Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
23186/15.5T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: EXERCÍCIO
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL
Nº do Documento: RP2018120723186/15.5T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 12/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º861, FLS.4-13)
Área Temática: .
Sumário: I - A aliança entre a criança e um dos progenitores na recusa do convívio com o outro pode não corresponder à Síndrome de Alienação Parental, mas advir de um intenso conflito entre os pais e de dinâmicas familiares disfuncionais em que a criança é estimulada a tomar partido em relação a um dos progenitores contra o outro.
II - Um corte abrupto de uma criança de cerca de nove anos com a sua mãe, colocando-a a residir com o pai, não serve o seu crescimento harmonioso e a salutar relação de filiação com os dois progenitores.
III - As relações de afetividade não se criam pela força e, embora o são crescimento do menor aconselhe uma maior proximidade com o pai, é necessário um convívio frequente e regular, mas estabelecido gradualmente e com cuidado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 23186/15.5T8PRT-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores do Porto - Juiz 1
Acórdão
Acordam no tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, residente no …, …, Vila Real, requereu contra C…, residente na Rua …, …, Porto, alteração das responsabilidades parentais relativas ao seu filho D…, nascido em 6 de outubro de 2009.

Na pendência do processo, o tribunal fixou o seguinte regime provisório:
Fixo a residência da criança, D…, nascido a 06-10-2009, com o pai, a quem caberá o exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância, tendo em conta o facto de a mãe, com a sua conduta, impede o filho de manifestar livremente os seus desejos e vontade em estar com o pai, estando a pôr em causa o seu equilíbrio psíquico.
A criança será seguida em consulta de pedopsiquiatria, no Centro Hospitalar E….
Regime de convívios:
- Os convívios entre a mãe e o filho, serão aos fins-de-semana e supervisionados, ao Domingo, a efectuar no CAFAP, sendo alternados entre, o CAFAP do … e o CAFAP de … ou …, sendo os horários das visitas a combinar e em articulação entre os CAFAP e os progenitores;
- Desde já se designa o dia de 30-09-2018 para se dar início a este regime de convívios entre a mãe e a criança, no CAFAP da QPI;
Alimentos:
A mãe pagará, a título de pensão de alimentos á criança, a quantia mensal de 100,00€ (cem euros), a remeter ao pai por transferência bancária para o IBAN que lhe será fornecido, até ao dia 08 do mês a que respeitar;
- As despesas escolares e de saúde, serão suportadas na proporção de metade por ambos os progenitores, mediante a apresentação do respectivo comprovativo de despesa”.

Irresignada, recorreu a Requerida, mãe do menor, assim finalizando a sua alegação:
“I - A decisão sob censura, ainda que tomada ao abrigo do artº 28º do RGPTC, é nula já que viola, flagrantemente, o princípio do contraditório, nos termos disposto no artº 25º do RGPTC e 3º nº 3 º CPC.
II- Salvo o devido respeito, que é muito, o Mmº Tribunal “a quo” jamais deveria ter decidido alterar a residência do menor, do … para …, já que os factos agora dados como provados, e que servem de fundamento à alteração da residência, há muito eram conhecidos dos autos, tendo os mesmos sustentado a decisão de 12 de Junho de 2018, proferida em sentido diverso, violando, em consequência ao artº 625º nº 2 do CPC.
III - O Tribunal “a quo” na sua decisão não se focou no superior interesse do menor, antes preterindo-o, e com tal decisão violou os artºs 4º e 5º do RGPTC, e 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças e 1906º, nº 7, do CC.
Termos em que na procedência do recurso deve ser declarado nulo o despacho de regulação provisória do regime do exercício das responsabilidades parentais substituído por outro que decida, em via principal, em conformidade com as conclusões atrás expressas”.

Não constam dos autos resposta à alegação recursiva.
II. Objeto do recurso
Como são as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objeto do recurso, salvo as questões de oficioso conhecimento (artigos 635º/3 a 5, 639º/1 do Código de Processo Civil, daqui em diante denominado “CPC”), cabe apreciar:
1. A violação do princípio do contraditório;
2. O regime provisório de regulação do exercício de responsabilidades parentais e o interesse da criança.
III. Fundamentação de facto
Vistos os autos, não obstante a escassez de elementos disponíveis, por se tratar de recurso em separado, face aos elementos constantes dos autos e àqueles que, entretanto, foram solicitados por via telefónica, entendemos que o processo contém factualidade que a decisão recorrida não deu por assente e que, estando documentada, pode auxiliar na busca do interesse do menor.
É certo não ter sido pedida a ampliação da matéria de facto, mas como nos movemos num processo de jurisdição voluntária, não está este Tribunal vinculado a critérios de estrita legalidade, antes devendo adotar a solução que julgue mais conveniente e oportuna (artigo 12º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro, doravante designado “RGPTC”, e artigos 986º e 987º do Código de Processo Civil). Ainda nessa ótica, procederemos à audição da prova gravada na conferência de pais de 20/09/2018, no decurso da qual foi decretado o impugnado regime provisório de regulação do exercício de responsabilidades parentais relativas ao menor D….
Com efeito, nos processos de jurisdição voluntária o Tribunal dispõe dos mais amplos poderes investigatórios, não está sujeito à iniciativa das partes nem ao ónus da alegação e prova, sendo admitidos todos os factos apurados, mesmo os que não tenham sido alegados pelas partes.
Procedendo à audição do D…, o Senhor Juiz foi falando com a criança, dirigindo-lhe perguntas sobre a sua vida escolar, ao que o mesmo respondeu com naturalidade denotando tranquilidade. Disse que vivia com a mãe, com um quarto individual, onde dorme, descrevendo o mobiliário. Falou do gato, referindo que brinca com a mãe, com o avô, que vive num prédio ao lado. Tem dois primos. Anda de bicicleta com a mãe, joga futebol. É a mãe que o ajuda nos estudos. Interpelado se conhecia a Dr. ª F… disse que ela é muito má, deixa-o sozinho na sala com o “outro”, acabando por confirmar, sob indicação do Senhor Juiz, que o “outro” é o pai. Narrou um episódio no PIAC em que os técnicos colocaram uma mesa muito pesada junto à porta para ele não sair. Referiu que as técnicas mentem e que é mentira brincar com o pai. Instado sobre o que lhe dizem a mãe e o avô, disse que eles o levam à força para ver o pai. Confrontado com o conforto que revel quando está sozinho com o pai, afirmou que não fica bem com o pai, mesmo quando a mãe não está. Falou de uma situação em que “o pai pôs a faca contra a mãe”. Referiu que nunca foi a casa do pai nem sabe onde ele vive. Instado sobre o que gostava que acontecesse, disse: “Nunca mais o ver”. Instado sobre os brinquedos que usa, falou num tablet, com muitos jogos, alguns com outras pessoas.
Inquiridos os técnicos sociais que acompanham o D…, o Senhor Juiz antecipou estar muito preocupado com o estado em que está a criança. A Dr.ª F… disse que a mãe não ajudava a que a criança estivesse com o pai, sentando-se o menino ao colo da mãe. Dizia que queria ir embora, a mãe dizia que o menino tinha que ficar. A mãe referiu que estava muito preocupada com o menino, com receio de ele fugir, sendo-lhe mostrado o espaço físico que era usado. O menino acabou, embora com dificuldades e a berrar que não queria estar com o pai, mas este acabou por tranquilizá-lo e ele aceitou a proximidade do pai, que lhe deu um brinquedo. O pai definiu regras e como as coisas melhoraram, disse que acabou por sair da sala. Ouvia o menino, de tempos a tempos, a gritar que não queria estar, queria ir embora. Tranquilizaram-no no sentido de que nada do que ali se passasse dali não sairia. Mais referiu que assistiu a algumas brincadeiras do menino com o pai, embora este sempre muito triste, com um semblante muito carregado. A mãe dizia que o D… urinava todas as visitas, mas não era verdade. A Senhora decidiu, então, levar uma testemunha para verificar se o menino urinava. A Senhora levou a criança à casa de banho, baixou as calças ao D…, com a porta da casa de banho aberta. A técnica verificou que havia alguma humidade nas cuecas do menino, mas a mãe humilhou a criança, apalpando os genitais do menino. Nas duas visitas seguintes, o D… já dizia que tinha feito chichi e depois mostrava à mãe. Afirmou que “ele brinca com o pai, tem vontade de estar com o pai”. Confirmou, sob a instância do Senhor Juiz, que a conduta do menino se deve ao comportamento da mãe. Esta recusa-se a colaborar com o estabelecimento dos contactos do menino com o pai. Confirmou que se trata de conduta alienante sobre a criança e a mãe está a pô-la em perigo. É sua opinião que o menino interagia com o pai, desde que soubesse que a mãe ali não estava. Quando a mãe se apercebeu disso, começou, segundo está convencida, a agir sobre a criança. É sua opinião que ele se urina para agradar à mãe. Ouvidos os pais acerca do modo como têm decorrido as visitas com o pai, a mãe disse que o menino está mais agressivo e fica muito nervoso antes das visitas. Uma das vezes até urinou. O menino tem medo do pai e já não é de agora. Não dorme bem e a pedopsiquiatra já lhe receitou “umas coisinhas” naturais. Acerca do episódio do menino ter urinado antes de uma das visitas ao pai, a mãe referiu que a técnica social Dr.ª F… o observou, mas sempre disse que não era verdade. Entende que o menino está muito mal, é gravíssimo e vai piorar; a mãe está maltratar o filho. Perguntada se a fonte do problema é a mãe, respondeu afirmativamente
A Dr.ª G… referiu que ficou acordado com os pais que o menino ficaria com o pai sempre na presença dos técnicos. Foi pedido aos pais que falassem da vida da criança, sobre a escola, o passado. A mãe antecipou-se e começou a falar das atitudes agressivas do pai e tiveram que interromper a sessão. A mãe não colaborou e as sessões seguintes foram apenas com a criança e o pai. Este foi falando das experiências juntos e o menino foi respondendo. Apercebeu-se que a mãe tinha acesso ao decurso das sessões através da criança e que ela manipulava o seu comportamento. E numa sessão, quando a mãe foi chamada a entrar na sala, a criança verbalizou: “Não foi por culpa minha. Foi por culpa dela.” Isto diz tudo, concluiu a técnica.
O Dr. H… referiu que a criança estava nas visitas sem expressividade, apática, mas começou com uma impressiva interação. No que toca ao discurso terapêutico, entende que é necessário securizar o meio, sem culpabilização do menino. A criança necessita, face à sua apatia, de acompanhamento de pedopsiquiatria. A criança tem uma grande ligação à mãe e seria útil desenvolver uma relação normal e o pai chegou a falar na possibilidade de fazer atividades entre os três, mas deve haver intervenção no sentido de melhorar a securização da mãe.
Ouvidos os pais, o pai disse que pretendia aguardar mais algum tempo com este regime de visitas, parecendo-lhe cedo a mudança da criança para sua casa, referida pelo Senhor Juiz, dizendo mesmo não ter condições para ter consigo o D…, pois tem uma criança com um mês de idade.
O Senhor Juiz disse que se o menino não fosse para o pai ia para uma casa de acolhimento, não obstante a mãe insistir pela continuidade das visitas. Pesem embora as insistências da mãe e da sua advogada e do pai dizer que não tinha condições para ter consigo a criança, o Senhor Juiz insistiu em colocar a criança em acolhimento institucional se não houver condições para a criança ficar com a família. Depois da criança ir naquele mesmo dia com o pai, cerca de um mês depois, em 16/10/2018 foi elaborado um relatório social de avaliação da situação do menor na sua ligação afetiva à família do pai, designadamente quanto à sua inserção escolar e interação com o pai e avó paterna. Junto aos autos, verteremos os dados recolhidos na factualidade apurada.
1. Factos Provados
1. D…, nascido em 6 de outubro De 2009, é Filho De B… e de C….
2. Os pais do menor divorciaram-Se por mútuo consentimento.
3. No âmbito desse processo de divórcio, por acordo homologado por decisão administrativa datada de 19/06/2015, a guarda do menor foi atribuída à mãe, com quem reside.
3. Foi estipulado um regime de visitas e organização de tempos para convívio do menor com o pai, podendo este conviver com o filho de forma livre, sempre que possa e queira, previamente a combinar com a progenitora.
4. Foram fixados regimes provisórios, que passaram pela existência de visitas supervisionadas entre pai e filho.
5. Essas visitas têm sido acompanhadas quer no CAFAP da QPI, quer no PIAC.
6. A criança verbaliza oposição em estar com o pai, estando os técnicos sociais convictos que tal acontece em virtude da oposição da mãe aos seus contactos com o pai e porque tem receio que a mãe e o avô materno considerem que ele quer estar com o pai.
7. No decurso dessas visitas, a criança, depois de alguma resistência inicial, permite o contacto com o pai, acabando por manifestar tranquilidade e agrado com os encontros.
8. Nas visitas seguintes a criança já assume uma postura de resistência aos contactos com o pai.
9. A criança encontra-se em grande sofrimento psicológico, não pretendendo desagradar à mãe e ao avô, e não aceita levar qualquer presente que o pai lhe dê, com receio de a mãe ou o avô materno o descobrirem, e acharem que ele se está a aproximar do pai.
10. Necessita de intervenção ao nível da pedopsiquiatria.
11. O menino tem problemas de saúde e a mãe deixou de trabalhar para o acompanhar.
12. O pai é militar da GNR, reside em …, mas procura comparecer em todas as visitas agendadas para aproveitar a oportunidade de estar com o filho.
13. O pai revela-se paciente perante as suas verbalizações do menino de recusa de contactos com o pai, enquanto a mãe, perante a criança e antes dos encontros, verbaliza que é uma obrigação para o filho, uma vez que este não pretende estar com o pai. Refere que a criança urina nas calças antes e durante as visitas, o que não foi ainda visualizado.
14. A progenitora desvaloriza, perante o filho, o papel do pai na sua vida.
15. O D… é uma criança triste.
16. O pai tem uma filha bebé, de um mês, vive com a sua companheira e aceita que o filho passe a viver consigo.
17. A progenitora não aceita que o filho vá viver com outras pessoas que não consigo própria.
18. Foram feitas consultas de mediação e pedopsiquiatria, dando os pais mostras de perceber o objetivo do plano terapêutico da intervenção.
19. Desde março de 2018 o menino é acompanhado no consultório privado de pedopsiquiatra.
20. As sessões procuram preparar os pais para facilitarem o processo de reaproximação do menino ao pai.
21. A mãe assume comportamento ambivalente, embora verbalizando que a criança deve ter um pai, obstaculiza o contacto do menino com o pai.
22. Em 19/04/2018, dada a dificuldade da mãe reconhecer a disfuncionalidade da sua relação com a criança, os técnicos sociais emitiram parecer no sentido de que aquela deve beneficiar de acompanhamento psiquiátrico e psicológico.
23. Em conferência de pais, que teve lugar em 20/09/2018, a respetiva ata exara que as técnicas sociais referiram que a progenitora, com a sua forma de atuar, coloca a criança em risco e perigo. O menor relaciona-se bem com o progenitor, desde que saiba que a mãe não vai saber desse facto e não esteja presente. Mais referiram que o pai tudo tem feito para que as coisas corram da melhor forma, mas a mãe aliena e manipula o menor contra o pai. Expressaram o entendimento de que o menino está psiquicamente doente e que necessita de um acompanhamento pedopsiquiátrico, devendo a criança ser afastada da mãe, porque ela também está doente e põe em risco a saúde mental do filho.
24. Foi, então, proferida a seguinte decisão: “Por todo o exposto, e nos termos do artigo 28º, n.º 1 do RGPTC, altero o regime relativo ao exercício das responsabilidades parentais, fixando o seguinte regime provisório em favor do D…:
Residência:
Fixo a residência da criança, D…, nascido a 06-10-2009, com o pai, a quem caberá o exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância, tendo em conta o facto de a mãe, com a sua conduta, impede o filho de manifestar livremente os seus desejos e vontade em estar com o pai, estando a pôr em causa o seu equilíbrio psíquico.
A criança será seguida em consulta de pedopsiquiatria, no Centro Hospitalar E….
Regime de convívios:
- Os convívios entre a mãe e o filho, serão aos fins-de-semana e supervisionados, ao Domingo, a efectuar no CAFAP, sendo alternados entre, o CAFAP do … e o CAFAP de … ou …, sendo os horários das visitas a combinar e em articulação entre os CAFAP e os progenitores;
- Desde já se designa o dia de 30-09-2018 para se dar início a este regime de convívios entre a mãe e a criança, no CAFAP da QPI;
Alimentos:
A mãe pagará, a título de pensão de alimentos á criança, a quantia mensal de 100,00€ (cem euros), a remeter ao pai por transferência bancária para o IBAN que lhe será fornecido, até ao dia 08 do mês a que respeitar;
- As despesas escolares e de saúde, serão suportadas na proporção de metade por ambos os progenitores, mediante a apresentação do respectivo comprovativo de despesa.”
25. Em 16/10/2018, a segurança social elaborou relatório em que declara que o pai ajustou a sua dinâmica familiar à presença do D…, beneficiando do apoio de sua mãe, pois vão almoçar e jantar diariamente a casa da avó paterna do menino.
26. As visitar domiciliárias às casas do progenitor e de sua mãe revelam que as mesmas têm condições de habitabilidade, segurança, organização, higiene e bem estar e, na casa da avó, o D… dispões de um quarto individual adaptado à sua idade.
27. O pai narrou aos técnicos sociais que quando levou o menino para …, o mesmo, em grande gritaria, pedia ajuda e dizia que o pai o estava a raptar. Entretanto, o pai conseguiu acalmá-lo e falar-lhe da nova vida que o esperava.
29. O menino frequenta o 4.º ano da Escola …, situada a cerca de 50 metros da avó paterna, com boa integração e revelando-se dialogante e participativo. Está inscrito no Centro de Saúde E…, onde será seguido em consulta de pediatria.
30. Alegando que a mãe não o deixa comer carne, o menino rejeita a sua ingestão e vai comendo a mesma dissimulada na sopa, tendo já aumentado o peso em 1,3 Kg.
31. O pai tem organizado passeios, brincadeiras e jogos de futebol com o filho e propiciado a interação com a irmã.
31. O menino tem feito visitas à mãe, aos sábados, no Porto e, após o terceiro encontro, o menino estava mais calmo.
32. O pai explicou que as expetativas do menino ficar consigo eram de uma permanência de apenas uma semana e, agora, crê ser até ao Natal.
33. Em 15/10/2018 a criança foi submetida a uma consulta de pedopsiquiatria no Porto e orientada para ser seguido em psicologia clínica.
34. O menino continua a fazer birras quanto à alimentação e vestuário, pois só quere vestir a roupa comprada pela mãe. Numa das vezes em que foi contrariado, teve um episódio de agressividade e deu um pontapé na avó paterna.
35. A mãe do menor não tem pago os alimentos fixados nem tem entregue ao pai o abono de família e a majoração monoparental, num total de 134,26€ por mês.
2. Motivação probatória
Não estando impugnada a matéria de facto dada por assente pelo tribunal a quo, manteve-se por provada toda a factualidade assim reputada pela decisão recorrida e aditou-se a demais realidade factual revelada pelos elementos solicitados por este tribunal ao processo principal, designadamente os relatórios sociais e decisão inicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
IV. Fundamentação de direito
1. A violação do princípio do contraditório
Invoca a recorrente a violação do princípio do contraditório quanto ao regime provisório fixado.
Sabemos que uma decisão meramente provisória é passível de alteração a todo o tempo, conforme as novas informações e outras vicissitudes conhecidas nos autos. Assim resulta do artigo 28º do RGPTC, ao estatuir que, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão, podendo mesmo ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo (n.ºs 1 e 2). Para tanto, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes e ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência (n.ºs 3 e 4).
A norma impõe, pois, o exercício do contraditório quanto às alterações a adotar, salvo nos casos em que a audiência puser em risco o fim ou a eficácia da providência a tomar. No caso, não foi observado o exercício do contraditório por escrito e também não foi justificada a sua inobservância e, podemos afirmá-lo, ao menos do que resulta dos dados disponíveis, a situação, a um olhar de um cidadão medianamente prudente, não parecia encaminhar-se para a resolução assumida naquela conferência de pais. Reconhecemos, como verbalizou o Senhor Juiz na mesma conferência, que há meses decorriam as visitas supervisionadas sem um sucesso aparente, mas isso não denunciava o desfecho adotado. Ao invés, dos elementos disponíveis antes parecia resultar que o processo de acompanhamento das visitas apenas tinha em vista trabalhar a aproximação da criança ao pai no sentido de fixação de um regime de visitas livre e incondicional. Ainda assim, na conferência, o Senhor Juiz verbalizou de forma claríssima a sua decisão de retirar a criança à mãe e entregá-la ao pai e, se este não a recebesse, a sua colocação numa “casa de acolhimento”. As Senhoras Advogadas, incluindo a da mãe, pronunciaram-se sobre essa opção. Portanto, na prática, a mãe foi confrontada com a decisão que o Senhor Juiz iria tomar, mas, no rigor dos princípios, isso não traduz o exercício do contraditório, o qual supõe uma pronúncia por escrito, pese embora os princípios orientadores do processo tutelar cível, como a simplificação instrutória, a oralidade e a consensualização.
De todo o modo, atendendo aos interesses em jogo, o legislador não escolheu a via da anulação dos atos para a derrogação do princípio do contraditório, antes conferiu às partes que não forem ouvidas antes do decretamento da providência, um novo mecanismo de exercício do contraditório, usando, em alternativa, o recurso, nos termos gerais, quando entendam que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida, ou a oposição, quando pretendam alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução (artigo 28º/5 do RGPTC).
A Requerida optou pela via recursiva para pugnar pela alteração do regime provisório estabelecido, pelo que nada há a determinar quanto à evocada omissão do contraditório.
2. O regime provisório
A decisão provisória retirou a guarda da criança à mãe e colocou-a a residir com o pai, parecendo partir do pressuposto de que se trata de uma situação de alienação parental, sendo a mãe a alienadora.
Este conceito de Síndrome de Alienação Parental (SAP) é muito recente, mas a verdade é que a situação sempre existiu nos conflitos entre os progenitores, não obstante não ser enquadrada, como agora, nos maus-tratos infantis. Aceitamos que este fenómeno, sendo de difícil deteção, pode afetar negativamente o desenvolvimento da saúde psicológica e até física do menor. A criança necessita de equilíbrio e as estratégias do progenitor alienador para a induzir à oposição ao contacto e convívio com o outro progenitor não pode deixar de perturbar emocionalmente o filho, que se debate entre os progenitores que o usam como instrumento de vingança.
A propósito desta síndrome diz-se que o progenitor alienador procura isolar a criança, reduzir a sua comunicação com o meio envolvente e supervisionar o seu contacto com o outro progenitor. E as investigações sobre a matéria referem que “existe uma psicopatologia significativa e um estado de grande zanga e raiva, por parte do progenitor com quem a criança vive, que motivam a atitude de desvalorização, de desacreditação ou de difamação que tem para com o outro progenitor junto da criança”[1].
Salvaguardando o muito respeito devido por diversa opinião, face aos elementos disponíveis nestes autos de recurso em separado, cremos que os dados de facto são bem escassos para concluir pela SAP, porque não dispomos de avaliação psicológica dos progenitores e do menor, nem sequer do parecer da pedopsiquiatra que já acompanha a criança. Tal afirmação parece resultar apenas da posição dos técnicos sociais envolvidos, o que pode não ter substrato bastante para a emissão de tal juízo. Parece-nos natural, e conforme àquilo que ditam as regras de experiência comum, que uma rutura conjugal com um ou outro episódio de violência por parte do pai, como resulta dos dados disponíveis, pode justificar a resistência da criança ao contacto com o pai, mormente quando esta criança, devido aos seus problemas de saúde física, foi sempre acompanhada pela mãe, que deixou o seu emprego para se dedicar inteiramente ao filho. No fundo, o juízo que subjaz à decisão recorrida pode correr o risco de rotulação e concetualização de uma situação que não quadra com a SAP.
Sabemos que o conceito de “criança alienada” se reporta àquela que vive uma situação de conflito parental por rutura da relação conjugal de seus pais, sofrendo a manipulação da sua vontade por um dos progenitores com vista ao seu afastamento em relação ao outro, mas supõe que a criança expresse esses sentimentos negativos de zanga, raiva, aversão, rejeição e/ou medo, utilizando uma forma de expressão despropositada face à vivência e à relação de filiação que a criança teve com esse progenitor. Perante isso cabe à pedopsiquiatria a compreensão da criança, nos seus movimentos psicológicos internos e, principalmente, nas suas relações intersubjetivas com os seus progenitores[2]. Donde a afirmação de que a situação exige muita prudência e que, antes de se colocar a hipótese da criança estar a atravessar uma situação de alienação de afetos de filiação, se deva procurar outros tipos de situações em que a criança resiste ao contacto com um dos progenitores, por razões plausíveis e compreensíveis dentro da sua realidade vivencial concreta e da dos seus progenitores. E dentre essas inúmeras razões podem estar os processos normais do desenvolvimento afetivo da criança, graves conflitos dos pais quando ainda viviam juntos, a fragilidade física ou emocional de um progenitor e o receio da criança de o deixar sozinho, a inadaptação à nova vida de relação conjugal ou amorosa do progenitor recusado. A criança pode ter apenas uma aliança com um dos progenitores, sem rejeitar completamente o outro, e mostrar quanto a ele ambivalência, incluindo, zanga e tristeza, mas também afeto, embora mostre resistência ao convívio com ele. E acrescenta-se que “[E]stas alianças, entre a criança e um dos progenitores, podem advir de um intenso conflito entre os pais e de dinâmicas familiares disfuncionais em que a criança é estimulada a tomar partido em relação a um dos progenitores contra o outro ou a ser o porta-voz de mensagens hostis, situações que se podem intensificar após a separação dos pais. Estas alianças, mesmo as mais fortes, são geralmente temporárias (…)”[3] e superáveis, ademais quando acompanhadas.
O exposto faz-nos temer que não esteja em causa uma situação de SAP e que a separação de uma criança de nove anos (então ainda com oito anos) de sua mãe, com a qual mantém forte vinculação afetiva, pode redundar numa profunda quebra afetiva e num quadro muito traumático. Contexto, em princípio, agravado pelo facto de a criança ser integrada num ambiente familiar desconhecido, na nova família de seu pai, numa cidade diferente, com um relacionamento interpessoal inteiramente novo. Sem questionar o referido sofrimento psicológico a que a criança estava submetida antes da separação de sua mãe, antevemos uma forte desestruturação emocional que um menino de nove anos não terá capacidade de gerir, agravada por naturais sentimentos de insegurança, angústia, rejeição e medos, com sérias probabilidades de comprometerem o seu são e equilibrado desenvolvimento.
Reconhecemos o quão é censurável que os progenitores, apenas para preservar os seus egoísticos interesses, contribuam para o sofrimento psíquico de um filho e, em vez de se unirem num esforço comum de alcançar uma solução que preserve o seu bem estar e conforto, se digladiam em conflitos que eternizam numa fase crucial do crescimento da criança.
Em matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores (artigo 1906º/7 do Código Civil). E não nos parece que este corte abrupto da criança com a sua mãe sirva um crescimento harmonioso e uma salutar relação de filiação com os dois progenitores. Pese embora as relações de afetividade se não criarem pela força, não duvidamos que o são crescimento do menor aconselha a uma maior proximidade com o pai, através de um convívio frequente e regular, mas estabelecido com todo o cuidado, sem que lhe possa ser imposto contra a sua vontade, ainda que esta possa estar manipulada na sua génese. Porém, sendo da maior importância o convívio com o pai, para garantir a integridade emocional da criança, não pode dar-se uma relevância excessiva à sua vontade. Antes se deve apostar numa aproximação gradual ao pai, num regime de convívio que permita ultrapassar o distanciamento até agora manifestado.
Como se trata de um regime provisório, o sucesso da aproximação entre pai e filho pode/deve ser submetido a sucessivas e curtas avaliações, obstando, também por essa via, à carga traumática que uma súbita aproximação poderá causar.
Tudo para concluir que a solução adotada pelo regime provisório fixado não é, salvo o devido respeito, consentânea com o interesse do menor e longe de favorecer a sua estabilidade emocional poderá gerar ansiedade, medo, insegurança e angústia que perturbe o seu escorreito equilíbrio.
Por tal razão, optamos por revogar o regime provisório estabelecido, mantendo a guarda e a residência da criança com a mãe, e estabeleceremos condições para amplas oportunidades de contacto do menino com o pai e sua família.
É lamentável uma mudança drástica da residência habitual e das rotinas de vida de uma criança de nove anos de idade apenas porque os seus progenitores não foram capazes de separar a sua rutura conjugal das suas responsabilidades parentais e, por isso, não podemos deixar de apelar ao bom senso e razoabilidade de ambos no sentido de preservar o seu filho do grau de conflitualidade a que tem sido sujeito. Nessa senda, esperamos que o amor que a mãe nutre pelo seu filho a faça rever os seus padrões de comportamento e a motive a estimular e propiciar o relacionamento do menino com o pai. O fim de um casamento ou de uma relação afetiva não acaba com os laços de filiação e a mãe só será feliz se, no futuro, tiver a seu lado um adolescente, um jovem, um adulto mentalmente saudável, equilibrado e que a ame, mas que ame também o seu pai e a sua irmã. Deve, por isso, aceitar essa realidade e desenvolver um exercício regular e harmonioso da sua parentalidade, cooperando nas visitas do menino ao pai.
Os técnicos sociais entendem que todo o sofrimento da criança é causado pela mãe com a indução da rejeição do pai. Aceitamos que a relação mãe/filho, atenta a exclusividade a que tem sido submetida (mesmo quando o pai vivia com a mãe, vem referido que o pai trabalhava em Lisboa) não é salutar para um devir harmonioso da criança. Acreditamos, à luz das regras da experiência comum, que a mãe padece de sentimentos de insegurança relativamente ao seu filho e receia perdê-lo para o pai caso venha estreitar-se o convívio entre ambos. Não resulta dos autos que este aspeto tenha sido trabalhado com a mãe e, nessa medida, reputamos essencial que a mesma se sujeite a acompanhamento psiquiátrico e/ou psicológico que a ajude a superar os medos e as angústias que atravessam a sua relação com o filho e deste com o pai. Estamos certos que, com o adequado acompanhamento, a mãe perceberá a essencialidade da relação parental do menino com o pai.
É axiomática a importância do pai na educação de uma criança. A ausência da figura masculina pode produzir conflitos no desenvolvimento psicológico e cognitivo da criança e acarretar distúrbios de comportamento. É na interação com o pai que a criança aumenta a segurança, pois ele gera confiança e independência e ajuda ao desenvolvimento saudável da identidade do filho, bem como ao seu crescimento emocional equilibrado.
Donde nos pareça, iteramos, que é nuclear a aproximação do D… ao pai, estabelecendo um relacionamento interpessoal gradual e progressivo, que faculte a reconstrução sólida da relação de filiação, já substanciada na estreita convivência que o regime provisório permitiu. São positivos os indícios da aproximação afetiva da criança ao pai, à irmã e até à avó paterna, o que louvamos, mas o próprio pai regista que o menino pensa tratar-se de uma situação temporária e que regressará para junto da mãe.
Revelando forte compreensão, o pai dá mostras de aceitar que a criança deve estar com a mãe e chegou mesmo a referir, na conferência de pais, que não tinha condições para ter consigo o menino. Contudo, tendo-lhe sido imposta pelo Tribunal a guarda do menino, esforçou-se para adaptar as suas condições pessoais e familiares a tal situação, o que muito enaltecemos, e a última avaliação regista uma evolução bem positiva na relação parental com o D….
Neste sentido, embora reconhecendo que a mãe adotou um comportamento processual que mereceu a censura que lhe foi dirigida pelo Tribunal, não podemos ultrapassar o princípio basilar da proteção do interesse da criança. E entendemos que o interesse do D… fica melhor acautelado junto de sua mãe, a quem, provisoriamente, deferimos a sua guarda, ficando a criança com ela a residir, mas mantendo estreito convívio com o pai.
Para tanto, o D… passará com o pai os fins de semana, alternadamente, sendo o primeiro fim de semana com o pai, incumbindo a cada um dos progenitores buscá-lo na casa do outro ou em lugar a combinar entre ambos.
Aproximando-se as férias de Natal, o menino passará com o pai a véspera de Natal e os dois dias anteriores e o dia 1 de janeiro e os dois dias subsequentes, cabendo, igualmente, a cada um dos progenitores buscá-lo na casa do outro ou em lugar a combinar entre ambos.
Quanto aos alimentos a cargo do pai, mantemos o regime vigente. Deploramos que a mãe não tenha cumprido com a obrigação de alimentos estabelecida pelo Tribunal e que não tenha sequer entregue ao pai as prestações sociais a que o seu filho teve direito, apelando a que o faça, assim revelando a abertura e o diálogo que o amor ao seu filho exige.
Determinamos que a criança se mantenha acompanhada pelos serviços públicos de pedopsiquiatria, conforme já em execução, e que ela e seus pais sejam submetidos a avaliação psicológica.
Mais ordenamos que a mãe seja sujeita a acompanhamento psiquiátrico e/ou psicológico dos serviços hospitalares competentes.
V. Dispositivo
Face ao exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar o regime provisório de regulação do exercício de responsabilidades parentais relativas ao menor D…, substituindo-o pelo seguinte:
1. Fixam a residência da criança com a mãe, a quem caberá o exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância.
2. O menor passa com o pai os fins de semana, alternadamente, sendo com ele o primeiro fim de semana. Nas férias de Natal, o menino passa com o pai a véspera de Natal e os dois dias anteriores e o dia 1 de janeiro e os dois dias subsequentes. Cabe, igualmente, a cada um dos progenitores buscá-lo na casa do outro ou em lugar a combinar entre ambos.
3. Os alimentos a cargo do pai mantêm-se no regime vigente.
4. O menino mantém acompanhamento dos serviços públicos de pedopsiquiatria.
5. A mãe será submetida a acompanhamento dos serviços públicos de psiquiatria e/ou psicologia.
6. O menino e os progenitores serão submetidos a avaliação psicológica.
7. As custas da apelação são devidas em função do regime fixado a final.
*
Porto, 07 de dezembro de 2018.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
___________
[1] Ana Vasconcelos, O Fenómeno da Alienação Parental, Mitos e Realidades, CEJ, julho 2018, pág. 73.
[2] Ana Vasconcelos, ibidem, pág. 69.
[3] Ana Vasconcelos, ibidem, pág. 71.