclamante/recorrente.
A decisão final, a que a lei se refere, só pode ser entendida como a decisão de mérito proferida, tanto, em sede de saneador/sentença (apreciando no todo ou em parte do mérito da causa) como a decisão de mérito que seja proferida no final, eventualmente, após, o julgamento, pondo termo ao processo. Aliás, para efeitos de recurso a lei não distingue entre umas e outras, basta atentar no que dispõe o nº1, al.s a) e b) do art. 79º, do CPT.
Donde que, a norma em causa, deva ser interpretada como sendo de aplicação a todas as decisões de mérito, no todo ou em parte, proferidas nos autos, sejam elas em que fase processual for porque, quanto ao que nelas se decidiu, o poder jurisdicional mostra-se igualmente esgotado.
Não há razão plausível na economia da lei para o legislador vir salvaguardar da suspensão dos prazos de recurso decisões finais relativamente a questões apreciadas, eventualmente, ou não após o julgamento e estabelecer essa suspensão para as decisões que foram proferidas em sede de saneador quando, como é o caso, quanto às questões que ali foram solucionadas, respeitantes a parte do mérito da causa, nada tem de diferente em relação à decisão que venha a apreciar as demais questões ainda não decididas.
Assim, concluindo nós, face ao exposto, no sentido de que, no âmbito da al. d), nº 5, do art. 6º-B, da Lei 1-A/2020, na redacção da Lei 4-B/2021, não se suspendem os prazos para interposição de recurso, em relação a todas as decisões, proferidas no todo ou em parte do mérito da causa, independentemente da fase processual em que acontecem, só podemos concordar com a Mª Juíza “a quo”. Ou seja, o recurso interposto pela ré/reclamante não é admissível, porque extemporâneo.
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Por último, apela, ainda a reclamante aos princípios da universalidade, igualdade e força jurídica consagrados nos art.s 12º, 13º e 18º da CRP, para fundamentar a sua pretensão.
No entanto, também, sem razão.
Respeitando a inconstitucionalidade ao acto legislativo (à norma) e não às decisões judiciais, cuja reapreciação da conformidade à lei é estabelecida por via de recurso na hierarquia dos tribunais judiciais.
E a lei, em causa, no segmento, em discussão, apenas estabelecendo que quanto aos recursos interpostos da decisão final proferida no processo se mantêm os prazos em vigor, salvaguardando os mesmos da suspensão.
Logo, não se alcança em que medida é que os aludidos princípios constitucionais foram violados pela norma em causa ou pela decisão reclamada, como o diz a reclamante.
Pelo que, sem necessidade de outras considerações, atentos os fundamentos invocados, inexistindo dúvidas quanto à intempestividade do recurso, improcede a reclamação apresentada, sendo de manter o despacho reclamado.».
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Este o despacho submetido à conferência, com o qual concordamos na íntegra, não assistindo à reclamante qualquer razão nos argumentos por si invocados para manifestar a sua discórdia, pois, sempre com o devido respeito por diferente opinião, partilhamos o entendimento expresso no despacho objecto de reclamação.
E, tudo o que pudéssemos dizer por outras palavras mais não seria que uma repetição do entendimento ali expresso.
Acrescendo, que não se vislumbra a violação de qualquer dispositivo legal, nomeadamente, os invocados pela reclamante/recorrente e susceptíveis de violação de princípios constitucionais.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em manter o despacho da relatora que decidiu indeferir a reclamação apresentada pela recorrente/reclamante, mantendo o indeferimento do recurso interposto.

Custas pela recorrente/reclamante.

Notifique.

Porto, 15 de Novembro de 2021
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão