Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
467/16.5T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20181108467/16.5T8VLG.P1
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 284, FLS 188-201)
Área Temática: .
Sumário: I – Para que se verifique a descaracterização do acidente de trabalho ao abrigo do disposto no art. 14º, nº 1, al. a) da Lei 98/2009, de 04.09, no que se refere às instruções de segurança estabelecidas pela empregadora, além da prova da sua existência, é necessário, também, que se prove que foram comunicadas e transmitidas ao trabalhador/sinistrado.
II – Não é um comportamento temerário em alto e elevado grau a reacção instintiva e sem pensar do trabalhador “estagiário” que sacode com a mão o pó acumulado no prato giratório de uma máquina de fabrico de bolas de naftalina (sobre a qual não se provou o estabelecimento de regras de segurança pela empregadora ou que lhe tenha sido dada formação profissional, quanto à mesma), pese embora, se tenha provado que o sinistrado sabia que se colocasse a mão debaixo da peça cilíndrica da prensa, sem desligar a máquina, podia correr o risco de ver a mão esmagada.
III - Para a descaracterização do acidente de trabalho ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do citado art. 14º, é necessário que ele provenha de negligência grosseira do sinistrado e que esta seja a causa exclusiva do mesmo, não bastando, pois, a culpa leve, como imprudência, distracção, imprevidência ou comportamentos semelhantes, exigindo-se um comportamento temerário, reprovado por elementar sentido de prudência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 467/16.5T8VLG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Valongo - Juízo do Trabalho - Juiz 1
Recorrente: B..., S.A.
Recorrido: C...

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
O A., C..., intentou acção declarativa com processo especial emergente de acidentes de trabalho contra a R., “B..., S.A.”, pedindo a procedência desta e, em consequência, a condenação da ré a pagar-lhe indemnização no montante total de 4409,14€, referente às seguintes quantias:
a) pensão anual vitalícia obrigatoriamente remível no montante de 3602,21 €;
b) período de ITA e de ITP no montante de 777,51€;
c) despesas de transportes no montante de 29,42 €.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que foi admitido ao serviço da entidade empregadora “D..., Lda”, por contrato de trabalho a termo certo, no dia 16.03.2015, para exercer por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade patronal as funções de estagiário 1º ano de empregado de armazém, auferindo em contrapartida a retribuição mensal de € 544,99 acrescida de € 4,27 x 22 dias x 11 meses a título de subsídio de refeição, cabendo-lhe operar duas máquinas de produção de bolas de naftalina, e ainda a embalagem e a etiquetagem de produtos.
Mais, alega que, no dia 17 de Novembro de 2015, quando se encontrava em simultâneo a operar com as duas máquinas de produção de bolas de naftalina e embalando e etiquetando produtos nos intervalos das operações requeridas pelas máquinas de produção, e após ter introduzido o pó de naftalina na máquina de produção de bolas de naftalina perfumada, constatou que as bolas de naftalina produzidas apresentavam defeito, que consistia numa reentrância na superfície destas, que se devia a uma pequena acumulação de pó depositado no prato giratório que serve de molde às bolas perfumadas. Ato contínuo, num movimento automático e sem pensar, sacudiu a pequena acumulação de pó, utilizando para tal a sua mão esquerda.
De imediato sentiu uma pancada no dedo médio da mão esquerda o qual foi atingindo pela prensa da máquina do que resultou o esmagamento parcial do mesmo.
Foi então conduzido e assistido no Hospital ... no Porto onde ficou internado, tendo sido submetido a amputação cirúrgica do terceiro dedo da mão esquerda para regularização do coto.
Mercê do acidente ficou em situação de ITA desde a ocorrência do sinistro, no dia 17.11.15, até 7.1.16 e de 8.1.16 até à data da alta definitiva, em 17.1.16, esteve na situação de ITP de 20%, tendo ficado com uma incapacidade parcial permanente de 3% a partir desta data.
Alega, ainda, que gastou 29,42€ em despesas de transporte e medicamentos.
Por fim, alega que apenas se encontrava transferida para a Seguradora a quantia correspondente ao seu vencimento base mensal x 14 meses e que a sua entidade empregadora já lhe pagou a indemnização pelo período de incapacidade temporária e o capital de remição da pensão anual devida, na sua quota parte de responsabilidade, correspondente ao subsídio de alimentação que não estava transferido para a Seguradora.
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Citada a R. contestou, defendendo que o Autor não desligou a máquina antes de colocar a mão no prato giratório para tirar o pó acumulado e que sabia que se colocasse a mão no prato giratório sem desligar previamente a máquina, a prensa desta poderia facilmente esmagar a sua mão ao realizar o movimento descendente.
Mais, alega que tinha sido estabelecido como regra de segurança da “D..., Lda” que a limpeza do pó de naftalina que se acumula no prato giratório só podia ser realizada com a máquina desligada, que a mesma tinha ministrado formação profissional ao Autor, na qual lhe comunicou tal regra de segurança, a qual era reafirmada pelos superiores hierárquicos deste.
Aceita que aquando do acidente a entidade empregadora tinha transferida a responsabilidade infortunística laboral por acidentes sofridos pelo Autor, sendo que a retribuição transferida se reportava ao vencimento de € 544,99 x 14 meses.
Conclui que deve a excepção de descaracterização do acidente de trabalho invocada ser julgada procedente e, em consequência, ela/Ré absolvida do pedido.
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Nos termos que constam a fls. 125 e ss., em 18.01.2018, foi proferido despacho saneador tabelar, fixaram-se os factos assentes e a base instrutória.
Os autos prosseguiram para julgamento e realizada a audiência, nos termos documentados nas actas de fls. 128 e ss., respondeu-se à matéria de facto constante daquela.
Por fim, em 18.06.2018, foi proferida sentença que terminou com a seguinte decisão:
Assim e pelo exposto, condeno a Ré “B..., S.A.” a pagar ao Autor:
I – O capital de remição da pensão anual de € 181,93 (cento e oitenta e um euros e noventa e três cêntimos) a contar da data seguinte à da alta, na proporção da sua responsabilidade de 88,07207 %.
II - A quantia de € 775,52 (setecentos e setenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos) a título de indemnização pelo período de incapacidade total absoluta e parcial, na proporção da sua responsabilidade.
III – A quantia de € 20,00 (vinte euros) a título de despesas de transporte.
A essas quantias acrescem juros legais contados desde a data dos respetivos vencimentos e até efetivo e integral pagamento - artigo 135.º, parte final do Código de Processo do Trabalho.
Custas pela Seguradora e empregadora na proporção das respetivas responsabilidades.
Oportunamente e dado que a pensão - atento o grau de incapacidade e o montante da mesma, obrigatoriamente remível, proceda-se ao cálculo do capital, indo depois os autos ao Ministério Público.
Valor da ação: € 3.984,30.”.
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Inconformada a seguradora, interpôs recurso nos termos das alegações juntas a fls. 143 e ss., que terminou com as seguintes CONCLUSÕES
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Já neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora Geral Adjunta teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, tendo emitido parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, no essencial, por considerar que se deve manter inalterada a decisão sobre a matéria de facto e por a recorrente fazer depender a revogação da decisão recorrida desta pretendida alteração, acrescendo que não permite a factualidade apurada concluir pela descaracterização do acidente de trabalho.
Nenhuma das partes apresentou resposta a este parecer.
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Corridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber:
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- se o acidente de trabalho sofrido pelo A. se encontra descaracterizado.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A 1ª instância deu por provados os seguintes factos:
“A) - O Autor nasceu no dia 23 de abril de 1993.
B) - O Autor no dia 17 de novembro de 2015, cerca das 09,30 horas, encontrava-se a trabalhar para a sua entidade empregadora “D..., LDA”, onde exercia tarefas de estagiário 1.º ano de empregado de armazém.
C) - Nessa ocasião encontrava-se a operar em simultâneo com duas máquinas de produção de bolas de naftalina, embalando e etiquetando produtos nos intervalos das operações requeridas por essas máquinas
D) - Tendo sido atingido no dedo médio da mão esquerda pela prensa de uma dessas máquinas, quando se encontrava a retirar com essa mão o pó que se tinha depositado no prato giratório.
E) - Sofrendo esmagamento do dedo médio dessa mão, com amputação pela extremidade distal de F2 do 3º dedo, com coto doloroso à pressão local.
F) - Em consequência desse esmagamento, ficou na situação de I.T.A. desde o dia 18 de novembro de 2015 a 7 de janeiro de 2016, a que se seguiu a situação de ITP de 20% desde 8 de janeiro de 2016 a 17 de janeiro de 2016, data da consolidação médico-legal das lesões, com uma IPP de 3%.
G) - A sua entidade empregadora tinha transferido para a Ré “B..., S.A.” a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho relativas ao Autor, nos termos da apólice nº .........., no que concerne ao vencimento base auferido pelo Autor, no montante de € 544,99 x 14 meses.
H) - A Ré enviou ao Autor a carta cuja cópia está junta a fls. 18, datada de 23 de dezembro de 2015, declinando a responsabilidade pela reparação do acidente.
I) - Até ao dia 17 de dezembro de 2015 o Autor foi assistido pelos serviços clínicos da Ré, tendo esta nessa data, cessado os tratamentos ministrados ao Autor.
J) - Foi numa reação instintiva e sem pensar, que o C... sacudiu o pó com a mão.
K) - Logo após ter sido atingido pela prensa da máquina, foi então conduzido e assistido no Hospital ... no Porto onde ficou internado.
L) - Nesse mesmo dia foi submetido a amputação cirúrgica do terceiro dedo da mão esquerda para regularização do coto.
M) - E teve alta hospitalar no dia seguinte.
N) - A prensa esmagou o dedo da mão esquerda quando fazia o movimento descendente.
O) - Essa prensa é uma peça cilíndrica que realiza um movimento descendente de pressão contra o prato giratório da máquina, voltando a subir, numa operação que se repete ciclicamente em frações de segundos.
P) - O Autor não desligou a máquina antes de colocar a mão no prato giratório para tirar o pó acumulado.
Q) - O Autor sabia que se colocasse a mão debaixo da peça cilíndrica da prensa, sem desligar a máquina, podia correr o risco de ver a mão esmagada, se a máquina não estivesse desligada e já estivesse a realizar o seu movimento descendente.
R) - O Autor gastou uma quantia não concretamente apurada em despesas de transporte aos serviços clínicos da Seguradora, ao E... e a tribunal.
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B) O DIREITO
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Da impugnação da decisão de direito, consistente na descaracterização do acidente – artigo 14º, nº1, alíneas a) e b) da Lei nº98/2009 de 04.09.
Ora, improcedendo a pretendida alteração da matéria de facto, da qual a recorrente fazia depender a substituição da sentença, por outra que julgasse a acção totalmente improcedente, declarando a descaracterização do acidente de trabalho sofrido pelo A., (veja-se conclusão 23ª), afigurando-se-nos correcta a subsunção jurídica da factualidade que se mostrava e, nesta sede, ficou definitivamente assente, nenhuma censura merece a decisão recorrida.
Ainda, assim, sem prejuízo de repetirmos o entendimento ali expresso, diremos o seguinte.
Quanto à al. a) do nº1 do art. 14º da Lei nº98/2009 de 04.09 (LAT)
Nela se dispõe que, “O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei”.
Referindo, o nº2 do mesmo artigo refere que, “Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la”.
Sobre os requisitos previstos nesta disposição legal, al. a) que (corresponde à alínea a) do art. 7º da Lei nº100/97 de 13.09 e o nº2 ao nº1 do art. 8º do DL nº143/99 de 30.04) tem vindo a jurisprudência a pronunciar-se, como entre outros, (Ac. do STJ de 19.11.2014 publicado na CJ, acórdãos do STJ, Ano 2014, Tomo 3, pág. 273), no sentido de que “A descaracterização do acidente (de trabalho) prevista na alínea a) do nº1 do artº14º da NLAT (Lei nº98/2009, de 4 de Setembro), exige a conjugação cumulativa dos seguintes requisitos: a existência, por um lado, de condições de segurança e o seu desrespeito por parte do destinatário/trabalhador; em actuação voluntária, embora não intencional, por acção ou omissão, e sem causa justificativa; por outro lado, impõe-se que o acidente seja consequência, em termos de causalidade adequada, dessa conduta”.
Face a este entendimento que acolhemos, analisando, atenta a factualidade que ficou assente, é evidente não ocorrer a descaracterização do acidente em causa.
Pois, para que ocorra a descaracterização do acidente de trabalho, ao abrigo do disposto no art. 14º, nº 1, al. a) da Lei 98/2009, de 04.09, no que se refere a regras e instruções de segurança estabelecidas pelo empregador, além de se provar a sua existência é necessário, também, que se prove que elas foram transmitidas ao trabalhador. E, no caso, nada se apurou sobre o estabelecimento de regras de segurança pela empregadora do A., em concreto, quanto à máquina em causa, nem que lhe tenham sido transmitidas ou lhe tenha sido dada formação profissional.
Assim, não estando provado que a entidade patronal tenha estabelecido ou comunicado ao sinistrado as concretas regras de segurança que deveriam ser cumpridas relativamente à máquina em questão, ónus que competia à aqui recorrente, improcede a alegada “descaracterização” do acidente de trabalho com fundamento na al. a) do nº1 do art. 14º da LAT, até porque, quanto à invocada violação de norma de segurança estabelecida em norma legal, como bem diz o Mº Juiz “a quo”, “...se é certo que, como bem refere a Seguradora, face ao disposto no artigo 46º da Portaria nº 537/71 de 3 de fevereiro, é proibida a realização de operações de limpeza com órgãos ou elementos de máquinas em funcionamento, tal não se enquadra no caso dos autos pois que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se pode confundir ou sequer equiparar o gesto instintivo de sacudir com a mão o pó que estava no prato giratória, com uma tarefa de limpeza dessa mesma máquina, que não estava a ser realizada pelo Autor.”.
Passando ao disposto na al. b) do nº1 do art. 14º da Lei nº98/2009 de 04.09.
Neste particular, importa realçar, desde logo, que a exclusão da responsabilidade prevista nesta al. b), a par de um comportamento altamente reprovável do trabalhador, exige que o acidente tenha resultado em exclusivo desse comportamento.
A este propósito refere-se na sentença recorrida o seguinte: “No caso em apreço temos de considerar que o Autor era um jovem trabalhador, com 22 anos de idade, que era ainda estagiário, que estava a operar em simultâneo com duas máquinas de produção de bolas de naftalina, embalando e etiquetando produtos nos intervalos das operações requeridas por essas máquinas e que foi numa reação instintiva e sem pensar, que sacudiu o pó com a mão, sendo apanhado pela prensa da máquina.
Não se apurou sequer se quando colocou a mão a prensa já estava a fazer o seu movimento descendente e qual a razão pela qual não logrou retirar a mão a tempo, de modo a não ser atingido.
É pois de concluir pela censurabilidade da sua conduta algo temerária mas que de forma alguma se pode considerar consubstanciar uma culpa grave ou negligência grosseira.”.
A apelante refere que, “colocar-se a mão debaixo de uma prensa, que é uma peça cilíndrica que está permanentemente a subir e a descer, exercendo pressão sobre o prato giratório, numa operação que se repete ciclicamente em fracções de segundo, é, de forma evidente, para o Recorrido, atento o seu acervo de conhecimentos, um acto temerário em alto e elevado grau, uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares que se lhe impunham naquele caso concreto”.
Que dizer?
Dispõe a al. b) daquele referido art. 14º, nº1, que, “O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado”.
Determinando o nº3 do mesmo artigo que, “Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão”.
Esta alínea do art. 14º corresponde à al. b) do art. 7º da antiga LAT e o seu nº3 corresponde ao nº2 do art. 8º do DL nº 143/99 de 30.04.
A este propósito, refere (Carlos Alegre in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª ed., pág. 63) que, “ao qualificar a negligência de grosseira, o legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e os contras” (…) “a negligência lata ou grave confina com o dolo e parece ser, sem dúvida, a esta espécie de negligência que se refere o legislador ao mencionar a negligência grosseira: é grosseira, porque é grave e por ser aquela que in concreto não seria praticada por um suposto homo diligentissimus ou bónus pater-familias” –
Assim, e tudo ponderando, o acidente não dá direito à reparação se ficar provado a) que a conduta do trabalhador/sinistrado foi temerária em alto e relevante grau e não resulte da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional e dos usos e costumes da profissão; b) a exclusividade dessa conduta na produção do acidente; c) o nexo de causalidade entre essa conduta e o acidente.
Ora, transpondo o exposto para o caso, pese embora, o apurado em P) e Q), “O Autor não desligou a máquina antes de colocar a mão no prato giratório para tirar o pó acumulado” e “O Autor sabia que se colocasse a mão debaixo da peça cilíndrica da prensa, sem desligar a máquina, podia correr o risco de ver a mão esmagada, se a máquina não estivesse desligada e já estivesse a realizar o seu movimento descendente.”, o mesmo é manifestamente insuficiente para se concluir que o sinistrado agiu com negligência grosseira, pois tal como o considerou o Mº Juiz “a quo”, basta atentar, na idade do sinistrado, ainda estagiário e no que ficou provado em J) “Foi numa reacção instintiva e sem pensar, que o C... sacudiu o pó com a mão” e decorreu da audição dos depoimentos das testemunhas (F... e G...), pese embora não tivessem presenciado o acidente, para que não possamos concordar com a apelante, quando considera ter o recorrido tido “um acto temerário em alto e elevado grau, uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares que se lhe impunham naquele caso concreto”.
É certo que o A. sabia o referido em Q) mas, também, é certo que o que se apurou foi que o sinistrado teve uma reacção instintiva e sem pensar e como foi dito pela sua encarregada, o mesmo estava lá “praticamente” para aprender a trabalhar e ela própria, que sabe dos perigos que há, às vezes, tem o instinto de fazer e às vezes sacodem o pó, sem parar, a máquina.
Sendo deste modo, tal como se considerou na decisão recorrida, também a nós o acto do sinistrado, não se nos afigura suficiente, nem por si só relevante, para podermos afirmar que a sua conduta foi inútil ou indesculpável pois, o que se apurou é que foi “instintivo se pensar”. Sem dúvida, um impulso leviano e irreflectido do sinistrado que não considerou os prós e contras da sua reacção.
Acrescendo que, ainda, que se entendesse o contrário, sempre a Ré/apelante teria de ter alegado e logrado provar, como lhe competia que o acidente se ficou a dever única e exclusivamente à conduta do sinistrado, o que manifestamente não fez.

Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se nesta secção, em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo da apelante.
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Porto, 8 de Novembro de 2018
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
Rui Ataíde Araújo