Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1083/16.7T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
APROVAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO
QUÓRUM CONSTITUTIVO
QUÓRUM DELIBERATIVO
Nº do Documento: RP201703131083/16.7T8OAZ.P1
Data do Acordão: 03/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º646, FLS.364-376)
Área Temática: .
Sumário: I - Para os efeitos da alínea a), do nº 3, do artigo 17º-F do CIRE, o legislador entendeu necessário um quórum constitutivo de pelo menos um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, como garantia de que participavam na deliberação votantes representativos de pelo menos um terço do capital envolvido no plano de recuperação.
II - Depois, para a aprovação do plano de recuperação, em termos de quórum deliberativo, o legislador exigiu a votação favorável de mais de dois terços dos votos emitidos, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados, não entrando nesse cômputo as abstenções.
III - De acordo com o disposto na alínea b), do nº 3, do artigo 17º-F do CIRE, para que se considere aprovado o plano de recuperação, é necessário que obtenha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com a alínea anterior, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados.
IV - Na hipótese da alínea b), do nº 3, do artigo 17º-F do CIRE, por interpretação derrogante do segmento da previsão que se refere à desconsideração, como tal, das abstenções, deve considerar-se que não há lugar a qualquer desconto das abstenções.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1083/16.7T8OAZ.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 1083/16.7T8OAZ.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. Para os efeitos da alínea a), do nº 3, do artigo 17º-F do CIRE, o legislador entendeu necessário um quórum constitutivo de pelo menos um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, como garantia de que participavam na deliberação votantes representativos de pelo menos um terço do capital envolvido no plano de recuperação.
2. Depois, para a aprovação do plano de recuperação, em termos de quórum deliberativo, o legislador exigiu a votação favorável de mais de dois terços dos votos emitidos, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados, não entrando nesse cômputo as abstenções.
3. De acordo com o disposto na alínea b), do nº 3, do artigo 17º-F do CIRE, para que se considere aprovado o plano de recuperação, é necessário que obtenha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com a alínea anterior, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados.
4. Na hipótese da alínea b), do nº 3, do artigo 17º-F do CIRE, por interpretação derrogante do segmento da previsão que se refere à desconsideração, como tal, das abstenções, deve considerar-se que não há lugar a qualquer desconto das abstenções.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 10 de março de 2016, na Instância Central de Oliveira de Azeméis, Secção de Comércio, B…, SA veio requerer processo especial de revitalização, informando que já em 2012 se havia apresentado num processo especial de revitalização que correu termos pelo extinto 3º Juízo de Competência Especializada Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, sob o nº 3646/12.0TBVFR, tendo cumprido o plano de revitalização aí aprovado até janeiro de 2016 e, a partir de então, por força da redução do seu volume de negócios, acha-se incapacitada de continuar a honrar o pagamento do plano de revitalização aprovado, justamente quando se iniciava o pagamento do capital em dívida.
Em 15 de março de 2016, foi proferido despacho, no qual, além do mais, se decidiu encontrarem-se reunidos os requisitos e pressupostos previstos nos artigos 17º-A, 17º-B e 17º-C, nºs 1 e 2, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e terem sido juntos os elementos a que aludem os artigos 17º-C, nº 3, alínea b) e 24º, nº 1, do mesmo código, devendo por isso prosseguir os autos e nomeando-se administradora judicial provisória a Sra. Dra. C….
Em 21 de abril de 2016, B…, SA impugnou os créditos relacionados por: a) D…, pugnando pela redução deste de €2.552.157,62 para € 479.729,38; b) impugnou o crédito relacionado a favor do E… por constituir duplicação do crédito relacionado a favor do Banco F…, SA, achando-se este relacionado em excesso impondo-se a sua redução para o montante de €2.790.335,61, não sendo devidas quaisquer penalidades por incumprimento contratual.
Em 22 de abril de 2016, G… SA impugnou a lista dos credores reconhecidos acusando a falta de relacionação do seu crédito relativa ao fornecimento de energia elétrica, no montante global de €5.069,80.
Em 28 de abril de 2016, D… – Sucursal Portuguesa respondeu à impugnação deduzida pela devedora, pugnando pela sua total improcedência.
Em 29 de abril de 2016, a Sra. Administradora Judicial Provisória juntou aos autos lista provisória de credores atualizada.
Em 02 de maio de 2016, o Banco F…, SA respondeu à impugnação deduzida pela devedora, reconhecendo que a relacionação do crédito do E… constitui uma duplicação, porque está já contido no crédito que lhe diz respeito, pugnando por que lhe seja reconhecido o crédito global no montante de €3.610.426,37.
Em 05 de maio de 2016, D… – Sucursal Portuguesa impugnou a nova relação provisória de créditos, pugnando por que se mantenha relacionado o crédito a seu favor no montante de €2.552.157,62.
Em 03 de junho de 2016, proferiu-se despacho que conheceu das impugnações da relação de créditos deduzidas por D… - Sucursal Portuguesa, Banco F… SA e G…, SA, julgando-as procedentes e determinou-se a eliminação do crédito de E…, SA.
Em 17 de junho de 2016, a Sra. Administradora Judicial Provisória juntou aos autos nova relação provisória de créditos.
Por despacho proferido em 24 de junho de 2016, a Sra. Juíza a quo declarou ter tomado conhecimento da prorrogação do prazo para as negociações por mais um mês.
Em 18 de julho de 2016, a H…, SA requereu a não homologação do plano de recuperação apresentado pela devedora, em virtude de com tal homologação ficar em pior situação do que ficaria com a liquidação imediata e universal do património da devedora, pois que goza de garantias reais sobre um imóvel da devedora cujo valor é suficiente para satisfazer os seus créditos e emitiu voto contrário à aprovação do mesmo plano.
Em 22 de julho de 2016, a Sra. Administradora Judicial Provisória veio informar que o prazo para a impugnação da lista provisória de créditos findou em 19 de abril de 2016, que em 19 de julho de 2016 findou o prazo para as negociações, juntando plano de revitalização, ata da contagem dos votos, documento demonstrativo do resultado da votação e dos votos emitidos.
Na ata de contagem de votos datada de 20 de Julho de 2016 consta que exerceram o seu direito de voto credores que representam 81,48% dos votos totais, atendendo à lista de créditos reconhecidos, tendo os votantes sido os seguintes: a) Banco I…, SA; b) Banco J…, SA; c) Banco K…, SA; d) Banco F…, SA; e) D… – Sucursal Portuguesa; f) L…; g) H…, SA; h) M…, SA; i) N…, O…, P…, Q… & Associados, R.L.; j) S…, Lda.
Na mesma ata consta que votaram favoravelmente Banco I…, SA, Banco J…, SA, Banco K…, SA, D… – Sucursal Portuguesa, M…, SA, N…, O…, P…, Q… & Associados, R.L. e S…, Lda., tendo votado contra o Banco F…, SA, o L… e a H…, SA, afirmando-se ainda que se abstiveram de votar os demais credores constantes da relação provisória de créditos.
Na ata de votação conclui-se que o plano de recuperação foi aprovado por 59,93% dos votos emitidos correspondentes a €10.683.417,42 e em anexo à mesma ata consta o seguinte: total de votos favoráveis, referente a créditos não subordinados: €10.683.417,42; total de votos contra: €7.142.958,08; abstenções, expressa e sem manifestação de voto, €4.051.383,82; total de créditos relacionados na lista provisória, €21.877.759,32.
Em 11 de outubro de 2016, proferiu-se despacho no sentido de que atento o resultado da votação, se considerava aprovado o plano de recuperação por 59,93% de votos favoráveis, determinando-se a publicitação e notificação dessa decisão e a oportuna abertura de conclusão para efeitos de prolação de sentença homologatória ou não do referido plano.
Em 23 de novembro de 2016, neste processo especial de revitalização relativo à sociedade S. B…, SA foi proferido o seguinte despacho:
Cumpre apreciar e decidir, nos termos do artigo 17º-F, nº5, do CIRE, redação da Lei nº 16/2012, de 20.04.
Determina o citado preceito que o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º.
A credora H…, SA veio, a fls. 356 e ss. requer a não homologação do plano por entender que, sendo credora hipotecária, a satisfação do seu crédito em execução universal é mais vantajosa, pois que, nos termos do plano, o seu crédito apenas será liquidado daqui a 15 anos, o que não aconteceria em processo de insolvência em face da existência da citada garantia; mais alegou que o plano não é exequível e que nunca será cumprido, tendo em conta facturação e a rentabilidade da Devedora.
Vejamos
Dispõe o artigo 215º do CIRE que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.
Analisado o plano de recuperação conducente à revitalização da devedora, apresentado nos autos, afigura-se-nos que foram observados os princípios e regras essenciais que presidem à sua elaboração e que acautelam os interesses dos credores.
No que tange ao pedido de não homologação da H…, SA, vejamos:
Estabelece o art. 216º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na versão aplicável aos autos:
«1. O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição lhe haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre, em termos plausíveis, em alternativa que:
a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
(…).»
Como escrevem João Labareda e Carvalho Fernandes (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. II, pg. 124, em anotação ao preceito transcrito: “…a prova da eventualidade referida na alínea a) pressupõe um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que é previsto resultar do plano para o reclamante com aquilo que aconteceria na ausência de qualquer plano e, portanto, no caso de se concretizar a liquidação universal do património do devedor, segundo o modelo legal supletivo.
Quanto aos credores, isto reconduz-se em cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima receberiam sem ele.”
Fazendo as devidas adaptações, e mantendo em mente o caso concreto, é também muito claro, quanto à Credora H…, SA, que não basta a alegação de, por ter o seu crédito garantido por hipoteca, seria mais favorável a liquidação, querendo com isto dizer que seria mais “rápido” o pagamento da dívida – era necessário demonstrar a venda se faria em mais curto prazo, por valor suficiente à cobertura do seu crédito, o que, entendemos, não logrou.
Note-se, além do mais, que a H…, SA não é o único credor a gozar de garantias.
Ora, assim sendo, de todo não resulta demonstrado, demonstração cujo ónus pertence por inteiro a quem requer a não homologação, que a situação dos credores seja menos favorável ao abrigo deste plano.
Igualmente, não se demonstra de forma segura que a Devedora não conseguirá cumprir o plano acordado, não podendo a frustração de plano anterior levar, de imediato, a tal conclusão.
Pelo exposto improcedem os pedidos de não homologação formulado pela credora H…, SA.
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Concluindo, não se verifica existir fundamento fáctico ou legal que integre a previsão dos artigos 215º e 216º, do CIRE, pelo que, se decide homologar o plano de recuperação conducente à revitalização da devedora B…, SA. constante de fls. 456 e ss.
A decisão agora proferida vincula os credores, mesmo que não tenham participado nas negociações, por força do nº6 do artigo 17º-F, do CIRE.
Custas do processo de homologação pela devedora.
Registe, notifique e publicite, nos termos do nº6 do artigo 17º-F, do CIRE.
Em 14 de dezembro de 2016, inconformada com a decisão que antecede, a H…, SA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O plano de recuperação apresentado não foi aprovado pela maioria de 50% dos credores relacionados com direito de voto, contrariamente ao determinado pelo artigo 17-F, nº 3, aliena b), do Cire. De facto,
2. Como o valor total dos créditos relacionados corresponde a 21.877.759,32 e como votaram favoravelmente o plano apenas credores que respeitam a € 10.683.417,42, o que representam 48,8%, não foi atingida aquela percentagem de de 100%;
3. Sucede que, para atingir mais de 50% de votos favoráveis, a Sr.ª Administradora deduziu àquele quórum de votação/constitutivo a percentagem de € 4.051.383,82 correspondentes às abstenções.
4. Ora, tal dedução não podia ter sido efetuada, pois para efeitos de contagem de voto da alínea b) do citado artigo não se deduzem as abstenções, pois o sentido da norma é apenas o de se ter que levar em conta o quórum de votação/constitutivo e que metade desse quórum vote favoravelmente o plano apresentado.
5. Consequentemente, nos termos do artigo 215 ex vi, artigo 17-F, nº5, do CIre, o Tribunal “ a quo” como “guardião da legalidade” devia ter recusado oficiosamente a homologação do plano aprovado por violação não negligenciável das regras procedimentais;
6. A posição da H… é menos favorável com a aprovação do plano de insolvência do que sem ele, pelo que, nos termos do artigo 216, nº1, alínea a), o mesmo não devia ter sido homologado. Na verdade,
7. O crédito reconhecido à H… no montante de €5.100.222,73 (capital de 5.079.753,70) encontra-se garantido por hipoteca sobre um imóvel com um valor de €5.600.000,00;
8. Por sua vez, o plano apresentado prevê que o reembolso do capital e juros será feito no prazo de 15 anos, sendo que desde 2017 a 2031 será pago o capital de €2.090.115,00 e ainda nesse único ano de 2031 o capital de 2.788.179,00;
9. Face a tais valores é manifesto de acordo com as regras da experiência comum que a expetativa de satisfação do seu crédito pela via da liquidação imediata do seu património é superior à prevista no plano desde logo porque a liquidação acarreta a certeza e a segurança do seu pagamento num curto espaço de tempo em alternativa à incerteza de um futuro e incerto pagamento em 2031;
10. Evidencia aos olhos de um homem médio que é preferível receber o seu crédito, ou a quase totalidade do mesmo, de uma só vez e num prazo curto do que a totalidade do mesmo num prazo de 15 anos e com incerteza desse total pagamento;
11. Concluímos, pois, que deverá ser recusada a homologação do plano, ao abrigo do disposto no artigo 216, nº1, alínea a), do Cire;
12. Por outro lado, o plano de recuperação não descreve um plano de negócios com a concreta e necessária programação, as linhas estratégicas revitalizantes e quais as medidas já realizadas ou ainda a executar que permitam a sua efectiva e real recuperação;
13. Como por que “arte mágica” limita-se o plano a fazer uma contabilisticamente positiva de faturação e rentabilidade sem descrever quaisquer medidas previstas de execução e de rentabilização que permitam aos credores conhecer e ajuizar que a devedora irá desenvolver a sua actividade de modo diferente do que vinha fazendo por forma a permitir a sua viabilização;
14. Consequentemente, o plano apresentado não é exequível e viola o artigo 195, nº 2 do Cire, pelo que não devia ter sido oficiosamente homologado;
15. Por fim, e contrariamente ao estipulado no artigo 195-2, alínea e), do mesmo diploma legal, o plano não apresenta de uma forma fundamentada, e que que seja percetível pelos credores, uma análise comparativa e pormenorizada entre a situação que para os credores resultaria em consequência da homologação e a que existira sem qualquer plano;
16. Pelo que, por erro de interpretação e aplicação, violou a decisão recorrida os preceitos legais supracitados e demais disposições legais citadas na presente recurso.
Em 19 de dezembro de 2016, também inconformada com a decisão proferida em 23 de novembro de 2016, S…, Lda. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1ª - A homologação do Plano de Revitalização depende de aprovação da medida com os votos favoráveis de mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto.
2ª - No caso dos autos, a totalidade dos créditos relacionados com direito de voto perfaz o valor global de €21.877.759,32, pelo que a sua aprovação depende da obtenção dos votos favoráveis que exprimam mais de €10.938.879,66.
3ª - Ora, o Plano de Revitalização foi aprovado apenas com os votos dos credores que representam apenas €10.683,417,42, isto é, com menos de metade dos votos representativos de todo o passivo relacionado;
4ª - Consequentemente, ao contrário do decidido pela decisão recorrida, impunha-se proferir despacho de recusa de homologação do Plano de Revitalização;
5ª - E porque assim não sucedeu, a decisão recorrida efectuou uma errada interpretação e aplicação da lei, em particular do disposto pela al. b) do n.º 3 do art.º 17º-F do CIRE.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Resultando dos autos a pendência de recurso de decisão interlocutória cujo resultado poderia eventualmente influir nos resultados da votação do plano de recuperação, decidiu-se obter informação do estado desses autos e, especialmente, do objeto desse recurso, tendo-se concluído que qualquer que seja o resultado desse recurso, não influirá na decisão final deste, razão pela qual se entendeu estarem reunidos os pressupostos para o seu conhecimento.
Sendo as questões a decidir apenas de direito, com o acordo dos restantes membros do coletivo, decidiu-se dispensar os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelas recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da violação do quórum constitutivo ou de votação na aprovação do plano de revitalização (questão comum aos dois recursos);
2.2 Da situação previsivelmente menos favorável para a CGD com a aprovação do plano do que na ausência deste;
2.3 Da inexequibilidade do plano de revitalização;
2.4 Da falta de análise comparativa e pormenorizada entre a situação que para os credores resultaria em consequência da homologação e a que existiria sem qualquer plano.
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto pertinentes para a dilucidação das questões objeto do recurso constam do relatório desta decisão e resultam dos autos, nesta parte com força probatória plena.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da violação do quórum constitutivo ou de votação na aprovação do plano de revitalização
As duas recorrentes insurgem-se contra a homologação do plano de revitalização em virtude de, na perspetiva de ambas, terem sido ilegalmente descontadas as abstenções para obter uma maioria de votos favoráveis ao plano de recuperação.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 3, do artigo 17º-F do CIRE[1], “[s]em prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade desses votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.”[2]
A análise das previsões que se acabam de transcrever permite-nos concluir que as duas alíneas se acham numa relação de alternatividade, como resulta inequívoco da conjunção disjuntiva “ou”, colocada no final da alínea a). Parece-nos claramente de afastar, atento o texto da lei e a presunção de que o legislador não constrói previsões normativas inúteis, a ideia de que a previsão da alínea b) opera na dependência da alínea a), no sentido de, por exemplo, o quórum constitutivo continuar a ser na hipótese da alínea b), o terço do total dos créditos relacionados previsto na alínea a).
No caso da alínea a), o quórum constitutivo[3] é de pelo menos um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D, sendo o quórum deliberativo de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, desde que mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como votos emitidos as abstenções[4].
Assim, para os efeitos da alínea a), do nº 3, do artigo 17º-F, o legislador entendeu necessário um quórum constitutivo[5] de pelo menos um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, como garantia de que participavam na deliberação votantes representativos de pelo menos um terço do capital envolvido no plano de recuperação.
Depois, para a aprovação do plano de recuperação, em termos de quórum deliberativo, exigiu a votação favorável de mais de dois terços dos votos emitidos, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados, não entrando nesse cômputo as abstenções.
No caso dos autos, o total dos créditos relacionados com direito de voto é de €21.887.759,32. Votaram favoravelmente o plano de recuperação votantes que representam o capital de €10.683.417,42 e abstiveram-se votantes representativos do capital de €4.051.383,32[6].
Os votantes ultrapassam claramente o quórum constitutivo de um terço do total dos créditos relacionados que é de €7.292.586,44 (€21.887.759,32 : 3 = €7.292.586,44)[7].
Vejamos agora se os votos favoráveis correspondem a mais de dois terços dos votos emitidos.
Para a determinação deste quórum deliberativo, descontam-se as abstenções ao total dos créditos relacionados: €21.887.759,32 - €4.051.383,32 = €17.836.376,00[8]. Dois terços deste montante correspondem a €11.890.917 (€17.836.376,00: 3 = €5.945.458,67; €5.945.458,67 x 2 = €11.890.917,34)[9].
Assim, conclui-se que a maioria que votou favoravelmente o plano de recuperação não corresponde a mais de dois terços da totalidade de votos emitidos, pelo que não está preenchida a previsão da alínea a), do nº 3, do artigo 17º-F do CIRE.
Vejamos agora o caso à luz da alínea b), do nº 3, do artigo 17º-F do CIRE.
De acordo com esta previsão, para que se considere aprovado o plano de recuperação, é necessário que obtenha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com a alínea anterior.
Que significa “créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com a alínea anterior”?
A nosso ver, com esta expressão, o legislador terá querido que o apuramento dos créditos relacionados com direito de voto se faça em conformidade com os que estiverem contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D do CIRE.
Assim sendo, o legislador exige neste caso, um quórum constitutivo e deliberativo de metade da totalidade dos créditos relacionados, ou seja, no caso concreto, votos favoráveis que representem mais de €10.938.879,66, de créditos (€21.877.759,32 : 2 = €10.938.879,66)[10].
O legislador terá entendido ser necessário para a aprovação do plano de recuperação, em alternativa aos quóruns requeridos pela alínea a), um quórum constitutivo e deliberativo correspondente a pelo menos mais de metade dos créditos relacionados. Esta previsão é um pouco mais facilitadora da aprovação do plano de recuperação, como resulta do que antes se expôs quando se enquadrou o caso à luz da alínea a), do nº 3, do artigo 17º-F, do CIRE e visa uma via alternativa para aprovação do plano de recuperação, nos casos de grande participação na votação dos titulares dos créditos relacionados.
Porém, no final da previsão em análise, estatui-se que não se considerem como tal as abstenções.
Que sentido tem este segmento do preceito em análise, quando o quórum constitutivo e deliberativo da norma se refere a um dado fixo, como é a totalidade dos créditos relacionados com direito de voto e não aos votos concretamente emitidos?
Esta interrogação não é virgem doutrinal[11] e jurisprudencialmente.
Assim, Catarina Serra[12], a este propósito escreve: “Diga-se, brevemente, que a referência contida na parte final da al. b) às abstenções, mais precisamente à impossibilidade de considerar “como tal” as abstenções não deve ser valorizada, uma vez que não se vê forma de lhe dar sentido no contexto da norma (os únicos votos a que a norma faz referência são os votos favoráveis). Parece, assim, tratar-se de um lapsus calami ou por simpatia com o disposto na al. a).
Na jurisprudência, debruçou-se sobre esta problemática, com resultado substancialmente consonante com a autora citada, mas com argumentação distinta e diametralmente oposta, o acórdão desta Relação de 15 de dezembro de 2016, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Ataíde das Neves, no processo nº 4617/15.5T8OAZ.P1, acessível no site da DGSI. Aqui sustenta-se que “não se considerando como tal as abstenções” significa que no apuramento de metade da totalidade dos créditos relacionados não se consideram esses votos, no sentido de que não são descontados para o apuramento dessa maioria.
Esta linha argumentativa não nos parece de seguir, pois repugna aceitar que o legislador, em previsões contíguas, utilize a mesma formulação normativa com sentidos frontalmente antagónicos: no caso da alínea a), do nº 3, do artigo 17º-F, significaria que se descontavam as abstenções no apuramento dos votos emitidos, enquanto que na hipótese da alínea b), do nº 3, do artigo 17º-F, significaria que essas abstenções não se descontavam para o apuramento da metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto.
A proposta doutrinal a que se aludiu antes, sem expresso enquadramento doutrinal do tema, sustenta uma interpretação revogatória ou ab-rogante do segmento da alínea b), do nº 3, do artigo 17º-F, do CIRE que se refere à não consideração, como tal, das abstenções.
Como explica o Professor João Baptista Machado[13], no longo e por vezes acidentado caminho da interpretação jurídica, um dos seus resultados possíveis é a interpretação revogatória ou ab-rogante[14]: “Por vezes, embora raramente, será preciso ir mais além e sacrificar, em obediência ainda ao pensamento legislativo, parte duma fórmula normativa, ou até a totalidade da norma. Trata-se de fórmulas legislativas abortadas ou de verdadeiros lapsos.
Ora, salvo melhor opinião, cremos que é precisamente o que se verifica no caso que temos vindo a analisar.
O legislador não atentou que o quórum constitutivo e deliberativo da alínea b), do nº 3, do artigo 17º-F do CIRE, referindo-se, justamente, diga-se[15], à totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, não é compatível com o desconto das abstenções, operação que só faz sentido, como sucede na hipótese da alínea a), do mesmo número, para apurar uma maioria em face dos votos concretamente emitidos e não perante a totalidade dos créditos relacionados com direito de voto.
O desconto das abstenções, como resulta literalmente da alínea b) do nº 3, do artigo 17-F, do CIRE, não serviria para apurar uma maioria em face dos votos concretamente emitidos, mas antes para reconformar o montante global dos créditos relacionados, reduzindo-o em função das abstenções registadas.
O desconto das abstenções teria um sentido diverso numa e noutra das alíneas do mesmo preceito, servindo num caso para apurar uma maioria em face dos votos emitidos, como é normal suceder[16] e, no outro, para reduzir o valor atendível para efeitos de quórum constitutivo e deliberativo[17].
Será aceitável que um legislador que presumivelmente sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, nº 3, do Código Civil), em hipóteses legais contíguas empregue a mesma formulação com um alcance totalmente distinto, no segundo dos casos ao arrepio das regras comuns no apuramento das maiorias e de modo a colocar em crise o quórum constitutivo por si próprio fixado?
Assim, a nosso ver, na hipótese da alínea b), do nº 3, do artigo 17º-F do CIRE, deve, por interpretação ab-rogante, rectius derrogante, do segmento da previsão que se refere à desconsideração, como tal, das abstenções, considerar-se que não há lugar a qualquer desconto das abstenções.
No caso concreto, sendo o quórum constitutivo e deliberativo exigido de €10.938.879,66 e tendo votado favoravelmente apenas credores representativos de créditos relacionados no montante de €10.683.417,42, conclui-se que o plano de recuperação também não pode ser considerado aprovado à luz da alínea b), do nº 3, do artigo 17º-F, do CIRE[18].
De acordo com o disposto no nº 5, do artigo 17º-F, do CIRE, no juízo sobre a homologação ou não do plano de recuperação, o julgador deve ter na mira as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º[19].
Nos termos do disposto no artigo 215º do CIRE, “[o] juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.
Na senda de Carvalho Fernandes e João Labareda[20], “são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido.
As regras sobre a aprovação do plano de recuperação e sobre as maiorias exigíveis são claramente normas de interesse público que se destinam a exigir um comprometimento no plano votado de credores representativos de um patamar mínimo de capital, para que se possa dar luz verde à almejada revitalização da empresa. Só nesses casos legalmente previstos, o legislador entendeu que a proposta de plano era merecedora de se considerar aprovada e poder servir de esteio seguro à projetada recuperação da empresa.
Assim, tudo visto e sopesado, tendo também em conta que nem sequer se pode afirmar que a maioria legalmente exigida não foi atingida por valores insignificantes[21], deve revogar-se a decisão recorrida e recusar-se a homologação do plano de recuperação, pois que nem tão-pouco se pode considerar legalmente aprovado, ficando prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos do recurso invocados pela recorrente H…, SA para firmar a não homologação do plano proposto.
Em face da não homologação do plano de recuperação, por identidade de razão, deve o Sr. Administrador Judicial Provisório observar o disposto no nº 4, do artigo 17º-G, do CIRE.
As custas do recurso são da responsabilidade da devedora pois que decaiu na sua pretensão de revitalização (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em revogar a decisão recorrida proferida em 23 de Novembro de 2016, recusando-se pelos fundamentos expostos a homologação do plano de recuperação da sociedade B…, SA e determinando-se que o Sr. Administrador Judicial Provisório observe o disposto no nº 4, do artigo 17º-G, do CIRE.
Custas a cargo da recorrida, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de dezasseis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.
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Porto, 13 de março de 2017
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
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[1] Acrónimo de Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que doravante se usará para identificar este Código.
[2] Redação resultante da alteração operada pelo decreto-lei nº 26/2015, de 06 de fevereiro. No preâmbulo deste diploma escreveu-se: O Governo entende, por isso, ser necessário implementar um conjunto de medidas que promovam um contexto alinhado com as melhores práticas internacionais, mais favorável à aprovação de planos de recuperação de empresas, ao financiamento de longo prazo da atividade produtiva e à emissão de instrumentos híbridos de capitalização que facilitem a entrada de investidores que aportem capital e competências adicionais. Estas medidas são concretizadas pelo presente decreto-lei através da introdução de alterações aos regimes do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial - SIREVE e do Processo Especial de Revitalização - PER, e aos regimes de emissão de obrigações e ações preferenciais do Código das Sociedades Comerciais.” Mais adiante, no mesmo preâmbulo, escreveu-se: São, ainda, introduzidas novas regras no que concerne às maiorias necessárias para efeitos de aprovação de planos de recuperação, aproximando-se, tanto quanto possível, o regime previsto no SIREVE do regime consagrado para a aprovação de planos de recuperação no âmbito do PER.
Na consecução destes desígnios, o nº 2, do artigo 12º do SIREVE, regime jurídico aprovado pelo decreto-lei nº 178/2012, de 03 de agosto, passou a ter uma redação similar à do nº 3, do artigo 17º-F do CIRE, lendo-se aí “total das dívidas apuradas da empresa”, onde no lugar correspondente do CIRE se lê “total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D”.
[3] Como refere o Sr. Juiz Conselheiro Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, in Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina 2005, página 181: “é quórum constitutivo o mínimo de presenças (ou representações) requeridas para que se possa, sem mais, instalar a assembleia, independentemente das maiorias exigíveis para as concretas deliberações a adoptar. É quórum deliberativo o número de presenças (ou representações) necessárias para que, mesmo que todos os presentes ou representados venham a votar em idêntico sentido, a concreta deliberação a ser votada possa ser aprovada, segundo a especial maioria para ela exigida”.
[4] O termo “abstenções” é usado por vezes com alguma ambiguidade, abarcando quer o voto expresso em branco, quer o caso dos que tendo direito de voto, não votam. Refere-se a esta realidade o Sr. Conselheiro Pinto Furtado na obra citada, página 46, nos seguintes termos: “Relativamente à opção de não votar nem sim nem não, poderá ela reconduzir-se, na prática, a um de dois comportamentos distintos: o voto de abstenção e a abstenção de voto.” Acrescenta o mesmo autor, na mesma página: “É para nós apodíctico que quem, no âmbito de um processo de votação, fizer a declaração de que se abstém, emitirá com isso um voto juridicamente válido, em princípio, e com sentido próprio – o voto de abstenção.” Finalmente, ainda na mesma página e na seguinte afirma: “Não parece aceitável admitir-se, invocando a proclamação do art. 386-1 CSC, “as abstenções não são contadas”, que não devem constar-se os votos de abstenção como votos emitidos (…); o que realmente acontece é que não serão eles computados para a formação da maioria – e pela elementar e aritmética razão de que não é o seu sentido a esta acrescentável nem dedutível.” Acrescenta o autor que temos vindo a citar, na página 196 da referida obra, nota 254, que “Na Itália, há quem oponha aos votos favoráveis os contrários e as abstenções (…) Não faz sentido, no entanto, juntar as abstenções ao voto minoritário, pois o significado da abstenção é o de que se conforma o titular respectivo com qualquer resultado.” Na nossa perspetiva, o voto em branco é um voto emitido e em rigor, apenas relativamente a este se impõe a necessidade de o considerar como não emitido. Já quanto àqueles que não votam, aos que se abstêm de votar, porque não emitiram qualquer voto, não há necessidade de os desconsiderar como votos não emitidos porque pura e simplesmente nem sequer formalmente como tal se apresentam. No entanto, em termos de sentido de voto, o voto em branco e a abstenção de emitir o voto, têm o mesmo conteúdo e resultado útil e que é aquele a que se referiu antes o Sr. Juiz Conselheiro Pinto Furtado.
[5] Dada a finalidade do quórum constitutivo, o seu preenchimento afere-se sempre por referência a um dado fixo, como sejam a metade, pelos mesmos dos associados (artigo 175º, nº 1, do Código Civil), os votos representativos do capital investido (artigo 1432º, nºs 3 e 4, do Código Civil) ou ações correspondentes a pelo menos um terço do capital social (artigo 383º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais).
[6] Na hipótese de procedência do recurso interlocutório, o total dos créditos relacionados com direito de voto passa a ser de €19.740.621,49, pois que o número de votos favoráveis se reduz a €8.610.979,14 (€10.683.417,42 - €2.072.438,24 [€2.552.167,62, votos considerados da D… - €479.729,38 = €2.072.438,24 de votos favoráveis desta credora, considerados a mais] = €8.610.979,14), enquanto o número de votos desfavoráveis se reduz a €7.078.259,03 [€2.855.034,66, votos considerados da Banco F…, SA - €2.790.335,61 = €64.699,05 de votos contra deste credor considerados a mais; € 7.142.958,08 de votos contra - € 64.699,05 = € 7.078.259,03], mantendo-se as abstenções de voto de votantes representativos do capital de €4.051.383,32 (€8.610.979,14 + €7.078.259,03 + €4.051.383,32 = €19.740.621,49).
[7] Identicamente no caso do recurso da decisão interlocutória obter provimento: €19.740.621,49: 3 = € 6.580,2071633…
[8] €19.740.621,49 - €4.051.383,32 = €15.689.238,17.
[9] No caso de provimento do recurso interlocutório: €15.689.238,17: 3 = €5.229.746,0566… €5.229.746,06 x 2 = €10.459.492,12.
[10] No caso de provimento do recurso interlocutório: €19.740.621,49: 2 = €9.870.310,745.
[11] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, na terceira edição do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, edição da Quid Juris 2015, página 171, anotação 13, afirmam que em nenhuma das alternativas e à semelhança do que já sucedia, contam as abstenções. Porém, não resulta desta afirmação que tenha havido uma ponderação crítica desta problemática e que se tenha equacionado a exequibilidade de tal desconsideração.
[12] In O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, Almedina 2016, página 85.
[13] In Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina 1985, página 186.
[14] Este é uma operação delicada e que apenas deve ser realizada quando os dados sejam seguros, sob pena de se colocar em crise o estatuto constitucional da magistratura, vocacionada para a aplicação do direito e não à “legiferação”, tarefa reservada constitucionalmente ao legislador.
[15] Justamente porque se compreende que se exija sempre um universo suficientemente representativo de credores comprometidos no plano de recuperação em votação.
[16] Vejam-se o nº 3, do artigo 250º e o nº 1, do artigo 386º, ambos do Código das Sociedades Comerciais.
[17] Operando-se o desconto das abstenções como se fez no caso em análise, a aprovação do plano de recuperação não exigiria pelo menos mais de metade da totalidade dos créditos relacionados, bastando-se antes com esse valor deduzido das abstenções. Por esta via poderia vir a permitir-se a aprovação de um plano de recuperação sem que uma parte significativa do capital afetado estivesse envolvido positivamente nessa deliberação.
[18] Identicamente no caso de provimento do recurso interlocutório, pois que o quórum constitutivo e deliberativo será nesse caso de €9.870.310,745 e apenas se poderão considerar emitidos votos representativos do capital de €8.610.979,14.
[19] A nosso ver, nos casos em que à luz da lei aplicável o plano não se pode considerar aprovado, justificar-se-ia a prolação de decisão de não homologação apenas com base na inobservância de tais exigências legais.
[20] Na obra antes citada, página 782, anotação 5.
[21] O valor total dos créditos relacionados é de €21.877.759,32 e para a aprovação do plano faltou o voto representativo do capital de €255.462,25 (€10.938.879,66 - €10.683.417,42 = €255.462,25), ou seja, sensivelmente, um pouco mais de um quarto de um milhão de euros. Na hipótese de provimento do recurso interlocutório: o valor total dos créditos relacionados é de €19.740.621,49 e para a aprovação do plano faltou o voto representativo do capital de € 1.259.331,605.