Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6506/11.9TBVNG-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
INVENTÁRIO
Nº do Documento: RP201806276506/11.9TBVNG-G.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 677, FLS 453-464)
Área Temática: .
Sumário: Encerrado o processo de insolvência e estando em curso incidente de exoneração do passivo restante, entende-se não ser a este aplicável a limitação do artigo 8º do CIRE quanto à suspensão da instância.
Como tal nada obsta ao recurso da suspensão da instância nos termos do artigo 272º nº 1 do CPC, ex vi artigo 17º do CIRE perante a pendência de inventário que configure causa prejudicial relativamente à apreciação do incidente de exoneração ainda pendente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 6506/11.9TBVNG-G.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunto - Juiz Desembargador Oliveira Abreu
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. Local Cível de Vila Nova de Gaia
Apelante/B...
Apelada/C...

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
[consigna-se que foi consultado o processo eletrónico]
i- No requerimento inicial a insolvente C... requereu a exoneração do passivo restante.
Por decisão de 26/01/2012, foi admitido liminarmente o pedido de exoneração passivo restante, fazendo-se constar que “A exoneração será concedida – se durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência o rendimento disponível que a devedora venha a auferir for cedido à administradora da (…) insolvência – que aqui se nomeia como fiduciária – bem como se a devedora proceder conforme imposto pelo nº4 do artigo 239º do CIRE”.
Mais tendo sido decidido que “integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título à devedora, mormente o montante dos salários, pensões ou rendas mensais da insolvente que excedam no seu conjunto, atenta a sua atual situação de vida, € 500,00 líquidos por mês (…)”.
ii- Por requerimento de 12/02/2013 a AI/Fiduciária veio informar que a insolvente aufere pensão de sobrevivência no montante líquido de € 485,49, pelo que a insolvente não possui rendimento disponível para entrega à fiduciária.
iii- Por requerimento de 15/05/2014 veio a credora da insolvente B... informar que a mãe desta faleceu em 6/12/2013, sendo daquela herdeira legitimária, cabendo-lhe o quinhão hereditário na herança aberta por óbito de sua mãe em 6/12/2013.
A final tendo requerido a notificação da insolvente para informar nos autos se foi feita habilitação de herdeiros e partilha por óbito de sua mãe, bem como para juntar aos autos cópia da participação do óbito ao Serviço de Finanças para efeito de liquidação do imposto de selo da qual constam para além dos herdeiros, a relação de bens e existência ou não de eventual testamento ou disposição de última vontade.
iv- Em resposta (27/05/2014) veio a insolvente confirmar o óbito de sua mãe, bem como dar nota de que o cargo de cabeça de casal cabe a um irmão com quem tem relacionamento conflituoso que assim não facultou cópia da participação cuja junção fora requerido.
Mais informou até à data não ter sido feita nem escritura de habilitação de herdeiros nem partilha, motivo por que aos autos ainda não tinha comunicado o facto ao tribunal nem à fiduciária.
Tendo entretanto à mesma já comunicado a situação.
v- Na sequência de novo pedido da credora, veio a insolvente informar a identidade de seu irmão, bem como ter tomado conhecimento de até à data o irmão ainda não ter tratado da habilitação de herdeiros nem da partilha.
vi- Em 13/10/2014 a credora informa ter tomado conhecimento da existência de um testamento feito pela mãe da insolvente, pelo que requer que esta do mesmo junte certidão.
O que esta cumpriu por requerimento de 17/11/2014, declarando antes não saber qual era o seu conteúdo, nem onde se encontrava depositado.
Testamento este no qual a insolvente foi instituída herdeira da quota disponível da herança de sua mãe (vide doc. de fls. 81/82).
vii- Notificados credores e AI (Fiduciária) para se pronunciarem sobre a junção do testamento “no que toca aos efeitos do mesmo no âmbito da apreciação do pedido de exoneração do passivo restante” (fls. 84):
- veio a credora B... em resposta alegar em suma que a insolvente, conhecedora do óbito de sua mãe, não podia ignorar como fez, a obrigação de informação para com o tribunal e a fiduciária acerca de rendimentos e património que lhe advenha por qualquer título.
Pelo que e não tendo a insolvente revelado de imediato e de forma espontânea tais factos, é manifesto que incumpriu, com culpa grave, os deveres de informação e colaboração a que se encontrava obrigada com vista à obtenção da exoneração do passivo restante.
Por tanto concluindo dever “em vista do comportamento adotado (…) tal exoneração, admitida liminarmente, ser, de imediato, revogada, com todas as legais consequências”;
- veio a credora “E...” igualmente requerer a “revogação da admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante formulado pela Insolvente, aderindo, para tanto, aos fundamentos já explanados nos autos pela CREDORA B...”.
Respondeu a insolvente que não sabia da existência do testamento e que dado o mau relacionamento com o CC se encontra agora a decorrer resolução extrajudicial com vista à partilha de forma amigável.
Não tendo incumprido os seus deveres, encontrando-se o período de cessão a decorrer.
viii- Por despacho de 20/04/2015 e após previamente ter sido solicitado informação sobre período previsivelmente necessário à realização de partilha extrajudicial que obteve como resposta da insolvente a “esperança” de poder ser resolvida a questão em dois meses, foi então decidido:
“Aguarde-se por ora e pelo período de dois meses o desfecho das negociações tendentes à realização da partilha extrajudicial, conforme indicação da insolvente” (fls. 96).
ix- Em 30/06/2015 a insolvente informa (espontaneamente) a impossibilidade de chegar a acordo com o outro herdeiro.
Mais informa que foi instaurado processo de inventário pelo CC a correr termos no Cartório Notarial do Porto (…) sob o nº 3887/14.
Não tendo até ao momento sido definido nem atribuído qualquer valor ao seu quinhão hereditário.
x- Notificados credores e AI do assim informado, veio por requerimento de 02/10/2015 a credora B... reafirmar o incumprimento da insolvente das obrigações que sobre si impendiam, “conduzindo à revogação da exoneração do passivo restante que desde já se requer”.
Sem prescindir tendo requerido junção aos autos de elementos do inventário por forma a apurar-se da veracidade das informações prestadas pela insolvente e o valor do quinhão hereditário.
xi- Deferido o requerido foram juntos os documentos relativos ao inventário de fls. 113 v. e segs.
Determinou então o tribunal a quo que os autos aguardassem por 30 dias e após fosse solicitada nova informação do processo ao Cartório Notarial (fls. 139).
xii- Por requerimento de 16/06/2016 a credora B... vem insistir por cumprimento do despacho anterior, porquanto “de tal partilha poderá resultar valor suficiente para satisfazer todos os credores dos presentes autos (…)” (fls. 140/141).
xiii- Junta informação relativa ao estado do processo (fls. 143 e segs.), foi pelo tribunal a quo proferido o seguinte despacho: “Vi a documentação proveniente do Cartório Notarial do Porto.
Só nos resta determinar se aguarde pelo fim do prazo em curso, relativo ao período de cessão (…).
15 dias antes solicite a secção nova informação atualizada ao Cartório Notarial do Porto, submetendo-a a contraditório de imediato.” (fls. 180).
xiv- Em 14/03/2017 a Fiduciária vem informar nos termos do artigo 240º 2 do CIRE que:
“Contactada para o efeito, a insolvente procedeu ao envio de documentação diversa, nomeadamente:
. Modelo 3 de IRS do ano de 2015, com o rendimento global de 11.089,45 € - doc. n.º 1.
. Contrato de trabalho outorgado com a empresa “D..., Lda.” em Janeiro de 2015 – doc. n.º 2.
. A insolvente esteve empregada de Janeiro a Agosto de 2015, tendo entregue à fiduciária o valor integral recebido pelo trabalho prestado, no montante global de 3.619,96 €.
. Por outro lado, foi transferido para a conta de fiduciária o montante de 237,08 €, proveniente do processo de execução n.º 8950/06.4TBVNG, pelo que, neste momento, o ativo existente na conta de fiduciária é de 3.857,04 €.”
xv – Por requerimento de 26/05/2017 a credora B... veio alegar assumir a insolvente no processo de inventário uma postura dilatória, pretendendo que o processo de inventário se arraste com vista a terminar após terminado o período de cessão em curso nestes autos.
Postura dilatória que mais alegou ter verificado após consulta do processo na plataforma do inventário – invocando nomeadamente desde 10/11/2016 ainda não ter permitido o acesso a sua casa para que o CC relacione os bens móveis do acervo a partilhar.
Assim requerendo (uma vez mais) a revogação de imediato da exoneração do passivo restante concedido liminarmente à requerente (vide fls. 187 v./188).
xvi - Por requerimento de 05/07/2017 o irmão da insolvente (que nos autos não é interessado) veio dar nota de ser sua intenção vender o imóvel que faz parte da herança aberta por óbito de sua mãe e onde sua irmã residia. Tendo sua irmã aqui insolvente usado todas as manobras dilatórias possíveis para inviabilizar tal venda, com vista a evitar declarar seus rendimentos nestes autos.
Terminando por tal concluindo que (para além do mais) a insolvente viola de forma dolosa a obrigação imposta pelo artigo 239º nº 4 al. D) do CIRE prejudicando os credores da insolvência.
Terminando requerendo informação sobre o estado dos autos, bem como ainda que seja declarado “a revogação da exoneração do passivo restante nos termos do artigo 246º nº 1 do CIRE por forma a fazer cessar as violações à lei por parte da insolvente e irmã”
xvii- Por requerimento de 11/07/2017, notificada dos requerimentos da credora e irmão da insolvente, vem a Fiduciária expor:
“. Conforme requerimento junto aos autos em 14 de Março p.p., a insolvente, no que respeita aos rendimentos do trabalho, sempre cumpriu os seus deveres, procedendo à entrega do rendimento disponível quando existia, entregas que totalizam atualmente o montante de 3.857,04 €.
. É certo que não deu conhecimento da existência do processo de inventário e de que detinha um quinhão hereditário na sequência do óbito de sua mãe, e, muito provavelmente, tem utilizado uma postura dilatória no que concerne à resolução do aludido processo.
. Não obstante, o período de cessão do rendimento disponível já terminou, sendo que, no âmbito das suas funções como fiduciária, a signatária não tinha legitimidade para proceder à apreensão desse património e liquidação respetiva.
. Ora, tendo terminado o período de cessão, há que decidir da concessão ou não da exoneração do passivo restante à insolvente, sendo que, e apesar do supra exposto, não consegue a signatária enquadrar a conduta da insolvente em nenhuma das alíneas do artigo 239º, n.º 4 do CIRE.
. No entanto, deve ser proferido despacho final, pelo que V. Exa. decidirá, como sempre em justiça.”
xviii- Por ofício de 28/08/2017, informa o Cartório Notarial que o processo se encontra a aguardar “que sejam relacionados os bens móveis que constituem o recheio da casa da inventariada.”
E em 19/09/2017 informa estar a promover diligências necessárias, incluindo a apreensão de bens para que o CC possa relacionar todos os bens e deste modo dar andamento ao processo (fls. 197 a 199).
xix- Em 03/10/2017 é proferido o seguinte despacho:
“Dê conhecimento a todos os Credores e à Insolvente do teor de fls. 507 a 517 e notifique-os para, em dez dias, se pronunciarem sobre concessão definitiva ou não, à Insolvente, da exoneração do passivo restante.”
xx – Por requerimento de 11/10/2017 responde o credor “E... – Sucursal em Portugal”, “notificado que foi pelo douto tribunal para se pronunciar nos termos e para os efeitos previstos no art. 244º nº1 do CIRE, vem informar que nada tem a opor à concessão da exoneração do passivo restante da insolvente.”
xxi- Em 18/10/2017 apresenta a requerente/ insolvente C... requerimento, pronunciando-se nos seguintes termos:
“Relativamente ao requerimento da credora B..., cumpre informar que o alegado comportamento dilatório aí descrito nada tem a ver com os presentes autos por se tratar de um processo de inventário, autónomo, cujos bens não foram apreendidos para a massa Insolvente, pelo que deverá o mesmo ser desconsiderado.
No que ao requerimento do irmão da insolvente, F..., diz respeito, este não é credor nos presentes autos e demonstra interesse na resolução de um processo de inventário, que não está aqui em causa. Por isso, e por o mesmo não ser credor, desde já se requer o desentranhamento do seu requerimento.
No que concerne à concessão definitiva da exoneração, deve a mesma ser deferida uma vez que a insolvente cumpriu todos os requisitos para tal.”
xxii- Por requerimento de 19/10/2017, a credora B... veio reiterar o pedido de recusa da exoneração antes liminarmente admitida, atento o comportamento da insolvente que já antes “fundamentava a cessação antecipada do procedimento de exoneração – cfr. al.a) do art. 243º, nº1 do CIRE – já que, tendo ocultado o citado quinhão hereditário, visou impedir a satisfação dos créditos sobre a insolvência, objetivo último que se pretende nos presentes autos”.
xxiii- Por despacho de 31/10/2017 e “Considerando a data do óbito da mãe da Insolvente” é determinada a notificação da “Insolvente, os Credores e a Senhora Fiduciária para, em dez dias, se pronunciarem sobre a eventualidade de o incidente de exoneração do passivo restante ficar suspenso até à partilha da herança, a fim de ser possível averiguar se haverá rendimentos a ceder.”
xxiv- Responderam:
- A Fiduciária e credora “E...”, declarando nada ter a opor à mencionada suspensão do incidente;
- A credora B... reiterando o já por si peticionado em anterior requerimento, nos seguintes termos:
“1º A mãe da insolvente faleceu em 06.12.2013, ou seja, faz quatro anos no próximo mês.
2º Até ao presente não se concretizou a partilha, estando o processo ainda na fase do relacionamento de bens.
3º Augura-se, assim, que o processo de partilha por óbito da mãe da insolvente se arraste por vários e longos anos, atendendo até ao péssimo relacionamento existente com o outro herdeiro, conforme manifestado por este nestes autos.
4º Assim, e salvo o devido respeito por distinta opinião, a ora Exponente reitera a posição já defendida anteriormente, designadamente no requerimento junto aos autos sob a referência 27096155.” [em causa o requerimento de 19/10/2017].
xxv- Em 07/12/2017 determina ainda o tribunal a quo: “Solicite, antes do mais, ao Cartório Notarial informação sobre se os bens aí relacionados estão a gerar rendimentos aos Interessados”.
xxvi- Em 07/02/2018 e em resposta a ofício do tribunal sobre se os bens relacionados estariam a gerar rendimentos, informa o mesmo Cartório Notarial transmitir o que os interessados sobre tal informaram.
De tais respostas se extraindo que a insolvente informa: que o bem em apreço constitui neste momento a sua casa de morada de família, sendo que procede ao pagamento a título de compensação pelo uso desse bem da herança o valor de € 150,00 mensais ao CC.
Pelo que e “pelo menos para si, nenhum rendimento está a gerar”(fls. 203).
Informou o CC receber de sua irmã os referidos € 150,00 a título de compensação por manter o imóvel na sua disponibilidade. Mais tendo informado ter conhecimento que a mesma não reside no referido imóvel há bastante tempo (fls. 204).
xxvii- Em 09/02/2018 vem a Fiduciária declarar:
“Tendo em consideração o teor do requerimento apresentado, nomeadamente a resposta do cabeça de casal da herança, Sr. F..., é opinião da signatária que se justifica a suspensão do incidente de exoneração do passivo restante até à partilha da herança.”
xxviii- Em 05/03/2018 foi proferida a seguinte decisão:
“O processo de insolvência foi declarado encerrado em 26.01.2012, data a partir da qual se iniciou a contagem do período de cinco anos relativo à exoneração do passivo restante.
Entretanto e já no decurso deste prazo, mas após a data do encerramento do processo, a insolvente C... veio a ser herdeira da sua mãe, G..., falecida em 6 de dezembro de 2013.
Face à data do encerramento do processo, já não é possível fazer retroagir a data anterior, os efeitos da aquisição do quinhão hereditário da Insolvente sobre a insolvência da sua mãe.
Será contudo possível fazer integrar no rendimento disponível, qualquer quantia que a Insolvente venha eventualmente a receber em virtude dessa sucessão, reportada a 6 de dezembro de 2013.
Assim justifica-se suspender o presente incidente da exoneração do passivo restante até à decisão final a proferir no processo de inventário n.° 3887/14, que corre termos no Cartório Notarial do Ex. mo Senhor Notário H... — o que se determina nos termos do disposto no art. 272°, n. 1 do CPC.
A partir do término do período de cinco anos a Insolvente não terá que prestar contas à Senhora Fiduciária dos seus outros rendimentos, tendo apenas que fazê-lo relativamente a rendimentos que venha a auferir da herança da sua mãe.
Notifique e dê conhecimento ao Senhor Notário.”
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Notificada a credora B... do assim decidido, interpôs recurso de apelação, oferecendo alegações e formulando as seguintes
CONCLUSÕES
“1ª Em sequência de apresentação à insolvência, foi proferida em 12 de Julho de 2010, pelas 9.00h, sentença de declaração de insolvência de C..., na qual, entre o mais, se fixou a residência da mesma na Rua ..., n°..., .°C, em Vila Nova de Gaia;
2ª No requerimento de apresentação à insolvência, a devedora solicitou lhe fosse concedida a exoneração do passivo restante, pedido que viria a ser liminarmente admitido por decisão de 26.01.2012, publicitada em 30.01.2012;
3ª Em tal decisão consignou-se que “A exoneração será concedida se durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência o rendimento disponível que a devedora venha a auferir for cedido à administradora da presente insolvência – que aqui se nomeia como fiduciária – bem como se a devedora proceder conforme imposto pelo nº 4 do art. 239º do CIRE”
4ª Dispõe o citado normativo que:
“4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicilio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores, tendo o processo de insolvência sido declarado encerrado em 26.01.2012, data a partir da qual se iniciou a contagem do chamado período de cessão.
5ª Já no decurso de tal período, a ora Recorrente tomou conhecimento de que a mãe da insolvente — com quem esta vivia e de quem era tutora — havia falecido em 06 de Dezembro de 2013, tendo deixado bens, designadamente um bem imóvel, sito na morada fixada como a de residência da insolvente;
6ª Facto que, mediante requerimento junto aos autos em 15 de Maio de 2014, comunicou ao processo, requerendo a notificação da insolvente para vir informar os autos da existência de habilitação de herdeiros por óbito da sua mãe; eventual partilha; cópia da participação para efeitos de liquidação de imposto de selo junto da AT, testamento, etc.., tudo com vista a apurar eventuais rendimentos ou proveitos obtidos pela insolvente durante o período de cessão.
7ª Deferido tal pedido e notificada a insolvente, esta, com desculpas de “desconhecimento” e outras, todas inaceitáveis, já que nos presentes autos se encontra representada por advogada, foi protelando prestar a informação solicitada e que sobre a mesma impende;
8ª lncumprindo deliberadamente o determinado, desde logo na al.a) do art.239°, n°4 do CIRE;
9ª Acabando por admitir o inegável após novo requerimento da ora Recorrente, devidamente instruído documentalmente.
10ª Ora, Venerandos Desembargadores, encontrando-se a insolvente em “período de prova” com vista à obtenção da exoneração do passivo restante, não podia ignorar, como fez, que sobre si impende a obrigação de informação e cooperação com o tribunal e a fiduciária acerca de quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título e património que lhe advenha.
11ª Efetivamente, conforme acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6.06.2013, in www.dgsi.pt
“Não pode perder-se de vista que o processo de insolvência tem como primeiro objetivo o de permitir a satisfação pela forma mais eficiente possível dos direitos dos credores e que o benefício da exoneração do passivo restante se reflete diretamente na esfera patrimonial destes, pois que se traduz, como o nome indica, na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente.
Acresce que o despacho inicial deste incidente só “promete” conceder a exoneração efetiva se o devedor ao longo de cinco anos observar um certo comportamento que lhe é imposto, e destina-se a desde logo assegurar que o devedor é minimamente merecedor, e capaz, de ficar sujeito ao (difícil) «período de prova» que representa o referido período de cinco anos, permitindo assim que se filtrem os devedores insolventes que não merecem à partida o benefício que está em causa.
Porque o que está em causa é conceder ao devedor insolvente uma nova oportunidade e esta só deve ser concedida a quem claramente demonstre pelo seu comportamento anterior - lícito e transparente - que é dela merecedor.”
E ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.12.2008, Relator Gregório Silva Neves, acessível in www.dgsi.pt, a propósito da conduta do insolvente que pretenda beneficiar da exoneração do passivo restante
“Torna-se, pois, necessário um especial cuidado e rigor na apreciação da conduta dos insolventes “apertando-a, com ponderação de dados objetivos”. A mesma deve apresentar-se sem mácula, transparente, e sem qualquer indício de má-fé sob pena de se estar a proceder a um verdadeiro branqueamento de dívidas, impondo o Estado gratuitamente danos aos credores que perdem e nada colhem.”
12ª Ora, dado o comportamento adotado pela insolvente - ao não revelar a aquisição do quinhão hereditário recebido por herança de sua mãe, da qual, além de herdeira legitimária é também herdeira testamentária da quota disponível – é manifesto que era intenção da insolvente deixar passar o período dos cinco anos, pretendendo que tal herança permanecesse indivisa até lhe ser reconhecida, nos presentes autos, a exoneração do passivo restante a título definitivo;
13ª Evitando, assim, o seu efetivo recebimento e assim se furtar ao pagamento dos seus credores;
14ª O que não aconteceu, porque a ora Recorrente descobriu a existência de tal quinhão hereditário, do testamento que beneficia a insolvente, e o comunicou aos presentes autos, requerendo, no prazo e de acordo com o estipulado pelo disposto no art.243° do CIRE, a cessação antecipada da exoneração do passivo restante liminarmente admitida.
15ª Efetivamente, e face ao demonstrado nos autos, é manifesto que a insolvente, de forma culposa, ou, pelo menos, com grave negligência, incumpriu a obrigação prevista no citado dispositivo sob a al.a), já que, reitera-se, tendo a sua mãe falecida no dia 06 de Dezembro de 2013, após prolação do despacho que admitiu liminarmente a exoneração do passivo restante da insolvente, em decurso do período de cessão, habilitando-se a insolvente como herdeira legitimária e testamentária daquela;
16ª A insolvente não informou o tribunal, nem a sua fiduciária - cfr. Informação prestada por esta em 19 de Junho de 2014 - da integração no seu património do quinhão hereditário que lhe adveio por óbito de sua mãe, o qual integra, pelo menos, um bem imóvel de valor superior a €60.000,00;
17ª Quando a tal estava obrigada — cfr. al. a) do art. 239°, nº 4 do CIRE - demonstrando um comportamento de ocultação de património;
18ª Aquisição de quinhão hereditário que só veio confirmar após diligências encetadas pela credora, ora Recorrente, e após notificações para o efeito ordenadas pelo tribunal.
19ª Acresce que, nos termos do disposto no art.239°, n°4, al. d), também está a insolvente obrigada a informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio no prazo de 10 dias, o que, atentando no requerimento juntos autos pelo irmão da insolvente - único interessado nos autos de inventário por óbito da mãe da insolvente, para além desta -, há anos que esta aí não reside, tendo o seu domicílio na Rua ..., n°..., .° Esq°, em ... - cfr. requerimento junto aos autos em 05.07.2017, sob a ref.ª 26287585;
20ª O que, configura mais uma situação de violação das obrigações que sobre a mesma impendem -cfr.art.239°, n°4, al.d) do CIRE.
21ª Acresce ainda que, apenas em 30.06.2015, veio a insolvente informar os autos que, não tendo sido possível a partilha extrajudicial, se encontrava pendente processo de partilha requerido pelo outro interessado, do qual já havia tomado conhecimento no mês de Abril desse mesmo ano -conforme melhor resulta das informações prestadas pelo Ilustre Notário titular do Cartório Notarial onde se encontra pendente, desde 2014, o já aludido processo de inventário;
22ª Mais, resulta da informação prestada pelo Senhor Notário que a insolvente tem vindo a adotar uma postura não cooperante, já que, notificada em 10 de Novembro de 2016 para permitir o acesso ao imóvel relacionado nos autos, de modo a que o cabeça-de-casal relacionasse os bens pertencentes à herança que compõem o seu recheio, em Abril de 2017 ainda não havia cumprido o ordenado, obrigando à nomeação de agente de execução para cumprimento de tal diligência, o que indicia fortemente uma total falta de interesse na resolução da partilha;
23ª Indiciando, ainda, fortemente o intuito de protelar o desfecho de tal processo de inventário que, como já documentado nos autos, se destina a partilhar acervo hereditário suficiente para a satisfação dos direitos de todos os credores da presente insolvência (já que o valor total dos créditos reconhecidos e verificados rondará os € 15.000,00).
24ª Assim, face a toda a factualidade carreada para os autos e ao consignado no art.243°, insurgiu-se a ora Recorrente contra a concessão a título definitivo da exoneração do passivo restante, defendendo que o comportamento da insolvente justificava a requerida cessação antecipada do procedimento de exoneração - cfr. al. a) do art. 243°, n°1 do CIRE - já que, tendo a insolvente ocultado o citado quinhão hereditário e mantendo unia postura dilatória, impeditiva da efetivação da partilha, visou impedir a satisfação dos créditos sobre a insolvência, objetivo último que se pretende nos presentes autos, prejudicando efetivamente os credores, designadamente a ora Recorrente.
25ª E, volvidos que estão os cinco anos desde o encerramento do processo, face aos factos constantes dos autos, pugnou pela recusa da exoneração da insolvente, nos termos do disposto no art.244°, n°2 do CIRE;
26ª Desde logo não aceitando a questionada possibilidade de suspensão do incidente de exoneração do passivo restante até à partilha da herança da mãe da insolvente -cfr. despacho de fls..., de 31.10.2017.
27ª Não obstante, veio a M° Juiz a quo a proferir o despacho de que ora se recorre, e que, salvo o devido respeito, não se poderá manter, desde logo por violador do disposto nos art.243°, n°1, al. a) e 244°, n°2 do CIRE.
28ª Sem prescindir, ditou o despacho ora em crise a suspensão do incidente da exoneração do passivo restante até à decisão final a proferir no processo de inventário n.° 3887/14, que corre termos no Cartório Notarial do Ex. mo Senhor Notário H... — o que se determina nos termos do disposto no art 272°, n. 1 do CPC.
A partir do término do período de cinco anos a Insolvente não terá que prestar contas à Senhora Fiduciária dos seus outros rendimentos, tendo apenas que fazê-lo relativamente a rendimentos que venha a auferir da herança da sua mãe.”
29ª Ora, e sempre com o total e devido respeito, entende a ora Recorrente que tal decisão não se poderá manter, por carecer de fundamento e base legal e isto porque, o processo de insolvência é um processo regulamentado no CIRE, cujo objetivo se encontra definido no seu art.1°, ou seja, trata-se de um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores.
30ª É um processo com carácter urgente - art.9° do CIRE;
31ª Estando vedada a possibilidade de suspensão da instância, excepto nos casos expressamente previstos no mesmo diploma — cfr. art.8° do CIRE-, sendo que, em nenhuma disposição do CIRE se encontra prevista a possibilidade de suspensão do incidente de exoneração do passivo restante; suspensão que, assim, não poderá ser decretada nos termos das disposições gerais do Código de Processo Civil — cfr. art.17° do CIRE.
32ª Pelo que, o despacho em crise, não poderá manter-se, devendo ser revogado e substituído por outro que decida pela requerida recusa da concessão da exoneração do passivo restante,
Termos em que, deve o despacho que ditou a suspensão do incidente de exoneração do passivo restante ser revogado e, decidindo-o, declare a recusa da concessão da exoneração da insolvente do passivo restante, com as devidas e legais consequências,
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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Não se mostram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil] – resulta das formuladas pela apelante serem questões a apreciar:
A admissibilidade de despacho que determina a suspensão da instância do incidente de exoneração do passivo restante atenta a sua natureza de processo com carácter urgente e decisão de recusa da exoneração do passivo restante.
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III- Fundamentação
As vicissitudes processuais a considerar para a apreciação das questões acima identificadas são as já constantes do relatório supra.
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Conhecendo.
Em função do supra elencado, cumpre em primeiro lugar enquadrar o incidente em causa no presente recurso.
Resulta claro do preâmbulo do diploma legal que aprovou o CIRE [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas] ser objetivo de qualquer processo de insolvência a satisfação pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores, desde logo pelos reflexos que o incumprimento por parte de certos agentes se repercute necessariamente na situação económica e financeira dos demais (vide § 3 do citado preâmbulo).
Não obstante, pretendeu o legislador conjugar este declarado objetivo de ressarcimento dos credores “com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”, verificados determinados condicionalismos e observados por parte dos devedores singulares certos deveres e obrigações especificados nos artigos 235º a 248º do CIRE que assim regulamentam o regime da “exoneração do passivo restante”
Como a sua própria denominação indica, o fim último deste instituto é o de facultar “ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste”, permitindo-lhe assim um “fresh start”, ou seja “a reintegração plena na vida económica”.
“A efetiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos - designado período da cessão - ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos”, assumindo durante tal período “entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário… que afetará os montantes recebidos ao pagamento dos credores.”.
No termo desse período, cumpridos todos os deveres que sobre o devedor impendem, a “ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta reta que ele teve necessariamente de adotar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração” (vide § 45 do já referido preâmbulo).
Feito este enquadramento do regime em análise evidencia-se que o despacho liminar não garante ao devedor que decorrido o prazo legal de cinco anos venha o mesmo a ver deferida a sua pretensão de exoneração do passivo restante, já que está ainda dependente da ponderação final da observância de todos os requisitos exigidos e especificados nos artigos que o regulam por parte do devedor.
Nos termos do artigo 239º nº 4 do CIRE, uma vez admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e durante o período de cessão, fica ainda o devedor obrigado a:
“a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.”
Por sua o artigo 243º, regulando os termos em que a cessação antecipada do procedimento de exoneração terá lugar dispõe:
“1 - Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando:
a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;
b) Se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238.º, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente;
c) A decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
2 - O requerimento apenas pode ser apresentado dentro do ano seguinte à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respetiva prova.
3 - Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1, o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las.
4 - O juiz, oficiosamente ou a requerimento do devedor ou do fiduciário, declara também encerrado o incidente logo que se mostrem integralmente satisfeitos todos os créditos sobre a insolvência.”
E finalmente o artigo 244º do CIRE sob a epígrafe “Decisão final da exoneração” dispõe:
“1 - Não tendo havido lugar a cessação antecipada, o juiz decide nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência.
2 - A exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.”
A recorrente convoca para a por si pretendida recusa da exoneração a al. a) do nº 1 do artigo 243º, aplicável ex vi 244º nº 2.
Conforme da mesma se extrai, é fundamento da cessação antecipada [ou recusa, ex vi 244º nº 2] a violação dolosa ou com grave negligência do devedor de alguma das obrigações impostas pelo artigo 239º que por essa via tenham prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Em causa está o não comunicado falecimento da mãe da devedora, na medida em que desta a mesma é herdeira.
A não comunicação é evidente, por um período de aproximadamente meio ano [o falecimento ocorre em 06/12/2013 e a comunicação por parte da credora ocorre em 15/05/2014].
Notificada do assim informado pela credora, veio a devedora informar que o cargo de CC cabe ao co-herdeiro e seu irmão com quem tem uma relação conflituosa.
Nada tendo até então comunicado na medida em que nem partilha nem escritura de habilitação de herdeiros haviam sido realizadas.
A credora, fundou a sua pretensão, não só na não comunicação, como ainda na conduta assumida pela devedora no processo de inventário com o intuito de evitar declarar os rendimentos provenientes da herança em causa.
Conduta que acusa de dilatória.
O tribunal a quo, sem proferir despacho de cessação antecipada conforme inicialmente a credora o pretendia nem, uma vez findo o período de cessão, despacho de recusa de tal exoneração, ordenou no despacho recorrido a suspensão do incidente até à decisão final do inventário.
Assim e como primeira conclusão importa realçar que inexiste ainda decisão final quanto à exoneração liminarmente admitida.
Decisão que em primeira linha terá de ser proferida pelo tribunal a quo.
Assim cabe-nos apenas aferir se o despacho proferido de suspensão merece sanção, caso em que e na sua revogação seria determinado ao tribunal a quo que proferisse decisão final. Ou antes se deverá ser mantido.
Para tanto importa relembrar que só com a partilha se define o quinhão hereditário de cada um dos interessados na herança aberta por óbito de sua mãe.
Em função de tal definição podendo vir a resultar um acréscimo ao rendimento disponível a entregar à Fiduciária, com relevo para a satisfação dos créditos.
Por outro lado, sendo o processo de inventário autónomo em relação a este processo de insolvência, é um facto que a qualidade de insolvente da herdeira não lhe retira o direito de defender os seus interesses e direitos no processo de inventário.
Direitos que naturalmente deverá exercer com lisura e em espírito de colaboração com os demais intervenientes processuais na célere resolução do processo de inventário, conforme as normas legais lho impõem – observação que se faz na medida em que da documentação junta aos autos pelo Cartório Notarial se extrai a menção de que a interessada não facultou o acesso ao imóvel onde declarou residir a fim de serem identificados os bens móveis nele existentes. Situação que todavia o Sr. Notário igualmente deu nota de estar em curso a sua resolução – com promoção de apreensão via agente de execução (vide informação de fls. 198/199 de 14/09/2017).
Dito isto, nesta sede cabe-nos apenas apreciar se a decisão do tribunal a quo de aguardar pela decisão do inventário é violadora de algum normativo legal.
O interesse do que ali vier a ser decidido para os créditos sobre a insolvência encontra-se enquadrado nos termos acima referidos e foi com base no mesmo que o tribunal a quo justificou a suspensão do incidente.
A recorrente alega a ilegalidade do assim decidido atenta a natureza urgente do processo, regulado pelas disposições do CIRE e ao qual assim não é aplicável a norma do CPC convocada pelo tribunal a quo – 272º nº 1 do CPC.
Dispõe o artigo 17º do CIRE que o processo de insolvência se rege pelo CPC em tudo o que não contrarie as disposições do presente código.
Por sua vez dispõe o artigo 8º nº 1 do CIRE que a instância do processo de insolvência não é passível de suspensão, salvo nos casos expressamente previstos neste código.
Tendo presente que no caso dos autos o processo de insolvência já foi declarado encerrado, estando em curso assim e apenas este incidente de exoneração do passivo restante[1], entende-se não lhe ser aplicável a limitação do artigo 8º e consequentemente mostrar-se justificado o recurso às normas do CPC, nomeadamente as que respeitam à suspensão da instância.
A decisão do processo de inventário configura causa prejudicial para a apreciação do incidente de exoneração ainda pendente.
E como tal mostra-se justificado o recurso ao previsto no artigo 272º nº 1 do CPC.
O decidido quanto à determinada suspensão não merece assim censura.
Sendo que oportunamente caberá ao tribunal a quo apreciar, em função do que vier a apurar do decidido no inventário sobre a concessão ou não da exoneração do passivo.
Nestes termos conclui-se pela total improcedência do recurso apresentado.
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto consequentemente se mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Porto, 2018-06-27
Fátima Andrade
Oliveira Abreu
António Eleutério
___________
[1] Conforme é reconhecido na doutrina e jurisprudencialmente deduzido pedido de exoneração do passivo restante, nem este obsta ao encerramento do processo de insolvência [como in casu ocorreu] nem este impede a continuação daquele [vide neste sentido Ac. TRG de 06/10/2016, Relatora Maria João Matos in www.dgsi.pt e doutrina nele citada].