Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
500/09.7TBPRG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: M. PINTO DOS SANTOS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
ARRESTO
OPOSIÇÃO
CASO JULGADO
COMPETÊNCIA ABSOLUTA
CONHECIMENTO
PRESSUPOSTOS
CRÉDITO NÃO RECONHECIDO PELOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
PROBABILIDADE DA SUA EXISTÊNCIA
Nº do Documento: RP20120925500/09.7TBPRG-A.P1
Data do Acordão: 09/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - A decisão proferida em procedimento cautelar na sequência de contraditório/oposição subsequente deduzido pelo requerido, constitui complemento e é parte integrante da que foi inicialmente proferida sem oposição daquele; por isso, juntas, formam uma só e única decisão no procedimento.
II - Não se forma caso julgado sobre o que foi decidido na primeira de tais decisões, designadamente acerca dos pressupostos processuais (mesmo que não tenham sido objecto da oposição subsequente).
III - Nos procedimentos cautelares, a competência absoluta [que inclui a incompetência em razão da nacionalidade - art. 101°) não é apreciada relativamente ao procedimento propriamente dito, mas sim em relação à acção de que é dependência [à p. i. dessa acção, por se tratar de um pressuposto processual).
IV - Apresentando-se o procedimento cautelar (arresto) como preliminar de uma acção de impugnação pauliana, a competência internacional dos tribunais portugueses para apreciarem/decidirem a primeira depende da competência (internacional) para julgarem a segunda [desde que não esteja em causa a aplicação do disposto no n° 5 do art. 383° do CPC],
V - Não constitui obstáculo à probabilidade da existência do direito de crédito do requerente [fundamento de procedência do arresto previsto no n° l do art. 406° do CPC] o facto de o crédito ainda não estar reconhecido pêlos tribunais portugueses, nem o de, por via disso, não ser ele ainda exigível, nem líquido.
VI - A titularidade desse crédito é que terá de ser inequívoca, no sentido de ser o requerente o efectivo credor dos requeridos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc. 500/09.7TBPRG-A.P1 – 2ª S.
(apelação)
_______________________
Relator: M. Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Francisco Matos
Des. Maria João Areias
* * *
Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

1. A tramitação na 1ª instância:
B……., Lda., com sede em S. Paulo, Brasil, instaurou o presente procedimento cautelar especificado de arresto contra C….., residente na ….., Herança Aberta por Óbito de D……, E….., residente em …., Vila Real, F….., G….., H….. e I….., todos residentes em Peso da Régua, pedindo o arresto dos imóveis que identificou no art. 61º do requerimento inicial.
Para tal, alegou, essencialmente, que:
• foi constituída em 1981, sob a firma “J….., Lda.”, mas não exerce qualquer actividade desde 1996;
• os 1º e 3º requeridos, bem como D……, falecido em Fevereiro de 2009 (os 3º a 7º requeridos são os herdeiros conhecidos de tal «de cujus»), foram sócios investidores da requerente [com quotas, respectivamente, de 32,5%, 10% e 32,5%] até Setembro de 2006, na qual nunca exerceram quaisquer actos de gerência ou de administração;
• os 1º e 3º requeridos e o dito D….. foram, igualmente, sócios de outras sociedades, nomeadamente de uma tal “K….., Lda.”, a qual foi declarada falida pelos tribunais Brasileiros em 18/12/2006, tendo deixado dívidas por pagar, sobretudo aos seus trabalhadores;
• após a declaração de falência da “K…., Lda.”, teve a requerente conhecimento que alguns trabalhadores daquela intentaram acções contra ela e contra si [requerente] a reclamar créditos laborais, por considerarem, erradamente, que ambas [e outras do grupo “K1….”] integravam o mesmo grupo empresarial, sendo certo que algumas dessas acções tinham já decisões finais condenatórias;
• a requerente não soube da pendência dessas acções por os respectivos autores terem indicado como sua a sede da “K….., Lda.” e de outras empresas do grupo “K1….”, onde aquela nunca teve a sua sede e porque os 1º e 3º requeridos e o indicado D….. nunca lhe deram, propositadamente, conhecimento da existência das cartas de citação relativas a tais processos, tendo-se até apresentado nestes como titulares da requerente;
• esta, logo que tomou conhecimento de tais acções, arguiu a nulidade da sua citação nas que já estavam julgadas e contestou as que ainda admitiam a sua oposição, tendo conseguido em algumas daquelas a declaração da nulidade da sua citação;
• receando que outras acções fossem instauradas contra si e que as respectivas citações continuassem a ser recebidas na sede das empresas do grupo “K1….”, procedeu, em 05/10/2006, à notificação extrajudicial dos aludidos requeridos e de D….., fundada na quebra de «affectio societatis» em virtude da gravidade dos actos destes, exigindo a saída deles da requerente;
• através dessa notificação extrajudicial aqueles requeridos e D….. foram interpelados para a assinatura da alteração do contrato social da requerente e para a sua imediata saída desta, sem qualquer contraprestação financeira ou quitação;
• mais nela ficou preservado o direito da requerente ao ressarcimento de todas as despesas e prejuízos causados por aqueles, bem como de todas as despesas referentes aos processos apresentados contra si pelos trabalhadores da “K…., Lda.”;
• após aquela notificação, os 1º e 3º requeridos e D….. assinaram a alteração do contrato social da requerente, deixaram de ser sócios desta e não questionaram as demais imposições daquela constantes;
• até Junho de 2007 outras acções foram intentadas contra a requerente [por trabalhadores da “K…., Lda.”], o que fez com que até então esta tivesse despendido, com todas as acções, a quantia de 851.287,20 Reais, equivalente a 327.707,00 €;
• em Junho de 2007, a requerente interpelou aqueles requeridos e K….. para que lhe pagassem 245.780,00 € a título de despesas e prejuízos sofridos, o que eles não fizeram;
• tais despesas e prejuízos aumentaram para 410.925,00 € [1.052.532,77 Reais] em Agosto de 2007;
• como a requerente não exercia qualquer actividade desde 1996 nem possuía capital ou património, foi ela e os seus sócios, com excepção dos 1º e 3º requeridos e de D….., que suportaram aquelas despesas e prejuízos;
• para cobrança desses prejuízos e despesas e ressarcimento indemnizatório das perdas e danos decorrentes da actuação dos 1º e 3º requeridos e de D….., a requerente instaurou-lhes uma acção cível que corre termos nas Varas Cíveis de S. Paulo, Brasil;
• os requeridos têm vindo a alienar e a dissipar o seu património no Brasil e teme a requerente que alienem e dissipem também os imóveis de que são proprietários que se situam em Portugal, identificados nos nºs 1 e 2 do art. 61 do requerimento inicial, os quais são os únicos que a requerente conhece, sendo certo que já procederam, entretanto, à venda de alguns imóveis situados nos concelhos e comarcas de Peso da Régua e Vila Real.

Sem audiência do requerido, e depois de produzida a prova indicada pela requerente, foi proferida decisão que decretou o arresto dos bens indicados no requerimento.

Efectuado o arresto e depois de notificados desse acto e da decisão que o ordenou, os requeridos G….. e C….. deduziram oposição pretendendo a “revogação” daquela decisão e o levantamento da providência decretada.
Para isso, alegaram:
- A primeira:
• que a requerente não referiu que o ora «de cujus» D…. tenha exercido funções de gerente na “K….., Lda.”;
• que ele tivesse prévio conhecimento das acções que foram julgadas procedentes à revelia daquela e tivesse recebido ou aceite em nome da requerente as citações que eram dirigidas a esta;
• que, face ao sistema jurídico português, o referido D….. não pode ser pessoalmente responsabilizado por dívidas societárias;
• e que o arresto só poderia incidir sobre o direito à meação e quinhão hereditário do referido D……, na medida em que os bens arrestados são propriedade das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbitos deste e de L…...
- O segundo:
• que a requerente não tem personalidade ou capacidade jurídica e judiciária, por se encontrar inactiva desde 1996, sem capital e património, devendo considerar-se extinta;
• que a mesma carece de legitimidade activa, por não ter sido ela que suportou, com capitais próprios [teriam sido antes os sócios a responder a título individual], as despesas e encargos alegados no requerimento inicial;
• que, depois de ter deixado de ser sócio da requerente, deu disso conhecimento aos interessados;
• que nunca aceitou, em nome da requerente, quaisquer cartas de citação a esta dirigidas;
• que não tem qualquer intervenção na gestão da “K….., Lda.” desde 2000, nem está a par da sua gestão;
• e que doou os seus prédios, sitos em Portugal, à sua filha, por viver à custa dela e necessitar da sua ajuda.

Observado o contraditório, foi proferida «nova» decisão que alterou “os termos em que foi decretado o arresto referente aos bens pertencentes a D…..” tendo-o “substituído pelo arresto da meação no património comum do respectivo casal, constituído pelos bens identificados no ponto 1 do art. 61º do requerimento inicial”.
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2. O recurso – alegações e contra-alegações:
Inconformada com esta decisão complementar, interpôs a requerida G….. o recurso de apelação em apreço, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões:
“1ª. A requerente “B….”, com sede na Rua …. …./cj, sala …, São Paulo, Brasil, peticionou o arresto dos direitos e imóveis existentes em Portugal e pertencentes ao desditoso D…., falecido em Portugal, o qual era sócio da firma “K…., Lda.”, sediada em São Paulo, Brasil, a qual foi declarada falida em 18.12.2006.
2ª. Fundamento(u) a causa de pedir no facto de contra a falida terem sido instauradas um(a) série de acções (entre 2006 e 2009), essencialmente movidas pelos trabalhadores (reclamações trabalhistas) que, indevidamente, demandaram a requerente “B…..”, porque alegadamente faria parte do grupo “K1….”, sendo que as citações foram enviadas para a sede da “K….., Lda.”, sem que os sócios dessem conhecimento à requerente ou desfizessem o equívoco criado.
3ª. Em Agosto de 2007 a requerente havia já suportado a quantia de € 410.925,00, a título de despesas tidas com a defesa perante os processos laborais contra si indevidamente instaurados pelos trabalhadores da empresa “K….”.
4ª. Para ressarcimento de tais quantias dispendidas e prejuízos morais (avultados) diz ter requerido “acção ordinária de cobrança, e indemnização de perdas e danos, materiais e morais, com pedido de antecipação parcial de tutela jurisdicional”, cujos termos correm pela 24ª Vara Cível do Foro Central da Capital/São Paulo, sob o nº 2007.261908-4, não tendo ainda sido proferida decisão final.
5ª. Com a eventual procedência de tal acção judicial, atenta a avultada indemnização, pretende assegurar que os imóveis do falecido garantam a satisfação do mesmo; daí o arresto requerido.
6ª. Ora, o procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente da acção, e, se requerido antes de proposta a acção, é obrigatoriamente apensado aos autos do processo principal de que é dependente – artigo 383º, nºs 1 e 2 do C.P.C..
7ª. Razão, pela qual, o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos seus incidentes e das questões que o réu suscite como meio de defesa – artigo 96º, nº 1 do C.P.C..
8ª. Isto sem prejuízo, da existência de convenções internacionais em que seja parte o Estado Português e determinem que o procedimento cautelar de uma causa possa ser instaurado como dependência de uma causa que já foi ou haja de ser intentada em tribunal estrangeiro (art.º 383º, nº 5 do C.P.C.).
9ª. No caso em mérito a Mª. Juíza “a quo” entendeu liminarmente que o tribunal era competente em razão da nacionalidade (competência internacional) ao abrigo do preceituado no art.º 65º, nº 1, alínea c), do C.P.C. (o qual consagra o princípio da causalidade ou territorialidade, ou seja, atenta a complexidade da causa de pedir, basta que algum dos factos que a integram tenha sido praticado em território português para se verificar a competência internacional dos tribunais portugueses).
10ª. Afigura-se-nos, contudo, que a redacção actual do art.º 65º do C.P.C. foi alterada pela Lei 52/2008, de 28.08, o que determinou a revogação das alíneas a) e c) do nº1 do citado art.º 65º, bem como o seu nº 2.
11ª. Por outro lado, conforme o já vertido, não se vislumbra(m) quaisquer convenções internacionais em que seja parte o Estado Português e o Estado Brasileiro e que permita(m) enquadrar a causa de pedir em mérito no âmbito da disciplina contida no nº 5 do art.º 383º do C.P.C. (nem a requerente juntou certidão judicial competente).
12ª. No entanto, ainda que não ocorresse revogação da disposição em que a Mª. Juíza “a quo” fundamenta a competência internacional (alínea c) do art.º 65º do C.P.C.), a boa verdade é que a causa de pedir fundante da acção principal, da qual a cautelar é dependente, consubstancia-se em factos praticados única e exclusivamente em território brasileiro, o que afasta a aplicação de tal dispositivo.
13ª. Acresce que, os tribunais portugueses não têm competência para julgar a acção principal, atenta a causa de pedir, razão pela qual não podem conhecer do incidente (providência cautelar), isto ao abrigo do preceituado no art.º 96º, nº 1 do C.P.C..
14ª. Finalmente, destinando-se a acção a efectivar a responsabilidade por factos ilícitos, o que não se concede, o tribunal português não tem competência territorial para a pretensão da requerente (art.º 74º, nº 2 do C.P.C.).
15ª. Assim, a competência do tribunal, em razão da nacionalidade, como pressuposto do exercício do poder jurisdicional por um determinado órgão (pressuposto processual), é matéria do âmbito da relação processual, e a infracção às respectivas normas determina a incompetência absoluta do tribunal, implicando a absolvição da instância da requerida Herança por Óbito de D….. – artigos 101º, nº 1, e 104º, nº 1, do Código de Processo Civil – o que se pretende ver declarado pela presente via de recurso.
16ª. Entende, por outro lado, a Mª. Juíza “a quo” que no caso em mérito assiste à requerente um direito de crédito (€ 410.925,00), resultante de uma obrigação assumida pelos requeridos para com a sociedade (ressarcimento das despesas e passivos relativos aos processos trabalhistas instaurados contra a requerente e respeitantes ao grupo “K1…”), o que é devido face às disposições conjugadas do Código Civil Brasileiro insertas nos art.ºs 41º, 45º e 389º e segs..
17ª. E, por outro, que assiste ao falecido a obrigação de indemnização pela prática de factos ilícitos (terem estes recebido cartas de citação da requerente na sede da sociedade do grupo “K1….”, no âmbito de acções judiciais, sem dar conhecimento de tal facto à sociedade requerente, tendo até representado esta judicialmente, sem para tal estarem habilitados para o efeito), o que é devido face às disposições conjugadas do Código Civil Brasileiro insertas nos art.ºs 186º e 187º, ou o equivalente, segundo a Mª. Juíza “a quo” à disciplina contida no art.º 483º do C.P.C..
18ª. Sucede, porém, conforme se alcança da prova produzida, o custo suportado pela requerente (€ 410.925,00) resulta do facto de, enquanto indevidamente demandada judicialmente pelos trabalhadores do grupo “K1….”, ver-se obrigada a defender e, consequentemente, a suportar custos judiciais (taxas de justiça, advogados, etc.) para apresentar a sua defesa logrando provar que está indevidamente em juízo.
19ª. Inexistindo, pois, qualquer responsabilidade que possa ser assacada ao falecido pelo facto de os trabalhadores do grupo “K1….” terem indevidamente demandado judicialmente a requerente.
20ª. Sendo que do crédito em mérito (€ 410.925,00) não existe, ainda que indiciariamente, qualquer facto dado como provado que determine ser o mesmo exigível contratualmente ao falecido D…...
21ª. Acresce que, quando teve conhecimento de tais demandas judiciais indevidas dos trabalhadores do grupo “K1….” (Agosto de 2006) passou a apresentar defesa em todas elas, arguindo nulidades nas já julgadas e contestando as pendentes “… tendo obtido em algumas delas ganho de causa e noutras apresentado recurso.”.
22ª. E, não resultou provado que a requerente “B….”, que não desenvolve qualquer actividade desde 1996, tenha sofrido, ou venha a sofrer, qualquer dano moral na sua imagem, actividade, credibilidade no mercado, na banca, na relação com os seus clientes e fornecedores.
23ª. Como igualmente não resultou provada qualquer factualidade que permita concluir que os requeridos, entre eles o apelante, tenham praticado qualquer acto em prejuízo do património da “B….”, ou assim agindo com tal intenção.
24ª. Sucede, porém, que a Mª. Juíza, sem qualquer fundamento, concluiu, em sede (de) fundamentação, existir uma eventual responsabilidade civil dos requeridos, entre eles o falecido D….., verifica(n)do “…um comportamento ilícito dos requeridos, por forma a salvaguardar o património destes e da sociedade que representam à custa do património alheio, designadamente da requerente, causando-lhe danos e prejuízos avultados (actualmente cerca de um milhão e meio de euros).”.
25ª. O que se repudia, por não reflectir a realidade factual traduzida nos autos.
De facto,
26ª. O certo é que no âmbito dos autos declarativos que correram termos nas instâncias judiciais brasileiras, e com respeito à mesma causa de pedir que se discute nos presentes autos, foi proferida decisão judicial, a qual declarou a absolvição integral do ali réu, D…., conforme resulta do ponto 7 da factualidade considerada provada após a oposição deduzida e que aqui se dá por reproduzida.
No entanto,
27ª. Sendo as mesmas as causas de pedir, o que sucedeu é que a requerente, após discussão da causa no Brasil (e note-se que foi lá que os alegados prejuízos ocorreram, e aí estariam criadas condições para prova dos mesmos), não logrou provar a culpa e consequente responsabilidade contratual ou extracontratual do referido D…...
E, portanto,
28ª. Estamos crentes que, em sede cautelar e de apuramento ainda que indiciário da existência provável do direito tido por ameaçado, a sentença proferida nos tribunais brasileiros é clara e inequívoca em constatar que existe o direito de crédito invocado pela requerente pelo qual responda o património hereditário do finado D…..
Mais ainda,
29ª. A requerente alega expressamente no requerimento inicial que os factos ilícitos geradores da responsabilidade civil são reportados ao ano de 2006.
No entanto,
30ª. Também resultou provado sob o nº 1 da factualidade provada no seguimento da oposição deduzida que:
“Em Setembro de 2004, após o falecimento da esposa, D….. veio viver para Portugal, para o lugar de …., …, Vila Real, onde fixou a sua residência até à sua morte”.
Ora,
31ª. Como é evidente, e residindo em Portugal desde o ano de 2004, onde permaneceu até à data da sua morte em 2009, não poderia no decorrer de 2006 ter praticado no Brasil actos concretos, pessoais e ilícitos, que fossem susceptíveis de gerar prejuízos à requerente, nomeadamente no que respeita ao recebimento e ocultação das cartas de citação que lhe eram endereçadas no âmbito das acções trabalhistas que contra a mesma foram intentadas no Brasil.
32ª. Conforme supra referido, competia à requerente da providência cautelar o ónus de alegar e provar os factos ou eventos que permitissem ao tribunal afirmar, ainda que indiciariamente, a existência do direito de crédito que invocou sobre o finado D…..
33ª. Tal não sucedeu, porém, pois que à data dos factos alegadamente ocorridos em território brasileiro, o referido D….. já há muito, e há cerca de dois anos se encontrava a residir em Portugal.
E, por isso,
34ª. Pelo facto de se ter dado como não provado que o falecido D….. desconhecia a instauração de processos judiciais intentados por trabalhadores das empresas “K1…”, daí também não pode resultar que os conhecia, ou que o mesmo controlasse ou gerisse a sociedade de que era sócio à distância e que tivesse prévio conhecimento das citações judiciais referentes a dívidas de qualquer sociedade.
35ª. Tal alegação e prova competia naturalmente à requerente o que de facto não sucedeu, pelo que os autos não poderão fornecer qualquer facto donde se possa extrair qualquer comportamento ilícito susceptível de responsabilizar o finado D…., assim também onerando o seu património hereditário.
Pelo que,
36ª. Impõe-se, igualmente por esta via, a improcedência da cautelar, e por ausência absoluta de prova, ainda que indiciária, do direito de crédito invocado.
37ª. Finalmente, entendeu a Mª. Juíza que o conceito de “justo receio” se verifica “…dado o desconhecimento sobre a existência de quaisquer outros bens ou direitos dos requeridos em Portugal, para além dos objectos do arresto, parece clara a considerável dificuldade da satisfação do crédito da requerente”.
38ª. Ou seja, para a Mª. Juíza basta a existência de uma dívida avultada à requerente (pergunta-se € 410.925,00?), cuja satisfação possa ser de difícil execução no Brasil, para que os bens em Portugal do requerido sejam arrestados.
39ª. Ora, o arresto é uma providência cautelar destinada a garantir a utilidade da composição definitiva da lide, que não pode ser decretada sem que esteja demonstrado um justo receio – um receio justificado, credível – da perda da garantia patrimonial do credor, que é o património do devedor, e que no caso em mérito tal não se encontra demonstrado.
40ª. Impõe-se, assim, a revogação do arresto decretado.
41ª. Tudo porque, conforme flui das presentes conclusões e da sua fundamentação, a Mª. Juíza violou, por erro de interpretação e aplicação, o preceituado nos art.ºs 65º, 96º, nº 1, 101º, nº 1, 104º, nº 1, 381º, nº 1, 383º, nºs 1 e 5, 392º, nº 1, 406º, nº 1, todas as citadas disposições do C.P.C.; art.ºs 483º e 496º, ambos do Código Civil.
Termos em que, deve revogar-se a douta decisão que decretou e manteve o arresto dos direitos à meação no património comum do casal do falecido D…., decidindo-se no sentido pugnado, permitindo que assim se faça Justiça”.

A requerente contra-alegou em defesa da confirmação do decidido, suscitando, quanto à excepção dilatória da incompetência internacional invocada pela recorrente, a questão prévia da extemporaneidade da sua arguição, por ter ocorrido apenas em sede recursória.
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II. Questões a decidir:

Porque são as conclusões das alegações [e das contra-alegações] que delimitam o «thema decidendum» a cargo desta 2ª instância, de acordo com o estabelecido nos arts. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3 do CPC [na redacção actual, dada pelo DL 303/2007, de 24/08, aqui aplicável face à data da propositura do procedimento cautelar] – sem prejuízo do conhecimento oficioso de questões que a lei autoriza -, o objecto deste recurso visa a apreciação das seguintes questões:
• Se é possível conhecer agora da questão da incompetência internacional dos tribunais portugueses para apreciarem esta providência e, em caso de resposta afirmativa, se os mesmos (e o tribunal recorrido) são «in casu» competentes, em razão da nacionalidade;
• E se se verificam os fundamentos de que depende a procedência da providência: existência de um «crédito» da requerente sobre o «de cujus» D…. [só está em causa a responsabilidade deste, em atenção à qualidade da recorrente] e «justo receio» de perda da garantia patrimonial.
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III. Factos provados:

Nas decisões proferidas, a 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
A – Na 1ª decisão:
1) A requerente foi constituída em 1981, sob a firma “J…. Lda.”, dedicando-se à aquisição de terrenos e construção de edificações para posterior venda a terceiros.
2) A requerente sempre foi gerida pela família M…., nomeadamente, por N…. e O…., assumindo os requeridos C…., D…. e E…. a qualidade de investidores na sociedade requerente, da qual foram sócios até Setembro de 2006, sem que nela tenham exercido qualquer acto de gerência ou de administração, mas apenas aplicado capital para a execução de construções.
3) Os requeridos mencionados em 2 eram igualmente sócios de uma outra sociedade, designada “K…., Lda.”, a qual se dedicava ao ramo da segurança privada, que foi declarada falida no ano de 2006, perante os tribunais brasileiros.
4) Em 2006 a requerente adoptou a sua actual denominação social.
5) Após a declaração de falência da sociedade referida em 3, foram instauradas sucessivas acções pelos seus trabalhadores contra várias empresas alegadamente integrantes do grupo económico "K1….", de entre as quais incluíram a aqui requerente.
6) As primeiras cartas de citação começaram a ser recebidas na sede da requerente em 2006 e diziam respeito a acções movidas por trabalhadores das empresas do grupo "K1…." que nunca prestaram serviço nem receberam ordens ou pagamentos da requerente.
7) Apesar dos requeridos identificados em 2 terem sido sócios investidores da requerente, nunca estes exerceram nela qualquer função de gerência ou administração, não tendo qualquer ligação com o grupo económico "K1….", nem qualquer um dos seus trabalhadores.
8) A requerente nunca teve a sua sede registada na morada de qualquer uma das empresas do grupo "K1….".
9) Em Agosto de 2006 a requerente tomou conhecimento da existência de inúmeras acções que haviam já sido julgadas procedentes à sua revelia, as quais foram intentadas por trabalhadores das empresas pertencentes ao grupo "K1….", cujas cartas de citação foram endereçadas para a sede da sociedade “K…. Lda.” e para as empresas do seu grupo, tendo sido as mesmas recebidas e aceites em nome da requerente, sem que os sócios daquelas empresas dessem qualquer conhecimento à requerente ou apresentado articulado no respectivo processo dando conta da não inclusão da requerente no grupo empresarial "K1….".
10) De imediato a requerente fez um levantamento das acções contra si também instauradas pelos trabalhadores do grupo "K1….", no âmbito de algumas das quais constatou que os requeridos identificados em 2 se apresentavam como titulares da requerente, identificando-a como uma sociedade pertencente ao grupo "K1….", representando-a judicialmente, sem para tal estarem habilitados.
11) De seguida a requerente invocou a nulidade das citações nas acções já julgadas e apresentou contestação nas ainda pendentes, tendo obtido em algumas delas ganho de causa e noutras apresentado recurso.
12) Em 05/10/2006, a requerente, mediante documento intitulado "Notificação Extrajudicial", notificou os requeridos identificados em 3, exigindo a sua saída da sociedade requerente, fundada na quebra de "affectio societatis", e reservando o direito à requerente de ser ressarcida das despesas e dos danos causados, nomeadamente pelos requeridos, bem como de todas as demais despesas e passivos relativos aos processos trabalhistas instaurados contra a requerente e respeitantes ao grupo "K1….".
13) Os requeridos subscreveram um documento intitulado "alteração e consolidação do contrato social", mediante o qual cederam a totalidade das suas participações sociais que detinham na requerente sem qualquer contraprestação financeira nem quitação.
14) Em Agosto de 2007 a requerente havia já suportado a quantia de € 410.925,00 a título de despesas tidas com a defesa perante os processos laborais contra si instaurados pelos trabalhadores das empresas "K1….".
15) Apesar de os requeridos terem sido interpelados pela requerente para procederem ao pagamento das despesas e dos prejuízos causados na decorrência dos processos judiciais em referência, os mesmos nada disseram ou pagaram.
16) A requerente não exerce qualquer actividade desde 1996, sendo os seus actuais sócios quem estão a suportar os encargos decorrentes das acções judicias instauradas contra si, relativas a créditos dos trabalhadores pertencentes ao grupo "K1…." e dos quais é alheia.
17) Até Junho de 2009 foram apresentadas nos tribunais brasileiros, contra a sociedade requerente, 361 acções já julgadas e 402 que se encontram pendentes, tendo a requerente sido absolvida em 147 acções, todas elas referentes a dívidas do grupo "K1…..".
18) A requerente intentou já nos tribunais brasileiros uma acção declarativa contra os requeridos identificados em 2, na qual peticiona uma indemnização por perdas e danos materiais e morais decorrentes do seu envolvimento judicial nos processos de cobrança de créditos respeitantes ao grupo "K1…..".
19) Não é conhecido qualquer património aos requeridos que seja susceptível de apreensão em território brasileiro, restando os imóveis localizados em Portugal, relativamente a alguns dos quais já foram efectuadas doações.
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B – Na 2ª decisão:
1) Em Setembro de 2004, após o falecimento da esposa, D….. veio viver para Portugal, para o lugar de …., …., Vila Real, onde fixou a sua residência até à sua morte.
2) Por escritura de habilitação celebrada em 29/10/2008, foram habilitados os herdeiros de L…., falecida em 12/8/2003, no estado de casada com D…., sob o regime da comunhão geral de bens.
3) Por escritura de habilitação celebrada em 30/03/2009, foram habilitados os herdeiros de D….., falecido em 15/02/2009.
4) O requerido C…. foi sócio de capital da requerente.
5) Em 2004, o requerido C…. vendeu a participação social que detinha na empresa de construção civil “P….”, com sede em Portugal, cujo produto, no valor de cerca de um milhão de euros teve em vista o pagamento das despesas da sociedade “K…., Lda.”.
6) Desde 1997 que o requerido C…. passa temporadas em Portugal, em …., entre os meses de Abril e Outubro.
7) Por decisão proferida a 27/12/2010 pela 24ª Vara Cível Central da Capital/SP, no âmbito do processo nº 261.908-4/07, em que é requerente “B….., Lda.” e (são) requeridos C…., E…. e D….. (espólio), foi condenado “o requerido C….. ao pagamento de indemnização pelos prejuízos materiais causados à autora nos processos trabalhistas acima indicados (processos nºs 01086200647202007, de fls. 546, 0122200647102001, fls. 551 e 01234200647102007, fls. 579), em valor a ser apurado em liquidação de sentença”, “ao pagamento de R$ 51.000,00 de indemnização por danos morais causados à autora em decorrência dos atos aqui reconhecidos, corrigidos monetariamente a partir desta data e acrescido de juros de mora contados da primeira citação indevidamente recebida no processo trabalhista” (fls. 547).
8) Em 21/02/2011, a requerente apresentou recurso da decisão referida em 7).
* * *
IV. Apreciação jurídica:

1. Competência internacional dos tribunais portugueses no caso «sub judice».
1.1. A recorrente, nas suas doutas alegações-conclusões, começa por invocar a incompetência absoluta dos tribunais portugueses [e do tribunal recorrido] para o julgamento do procedimento cautelar intentado pela requerente, ora recorrida, B….., Lda., pugnando, por via disso, pela sua absolvição da instância. Fá-lo com a seguinte argumentação:
• o preceito em que o tribunal «a quo» se baseou para se declarar competente em razão da nacionalidade [art. 65º nº 1 al. c) do CPC] encontra-se revogado pela Lei nº 52/2008, de 28/08;
• inexistem e não foram alegadas pela requerente quaisquer convenções internacionais que vinculem os Estados Português e Brasileiro e que permitam enquadrar a causa de pedir em mérito na disciplina do nº 5 do art. 383º do CPC;
• os tribunais portugueses não têm competência para julgar a acção principal, atenta a causa de pedir de que este procedimento é dependência, por os factos em que se consubstancia terem sido praticados única e exclusivamente em território brasileiro [cfr. conclusões 6ª a 15ª das alegações].
Nas, igualmente, doutas contra-alegações e suas conclusões, a recorrida suscita a questão prévia da extemporaneidade da invocação da referida excepção dilatória, entendendo que a 1ª decisão proferida no procedimento cautelar transitou em julgado nessa parte que não foi atacada na oposição deduzida pela ora recorrente, e contrapõe, ainda, a respectiva improcedência esgrimindo que o presente procedimento cautelar não é dependência nem incidente da acção cível que corre termos na 24ª Vara Cível do Foro Central da Capital / São Paulo (Brasil), que alguns dos factos que lhe servem de fundamento ocorreram em território português [os relativos à dissipação do património localizado em Portugal] e que a al. c) do nº 1 do art. 65º do CPC não se encontra revogada pela Lei nº 52/2008, de 28/08, pelo menos no que diz respeito aos tribunais que não integram as «comarcas piloto» criadas por tal lei, como é o caso da Comarca do Peso da Régua, onde o procedimento foi intentado e corre termos [cfr. conclusões 3 a 7 das contra-alegações].

1.2. Começando pela questão prévia suscitada pela recorrida, podemos, desde já, afirmar que não lhe assiste razão. Vejamos porquê.
A 1ª decisão proferida nestes autos [certificada a fls. 578-584] não foi precedida de contraditório, já que no procedimento cautelar de arresto é sempre dispensado o contraditório inicial; o arresto é decretado “sem audiência da parte contrária” [desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais], proclama o nº 1 do art. 408º do CPC [diploma a que nos reportaremos quando outra menção não for feita].
Proferida tal decisão [que foi favorável à pretensão da requerente], concretizada/realizada a providência decretada e notificados os requeridos nos termos do nº 6 do art. 385º, dispunham estes de dois meios para reagirem contra o decidido: a interposição de recurso ou a dedução de oposição (subsequente). Lança-se mão do primeiro [interposição de recurso] quando o requerido/recorrente entenda que, face aos elementos apurados, a providência não devia/podia ter sido deferida; deduz-se oposição quando o requerido “pretende alegar factos ou produzir meios de prova (que) não (foram) tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução” – art. 388º nº 1 als. a) e b). Mas, nessa fase processual, apenas pode recorrer a um destes meios.
A aqui recorrente deduziu oposição, alegando factualidade que, a ser provada, levaria, na sua óptica, à revogação da providência, pelo menos quanto a ela. Tendo optado pela oposição subsequente, não poderia, simultaneamente, recorrer da referida decisão, ainda que relativamente a outros pontos desta, designadamente, quanto aos pressupostos processuais nela apreciados.
Produzida a prova relativa aos factos integradores das oposições apresentadas [não foi só a ora recorrente que deduziu oposição à providência], veio a ser proferida 2ª decisão [certificada a fls. 588-595] que manteve a decisão anterior, embora com alteração do âmbito do seu objecto [cfr. o que consta do relatório que constitui o ponto I deste acórdão].
Esta 2ª decisão constitui complemento e é parte integrante da inicialmente proferida – art. 388º nº 2 -, o que quer dizer que, juntas, formam uma só e única decisão no procedimento cautelar.
Constituindo ambas uma única decisão, é evidente que a primeira não forma caso julgado sobre o que nela foi decidido; ainda que relativamente aos pressupostos processuais ou a segmentos atinentes ao «mérito» da providência que não tenham sido objecto da oposição (subsequente).
Inexistindo trânsito em julgado do que foi decidido na 1ª decisão, apresenta-se cristalino que a recorrente podia, no recurso ora em apreço [nas respectivas alegações-conclusões], suscitar a questão da (in)competência internacional dos tribunais portugueses para decidirem o procedimento cautelar, pressuposto que foi apenas tabelarmente declarado naquela decisão – proclamou-se ali apenas, conclusivamente, que “o tribunal é competente em razão da hierarquia, da nacionalidade e do território (arts. 83º a) e 65º nº 1 c) do CPC)” – cfr. 2ª página da apontada decisão, a fls. 579].
É também esta a orientação seguida na Doutrina e na Jurisprudência [cfr. Lopes do Rego, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, pg. 284 e Acórdãos do STJ de 06/07/2000, in CJ-STJ ano VIII, 2, 153 e de 27/09/2007, proc. 07B2372, in www.dgsi.pt/jstj, da Relação do Porto de 09/06/2005, in CJ ano XXX, 3, 182 e da Relação de Coimbra de 24/04/2007, proc. 105/04.9TBOBR-B.C1, in www.dgsi.pt/jtrc].
Como tal, improcede a questão prévia da extemporaneidade da arguição da dita excepção dilatória, suscitada pela recorrida.

1.3. Ultrapassado este obstáculo, há agora que apreciar tal excepção dilatória, prevista nos arts. 288º nº 1 al. a) e 494º al. a).
Nos procedimentos cautelares, a competência absoluta [que inclui a incompetência em razão da nacionalidade – art. 101º] não é apreciada relativamente ao procedimento propriamente dito, mas sim em relação à acção de que é dependência [melhor, em relação à p. i. dessa acção, por se tratar de um pressuposto processual], uma vez que “não existem normas que prevejam especificamente regras de competência internacional para os procedimentos cautelares diversas das que estão consagradas para as acções definitivas”, o que significa que tem “especial interesse a aplicação do art. 65º, conjugado com a norma sobre competência territorial constante do art. 83º, de onde deriva que os tribunais portugueses serão internacionalmente competente para a apreciação dos procedimentos cautelares se se verificar alguma das situações expressamente configuradas por esta norma” [Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III vol., 1998, pg. 182].
Isto se, como acontece «in casu», não estiver em causa a aplicação dos regimes previstos na Convenção de Bruxelas sobre Competência Judiciária [que no seu art. 24º faculta aos requerentes a possibilidade de instaurarem os procedimentos cautelares em qualquer dos Estados por ela abrangidos, mesmo que para a acção definitiva seja competente o tribunal de outro Estado], ou nos Regulamentos (CE) nºs 44/2001, do Conselho da Europa, de 22/12/2000 [relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial] e 2201/2003, do mesmo Conselho, de 27/11/2003 [referente à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental]. Aquela Convenção e estes Regulamentos não têm aplicação no caso «sub judice» por não estar em questão a competência internacional de qualquer outro Estado da União Europeia além da dos tribunais portugueses [o que se questiona é a competência dos tribunais portugueses ou dos tribunais brasileiros].
Afastada a possibilidade de enquadramento do caso em apreço na Convenção ou nos Regulamentos acabados de referenciar, vejamos então os argumentos que a recorrente invoca em sustento da sua tese da incompetência internacional.
Entende ela [conclusão 10ª das alegações], que a al. c) do nº 1 do art. 65º, em que o tribunal «a quo» se estribou para declarar a competência internacional dos tribunais portugueses, se encontra revogada pela Lei nº 52/2008, de 28/08.
Não tem, contudo, razão, já que o art. 160º desta Lei que alterou, entre outros, aquele art. 65º (do CPC) – revogando as als. a) e c) do seu nº 1 e o nº 2 -, só era aplicável, quer à data da instauração deste procedimento cautelar [24/07/2009 – cfr. fls. 110], quer à data da prolação da 1ª decisão [04/09/2009 – cfr. fls. 584], às comarcas do Alentejo Litoral, Baixo-Vouga e Grande Lisboa Nordeste [«comarcas piloto» criadas por essa Lei], conforme proclamava o nº 1 do art. 171º dessa mesma Lei e reafirmava o nº 1 do seu art. 187º [o 1º destes preceitos dispunha que “a presente lei é aplicável a título experimental, até 31 de Agosto de 2010, às comarcas Alentejo Litoral, Baixo-Vouga e Grande Lisboa Nordeste …”; o 2º reforçava que “a presente lei entra em vigor no 1º dia útil do ano judicial seguinte ao da sua publicação, sendo apenas aplicável às comarcas piloto referidas no nº 1 do artigo 171º”].
Podia, por conseguinte, o tribunal «a quo» fundamentar a competência internacional dos tribunais portugueses [e a sua] no que dispunha a referida al. c) do nº 1 do art. 65º, como o fez.
Defende também [conclusão 12ª] que o presente procedimento cautelar é dependência da acção cível que corre termos na 24ª Vara Cível Central de S. Paulo / Brasil, mencionada no nº 7 da al. B do ponto III [fundada nas responsabilidades contratual e extracontratual dos requeridos e do falecido D…..].
No entanto, os autos não permitem esta conclusão/constatação, não obstante as várias referências feitas pela requerente, no requerimento inicial, a tal acção; em parte alguma daquele se diz que é incidente desta acção. Afigura-se-nos, pelo contrário, que estamos perante procedimento instaurado como preliminar de acção declarativa que a requerente pretende intentar no nosso País, bem podendo essa acção, ante o que vem alegado nos últimos artigos daquele requerimento [é aí afirmado pela requerente, designadamente, que “teme que, à semelhança do que os mesmos fizeram com o seu património existente no Brasil, o património cujo arresto ora se requer venha a ser onerado, dissimulado ou dissipado” (art. 67) e que “desde que começou a fazer pesquisas para a localização dos bens imóveis cujo arresto ora se requer, e a data de apresentação da presente providência cautelar, os requeridos procederam à venda, pelo menos registada, dos seguintes imóveis (que enumera sob as als. a) e b), todos situados em território português, mais concretamente nos concelhos/comarcas de Peso da Régua e Vila Real – art. 71º)], ser de impugnação pauliana [certamente até já estará neste momento proposta, atento o estabelecido no art. 389º nºs 1 al. a) e 2], em que o direito de crédito invocado pela autora seja, efectivamente, o que busca ver reconhecido na acção que corre termos em S. Paulo/Brasil [embora esse direito, se for aí declarado, tenha depois de ser reconhecido por tribunal português, face ao prescrito nos arts. 1094º e segs.], ao qual acrescerão os «actos que envolvem diminuição da garantia patrimonial» desse mesmo crédito, actos esses que serão o «mais» que justificam a presente demanda cautelar e a instauração dessa acção pauliana [a causa de pedir desta acção é complexa e exige, nomeadamente, a alegação e prova de factualidade demonstrativa do crédito do respectivo autor e da prática pelo devedor/réu de actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial – cfr. art. 610º do CCiv.; ensina Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV vol., 3ª ed. rev. e act., pgs. 189-190, que, para instauração do procedimento de arresto, não é necessário que a obrigação em que se funda o crédito seja exigível e líquida].
Essa acção de impugnação pauliana, assentando, em parte, em actos praticados em território português [isto quanto aos actos susceptíveis de envolverem diminuição da garantia patrimonial], poderá ser intentada nos tribunais nacionais, em atenção ao disposto na al. c) do nº 1 do art. 65º que prescreve que estes são internacionalmente competentes quando tiver “sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram”.
Em função do que acaba de ser exposto, apresenta-se, igualmente, inconsequente a chamada à colação do disposto no nº 5 do art. 383º [conclusão 11ª], segundo o qual, “nos casos em que, nos termos de convenções internacionais em que seja parte o Estado Português, o procedimento cautelar seja dependência de uma causa que já foi ou haja de ser intentada em tribunal estrangeiro, o requerente deverá fazer prova nos autos do procedimento cautelar da pendência da causa principal, através de certidão passada pelo respectivo tribunal”. Isto porque este normativo só teria aplicação ao caso se o presente procedimento fosse um incidente da dita acção que corre termos nos tribunais brasileiros; como, pelo menos aparentemente, não o é [antes se revela compatível com a propositura, nos tribunais portugueses, da aludida acção pauliana], também não é pelo facto da requerente não ter feito a prova indicada na parte final daquele nº 5 do art. 383º que poderá concluir-se no sentido da incompetência internacional defendida pela recorrente.
Quanto aos restantes argumentos da recorrente [conclusões 13ª e 14ª], pouco mais há a referir. Como já atrás dissemos, a acção principal, de que este procedimento é preliminar, bem poderá ser [sê-lo-á provavelmente] de impugnação pauliana e não a acção fundada em responsabilidade civil que já corre termos nos tribunais do Brasil. E tendo alguns actos integradores da causa de pedir da acção pauliana sido praticados em Portugal [os que são susceptíveis de envolver diminuição da garantia patrimonial], bem se vê que os tribunais portugueses não podem deixar de ser competentes em razão da nacionalidade para conhecerem dessa mesma acção, nos termos da al. c) do art. 65º [que vigorava à data da instauração do procedimento e à data em que neste foi proferida a 1ª decisão].
Finalmente, como o arresto requerido abrange vários prédios situados em diferentes comarcas, podia a requerente intentar, como intentou, o presente procedimento em qualquer delas, em atenção ao disposto na al. a) do nº 1 do art. 83º que fixa a competência territorial em tais situações [segundo este, o arresto tanto pode ser requerido “no tribunal onde deva ser proposta a acção respectiva, como no do lugar onde os bens se encontrem ou, se houver bens em várias comarcas, no de qualquer destas”].
Tanto basta para que se conclua que bem andou o tribunal «a quo» ao ter-se declarado competente em razão da nacionalidade para conhecer/decidir o procedimento cautelar especificado em apreço.
Neste segmento, improcede, por conseguinte, a apelação.
*
*
2. Se ocorrem os fundamentos de que depende a procedência da providência: existência de um «crédito» da requerente sobre o «de cujus» D….. e «justo receio» de perda da garantia patrimonial.
2.1. Nas demais conclusões das alegações da recorrente está em causa a aferição, «in casu», dos pressupostos ou fundamentos de que depende a procedência do procedimento de arresto, entendendo aquela que estes não ficaram demonstrados relativamente ao entretanto falecido D….., autor da herança demandada como 2ª requerida.
Prescreve o nº 1 do art. 406º que “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”, esclarecendo depois o nº 1 do art. 407º que o requerente deve alegar “os factos que tornem provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, (…)”.
Do primeiro destes preceitos decorre que o arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos [cuja factualidade, face ao segundo normativo e ao disposto no art. 342º nº 1 do CCiv., deve ser alegada no requerimento inicial]:
• da probabilidade da existência do crédito
• e da existência de justo receio de perda da garantia patrimonial.
Quanto ao primeiro requisito ou pressuposto, diremos que ao diferimento da providência é alheia a origem do crédito [que pode provir de relações contratuais, fundar-se na responsabilidade por factos ilícitos ou pelo risco, radicar no instituto do enriquecimento sem causa ou na nulidade ou anulação de um determinado negócio, ou ter por fonte directa a própria lei] e que não é necessário que este seja exigível e líquido à data da instauração ou do deferimento da providência [cfr. Abrantes Geraldes, obr. cit., IV vol., pgs. 184-191].
O segundo - justo receio de perda da garantia patrimonial - “pressupõe a alegação e a prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito”, sendo este receio o equivalente ao «periculum in mora» que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares, mas também, por isso, “o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia” [Abrantes Geraldes, obr. e vol. anteriormente citados, pgs. 191 e segs.]
Como ensina o mesmo Autor, “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva" [pg. 193], sendo certo que a “simples recusa de cumprimento da obrigação, desligada de outros factores relacionados com a perda da garantia patrimonial” é insuficiente para integrar o requisito em apreço [idem, nota 354, constante da pg. 194; em sentido idêntico ao que fica exposto, v. tb Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado”, 2º vol., pgs. 119 e 120, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., Almedina, 2001, pgs. 463 a 465 e nota 1 nesta última página e Meneses Leitão, in “Garantias das Obrigações”, 2ª Ed., Almedina, 2008, pg. 91].
A jurisprudência também é unânime no sentido de que o referido “justo receio” não pode bastar-se com o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas ou suposições, antes tem de assentar em factos concretos que o revelem sumariamente [cfr., i. a., Acórdãos desta Relação de 16/12/2009, proc. 459/09.0TJVNF-A.P1, de 16/06/2009, proc. 3994/08.4TBVLG-C.P1 e de 07/10/2008, proc. 0823457, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp, da Relação de Coimbra de 10/02/2009, proc. 390/08.7TBSRT.C1, in www.dgsi.pt/jtrc e da Relação de Lisboa de 28/10/2008, proc. 8156/2008-1 e de 15/03/2007, proc. 8563/2006-6, ambos in www.dgsi.pt/jtrl].
Quer isto significar que, no arresto, cabe ao credor/requerente alegar e provar factos demonstrativos não só da probabilidade (séria) da existência do seu crédito (1º requisito), como também do justificado receio de perda da garantia patrimonial (2º requisito), ou seja, de diminuição sensível do património do devedor/requerido, já que é este (o património do devedor) o garante do cumprimento das suas obrigações, de acordo com o disposto no art. 601º do CCiv..
Feitos estes breves considerandos, vejamos se tais pressupostos estão sumariamente demonstrados no caso «sub judicio».

2.2. Quanto à probabilidade da existência do direito de crédito da requerente, não obsta à sua consideração neste procedimento cautelar o facto de o mesmo ainda não estar reconhecido pelos tribunais brasileiros, nem, muito menos, pelos tribunais portugueses [já atrás dissemos que, para poder vir a valer perante os tribunais portugueses, o direito de crédito que vier a ser reconhecido à requerente na justiça brasileira terá que passar pelo crivo previsto nos arts. 1094º e segs.], nem o facto de, por via disso, não ser ainda exigível, nem líquido, desconhecendo-se a amplitude do «quantum» que ele poderá vir a ter [provavelmente não terá a grandeza quantitativa que vem referida no requerimento inicial, já que reportando-se, essencialmente, a custas, taxas e despesas de honorários suportados pela requerente em consequência da sua demanda nas designadas «acções trabalhistas» instauradas pelos trabalhadores da “K….., Lda.”, sempre ela teria que as suportar, pelo menos parte delas, com a defesa que obrigatoriamente nelas teria que apresentar com vista à sua absolvição da instância ou do pedido, por não integrar o grupo “K1….”; ou seja, a omissão de comunicação dos três primeiros requeridos (incluindo o ora falecido D….) à requerente das cartas de citação nessas acções poderá ter agravado os custos da defesa desta, mas não foi a causa única (talvez nem a principal) desses custos/despesas, tanto mais que não vem alegado no requerimento inicial que a instauração das referidas acções pelos trabalhadores da indicada sociedade contra a aqui requerente se tenha devido a aconselhamento ou imposição dos citados requeridos nesse sentido].
Mas a titularidade desse crédito terá de ser inequívoca, no sentido de ser a requerente a efectiva credora dos requeridos [dos 1º e 3º requeridos e do falecido D…..]; só assim o crédito será seu e só assim poderá salvaguardá-lo mediante recurso à providência de que lanço mão nestes autos.
Neste ponto, começam já a surgir sérias dúvidas de que a requerente seja [ou possa vir a ser considerada], efectivamente, credora dos requeridos. Isto porque ela “não exerce qualquer actividade desde 1996 [nem possui capital ou património, como expressamente confessou no art. 54º do requerimento inicial], sendo os sócios que estão a suportar os encargos decorrentes das acções judiciais instauradas contra si, relativas a créditos dos trabalhadores pertencentes ao grupo Pires e dos quais é alheia”. Ora, se são os seus sócios que, com o património deles, estão a suportar as despesas/encargos decorrentes da demanda da requerente nas mencionadas acções, também parece, à partida, que os [eventuais] credores dos requeridos serão eles próprios [sócios] e não a requerente que nada tem suportado com o seu [inexistente] património.
Mas se as coisas são assim relativamente a todos os requeridos, mais evidente parece ser a falta do pressuposto em referência relativamente ao falecido D….. [e, por inerência, à herança 2ª requerida e aos seus herdeiros, também demandados], que é, afinal, a única que está em apreciação neste recurso.
Com efeito, quanto a ele encontra-se provado que “em Setembro de 2004 … veio viver para Portugal, para o lugar de …., …., Vila Real, onde fixou a sua residência até à sua morte”.
Ora, resultando deste facto que ele residiu em Portugal desde Setembro de 2004 até 15/02/2009, data do seu decesso, daí decorre, naturalisticamente, que não esteve nas sedes das empresas do grupo “K1….”, no Brasil, quando aí foram recepcionadas as cartas de citação dirigidas à requerente [a partir de 2006] e que nesse período de tempo não exerceu, pelo menos de facto, funções de administração ou gerência nessas empresas, o que faz presumir [presunção natural ou judicial – arts. 350º e 351º do CCiv.] que não teve conhecimento dessas cartas e que não foi por ele que a requerente não pode defender-se nos respectivos processos «trabalhistas».
Perante a demonstração daquele facto e face a estas ilações naturais, competia à requerente a alegação e prova de que, apesar de ter passado a residir em Portugal, o referido D….. continuou a ter o domínio efectivo do «dia-a-dia» das empresas do dito grupo e que, por isso, não podia ter deixado de ter conhecimento da recepção das cartas de citação da “B….”; só assim lograria provar que o mesmo também omitiu o dever de comunicação dessas missivas à aqui requerente e a sua responsabilidade perante esta.
Como esta prova não foi feita pela requerente, ficamos com sérias dúvidas quanto à probabilidade de existência do direito de crédito que invoca relativamente ao identificado D….. e, por via disso, à respectiva herança e aos seus herdeiros, também demandados no procedimento.
Sem tal pressuposto, o arresto não poderia ter procedido quanto a eles [herança e herdeiros daquele «de cujus»].

2.3. Mas, relativamente ao mesmo D….., também não se mostra [ainda que perfunctória/sumariamente] demonstrado o segundo pressuposto exigido pelo nº 1 do art. 406º.
O único facto relevante para aferição deste pressuposto é o que consta do nº 19) dos factos dados como provados na 1ª decisão.
Mas, em primeiro lugar, dele não decorre que aquele D….. alguma vez tenha tido património próprio no Brasil [está apenas provado que “não é conhecido qualquer património aos requeridos que seja susceptível de apreensão em território brasileiro”] e que se tenha desfeito dele para «fugir» ao eventual pagamento dos danos/despesas que a requerente diz ter sofrido com a sua demanda e intervenção nos processos a que já várias vezes aludimos.
Além disso, em segundo lugar e relativamente aos imóveis localizados em Portugal, apenas se deu como provado que alguns deles já foram objecto de doações. Mas desconhece-se de quem eram esses bens [se de D….. ou de C…., ou de ambos; a requerente só requereu o arresto de imóveis a estes pertencentes], quem os doou, quando e porquê e se essas doações têm alguma relação com o direito que a requerente invoca neste procedimento. E desconhecem-se também os valores dos imóveis doados, sendo certo que se forem de valores diminutos ou irrisórios não se vê como tais doações possam representar um verdadeiro perigo de perda da garantia patrimonial.
Se conjugarmos estas omissões probatórias com o que a requerente alegou no requerimento inicial [mais concretamente no seu art. 71, onde referiu que o D…. havia vendido – e só vendido; não doado – três imóveis situados no concelho de Peso da Régua, e que o requerido C….. havia doado – só doado – seis prédios sitos no concelho de Vila Real] então teremos, necessariamente, que concluir que as doações dadas como provadas só podem ter sido efectuadas pelo requerido C….. e não já pelo D….., pois, relativamente a este, o que aquela alegou foi que havia procedido a vendas de prédios que lhe pertenciam, vendas essas que não ficaram demonstradas.
Tudo ponderado, entendemos que, relativamente ao falecido D….. e, por conseguinte, à herança demandada em segundo lugar e aos herdeiros daquele, também demandados, não se mostram verificados os pressupostos de que depende a procedência deste procedimento cautelar.
Como tal, quanto a eles, tem este que improceder, com as consequentes procedência do recurso e parcial revogação da douta decisão recorrida.
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*
Síntese conclusiva:
• A decisão proferida em procedimento cautelar na sequência de contraditório/oposição subsequente deduzido pelo requerido, constitui complemento e é parte integrante da que foi inicialmente proferida sem oposição daquele; por isso, juntas, formam uma só e única decisão no procedimento.
• Não se forma caso julgado sobre o que foi decidido na primeira de tais decisões, designadamente acerca dos pressupostos processuais (mesmo que não tenham sido objecto da oposição subsequente).
• Nos procedimentos cautelares, a competência absoluta [que inclui a incompetência em razão da nacionalidade – art. 101º] não é apreciada relativamente ao procedimento propriamente dito, mas sim em relação à acção de que é dependência [à p. i. dessa acção, por se tratar de um pressuposto processual].
• Apresentando-se o procedimento cautelar (arresto) como preliminar de uma acção de impugnação pauliana, a competência internacional dos tribunais portugueses para apreciarem/decidirem a primeira depende da competência (internacional) para julgarem a segunda [desde que não esteja em causa a aplicação do disposto no nº 5 do art. 383º do CPC].
• Não constitui obstáculo à probabilidade da existência do direito de crédito do requerente [fundamento de procedência do arresto previsto no nº 1 do art. 406º do CPC] o facto de o crédito ainda não estar reconhecido pelos tribunais portugueses, nem o de, por via disso, não ser ele ainda exigível, nem líquido.
• A titularidade desse crédito é que terá de ser inequívoca, no sentido de ser o requerente o efectivo credor dos requeridos.
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V. Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º. Julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte em que decretou o arresto da meação do referido D….. no património comum do dissolvido casal constituído por ele e pela sua, também falecida, cônjuge, ficando a providência reduzida ao arresto dos bens pertencentes a C…..
2º. Condenar a recorrida nas custas desta fase recursória.
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Porto, 2012/09/25
Manuel Pinto dos Santos
Francisco José Rodrigues de Matos
Maria João Fontinha Areias Cardoso