Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6941/10.0TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CRIME DE LIBERDADE DE IMPRENSA
CRIME DE DIFAMAÇÃO ATRAVÉS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA
FIGURA PÚBLICA
INTERESSE LEGÍTIMO
Nº do Documento: RP201410156941/10.0TDPRT.P1
Data do Acordão: 10/15/2014
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Se a actuação, ofensiva da honra e consideração, não está inserida na clausula de prossecução de interesses legítimos inerente á função publica de formação da opinião publica pelo meio de comunicação social, como é o caso dos domínios do simples entretenimento, da satisfação da curiosidade do leitor, da noticia de pura sensação, ou da vida privada e familiar de pessoas particulares ou anónimas, não pode aquela ser considerada justificada no âmbito do exercício do direito de informação.
II – O conceito de “ intimidade da vida privada e familiar” do artº 180º CP abrange apenas “ o núcleo duro da vida privada” a esfera nuclear da sua intimidade como sejam a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita e de carácter intimo;
III – A noticia reveste interesse legitimo se: a) o assistente é figura “ muito” pública; b) tem pautado a sua vida mesmo privada por uma enorme exposição pública; c) tem sido o próprio que tem trazido os factos da sua vida privada ao conhecimento público;
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum singular 6941/10.0TDPRT da 3ª secção do 3º Juízo Criminal do Porto

Relator – Ernesto Nascimento
Adjunto – Artur Oliveira.

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I.1. Efectuado o julgamento foi arguido B…, condenado, como co-autor, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º/1 e 183º/2 C Penal, com referência aos artigos 30º e 31º/3 da Lei 2/99 de 13 de Janeiro, Lei da Imprensa, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 12,50, o que perfaz a quantia de € 1.500,00 ou, subsidiariamente, 80 dias de prisão.

I. 2. Inconformado, com o assim decidido, recorreu o arguido, apresentando as seguintes conclusões:

1. o presente recurso visa o reexame da matéria de facto – nos termos das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 412º C P Penal, tendo por base a gravação da prova efectuada em audiência com a respectiva transcrição e a prova documental produzida nos autos e, também para reexame da matéria de direito;
2. o Tribunal condenou o arguido pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º/1 e 183º/2 C Penal, por referência aos artigos 30º e 31º/3 da Lei de Imprensa, em virtude da publicação de uma notícia no C… com data de 4MAI2010, melhor identificada nos autos e sentença, jornal de que o ora recorrente foi Director;
3. não há prova bastante nos autos que permitisse a sua condenação e, por outro lado, foi produzida prova que impunha decisão diversa, pelo que houve erro na apreciação da prova produzida;
4. errou o Tribunal ao dar como provado que i) o arguido director podia e devia ter obstado a que a notícia fosse publicada; ii) agiu de forma consciente, visando o resultado que logrou alcançar, tendo em vista o lucro e o aumento das vendas, ainda que com prejuízo para o assistente; iii) tinha também total consciência da ilicitude da sua conduta, uma vez que, exercendo um cargo de direcção no periódico, não pode legitimamente ignorar os limites da sua actuação iv) representou como possível que a notícia fosse falsa, com o que se conformou, ciente da injuricidade da sua conduta, pois bem sabia que a mesma era proibida e punida por lei;
5. devia, com efeito, perante a prova produzida em audiência (sobretudo a testemunhal), o Tribunal ter dado como provado que o Sr. D… era representante de E…, sendo, por isso, uma fonte credível, à data, para assuntos da visada e do próprio assistente; que foi informação prestada pela arguida jornalista que fez o arguido acreditar na veracidade dos factos narrados, que publicou por ter ficado convencido que narrava factos verdadeiros, e que, por isso mesmo, veio a noticiar; que o arguido foi informado pela jornalista autora que tinha obtido confirmação de fonte segura de que os factos se tinham passado consoante foram noticiados;
6. bem como que lhe foi dito que tinha contactado por diversas vezes com a fonte e que esta lhe garantira que tudo era verdade e que, face ao relato e testemunho colhido, o arguido não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos factos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar, sequer, que pudesse estar a publicar uma qualquer falsidade, acreditando em boa fé que o que publicava era absolutamente verdadeiro;
7. dispunha o Tribunal de prova documental da qual resultava que o Sr. D… era agente/porta-voz/assessor da Sra. E…, pois a arguida F… juntou com a sua contestação notícias do "G…" e “H…”, das quais resulta que sempre agiu o mesmo na qualidade de porta-voz ou assessor daquela, falando pela própria;
8. as testemunhas I…, J… e K…, em depoimentos cuja transcrição se encontra no presente recurso, também o garantiram, esclarecendo adicionalmente que era fonte credível e habitual do jornal;
9. por outro lado, não podia o Tribunal ter dado como provado que, com a sua conduta, o recorrente teve "em vista o lucro e o aumento das vendas», conforme plasmou no ponto 30) dos Factos Provados, já que não houve um único elemento de prova nesse sentido;
10. acresce que também a testemunha I… (editora da jornalista) veio dizer ao Tribunal que a informação recebida foi transmitida por si ao recorrente, e que a notícia estava confirmadíssima, que era verdadeira, e que havia fundamento para acreditar que a notícia era verdadeira, dado que todo o processo de investigação havia sido feito;
11. mais referiu que o recorrente ficou convencido da veracidade da notícia, porque “a jornalista confirma a fonte, nós confirmamos a fonte, não há razão para não publicar a notícia”;
12. testemunho totalmente concordante com o depoimento das testemunhas J… e K… que declararam que também conheciam a fonte e que confiaram no trabalho da jornalista;
13. estas testemunhas transmitiram ao Director a convicção que tinham sobre veracidade da notícia e a confiança que depositavam na jornalista, tendo a certeza de que a história só foi publicada porque ficaram convencidos da verdade dos factos;
14. resulta, pois, da prova produzida em audiência que o recorrente Director não podia ser condenado pela prática do crime imputado, na medida em que os facto relatados não foram inventados, antes correspondendo às informações que a jornalista recolheu;
15. e ficou provado que foi em virtude da informação prestada pela arguida jornalista que este acreditou na veracidade dos factos narrados, que publicou por ter ficado convencido que narrava factos verdadeiros, e que, por isso mesmo, veio a noticiar;
16. face ao relato e testemunho colhido, o recorrente não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos factos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar sequer, que pudesse estar a publicar uma ou qualquer falsidade, acreditando em boa fé que o que publicava era absolutamente verdadeiro;
17. resultou demonstrado que o recorrente agiu exclusivamente motivado pelo que acreditava ser o dever e direito de informar, e só tendo nisso pensado, e sem qualquer propósito de ofender ou difamar o assistente, situação que não prefigurou;
18. o Tribunal recorrido devia ter considerado não ter agido o arguido com dolo, ainda que genérico, não se encontrando provado, pelo que foi incorrectamente julgado pelo douto Tribunal, que o recorrente tenha praticado quaisquer actos que consubstanciem os elementos típicos do crime de difamação, resultando tal conclusão de todos os elementos probatórios concatenados que constituem os autos;
19. violou também a lei o Tribunal porque não ius-valorou correctamente as causas de justificação previstas no artigo 180º/2 C Penal;
20. devia o Tribunal ter considerado que a notícia integra o conceito de imputação feita para realizar "interesse legítimos, ié., que revestia interesse público;
21. cremos que os factos narrados não estavam sujeitos a um dever de reserva, não só porque o assistente é uma figura pública, mas também (e sobretudo) face à exposição pública por que tem pautado a sua vida, mesmo a privada, no tocante aos namoros e relações;
22. tendo sido o assistente que abriu as portas ao interesse público sobre estes temas, encontra-se justificado o interesse da imprensa sobre os mesmos e o próprio interesse público da matéria, como é corrente doutrinária, sobre o que o Tribunal evitou pronunciar-se;
23. acresce que a conduta não é punível quando, além do mais, o agente tiver fundamento sério para, em boa fé, reputar a informação/imputação de verdadeira, o que o Tribunal também não valorou;
24. face à prova testemunhal produzida, não ficam dúvidas que o recorrente estava absolutamente convicto da verdade de quanto foi publicado, pois que, caso contrário, não o teria feito;
25. não agiu de modo consciente ou voluntário, antes motivado pela revelação de factos que acreditava, face à investigação feita, serem verdadeiros;
26. todo o comportamento do recorrente se enquadra no âmbito do exercício do direito constitucional de informar, pelo que o facto não é punível, já que praticado no exercício de um direito;
27. não constitui, aliás, facto ilícito noticiar factos em que existe a convicção em boa fé e fundada de que são verdadeiros, como os factos que foram narrados, estando o arguido absolutamente convicto da presunção de licitude que lhe assistia, artigo 31º/2 alínea b) C Penal;
28. acresce que ficou provado não ter o arguido agido com culpa, na medida em que tinha uma forte base objectiva para alicerçar a sua convicção sobre a veracidade dos factos relatados, não tendo tido intenção de realizar o tipo de crime em causa, até porque não tinha consciência dele; não o representou como consequência directa ou necessária da sua conduta, ou sequer como consequência possível, muito menos se conformando com ela;
29. razão porque violou a decisão recorrida, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 13º, 31º/2 e 180º/2 C Penal, ao não ter aplicado tais normas à situação sub judice, tendo feito uma interpretação errónea dos factos provados subsumidos às disposições normativas aplicáveis.
30. não se alcança também por que o Tribunal recorrido não aceitou a sugestão da D. Procuradora do MP no sentido de este arguido ser dispensado de pena, atendendo o fado de a culpa do recorrente "ser diminuta", considerando que no seu caso, os requisitos do artigo 74º/1 alínea a) C Penal estavam verificados, precisamente por ter considerado que a culpa, a existir, no caso do arguido recorrente era reduzida;
31. embora o Tribunal não estivesse vinculado à posição do MP, julgamos que, face à mole de matéria neste recurso referida, bem como ao processado nos autos e, mesmo que continuemos a entender e reputar o recorrente de inocente, poderia o Tribunal ter tido, neste circunspecto, entendimento concordante com a D. Magistrada do MP que sempre faria melhor justiça;
32. o tribunal errou também na fixação da pena ao arguido, tendo decretado uma pena de multa ao recorrente, € 1.500,00, superior à da arguida que fez a notícia, €900,00, que é inadequada, imerecida e infundada;
34. infundada, porque o Tribunal, fazendo um percurso doutrinário sobre os critérios para a determinação da pena, acaba por não explicitar (p. 25 da sentença) em que se baseia para ditar semelhante pena;
35. o Tribunal não diz onde se estriba para fixar estes valores, referindo que a determinação da pena de faz em função da culpa do arguido e tendo em conta as exigências de prevenção, mas sem que explicite quais no caso;
36. os € 1.500,00 fixados ao arguido nem sequer são equitativos e justos, pois que sem a acção da jornalista, inexistiria acção do arguido e (admita-se em tese) para culpas iguais, penas iguais.

I. 3. Respondeu a Exma. Sra. Magistrada do MP, na 1ª instância, pugnando pelo não provimento do recurso.

II. Subidos os autos a este Tribunal o representante do MP limitou-se a apor o visto.

Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

III. Fundamentação

III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas no presente são, então, a de saber se,

existem factos erradamente julgados;
se verificam os pressupostos da causa de justificação contida no artigo 180º/2 C Penal;
o arguido actuou no exercício de um direito;
se verificam os pressupostos de que depende a dispensa de pena e,
a questão da pena concreta.

III. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

Factos provados

1º) Na edição de dia 04 de Maio de 2010, uma terça-feira (edição nº …..), do jornal "C…", pode ler-se, com honras de manchete, por toda a parte superior da primeira página ("capa"):
"Presidente do L… levou todo o recheio da casa onde vivia com a mulher M… SÓ DEIXOU UMA CAMA A E… - págs. 4 e 5”;
2º) A ladear a manchete, bem salientada por um fundo côr-de-rosa com letras pretas, surgem duas fotografias de face, em grande plano: uma do aqui Assistente, e outra de E…, sua mulher;
3º) O enquadramento gráfico do nome do periódico só surge abaixo da referida manchete;
4º) A "notícia" merecedora de tamanho destaque aparece desenvolvida, tal como anunciado naquela primeira página, a páginas 4 e 5, sob a rubrica "…", e vem assinada pela Primeira Arguida, F…;
5º) Aí se pode ler, em letras agigantadas, e em jeito de título:
"M… esvaziou casa da mulher";
6º) Em forma de sub-título, segue-se uma síntese da peça jornalística:
"O líder L1… retirou todos os objectos de valor da moradia, desenhada por N…, como obras de arte e mobílias. Até deixou de pagar a água e a luz. Apesar de ainda não ter pedido o divórcio, E… já se aconselhou com O…";
7º) E, já no corpo da notícia, prossegue a Arguida:
"Na semana passada o Presidente do L… aproveitou a ausência da (ainda) mulher para remover o recheio da casa que partilhavam, na …, no Porto. O líder L1… levou tudo de valor que havia na moradia, desenhada pelo famoso arquitecto N…, como obras de arte valiosas";
8º) E cita-se a fonte, que nem se identifica:
"Quando a E… chegou a casa, ao final do dia, tinha praticamente tudo vazio. Poucas coisas ficaram, entre elas a cama de casal no quarto”, conta ao C… fonte próxima do ex-casal.
A empresária ficou "arrasada" e continua a não entender as atitudes do marido: «Ela está muito em baixo com esta situação, porque acha que as coisas se poderiam resolver civilizadamente. Ele saiu de casa sem dizer nada e depois aconteceu tudo isto" (excerto destacado com risco amarelo);
9º) Remata-se esta primeira coluna com considerações sobre a vida do casal, especulando sobre uma eventual ruptura e "pedidos de divórcio";
10º) Após, prossegue-se com mais revelações: o Assistente teria saído de casa "sem dar explicações", já que "nunca tiveram uma conversa sobre o assunto", e se antes ainda pagava "a água ou a luz", agora já nem "isso acontece";
11º) Além disso, relembra-se ao leitor que "esta não é a primeira vez que a relação de M… e de E… acaba mal. Já no primeiro divórcio, houve notícias de agressões e a empresária chegou mesmo a apresentar queixa contra o marido ( ... )”;
12º) E junta-se ao rol "a relação com P…", que "convocou a imprensa para mostrar marcas de violência";
13º) Na página 5, ilustrando a peça, de novo aparece uma fotografia do Assistente, desta feita de "meio corpo";
14º) Sucede que os factos relatados na peça jornalística são totalmente falsos;
15º) O Assistente não retirou absolutamente nada da moradia;
16º) No próprio dia da noticia, vários amigos comuns do casal, que costumam frequentar a casa, estiveram lá, tendo podido comprovar com os seus próprios olhos que nada foi - pelo Denunciante - retirado ou ocultado;
17º) Por tudo isto, o Assistente, ao ler a notícia em questão, sentiu-se profundamente aviltado e ofendido;
18º) O Assistente nunca foi contactado pela arguida, tendo, ao invés, sido "colhido de surpresa" no dia da publicação;
19º) A Arguida bem sabe que a manipulação de factos e a divulgação de informações erróneas e não comprovadas, quando maculem o bom nome e reputação alheios, lhe estão vedados, porquanto consubstanciam ilícito criminal;
20º) Porque exerce uma profissão deontologicamente conformada, não pode a Arguida legitimamente ignorar os limites da sua actuação;
21º) A arguida violou, assim, os deveres de confirmação de fontes e de objectividade da informação, o que fez de forma consciente e com plena convicção da ilicitude;
22º) As "notícias" referentes ao aqui Assistente tendem a alcançar elevado volume de vendas e divulgação;
23º) O 2º arguido, B…, era director do referido periódico, enquanto que o 3º e 4º arguidos, Q… e S…, eram directores-adjuntos de tal periódico;
24º) No que ao referido 2º arguido diz respeito, diga-se que, enquanto director do periódico, a si se deve a publicação - ainda mais, com honras de manchete na primeira página - da notícia em apreço;
25º) O 2º arguido, no exercício das suas funções, podia e devia ter obstado a que a notícia fosse publicada, essa "triagem" é, aliás, a sua função;
26º) Não o fez: bem pelo contrário, escolheu-a para manchete, com honras de capa do jornal;
27º) Foi o 2º arguido quem aprovou a notícia e quem determinou a sua publicação, bem como foi tal arguido quem escolheu o artigo para constar da primeira página;
28º) E foi o 2º arguido que igualmente paginou e determinou o destaque da notícia;
29º) E foi o 2º arguido quem "criou" e determinou a publicação da notícia com aqueles títulos, visando, assim, apenas criar uma" notícia de impacto";
30º) Também o 2º Arguido agiu de forma consciente, visando o resultado que logrou alcançar, tendo em vista o lucro e o aumento das vendas, ainda que com prejuízo para o Assistente;
31º) O 2º arguido tinha também total consciência da ilicitude da sua conduta, uma vez que, exercendo um cargo de direcção no periódico, não pode legitimamente ignorar os limites da sua actuação;
32º) O Assistente é pessoa que goza de ampla reputação, sendo estimado por um vasto núcleo de pessoas, quer relacionadas com o futebol (os adeptos do seu clube, por exemplo), quer no âmbito da sua vida pessoal e familiar;
33º) É pessoa de nível social e educacional elevado, polido, cortês e muito respeitado por todos os que o rodeiam;
34º) É conotado como sendo homem, marido, pai, amigo e presidente sério, honesto e orientado por valores vincados e firmes;
35º) A nível profissional, o Assistente tem alcançado sucessivas vitórias e granjeado elevado conceito e renome;
36º) A 1ª arguida e o 2º arguido representaram como possível que tal notícia fosse falsa e com tudo se conformaram, sempre cientes da injuridicidade da sua conduta, pois bem sabiam que a mesma era proibida e punida por lei;
37º) Foi a arguida quem redigiu a notícia, mas somente o corpo da mesma constante de páginas 4 e 5;
38º) Tudo o resto, títulos, subtítulos, capa, fotografias, composição, paginação, sempre foi, como sempre foi, responsabilidade da direcção do jornal, sediada em Lisboa e à qual a arguida só teve acesso ao mesmo tempo que os restantes leitores;
39º) A arguida era, à data, avençada do jornal, vivia no Porto, e enviava via mail as suas notícias para tratamento em Lisboa, gráfica, textual e editorialmente;
40º) Inclusive a própria decisão de, pôr ou não a noticia, esta ou outras que a arguida enviava, sempre foi da direcção em Lisboa, sem que esta pudesse sequer opinar;
41º) Acresce que, a peça jornalística do interior, págs. 4 e 5, teve como fonte o Sr. D…;
42º) O Director B… estava de serviço e teve conhecimento prévio da notícia publicada, e forma da publicação, bem como de todo o circunstancialismo que a rodeou;
43º) É a ele que compete determinar o conteúdo da publicação e os termos e não termos em que o jornal sai para as bancas;
44º) Quer o Arguido Q… (3º arguido), quer o Arguido S… (4º arguido), não tiveram conhecimento prévio da notícia publicada e, como tal, não se puderam opor à respectiva publicação, dado que o primeiro se encontrava no gozo de folga e não compareceu na Redacção na véspera da publicação da notícia (dia 3/5) e o segundo porque, no mesmo dia, deixou a Redacção às 18h00m, não tendo ficado encarregue de fazer o fecho do jornal;
45º) Como era costume no C…, quem tratava das notícias de capa era quem fazia o fecho;
46º) O Assistente é uma figura pública;
47º) A arguida é solteira, vive com a sua mãe e tem a profissão de jornalista, auferindo, em média, cerca de € 500,00, por mês;
48º) O 2º arguido é solteiro e é jornalista, auferindo o salário líquido de cerca de € 2.800,00, por mês;
49º) O 3º arguido é casado, tem um filho menor de idade e é jornalista, auferindo o salário líquido de cerca de € 1.800,00, por mês;
50º) O 4º arguido é casado, tem um filho menor de idade e é jornalista, auferindo o salário líquido de cerca de € 2.800,00, por mês, e
51º) Aos arguidos não são conhecidos antecedentes criminais e não têm mais processos pendentes.

Factos não provados

- que no que aos 3º e 4º arguidos diz respeito, a si se deve a publicação da notícia em apreço;
- que os 3º e 4º arguidos, no exercício das suas funções, podiam e deviam ter obstado a que a notícia fosse publicada;
- que foram os 3º e 4º arguidos quem aprovou a notícia e quem determinou a sua publicação, bem como foram tais arguidos quem escolheu o artigo para constar da primeira página;
- que foram os 3º e 4º arguidos quem igualmente paginou e determinou o destaque da noticia;
- que foram os 3º e 4º arguidos, em conjunto, quem "criou" e determinou a publicação da notícia com aqueles títulos, visando, assim, apenas criar uma" notícia de impacto";
- que também os 3º e 4º arguidos agiram de forma consciente, visando o resultado que lograram alcançar, tendo em vista o lucro e o aumento das vendas, ainda que com prejuízo para o Assistente;
- que tinham também os 3º e 4º arguidos total consciência da ilicitude das suas condutas, uma vez que, exercendo cargos de direcção no periódico, não podem legitimamente ignorar os limites da sua actuação;
- que os arguidos sabiam que os factos divulgados eram falsos;
- que o referido Sr. D… era agente da Sra. E…, sendo, por isso, uma fonte credível, à data, para assuntos da visada e do próprio assistente;
- que a arguida, acredita, como acreditou sempre, que a fonte convivendo com o assistente e sua mulher, saberia bem do que falava e, por isso, lhe transmitia toda a confiança, até porque, no passado sempre as informações daquele foram correctas relativamente ao sucedido quanto a assuntos do casal;
- que, não obstante a confiança na fonte, representante do casal, tentou a arguida o contacto com o Assistente, só que este, como é do conhecimento público, sempre se recusou a falar com o "C…";
- que a arguida sempre recebeu o mesmo enquanto trabalhadora do jornal "C…";
- que foi a informação prestada pela 1ª arguida, sua jornalista, que fez o 2º arguido acreditar na veracidade dos factos narrados, que publicou por ter ficado convencido que narrava factos verdadeiros, e que, por isso mesmo, veio a noticiar;
- que o 2º arguido foi informado pela jornalista autora que tinha obtido confirmação de fonte segura (pessoa próxima ao casal) de que os factos se tinham passado consoante foram noticiados;
- que foi garantido ao 2º arguido que a fonte contactada merecia a máxima credibilidade dado que era pessoa ligada ao casal quem lho tinha revelado;
- que dada a natural e própria delicadeza do assunto em questão, o referido arguido Director perguntou à jornalista se tinha a certeza de quanto se ia noticiar;
- que lhe foi então dito pela mesma que sim, que tinha contactado por diversas vezes com a fonte e que esta lhe garantira que tudo era verdade e que todas as declarações prestadas e constantes no artigo reproduziam fielmente o que a fonte pretendera dizer;
- que face ao relato e testemunho colhido, o 2º arguido não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos factos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar, sequer, que pudesse estar a publicar uma ou qualquer falsidade, acreditando em boa fé que o que publicava era absolutamente verdadeiro;
- que o 2º arguido ficou então, ao longo da investigação que pediu sobre esta temática, profundamente convencido da veracidade dos factos noticiados por ter tido acesso a sua jornalista a uma fonte ligada ao caso e merecedora do máximo crédito;
- que o 2º arguido, com a publicação da notícia, apenas agiu com o propósito de informar, e no exercício do direito constitucional à informação, sendo certo que estava (como está) absolutamente convicto da verdade dos factos, e
- que os factos noticiados eram verdadeiros.

Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

O Tribunal, atendendo igualmente às regras da experiência, alicerçou a sua convicção ao fixar os factos provados, nos seguintes meios de prova:
- no que toca aos factos 1. A 46., atendeu-se, desde logo, às declarações prestadas, em audiência de julgamento, pelos arguidos, os quais confessaram parcialmente os factos.
Assim, a arguida, designadamente, confirmou que foi quem redigiu a notícia a que se alude nos presentes autos, mas somente o corpo da mesma constante da páginas 4 e 5, sendo que tudo o resto foi da responsabilidade da direcção do jornal, sediada em Lisboa. Tal arguida confirmou que, à data, era avençada do jornal “C…” e vivia no Porto, sendo que a peça jornalística do interior, teve como fonte o Sr. D…, a quem a arguida se tinha dirigido a pedido da sua editora, I…, com vista a colher informações sobre a situação do referido casal, M… e E…. Tal arguida referiu, ainda, que não conseguiu confirmar a verdade dos factos junto de qualquer dos elementos do casal, apesar de ter tentado.
Por sua vez, o arguido, B…, confirmou que, à data dos factos, era o respectivo director do jornal “C…“ e que, nesse dia, estava de serviço e teve conhecimento prévio da notícia publicada, e forma da publicação, bem como de todo o circunstancialismo que a rodeou, tendo autorizado a publicação da referida notícia, pois, segundo disse, “não duvidei dos meus jornalistas” e “aceitei de boa-fé o que me foi transmitido”.
Finalmente, o 3º e 4º arguidos confirmaram que, à data dos factos, eram directores-adjuntos do referido jornal mas que não tiveram conhecimento prévio da notícia publicada, dado que o 3º arguido se encontrava no gozo de folga e não compareceu na Redacção na véspera da publicação da notícia (dia 3/5) e o 4º arguido porque, no mesmo dia, deixou a Redacção às 18h00m, não tendo ficado encarregue de fazer o fecho do jornal.
Além disso, atendeu-se às declarações prestadas, em tal audiência, pelo assistente, o qual referiu que teve conhecimento da referida notícia no próprio dia 4.5.2010, data da publicação do jornal, através de telefonemas que lhe foram efectuados por amigos, tendo comprado, por isso, tal jornal. O referido assistente referiu que ao ler a notícia a que se alude nos autos e constante do jornal “C…”, ficou indignado e muito ofendido, pois o que lá constava era totalmente falso. Daí que pediu a amigos para irem a sua casa para depois poderem testemunhar que o relatado no referido jornal era totalmente falso.
O assistente confirmou que o referido Sr. D… não era porta-voz do casal e que não foi contactado por ninguém, designadamente pela arguida, tendo em vista confirmar o que veio a ser noticiado.
Por outro lado, o Tribunal para formar a sua convicção atendeu ao conjunto dos depoimentos prestados pelas seguintes testemunhas de acusação:
T…, Juiz Conselheiro jubilado, o qual é amigo do assistente, tendo confirmado que, no dia em que saiu o jornal, foi a casa do assistente, a pedido deste, tendo constatado que este estava nervoso e indignado e verificou, também, que no interior de tal casa estava tudo normal, com o recheio normal;
U…, médico e amigo do assistente, tendo confirmado que foi a casa do assistente, a pedido deste, segundo pensa no próprio dia da referida publicação, tendo constatado que no interior de tal casa estava tudo normal, com quadros, mobílias, candeeiros, etc…;
V…, amiga do assistente há vários anos, tendo confirmado que foi a casa do assistente, a pedido deste, no próprio dia em que saiu o jornal e verificou que a casa tinha mobílias, tendo assistido a tirarem fotografias dentro da referida casa;
W…, amigo do assistente, tendo confirmado que foi a casa do assistente, no próprio dia em que saiu o jornal, tendo constatado que no interior da referida casa estava tudo igual ao que lá tinha visto noutras ocasiões que lá tinha ido;
X…, empresário e amigo do assistente, tendo confirmado que foi a casa do assistente, no próprio dia em que saiu o jornal, e constatou que não existiam marcas de ter sido retirado algo de tal habitação, sendo que verificou que o assistente estava indignado com o que se estava a passar;
Y…, amigo do assistente, tendo confirmado que foi a casa do assistente, no próprio dia em que saiu o jornal, e constatou que a casa estava igual como antes a tinha visto, estando com o respectivo recheio e,
Z…, à data dos factos, era funcionário do L…, trabalhando no departamento da comunicação, tendo, no próprio dia da publicação do jornal, ido a casa do assistente tirar fotografias, as quais se encontram juntas aos presentes autos.
Além disso, atendeu-se ao depoimento prestado, em audiência de julgamento, pela testemunha de defesa, E…, a qual confirmou que o que consta da notícia não é verdade e que o Sr. D… não era o porta-voz do casal.
O assistente e tais testemunhas demonstraram ter conhecimento e estarem recordados dos factos a que se alude nos presentes autos. Prestaram, respectivamente, declarações e depoimentos esclarecedores, precisos e isentos, razão porque mereceram a credibilidade deste Tribunal e se conferiu maior credibilidade à versão trazida aos autos pelo assistente.
O Tribunal atendeu, ainda, aos depoimentos prestados, em tal audiência, pelas seguintes testemunhas de defesa:
- I…, jornalista e, à data dos factos, colega de trabalho dos arguidos, sendo editora no jornal “C…”.
Tal testemunha confirmou que contactava todos os dias com a arguida, tendo recebido, à data, a informação transmitida por aquela, bem como a sua fonte e, após, falou com o respectivo director.
A referida testemunha, confrontada, com a questão de saber se a notícia tinha sido confirmada, referiu que acha que a 1ª arguida só falou com o Sr. D….
- J…, jornalista e, à data dos factos, colega de trabalho dos arguidos, sendo editora no jornal “C…”
Tal testemunha confirmou que, tendo recebido a história transmitida pela arguida, após falaram com o respectivo director, o qual autorizou a publicação.
- AB… (jornalista) e AC… (jornalista), os quais se pronunciaram sobre o arguido, B…, na sua vertente profissional.
- K…, jornalista, o qual, à data dos factos, trabalhou no jornal “C…”, sendo, na altura, chefe de redacção.
Tal testemunha confirmou que esteve na reunião de fecho, juntamente com o arguido, B…, à data director do referido jornal, tendo este autorizado a publicação da notícia.
A referida testemunha referiu que, após um comunicado do assistente, ficaram preocupados, sendo que não conseguiu esclarecer se, após tal comunicado, existiu ou não alguma notícia a desmentir o que foi noticiado, por parte do referido jornal.
Finalmente, ponderou-se o teor dos documentos de fls. 17 (jornal), 40 a 48 (fotografias), 432 a 434 (recibos), 451 (declaração) e 452 (declaração).
No que toca à situação pessoal e profissional dos arguidos e aos seus antecedentes criminais, atendeu-se ao teor das suas declarações, em audiência de julgamento, e ao teor dos documentos de fls. 376 a 379 (CRCs).
Relativamente aos factos não provados, a convicção negativa assentou na circunstância de não ter sido feita qualquer prova que convencesse, sem margem para dúvidas, da verificação dos facos não provados.

III. 3. Apreciemos as questões suscitadas, naturalmente, pela ordem da sua precedência lógica.

III. 3. 1. Não sem antes se fazer referência ao facto de que esta decisão surge na sequência de este Tribunal ter decidido decretar a nulidade da que fora proferida anteriormente, com base na omissão de pronúncia sobre as causas de justificação previstas no artigo 180º/2 C Penal e na falta de análise crítica da prova sobre o julgamento firmado sobre factos alegados na mesma sede pelo arguido, a fim de ser a mesma reformada em conformidade com o exposto e, concretamente com a análise crítica - reportada aos factos a que se dirigem - das provas que foram produzidas com vista à comprovação de determinados factos, que afinal, sem justificação, alguma vieram a ser julgados como não provados, por um lado e, por outro quanto à pronúncia sobre as apontadas questões de Direito suscitadas na contestação.

Isto porque se havia considerado que, “o arguido alegara na sua contestação, a partir do artigo 46, factos e matéria de Direito, donde conclui que a sua actuação se enquadra na causa de justificação geral, do exercício do direito de informar, donde a sua não punição, por força do estatuído no artigo 31.º/1 e a alíneas b) e c) C Penal e, por outro lado, ainda, na causa de justificação particular e específica do n.º 2 do artigo 180º C Penal, sendo que sobre aquelas precisas e concretas causas de justificação, o tribunal não se pronunciou, tendo-se deixado expressamente consagrado que não resultaram como provados alguns dos factos com relevância para a apreciação das mesmas, sem que se saiba – rigorosamente – porquê, tendo-se considerado, de resto, que esta omissão surgia na sequência do facto de que aquando da análise crítica da prova não se ter deixado, de todo, justificado porque é que se não concedeu credibilidade à versão trazida pelo arguido consubstanciada no que foi dito, em concreto:
1. pela jornalista - teve como fonte o Sr. D…, a quem a arguida se tinha dirigido a pedido da sua editora, I…, com vista a colher informações sobre a situação do referido casal, M… e E…;
não conseguiu confirmar a verdade dos factos junto de qualquer dos elementos do casal, apesar de ter tentado;
2. pelo próprio arguido - teve conhecimento prévio da notícia publicada, e forma da publicação, bem como de todo o circunstancialismo que a rodeou, tendo autorizado a publicação da referida notícia, pois, segundo disse, “não duvidei dos meus jornalistas” e “aceitei de boa-fé o que me foi transmitido”;
3. pelas testemunhas de defesa”,
3. 1. I…, colega de trabalho dos arguidos, sendo editora no jornal “C…” – contactava todos os dias com a arguida, tendo recebido, à data, a informação transmitida por aquela, bem como a sua fonte e, após, falou com o respectivo director;
sobre a questão de saber se a notícia tinha sido confirmada, referiu que acha que a 1ª arguida só falou com o Sr. D…;
3. 2. J…, jornalista e, à data dos factos, colega de trabalho dos arguidos, sendo editora no jornal “C…” - recebeu a história transmitida pela arguida, após falaram com o respectivo director, o qual autorizou a publicação,
4. bem como do que resulta em concreto das edições do G… e do H…, designadamente no confronto com a finalidade com que foram juntas – o reconhecimento da qualidade de porta voz, por parte do Sr. D…,
no entendimento de que,
da leitura da decisão recorrida, não se consegue saber, sequer descortinar, qual foi o raciocínio lógico que levou ao julgamento como não provados dos factos reportados aos depoimentos, declarações e documentos apontados – que afinal o arguido - entre outros - tem por erradamente julgados.
Pois que, “compulsada a fundamentação vemos que nem uma palavra, uma só referência, mediata ou imediata, consta a propósito do afastamento, indesmentível, afinal, da credibilidade dos meios de prova produzidos relativamente a tal concreta e precisa factualidade e atinentes questões jurídicas. O Tribunal não fornece qualquer subsídio expresso ou implícito, que nos permita entender ou perceber qual foi o seu raciocínio no julgamento de tais factos, que constitui, ademais, como vimos já, materialidade impugnada pelo arguido. Esta absoluta não fundamentação (e, não, seguramente, por receio de que de outra forma, pudesse ser catalogada de fastidiosa), não respeita o determinado na lei, havendo, assim, manifesta violação da norma contida no artigo 374º/2 C P Penal.
Com efeito se o arguido alega factos tendentes a demonstrar a verificação das apontadas causas de justificação e, se vem a decidir pela não verificação de alguns dos factos, sem que depois, em termos de fundamentação de Direito, se afaste, se mencione, sequer, o que quer que seja a propósito das invocadas questões de Direito, seria, então, necessário que a sentença indicasse, explicitasse, o processo de formação da sua convicção e a razão pela qual, sem mais, privilegiou a versão trazida pelo assistente e pela mulher, em detrimento da fornecida pelo arguido, o motivo pelo qual lhe mereceu mais credibilidade determinado meio de prova, relativamente a outros – os acima apontados - sem o que se não pode garantir que na decisão se tenha seguido em matéria de apreciação da prova, um processo lógico e racional. O exame crítico da prova, exige, desde logo, avaliação, apreciação, reflexão, com detalhe e pormenor, onde apenas existe silêncio”.

Reformada a sentença, sem dúvida que se colmatou a primeira das apontadas faltas, tendo-se passado a conhecer da causa de justificação alegada pelo arguido, tendo-se julgado que a mesma se não verificava.
Já quanto à questão da análise crítica, o Tribunal não teve o mesmo procedimento.
Com efeito.
Aquando da análise crítica em relação à precedente decisão, apenas se procedeu a algumas alterações de pormenor, no tocante à redacção, sem qualquer influência, sem qualquer aditamento, esclarecimento, ao anteriormente explanado.
Assim.
Onde antes se dizia:
- “o assistente e tais testemunhas prestaram, respectivamente, declarações e depoimentos de forma clara, precisa e isenta, razão porque mereceram a credibilidade deste Tribunal”, passou a constar que, “o assistente e tais testemunhas demonstraram ter conhecimento e estarem recordados dos factos a que se alude nos presentes autos. Prestaram, respectivamente, declarações e depoimentos esclarecedores, precisos e isentos, razão porque mereceram a credibilidade deste Tribunal e se conferiu maior credibilidade à versão trazida aos autos pelo assistente” e,
- “relativamente aos factos não provados, atendeu-se a que ninguém depôs sobre os mesmos, com certeza e seriedade, por forma a influenciar a convicção do Tribunal”, passou a constar “relativamente aos factos não provados, a convicção negativa assentou na circunstância de não ter sido feita qualquer prova que convencesse, sem margem para dúvidas, da verificação dos factos não provados”.

Isto é, se não se sabia, rigorosamente, a razão pela qual se julgou como não provados determinados factos alegados na contestação, a propósito da verificação da causa de justificação geral, do exercício do direito de informar, donde a sua não punição, por força do estatuído no artigo 31.º/1 e a alíneas b) e c) C Penal e, por outro lado, ainda, na causa de justificação particular e específica do n.º 2 do artigo 180º C Penal, uma vez que na análise crítica da prova não se deixou, de todo, justificado porque é que se não concedeu credibilidade à versão trazida pelo arguido consubstanciada no que foi dito, em concreto:
1. pela jornalista - teve como fonte o Sr. D…, a quem a arguida se tinha dirigido a pedido da sua editora, I…, com vista a colher informações sobre a situação do referido casal, M… e E…;
não conseguiu confirmar a verdade dos factos junto de qualquer dos elementos do casal, apesar de ter tentado;
2. pelo próprio arguido - teve conhecimento prévio da notícia publicada, e forma da publicação, bem como de todo o circunstancialismo que a rodeou, tendo autorizado a publicação da referida notícia, pois, segundo disse, “ não duvidei dos meus jornalistas” e “ aceitei de boa-fé o que me foi transmitido“;
3. pelas testemunhas de defesa”,
3. 1. I…, colega de trabalho dos arguidos, sendo editora no jornal “C…” – contactava todos os dias com a arguida, tendo recebido, à data, a informação transmitida por aquela, bem como a sua fonte e, após, falou com o respectivo director;
sobre a questão de saber se a notícia tinha sido confirmada, referiu que acha que a 1ª arguida só falou com o Sr. D…;
3. 2. J…, jornalista e, à data dos factos, colega de trabalho dos arguidos, sendo editora no jornal “C…” - recebeu a história transmitida pela arguida, após falaram com o respectivo director, o qual autorizou a publicação,
4. bem como do que resulta em concreto das edições do G… e do H…, designadamente no confronto com a finalidade com que foram juntas – o reconhecimento da qualidade de porta voz, por parte do Sr. D…,
há que afirmar, sem qualquer rebuço, que as apontadas alterações, não são de molde, não têm a virtualidade - nem a sua introdução teve tal propósito – a que se tenha, depois do alerta, agora ficado a saber, a perscrutar, sequer descortinar, qual foi o raciocínio lógico que levou ao julgamento como não provados dos factos reportados aos depoimentos, declarações e documentos apontados – que afinal o arguido - entre outros - tem por erradamente julgados.
A decisão recorrida continua a não fornecer qualquer subsídio expresso ou implícito, que nos permita entender ou perceber qual foi o seu raciocínio no julgamento de tais factos, que constitui, ademais, como vimos já, materialidade impugnada pelo arguido.
Continua a falar a indicação, a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal e a razão pela qual, sem mais, privilegiou a versão trazida pelo assistente e pela mulher, em detrimento da fornecida pelo arguido, o motivo pelo qual lhe mereceu mais credibilidade determinado meio de prova, relativamente a outros – os acima apontados - sem o que se não pode garantir que na decisão se tenha seguido em matéria de apreciação da prova, um processo lógico e racional.

Adiante - no pressuposto de que se agora se não fez, não foi porque se não soubesse fazer, ou soubesse que tinha que se fazer apenas pode ter sido, tão só, pela prosaica razão, de que não há mais nada a acrescentar, no sentido de contribuir para o esclarecimento do sentido da decisão, no confronto entre o que, de inconciliável, foi dito por uns e por outros.

III. 3. 2. Erros de julgamento.

III. 3. 2. 1. A questão suscitada pelo recorrente tem subjacente o controlo sobre a admissibilidade e valoração dos meios de prova de que depende em última análise, a fixação dos factos materiais da causa.
No entanto, precedentemente a avançarmos na consideração mais aprofundada desta temática, justifica-se fazer um breve parêntesis aos poderes conferidos às Relações em termos de modificação da matéria de facto apurada em 1.ª instância. É que não se tratam, como à primeira vista poderia resultar de uma leitura mais imediata dos correspondentes preceitos processuais, de poderes que traduzam um conhecimento ilimitado dessa mesma factualidade.
Para isso concorre, essencialmente, a concepção adoptada no nosso ordenamento adjectivo que concebe os recursos como “remédio jurídico” para os vícios de julgamento, ou se se quiser, o seu entendimento como juízos de censura crítica e não como “novos julgamentos”, bem como ainda, as decorrências do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C P Penal e bem assim o natural privilegiamento que compreensivelmente se há-de conferir à decisão que foi proferida numa relação de maior imediação e proximidade com a sua própria produção.

Havendo versões diferentes e mesmo antagónicas sobre os factos, inexistindo a possibilidade de a final se chegar a uma solução intermédia, pois que ambas as teses em confronto, mutuamente se excluem, apenas uma delas se poderá ter como “verdadeira”, entendendo-se por esta expressão, uma versão processualmente estabelecível por meios probatórios válidos.

Por via de regra, o tribunal de recurso não vai à procura de uma convicção autónoma fundada na sua própria interpretação da prova, mas antes verificar se a factualidade definida na decisão em apreciação se mostra adequadamente ancorada na análise crítica efectuada das provas.
Da mesma maneira, a alteração solicitada em recurso de um qualquer facto só é de proceder, quando de forma clara e convincente o juízo alternativo apresentado sobre a sua definição como provado ou não provado, evidencie o seu melhor fundamento em relação ao apresentado pela instância.

A circunstância de o tribunal, perante duas versões distintas, dar crédito a uma em detrimento da outra, tem a ver com o exercício do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C P Penal, segundo o qual o julgador deve proceder à avaliação e ponderação dos meios de prova sem vinculação a um quadro pré-definido de valoração das provas, sujeito apenas às regras da experiência comum e ao dever de dar explicação concisa das razões da relevância atribuída à cada prova e do percurso racional que levou à decisão tomada.

Se assim é, se o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, não pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzida, mas tão-só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, estamos perante uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância.
Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível).

De resto, a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, pode vir a transformar o julgamento na 2ª instância, num jogo de palavras vazio do pulsar da vida, da percepção dos sentidos e sentimentos.
Na verdade, não podemos esquecer que, ao apreciar a matéria de facto, o Tribunal da 2ª instância está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo, aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão.

Apreciemos então, o que afinal se reconduz, a uma diversa valoração do sentido da prova pessoal produzida.
A este propósito convém, então, referir que, nos termos do artigo 127º C P Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A maior parte das vezes, os recursos, quanto a esta concreta questão, de impugnação da credibilidade dos elementos de prova, demonstram um evidente equívoco - o da pretensão de equivalência entre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e o exercício, juridicamente ilegítimo, por irrelevante, do que corresponde ao princípio da livre apreciação da prova, exercício este que, para ser legítimo, logo juridicamente relevante, por imposição do artigo 127º C P Penal, somente ao tribunal, entidade competente, notoriamente, incumbe.
Não pode é, a convicção do recorrente sobrepor-se à do julgador.
À pergunta sobre o que significa, negativa e positivamente, a livre apreciação da prova, ou, o que é o mesmo, valoração discricionária ou valoração da prova segundo a livre convicção do julgador, responde o Prof. Figueiredo Dias, “(…) significa, negativamente, ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova; mas qual o seu significado positivo? Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma motivação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida; se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionaridade (como já dissemos que a tem toda a discricionaridade jurídica) os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo, possa embora a lei renunciar à motivação e o controlo efectivos”. [1]
“Livre apreciação da prova não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objectivável e motivável; já se vê, assim, que sendo a dúvida que legitima a aplicação do princípio in dubio pro reo, obviamente, a que obsta à convicção do juiz, tal dúvida não pode ser puramente subjectiva, antes tem de, igualmente, revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável”. [2]
“Embora os meios de prova produzidos não estejam sujeitos a qualquer regime de prova legal, mas antes à livre apreciação do tribunal, artigo 127º C P Penal, a verdade é que livre apreciação não significa pura convicção subjectiva, mas sim “convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. E uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável; não se tratará, pois, de uma mera opção voluntarista pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos à posteriori tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”. [3]

III. 3. 2. 2. Entende o arguido que não há prova bastante nos autos que permitisse a sua condenação e, por outro lado, foi produzida prova que impunha decisão diversa, pelo que houve erro na apreciação da prova produzida.
Assim,
a) errou o Tribunal ao dar como provado que,
25) o arguido director podia e devia ter obstado a que a ­notícia fosse publicada;
30) agiu de forma consciente, visando o resultado que logrou alcançar, tendo em vista o lucro e o aumento das vendas, ainda que com prejuízo para o assistente;
31) tinha ­também total consciência da ilicitude da sua conduta, uma vez que, exercendo um cargo de direcção no periódico, não pode legitimamente ignorar os limites da sua actuação
36) representou como possível que a notícia fosse falsa, com o que se conformou, ciente da injuricidade da sua conduta, pois bem sabia que a mesma era proibida e punida por lei e,
41) a peça jornalística do interior, páginas 4 e 5, teve como fonte o Sr. D….

Defende o arguido, que, quer, a prova produzida, testemunhal, quer, a documental, conduzem necessariamente a sentido diametralmente oposto ao decidido.
Com efeito.
1. Resulta que o Sr. D… era agente/porta-voz/assessor da Sra. C…,
- pois a arguida F… juntou com a sua contestação, notícias do "G…" e do “H…”, das quais resulta que sempre agiu o mesmo na qualidade de porta-voz ou assessor daquela, falando, amiúde, pela própria;
era, assim, tido pela imprensa como exercendo aquelas funções, havendo a confiança generalizada, após anos e anos de trabalho de relações comuns;
isto não obstante, o assistente e a referida C… terem vindo, em julgamento, negar tal facto – o que dados os contornos do caso não constitui surpresa e, pelo facto de serem partes interessadas na causa, o Tribunal deveria ter desconsiderado tais declarações, inverosímeis, desde logo;
em detrimento da apontada prova documental, bem como da prova testemunhal, que se mostrou totalmente isenta e verdadeira:
- as testemunhas I…, ao tempo editora da arguida jornalista, que disse que,
falava todos os dias com a arguida F… - que redigiu a notícia - e que lhe disse, a propósito da mesma que tinha falado com o D…, que dizia que era assessor da D…, o que esta também confirmava; era ele que fazia o contacto com a imprensa e falava como agente dela, porque deu a voz por ela várias vezes e, até ali tinha sido uma fonte credível, não tinha havido problemas até então;
- J…, também, ela, editora da arguida jornalista, que disse que,
Sabia pela F… que o Sr. C… era o porta-voz de todos os assuntos relacionados com a Sr. E…, era fonte habitual do jornal e que publicara a notícia por acreditaram na fonte e na F…, acima de tudo;
- K…, chefe de redacção do jornal, que disse que,
o jornal acompanhou mais ou menos a separação do Sr. M… e da Sra. E… e lembra-se que na ocasião eles tinham um relações públicas que era um D…, que falava em nome do casal e dava algumas informações.
Assim e tendo presente o facto provado em 41. – a peça teve como fonte o D… - esta prova impunha que o Tribunal tivesse julgado como provado que a fonte era agente/porta-voz/assessor da Sra. E…, (se não mesmo do próprio casal) sendo por isso fonte credível da visada e do próprio assistente.

2. Por outro lado, não podia o Tribunal ter dado como provado que, com a sua conduta, o recorrente teve "em vista o lucro e o aumento das vendas», conforme plasmou no ponto 30) dos Factos Provados, já que não houve um único elemento de prova nesse sentido.

B) Por outro lado, devia, ter-se julgado como provado que,
o referido Sr. D… era agente da Sra. E…, sendo, por isso, uma fonte credível, à data, para assuntos da visada e do próprio assistente;
foi a informação prestada pela 1.ª arguida jornalista que fez o arguido acreditar na veracidade dos factos narrados, que publicou por ter ficado convencido que narrava factos verdadeiros, e que, por isso mesmo, veio a noticiar;
o 2.º arguido foi informado pela jornalista autora que tinha obtido confirmação de fonte segura (pessoa próxima do casal) de que os factos se tinham passado consoante foram noticiados;
foi garantido ao 2.º arguido que a fonte contactada merecia a máxima credibilidade dado que era pessoa ligada ao casal quem lho tinha revelado;
lhe foi dito pela mesma que sim, que tinha contactado por diversas vezes com a fonte e que esta lhe garantira que tudo era verdade e que todas as declarações prestadas e constantes no artigo reproduziam fielmente o que a fonte pretendera dizer;
face ao relato e testemunho colhido, o arguido não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos factos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar, sequer, que pudesse estar a publicar uma qualquer falsidade, acreditando em boa fé que o que publicava era absolutamente verdadeiro;
o 2.º arguido ficou então, ao longo da investigação que pediu sobre esta temática, profundamente convencido da veracidade dos factos noticiados por ter tido acesso a sua jornalista a uma fone ligada ao caso e merecedora do máximo crédito;
o 2.º arguido, com a publicação da notícia, apenas agiu com o propósito de informar e, no exercício do direito constitucional à informação, sendo certo que estava (como está) absolutamente convicto da verdade dos factos.

O que resulta, igualmente, de forma inequívoca, dos depoimentos, concordantes, das apontadas testemunhas:
- I…, que veio dizer ao Tribunal que a informação recebida foi transmitida por si ao recorrente, a quem disse que tinha falado com a jornalista do Porto que lhe tinha transmitido a informação e que ele concordou em publicar, porque consideraram que a notícia era credível;
não tendo restado qualquer dúvida - caso contrário, não seria publicada;
“a partir de que a notícia seja credível, a jornalista confirma a fonte, eles próprios confirmaram a fonte, então não havia razão para não publicar a notícia;

- J…, que disse que,
acreditou que a jornalista dizia a verdade e que, da mesma forma, a fonte dizia a verdade;
não era a primeira vez que a F… fazia trabalhos para a redacção e se ela trazia uma história e confiava nas suas fontes, eles, que também, conheciam a fonte, não tinham porque colocar em causa a verdade do que a E… estava a escrever;
se foi publicado foi porque acreditaram na história, de outra forma não publicavam;
- K… que disse que,
pelo que se recorda, havia um Sr. que era o Sr. D… que era assessor, pensa que do casal – lembra-se até que houve uma notícia de que o Sr. M… tinha sido internado no Hospital … e acha que foi esse Sr. que veio desmentir em nome do casal;
quando as notícias vinha da fonte A ou B confirmavam até porque o Sr. D… era assessor do casal e na altura, recorda-se de ter falado com a E… e de ela ter dito que fora ele que tinha dado a informação;
se lhes passasse pela cabeça que os factos não eram verdadeiros, que podiam não ser exactos, que havia alguma dúvida, então não tinham publicado.

C) Daqui conclui o arguido que resulta da prova produzida em audiência que, enquanto Director não podia ser condenado pela prática do crime imputado, na medida em que os factos relatados não foram inventados, antes correspondendo às informações que a jornalista recolheu;
ficou provado que foi em virtude da informação prestada pela arguida jornalista que este acreditou na veracidade dos factos narrados, que publicou por ter ficado convencido que narrava factos verdadeiros, e que, por isso mesmo, veio a noticiar;
ficou demonstrado que foi informado pela jornalista que tinha obtido confirmação de fonte segura – pessoa próxima do casal – de que os factos se tinham passado consoante foram noticiados, ié., que o assistente tinha mesmo saído da casa de família e retirado os bens que compunham o seu recheio e que só tinha deixado a cama;
foi-lhe garantido que a fonte contactada merecia a máxima credibilidade dado que tinha sido o próprio assessor de E…, ou do casal, (como algumas testemunhas e as notícia do “G…” e do “H…” referenciaram) quem o tinha revelado à jornalista;
tudo se tratando, de factos e situações levadas ao seu conhecimento como verdadeiros;
a Direcção falou com a jornalista e esta informou que tinha contactado a fonte, que lhe merecia credibilidade e que tudo era verdade;
daí que as editoras da jornalista, o chefe de redacção e o Director tenham acreditado nela e em como a informação transmitida era fidedigna;
face ao relato e testemunho colhido, não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos factos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar sequer, que pudesse estar a publicar uma ou qualquer falsidade, acreditando em boa fé que o que publicava era absolutamente verdadeiro;
e se assim é, não se pode ter como provado que tenha agido com intenção de diminuir o assistente na sua honra e consideração, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, porque apenas procurou e quis fazer uma notícia sobre factos que importava conhecer;
resultando, assim, demonstrado que agiu motivado apenas por razões de interesse público e por aquilo que estava convicto – por lhe ter sido garantido – ser a verdade dos factos e vir de fonte credível;
a permitir a conclusão de que agiu exclusivamente motivado pelo que acreditava ser o dever e direito de informar, e só tendo nisso pensado, e sem qualquer propósito de ofender ou difamar o assistente, situação que não prefigurou.
Da prova pessoal e documental – desconsiderada, sem que se vislumbrem razões objectivas para ser desmerecida – produzida, o Tribunal devia ter retirado conclusão diversa da que afirmou, ié., que o arguido agiu sem consciência de que podia atingir a honra da assistente, sem dolo, pois que se o tivesse previsto não teria publicado a notícia nos termos em que o fez.
Não se vislumbrando, de resto, em que bases se apoiou o Tribunal para retirar as ilações que retirou, sendo, pelo contrário, a leitura que vem de fazer, aquela que resulta da prova produzida e, ao contrário do que se refere o jornal não carecia de confirmar a história com os visados da notícia, porquanto a fonte os representava – era a boca, senão do casal, pelo menos de E…, era o seu assessor.
Em suma, considera que não se encontra provado – pelo que tem como incorrectamente julgado – que tenha praticado quaisquer actos que consubstanciem os elementos típicos do crime de difamação, resultando tal conclusão de todos os elementos probatórios concatenados que constituem os autos.

III. 3. 2. 3. Apreciando.

Em relação ao que vem tido como provado.

Julgar como provado que,
i) o arguido director podia e devia ter obstado a que a notícia fosse publicada;
ii) agiu de forma consciente, visando o resultado que logrou alcançar, tendo em vista o lucro e o aumento das vendas, ainda que com prejuízo para o assistente;
iii) tinha também total consciência da ilicitude da sua conduta, uma vez que, exercendo um cargo de direcção no periódico, não pode legitimamente ignorar os limites da sua actuação;
iv) representou como possível que a notícia fosse falsa, com o que se conformou, ciente da injuricidade da sua conduta, pois bem sabia que a mesma era proibida e punida por lei;

com base, na prova produzida, a saber:

- declarações da arguida, que disse que,
foi quem redigiu a noticia, mas somente o corpo da mesma constante da páginas 4 e 5, sendo que tudo o resto foi da responsabilidade da direcção do jornal, sediada em Lisboa,
à data, era avençada do jornal “C…” e vivia no Porto, sendo que a peça jornalística do interior, teve como fonte o Sr. D…, a quem a arguida se tinha dirigido a pedido da sua editora, I…, com vista a colher informações sobre a situação do referido casal, M… e E…,
que não conseguiu confirmar a verdade dos factos junto de qualquer dos elementos do casal, apesar de ter tentado;
- declarações do arguido, que disse que,
à data dos factos, era o director do jornal “C…” e que, nesse dia, estava de serviço e teve conhecimento prévio da notícia publicada, e forma da publicação, bem como de todo o circunstancialismo que a rodeou, tendo autorizado a publicação da referida notícia, pois, segundo disse, “não duvidei dos meus jornalistas” e “aceitei de boa-fé o que me foi transmitido”;
- declarações do assistente que disse que,
que teve conhecimento da referida notícia no próprio dia 4.5.2010, data da publicação do jornal, através de telefonemas que lhe foram efectuados por amigos, tendo comprado, por isso, tal jornal;
ao ler a notícia a que se alude nos autos e constante do jornal “C…”, ficou indignado e muito ofendido, pois o que lá constava era totalmente falso,
pediu a amigos para irem a sua casa para depois poderem testemunhar que o relatado no referido jornal era totalmente falso;
o referido Sr. D… não era porta-voz do casal e que não foi contactado por ninguém, designadamente pela arguida, tendo em vista confirmar o que veio a ser noticiado;
- depoimentos das testemunhas, que disseram que foram a casa do assistente, no dia da publicação da notícia e que viram que a mesma ostentava o recheio normal,
T…,
U…,
V…,
W…,
X…,
Y…,
Z…;
- depoimento da testemunha, de defesa, E…, que disse que,
o que consta da notícia não é verdade e que o Sr. D… não era o porta-voz do casal;
- depoimento de I…, jornalista e, à data dos factos, colega de trabalho dos arguidos, sendo editora no jornal “C…”, que disse que,
contactava todos os dias com a arguida, tendo recebido, à data, a informação transmitida por aquela, bem como a sua fonte e, após, falou com o respectivo director;
confrontada, com a questão de saber se a notícia tinha sido confirmada, referiu que acha que a 1ª arguida só falou com o Sr. D…;
- depoimento de J…, jornalista e, à data dos factos, colega de trabalho dos arguidos, sendo editora no jornal “C…”, que disse que,
tendo recebido a história transmitida pela arguida, após falaram com o respectivo director, o qual autorizou a publicação;
- depoimento de K…, jornalista, o qual, à data dos factos, trabalhou no jornal “C…”, sendo, na altura, chefe de redacção, que disse que,
esteve na reunião de fecho, juntamente com o arguido, B…, à data director do referido jornal, tendo este autorizado a publicação da notícia;
após um comunicado do assistente, ficaram preocupados, sendo que não conseguiu esclarecer se, após tal comunicado, existiu ou não alguma notícia a desmentir o que foi noticiado, por parte do referido jornal.

não evidencia qualquer erro de julgamento, em relação aos factos de que,
i) o arguido director podia e devia ter obstado a que a notícia fosse publicada;
ii) agiu de forma consciente, visando, naturalmente, o lucro e o aumento das vendas, ainda que com prejuízo para o assistente;
iii) tinha também total consciência da ilicitude da sua conduta, uma vez que, exercendo um cargo de direcção no periódico, não pode legitimamente ignorar os limites da sua actuação;
iv) representou como possível que a notícia fosse falsa, com o que se conformou, ciente da injuricidade da sua conduta, pois bem sabia que a mesma era proibida e punida por lei.

Mas já não em relação aos factos de,
ii) que tenha alcançado o resultado visado.

Isto porque, se em abstracto, ou em termos funcionais, naturalmente, o arguido tinha o poder de impedir a publicação da notícia, no caso porque estava convencido pela arguida de que a notícia correspondia à verdade, nenhum fundamento tinha para em concreto, in casu, impedir a sua publicação, donde e, da mesma forma, dada a natureza da função que exercia, no topo da estrutura de responsabilidade, também, a inerente consciência da ilicitude, da antijuridicidade, do natural – derivado das regras da experiência comum - interesse no aumento de vendas do jornal e da actuação dolosa, no caso e nas circunstâncias apuradas.
E, indesmentivelmente tal resulta da globalidade da prova produzida:
a arguida contactou a pessoa que tinha como próxima do casal formado pelo assistente e pela testemunha E…, a pedido da editora I…, que lhe terá relatado os factos que posteriormente foram vertidos na notícia publicada, tentou contactar com o assistente e com a mulher, para tentar obter a confirmação, mas não conseguiu, convenceu o arguido, convenceu a editora da veracidade da notícia e da credibilidade da sua fonte.
Não cremos, de resto, resultar contradição – a não ser meramente aparente – entre o facto provado sob o n.º 18, “o assistente nunca foi contactado pela arguida” e o não provado “a arguida tentou o contacto com o assistente, que sempre se recusou a falar com o C…”. Isso porque, estamos perante realidades e dimensões diferentes, sendo que uma não exclui, necessariamente, a outra.

Se, como é certo,
a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum;
desde que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, se deve acolher a opção do julgador da 1ª instância,
então, não merece acolhimento, na generalidade, a crítica que é dirigida ao decidido, com excepção do segmento atinente ao ter-se alcançado o fim em vista – o aumento de vendas do jornal e do lucro da empresa proprietária.

Já, em relação ao restante, que na perspectiva do arguido se deveria ter tido como provado:
o referido Sr. D… era agente da Sra. E…, sendo, por isso, uma fonte credível, à data, para assuntos da visada e do próprio assistente;
foi a informação prestada pela arguida jornalista que fez o arguido acreditar na veracidade dos factos narrados, que publicou por ter ficado convencido que narrava factos verdadeiros, e que, por isso mesmo, veio a noticiar;
o arguido foi informado pela jornalista autora que tinha obtido confirmação de fonte segura (pessoa próxima do casal) de que os factos se tinham passado consoante foram noticiados;
foi garantido ao arguido que a fonte contactada merecia a máxima credibilidade dado que era pessoa ligada ao casal quem lho tinha revelado;
lhe foi dito pela mesma que sim, que tinha contactado por diversas vezes com a fonte e que esta lhe garantira que tudo era verdade e que todas as declarações prestadas e constantes no artigo reproduziam fielmente o que a fonte pretendera dizer;
face ao relato e testemunho colhido, o arguido não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos factos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar, sequer, que pudesse estar a publicar uma qualquer falsidade, acreditando em boa fé que o que publicava era absolutamente verdadeiro;
o arguido ficou então, ao longo da investigação que pediu sobre esta temática, profundamente convencido da veracidade dos factos noticiados por ter tido acesso a sua jornalista a uma fonte ligada ao caso e merecedora do máximo crédito;
o arguido, com a publicação da notícia, apenas agiu com o propósito de informar e, no exercício do direito constitucional à informação, sendo certo que estava (como está) absolutamente convicto da verdade dos factos.

Neste segmento cremos ter pertinência a crítica formulada pelo arguido.
Com efeito e, desde logo, a pedra de toque, a essência do que está na base da discussão.
Que o Sr. D… era agente/porta-voz/assessor da Sra. E…:
- a arguida F… juntou com a contestação, notícias do jornais G… e H…, das quais resulta que aquela personagem era tido e agia na qualidade de porta-voz ou assessor daquela, falando pela própria;
- as testemunhas I…, J… e K…, também o garantiram, esclarecendo adicionalmente que era fonte credível e habitual do jornal.
Depois, a informação dada ao arguido sobre a credibilidade da fonte:
- a testemunha I…, editora da jornalista, disse que a informação recebida foi transmitida por si ao arguido, e que a notícia estava confirmadíssima, que era verdadeira, e que havia fundamento para acreditar que a notícia era verdadeira, dado que todo o processo de investigação havia sido feito, tendo, dito, ainda que, o arguido ficou convencido da veracidade da notícia, porque “a jornalista confirma a fonte, nós confirmamos a fonte, não há razão para não publicar a notícia”;
- as testemunhas J… e K… que disseram, também, conhecer a fonte e que confiaram no trabalho da jornalista e que transmitiram ao arguido a convicção que tinham sobre veracidade da notícia e a confiança que depositavam na jornalista, tendo a certeza de que a história só foi publicada porque ficaram convencidos da verdade dos factos.

Assim.
Não cremos existir dúvida séria sobre a verificação, in casu, da seguinte realidade:
os factos relatados correspondem às informações que a jornalista recolheu, de fonte que tinha – ela e, outros órgãos de comunicação social - como fidedigna e não obstante ter tentado confirmar junto do casal, não conseguiu.
Foi em virtude da informação prestada pela arguida jornalista que o arguido acreditou na veracidade dos factos narrados, que publicou por ter ficado convencido que narrava factos verdadeiros, e que, por isso mesmo, veio a noticiar.
Face ao que lhe foi transmitido pela jornalista, o arguido não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos factos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar sequer, que pudesse estar a publicar uma ou qualquer falsidade, acreditando em boa fé que o que publicava era absolutamente verdadeiro.
Actuou, assim, motivado pelo que acreditava ser o dever e direito de informar.

Assim, neste segmento da impugnação – tendo presente decisivamente, o facto de estarmos perante um crime de perigo abstracto, não se exigindo dolo específico, por um lado, nem, por outro, a verificação do resultado, antes e tão só a aptidão dos factos para, no caso, ofender a honra e consideração do visado, certo é que, a par da actuação dolosa, a nível dos elementos emocional, intelectual e volitivo, no apurado contexto do julgamento acerca da matéria de facto será de alterar o decidido pela forma seguinte:

deve-se ter como:
- não provado:
“que se haja alcançado o objectivo de aumento do lucro com o aumento das vendas, com aquela edição do jornal”;
provado:
“o referido Sr. D… era agente da Sra. E…, sendo, por isso, uma fonte credível, à data, para assuntos da visada e do próprio assistente;
foi a informação prestada pela arguida jornalista que fez o arguido acreditar na veracidade dos factos narrados, que publicou por ter ficado convencido que narrava factos verdadeiros, e que, por isso mesmo, veio a noticiar;
o arguido foi informado pela jornalista autora que tinha obtido confirmação de fonte segura (pessoa próxima do casal) de que os factos se tinham passado consoante foram noticiados;
foi garantido ao arguido que a fonte contactada merecia a máxima credibilidade dado que era pessoa ligada ao casal quem lho tinha revelado;
lhe foi dito pela mesma que sim, que tinha contactado por diversas vezes com a fonte e que esta lhe garantira que tudo era verdade e que todas as declarações prestadas e constantes no artigo reproduziam fielmente o que a fonte pretendera dizer;
face ao relato e testemunho colhido, o arguido não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos factos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar, sequer, que pudesse estar a publicar uma qualquer falsidade, acreditando em boa fé que o que publicava era absolutamente verdadeiro;
o arguido ficou então, ao longo da investigação que pediu sobre esta temática, profundamente convencido da veracidade dos factos noticiados por ter tido acesso a sua jornalista a uma fonte ligada ao caso e merecedora do máximo crédito;
o arguido, com a publicação da notícia, apenas agiu com o propósito de informar e, no exercício do direito constitucional à informação, sendo certo que estava (como está) absolutamente convicto da verdade dos factos”.

III. 3. 3. A subsunção dos factos ao Direito.

III. 3. 3. 1. O enquadramento jurídico.

O artigo 180º C Penal, dispõe que:
nº. 1 “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”.
nº. 2 “a conduta não é punível quando”:
a) “a imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) “o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé a reputar de verdadeira”;
nº. 3 “sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do nº. 2 do artigo 31º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar de imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar”;
nº. 4 “a boa fé referida na alínea b) do nº. 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação”.

Nos termos do artigo 183º/2 C Penal, “se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias”.
Por sua vez a Lei de Imprensa, aprovada pela Lei 2/99 de 13 de Janeiro, dispõe no seu nº. 30º, que,
nº. 1 “a publicação de textos ou imagens através da imprensa que ofenda bens jurídicos penalmente protegidos é punida nos termos gerais, sem prejuízo do disposto na presente lei, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais”;
nº. 2 “sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa são punidos com as penas previstas na respectiva norma incriminatória, elevadas de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo”.
O artigo 31º dispõe que,
nº. 1 “sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitui a ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras”;
nº. 2 “nos casos de publicação não consentida, é autor do crime quem a tiver promovido”;
nº. 3 “o director, o director adjunto, o subdirector ou quem concretamente o substitua, assim, como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através de acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de 1/3 nos seus limites”.

III. 3. 3. 2. Os fundamentos da decisão recorrida.

Em sede de qualificação jurídico-penal dos factos expendeu-se aqui pela forma seguinte:
“como é sabido, a liberdade de expressão, como direito fundamental dos jornalistas e da imprensa, tem como único limite a esfera da honra do visado (cfr., neste sentido, Ac. da R.P. de 21.3.2007, Processo nº 0616761, em que foi Relator o Sr. Dr. Juiz Desembargador Guerra Banha, in www.gde.mj.pt).
O direito de liberdade de expressão e de informação não é, por isso, um direito absoluto.
O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade, devendo aqueles ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso.
Se a notícia é publicada sem que se tenham tomado todas as cautelas de cumprimento do dever de informação, impostas pelas circunstâncias do caso, sobre a verdade da imputação, alterando e ficcionando a existência de factos como se estes realmente se verificassem, existe crime de difamação com abuso de liberdade de imprensa (cfr., neste sentido, Ac. da R.P. de 8.3.2000, Processo nº 9911203, em que foi Relator o Sr. Dr. Juiz Desembargador Esteves Marques, in www.gde.mj.pt).
O conceito de “verdade jornalística” não tem que se traduzir numa verdade absoluta, pois, o que importa em definitivo é que a imprensa não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente (cfr., neste sentido, Ac. da R.P. de 10.10.2012, Processo nº 7133/09.6TAVNG.P1, em que foi Relator o Sr. Dr. Juiz Desembargador Augusto Lourenço, in www.gde.mj.pt).
Finalmente, importa referir que para que o director do jornal possa ser responsabilizado criminalmente é necessário que tenha conhecimento do escrito, que tenha possibilidade de se opor à sua publicação e que não se oponha através da acção adequada (cfr., neste sentido, Ac. da R.P. de 6.3.2002, Processo nº 0210097, em que foi Relator o Sr. Dr. Juiz Desembargador Esteves Marques, in www.gde.mj.pt).
Ora, tendo em consideração o exposto e analisando a factualidade provada, designadamente os factos 1º) a 36º), constata-se que, efectivamente, a arguida, F… e o arguido, B…, praticaram, em co-autoria, um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/2 C Penal, com referência aos artigos 30.º e 31.º/1 (arguida, F…) e 3 (arguido, B…) da Lei 2/99 de 13 de Janeiro (Lei da Imprensa), dado se encontrarem preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivo do referido tipo legal de crime de difamação agravada.
Com efeito, decorre de tal factualidade assente que, quer a arguida (enquanto redactora da notícia), quer o arguido, B… (enquanto director do jornal “C…”), no caso ora em apreço, não respeitaram as regras de cuidado subjacentes à actividade de comunicação social e que implicam que os profissionais do ramo, in casu, os referidos arguidos, cumpram escrupulosamente o dever de investigação em fontes idóneas e contraditadas, antes da publicação de qualquer declaração.
Portanto, recaía sobre tais arguidos, jornalista e director de um meio de comunicação social, um esforço sério e objectivo de avaliação sobre a credibilidade dos elementos recolhidos, o que não se verificou no caso, ora em apreço, tendo ambos agido de forma dolosa.
Acresce que, o arguido, B…, à data director do jornal “C…”, teve conhecimento da notícia, teve a possibilidade de se opor à sua publicação e, mesmo assim, não se opôs através da acção adequada, ou seja, impedindo a sua publicação.
Por outro lado, resulta dos autos que os factos noticiados e levados aos títulos eram falsos e não foram comunicados à imprensa pelos titulares do direito à privacidade, designadamente pelo assistente, sendo ainda certo que os referidos arguidos não cuidaram de estabelecer qualquer contacto com a suposta lesada, mulher do assistente, para confirmar a veracidade da notícia, o que se impunha em face dos princípios do jornalismo e do direito à informação, mesmo sendo o assistente uma figura pública.
Assim sendo, o teor da referida notícia é ofensivo do direito ao bom nome e reputação do assistente e a publicação da notícia não respeitou as regras de cuidado inerentes à actividade de imprensa e que impõem ao profissional o cuidadoso cumprimento de um dever de informação antes da publicação da notícia (cfr., a este propósito, “Comentário Conimbricence do Código Penal, 1ª edição, 623).
Portanto, não restam dúvidas que, efectivamente, a arguida, F… e o arguido, B…, praticaram, em co-autoria, um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/2 C Penal, com referência aos artigos 30.º e 31.º/1 (arguida, F…) e 3 (arguido, B…) da Lei 2/99 de 13 de Janeiro (Lei da Imprensa)”.
(…)
Questão que, nesta altura, se pode suscitar é a de saber se a actuação dos arguidos, F… e B…, se enquadra na causa de justificação geral, do exercício do direito de informar (cfr., artigo 31.° C Penal) e, por outro lado, ainda, na causa de justificação particular e específica do artigo 180.°/2 C Penal.
Ora, como é sabido, o artigo 26.°/1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra, entre os vários direitos de personalidade, o direito "ao bom nome e reputação" .
Tal direito consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação de outrem, e tal direito constitui um limite para outros direitos, com tutela constitucional, inclusive a liberdade de informação e de imprensa.
Assim, qualquer direito ou liberdade tem o seu próprio limite imanente, na medida em que a protecção constitucional não abrange todas as situações, formas ou modos de exercício pensáveis para cada um dos direitos (cfr., Vieira de Andrade, em "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", Almedina,1998).
O direito à liberdade de expressão (artigo 37.° da CRP) ou seja, o direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, o qual, não podendo ser sujeito a «impedimentos», conforme consta do n.º 1, parte final do artigo 37.° da CRP, não pode no entanto ser exercido sem limites porque há limites ao direito, vg. outros direitos constitucionais.
Em caso de colisão entre aquele direito de informar e os direitos inerentes à pessoa humana, deve dar-se prevalência a estes, por serem superiores (cfr., neste sentido, Ac. da R.L. de 17-1-2002, CJ, T. 1, pág. 134). Ou seja, a colisão de ambos conduz, em princípio, à necessidade de compressão daquele (cfr., a este propósito, Ac. da R.C. de 18-4-2001, CJ, II, 53).
Ora, no caso sub judice e face à factualidade provada, é, pois, nosso entendimento que o direito ao bom nome e reputação do assistente prevalece sobre o direito de informar por parte dos referidos arguidos, dado que aquele direito se mostra superior a este, pelo que o exercício do direito de informar não justifica o comportamento que os referidos arguidos assumiram no caso dos autos (cfr. artigo 31.° C Penal).
Mas será que a conduta dos arguidos se enquadra no disposto no n.º 2 do artigo 180.° C Penal?
Pensamos que não. Senão vejamos.
Nos termos previstos no n.º 2 do artigo 180.° C Penal, a conduta do difamador, prevenida no n.º 1, não é punível quando a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos, e b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
Estamos assim em presença de uma verdadeira e específica causa de justificação que, sendo embora de aplicação geral, tem um prevalecente âmbito de incidência no ponto de conflito entre o direito à honra e o direito a informar.
Para que se possa afirmar esta causa de justificação, é necessário que se verifiquem, cumulativamente, duas condições: a) a imputação de facto desonroso ser feita para realizar interesses legítimos e, para além disso, b) que o agente logre demonstrar a verdade da imputação tenha fundamento sério para a reputar verdadeira.
Importa, a respeito do referido artigo 180.°/2 C Penal, reter o seguinte:
para preencher a intencionalidade ínsita na alínea a) do n.º 2 do artigo 180.° C Penal, é necessário que se demonstre a prossecução de interesses legítimos.
Esta possibilidade de justificação tem de limitar-se à imprensa que cumpre uma função pública, como antes destacamos, uma actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, politica, económica, cultural. Só nestes domínios existe um interesse público no conhecimento e divulgação da notícia que concorre, de forma decisiva, para a correcta formação da opinião pública em áreas de indiscutível importância para a existência e evolução da comunidade social.
A realização de interesses legítimos, no quadro das ofensas à honra por meio da crónica jornalística, depende essencialmente do conteúdo da notícia, isto é, da circunstância de tal narração servir à consecução da função pública da imprensa.
A justificação jurídico-penal da conduta ofensiva da honra que se traduz na imputação de factos não depende, apenas, da realização de um interesse que se inclua na chamada função pública da imprensa - a lei impõe ainda que o agente prove a verdade da imputação ou que haja tido fundamento sério para em boa fé, a reputar verdadeira.
A boa fé não pode significar uma pura convicção subjectiva por parte do jornalista na veracidade dos factos, antes tem de assentar numa imprescindível dimensão objectiva. A boa fé está dependente do respeito das regras de cuidado inerentes à actividade de imprensa e que impõe ao profissional o cuidadoso cumprimento de um dever de informação antes da publicação da notícia.
Ora, no caso ora em apreço, como já se referiu atrás, o interesse que subjaz ao direito à liberdade de informação e à liberdade de expressão é inferior ao interesse que subjaz ao direito ao bom nome e reputação.
Por outro lado, ficou demonstrado que os factos noticiados eram totalmente falsos, sendo ainda certo que não ficou demonstrado pelos arguidos, designadamente pelo arguido, B…, que o mesmo tivesse fundamento sério para, em boa fé, reputar tal noticia como verdadeira.
Assim sendo, a actuação dos arguidos não se enquadra, também, na referida causa de justificação específica do n.º 2 do artigo 180.° C Penal”.

III. 3. 3. 3. Vejamos.

III. 3. 3. 3. 1. A tutela penal do direito ao bom nome e reputação, é nestes termos, assegurada pelo referido artigo 180.º, que prevê e pune o crime de difamação, bem como pelo artigo 181.º, ambos do C Penal, este último, que prevê e pune o crime de injúria, normas que na descrição dos respectivos tipos, utilizam a expressão “ofensivos da honra e consideração”.
O crime de difamação tutela o bem jurídico - pessoalíssimo e imaterial – da honra, assente na imputação indirecta de factos e juízos desonrosos. A difamação consiste na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou conduta que encerre em si uma reprovação ético-social, sendo ofensivos da honra e consideração do visado, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento da dignidade moral da pessoa por parte dos outros. A lei não exige o propósito de ofender a honra e consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém.
O tipo objectivo de difamação estará preenchido com a imputação de factos, palavras ou juízos desonrosos, desonestos ou vergonhosos, a par do dolo genérico, em qualquer uma das suas modalidades.
Em sentido amplo, o bom nome e reputação, incluem, enquanto síntese do apreço pelas qualidades determinantes da identidade de cada indivíduo e pelos valores pessoais adquiridos pelo mesmo, quer no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.
A honra é encarada numa perspectiva dual – normativa e fáctica – como bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior[4].
O direito ao bom nome e reputação “consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação”[5].
A honra constitui um “bem de personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso”[6].
”Só deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem, aquilo que, razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época, ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo, do mesmo modo que a circunstância de ser ou não injuriosa uma palavra depende, em grande parte, da opinião, dos hábitos, das crenças sociais”[7].
Segundo Nélson Hungria [8], a difamação “é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo ou vilipêndio contra alguém, dirigida ao visado”.
Ainda segundo o mesmo autor, “o bem jurídico lesado é, prevalentemente, a chamada honra subjectiva, isto é, o sentimento da própria honorabilidade ou a respeitabilidade pessoal”.
Por outro lado [9], "os valores jurídico-penais que o legislador quis proteger com a punição da difamação e com a injúria, foram a honra e a consideração de uma pessoa: “a honra diz respeito à estima, ao não desprezo moral por si próprio, que sente em geral qualquer pessoa", e a consideração, ao juízo do público, isto é, ao apreço ou não "desconsideração que os outros tenham por ele".
"A honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém, um bom elemento social, ou ao menos de o não julgar um valor negativo".
“O bem jurídico honra, traduz uma pretensão de respeito por parte dos outros, que decorre da dignidade humana. O seu conteúdo é constituído basicamente por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Sem a observância social desta condição não é possível à pessoa realizar os seus planos de vida e os seus ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervém. O bem jurídico constitucional assim delineado apresenta um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros; é, ao fim e ao cabo, uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade”. [10]

No fundo, o que está em causa é a pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros.
O bem jurídico assim delineado apresenta um lado individual - bom nome - e um lado social - a reputação ou consideração - fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa por parte dos outros.
O artigo 25º/1 da Constituição da República, dispõe que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável”.
Dispondo depois o artigo 26º que, “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de descriminação”
Por seu lado, estabelece o artigo 37º da Constituição da República, que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento por palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e ser informados, sem impedimentos ou discriminações”.
Por sua vez, o artigo 38º/1, estatui que “é garantida a liberdade de imprensa” o que implica nos termos do mesmo preceito “a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários.”
Por sua vez, o estatuto dos Jornalistas assinala que os jornalistas “devem respeitar escrupulosamente o rigor e objecividade da informação”, assim como “os limites ao exercício da liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da Lei”, cfr. alíneas b) e c) do artigo 1.º.
Ambos os direitos, merecem tutela e garantia constitucionais, enquanto direitos fundamentais das pessoas, inscritos na Constituição da República – ao mesmo nível hierárquico de tutela - no mesmo Título II – Direitos, liberdades e garantias - e Capítulo I – Direitos, liberdades e garantias pessoais – da Parte I.
“A liberdade de expressão deve considerar-se como uma manifestação essencial das sociedades democráticas e pluralistas, nas quais a crítica e a opinião livres contribuem para a igualdade e aperfeiçoamento dos cidadãos e instituições. Todavia direito fundamental de idêntico valor protege a integridade moral do cidadão, nomeadamente o seu nome e reputação”. [11]
Também, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, garante no seu artigo 10º/1, o direito de qualquer pessoa à liberdade de expressão, compreendendo a liberdade de opinião e de receber ou transmitir ideias, sem ingerências de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras, bem como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos protege, igualmente, tal direito, no seu artigo 19º/2.
Da mesma forma, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, consagra no seu artigo 19º, o direito dos indivíduos à liberdade de opinião e expressão, que implica o direito de procurar, receber, difundir informações por qualquer meio de expressão e sem consideração de fronteiras – direito, que, como se sabe está constitucionalizado via artigo 16.º da CRP, que dispõe no n.º 1, que, “os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional” e no n.º 2, que, “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”.
Qualquer um destes direitos, o direito ao bom nome e reputação, por um lado e, a liberdade de expressão e informação, por outro, merece ainda a tutela da lei ordinária, o primeiro na referida Lei 2/99, denominada de Lei de Imprensa e o segundo, no artigo 70º C Civil.
O artigo 3º da Lei 3/99 estabelece que “a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.”
O artigo 70º/1 C Civil, dispõe que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua integridade física ou moral”
O periódico onde foi publicada a notícia em causa é um meio de comunicação social, cujo fim, na sua essência, seria – porque entretanto cessou a sua publicação – o de contribuir para a informação do público.
No exercício da sua função e na prossecução de tal finalidade, naturalmente que tendo que ter presente, no Estado de Direito democrático, em que vivemos, a liberdade de expressão, pressuposto e inerente a uma informação livre, com a limitação de salvaguarda, sempre, dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
“Tão importante, assim, vem a ser assegurar o livre exercício dos direitos de informação e de livre expressão do pensamento, de que a liberdade de imprensa constitui modo qualificado”[12], enquanto “elemento imprescindível ao funcionamento e aperfeiçoamento das instituições democráticas”[13], “como garantir o respeito pelos demais direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, em que, em idêntico plano constitucional, se inclui a da dignidade humana, dos direitos à integridade moral e ao bom nome e reputação”[14].
A Constituição reconhece a existência de limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, bem como ao exercício do direito da liberdade da imprensa, preceituando, no artigo 37.º, n.º 3, que “as infracções cometidas no exercício destes direitos - de expressão e informação - ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei”.
Deste n.º 3 conclui-se, que a liberdade de expressão não é ilimitada, “há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento. A liberdade de expressão e de informação não pode efectivamente prevalecer sobre direitos fundamentais dos cidadãos ao bom nome e reputação, à sua integridade moral, à reserva da sua vida privada. Esses limites encontram-se concretizados na lei penal. A injúria e a difamação não podem reclamar-se de manifestações da liberdade de expressão ou informação”[15].
“O direito de liberdade de expressão e o direito à consideração e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, quando em confronto, devem sofrer limitações, de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e outro”[16].
Se, nos termos do artigo 18º/2 da Constituição da República, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, para resolver o conflito entre bens ou interesses de igual valor constitucional ter-se-á que obter a “harmonização” ou “concordância prática “do bens em colisão, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível.

Também, a CEDH, no artigo 10º/2 e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no artigo19º/3, consagram que a liberdade de expressão não é absoluta, sofrendo as restrições - necessárias à coexistência numa sociedade democrática – de outros direitos como os da honra e reputação das pessoas.
A própria Lei de Imprensa assume tais limites, ao dispor no seu artigo 3º, que, a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, por forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse e a ordem democrática.

A expressão liberdade de expressão tem longínquas raízes históricas, surpreendendo-se na Constituição dos EUA, o primeiro texto legal a referir-se claramente a tal liberdade, (a par da liberdade de imprensa), cfr. 1º Aditamento na Declaração de Direitos e Garantias (Bill of Rights), sendo, que ainda no ano de 1789 é formalmente consagrada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, emergente da Revolução Francesa, a ”livre comunicação dos pensamentos e das opiniões”, conquanto, logo aqui se previsse a responsabilização do cidadão pelos abusos da liberdade de falar, escrever e imprimir livremente.
São cada vez mais frequentes os conflitos entre o direito à honra, bom nome e reputação, por um lado, e o direito de expressão do pensamento, por outro, mormente num tempo de frequentes intromissões, na vida privada das pessoas, cada vez mais facilitadas, pelo progresso da ciência e da técnica e consequente avanço e modernização dos meios de comunicação social.
Mas numa sociedade democrática, a liberdade de expressão reveste a natureza de verdadeira garantia institucional, impondo por vezes, um recuo da tutela jurídico-penal da honra. Recuo, que tem que ser justificado por um correcto exercício da liberdade de expressão, aferido pelo interesse geral.

Rodrigues da Costa[17], distinguindo o “direito de crónica”, afim do direito de informação, do “direito de opinião e de crítica”, como expressões, todas elas, desdobradas da “liberdade de expressão”, no balanceamento que se posta no conflito entre a liberdade de imprensa (forma de veiculação qualificada da liberdade de expressão) e o direito à honra, assevera “que se a imprensa não deve na sua missão ter os direitos ilimitados que muitas vezes reclama, também a repressão da tutela da honra se não deve estender de molde a poder ficar aniquilada a mencionada liberdade e, aceitando situarem-se, aqueles direitos, no mesmo plano, defende que o direito à honra e consideração só pode ser sacrificado se, ofendido que seja pelo exercício da liberdade de imprensa, o acto ofensivo tiver sido justificado, ié. se tiver decorrido de uma causa justificativa fundada no quadro da função social e cultural assinalada à imprensa, respeitados que sejam os limites da necessidade, adequação e proporcionalidade”.
“Não se colocando a questão, tanto, na hierarquização dos dois direitos constitucionalmente consagrados”[18], o conflito concreto que surja entre ambos, deve ser decidido, num quadro de “coordenação, compatibilidade ou concordância prática em casos de confluência ou conflito devem considerar o efeito recíproco de mútuo condicionamento entre normas protectoras de diferentes bens jurídicos, que impõe a violação do núcleo essencial do direito ao bom nome de reputação, dificilmente poderá ser legitimada com base no exercício de um outro direito fundamental”[19].

“Na consideração do efeito recíproco de mútuo consentimento, a demonstração da existência de um interesse socialmente relevante - não estritamente político ou público - que justifique a conduta expressiva, constitui um elemento essencial de avaliação, uma vez que dadas as dimensões públicas do crédito e do bom nome, há que ponderar o impacto negativo efectivo da expressão nos bens jurídicos em presença, comparando-a com o impacto positivo das expressões na transparência e na verdade das relações sociais”[20].
“Tendo presente o carácter fragmentário e subsidiário do direito penal, que deve ser entendido como a última ratio da política social, será o critério constitucional da “necessidade social” que deve orientar o legislador na tarefa de determinar quais as situações em que a violação de um bem jurídico, justifica a intervenção do direito penal.
De resto, esta temática tem sido objecto de cada vez mais variadas decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, assim se construindo uma doutrina vinculante, artigos 1º e 46º, com decisivo relevo, a propósito da interpretação dos valores em causa e da compatibilidade entre liberdade de expressão e direito ao bom nome, reputação e imagem.
A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada pessoa. Sob reserva do parágrafo 2º do artigo 10º da CEDH, a liberdade de expressão vale não só para as informações ou ideias acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também, para aquelas que melindram, chocam ou inquietam. Assim é exigido pelo pluralismo, pela tolerância e espírito de abertura sem os quais não existe sociedade democrática. Como se prevê no referido parágrafo 2º, esta liberdade está sujeita a excepções que devem, contudo ser interpretadas restritivamente e a necessidade de qualquer restrição deve ser demonstrada convincentemente.
Estes princípios revestem particular importância para a imprensa. Se esta não deve ultrapassar os limites fixados em vista, nomeadamente, da protecção de reputação de outrem, incumbe-lhe contudo, transmitir informações e ideias sobre questões políticas bem como sobre outros temas de interesse geral. Quanto aos limites da crítica admissível, eles são mais amplos em relação a um homem político, agindo na sua qualidade de personagem pública, que um simples particular. O homem político expõe-se, inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus factos e gestos, tanto pelos jornalistas, como pela generalidade dos cidadãos e deve revelar uma maior tolerância sobretudo quando ele próprio profere declarações públicas susceptíveis de crítica. Certamente tem imperativos de protecção da sua reputação mesmo fora do âmbito da sua vida privada, mas os imperativos de tal protecção devem ser comparados com os interesses da livre discussão das questões políticas, impondo as excepções à liberdade de expressão, uma interpretação restritiva[21]”.
A liberdade do jornalista compreende também o recurso possível a uma certa dose de exagero ou mesmo, de provocação. Ao prever-se no referido parágrafo 2º do artigo 10º, a possibilidade de se submeter o exercício da liberdade de expressão a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, desde que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a protecção da honra ou dos direitos de outrem, pressupõe-se a existência de uma necessidade social imperiosa. Se os Estados gozam de uma certa margem de apreciação para julgar sobre a existência de uma tal necessidade, esta margem deve ser acompanhada por um controlo europeu, tendo o TEDH competência para estatuir em derradeira instância sobre a questão de saber se uma restrição, se concilia com a liberdade de expressão protegida no artigo 10º, já mencionado[22].
Compete a este Tribunal, que cada vez mais vai funcionando, como 4ª instância judicial, determinar se a ingerência criticada era proporcionada às finalidades legítimas prosseguidas e se os motivos invocados pelas autoridades nacionais para justificar essa ingerência, se mostram pertinentes e suficientes, tudo à luz das circunstâncias do caso concreto, onde se incluem as expressões em causa e o contexto em que foram produzidas[23].

Em síntese, sendo inevitável o conflito entre a liberdade de expressão, na mais ampla acepção do termo e o direito à honra e consideração, a solução do caso concreto, há-de ser encontrada através da “convivência democrática” desses mesmos direitos: ié. consoante as situações, assim haverá uma compressão maior ou menor de um ou outro.

III. 3. 3. 3. 2. Aproximação ao caso concreto.

Importa agora apreciar se o que foi escrito, no contexto em que o foi, podendo ser – como inelutavelmente, foi – considerado como ofensivo da honra e consideração do assistente, é intermediado por uma qualquer causa de justificação, geral ou específica, como o arguido defendeu, desde logo na contestação. Ou não, como, agora, se veio a entender na decisão recorrida.
Importa, assim, avaliar se se pode ou não, concluir por que o arguido actuou convicto da legalidade e necessidade da sua actuação, convencido que esse era o comportamento a que como Director do jornal estava obrigado e se o seu comportamento está coberto pela cláusula de exclusão prevista nos artigos 180°/2 e 31º alínea b), ambos do C Penal.

III. 3. 3. 3. 2. 1. Atentemos desde já nesta causa geral de justificação, consubstanciada no exercício de um direito, no caso, de informar.
O arguido actuou no papel de Director de um órgão de comunicação, escrito, que tem a cargo a responsabilidade de informar.
No binómio liberdade de expressão - direito à honra, na notícia em questão, o jornalista pode-se situar – ou não - no âmbito estrito do exercício da liberdade de expressão - inserido no domínio do direito fundamental de informação - que reconhecidamente, tem um papel essencial na vida pública num Estado de Direito e numa sociedade democrática e pluralista.
O exercício deste direito, tal como do direito de opinião e de crítica, que naturalmente, se exercem mediante o relato de factos e a emissão de juízos de valor, pode valer como causa justificativa, em termos penais, de quaisquer ofensas à honra que o exercício daqueles direitos seja, porventura, portador, tendo em consideração o dito princípio da ponderação de interesses, estando por isso excluída a ilicitude da conduta do arguido, artigo 31º/2 alínea b) C Penal.
Só que, como refere o Prof. Figueiredo Dias, Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português, in RLJ, 115.º, 170 e ss. “o direito fundamental de informação não cobrirá todo o âmbito de actividade da imprensa moderna.
Esta cumpre uma função pública, onde cabe toda a sua actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política, económica, cultural. Em todo este domínio a imprensa exerce o seu fundamental direito de informação e goza da inteira garantia jurídico-constitucional.
Mas já assim não sucederá quando a imprensa actua em domínios como os do simples entretenimento, da satisfação da mera curiosidade do leitor, na notícia de pura sensação, como também quando exerce actividades publicitárias e, como ainda, finalmente, quando trata da vida privada e familiar de “pessoas particulares” ou “anónimas”.
O que não quer dizer, naturalmente, que a actividade da imprensa em todos estes domínios não seja em princípio juridicamente lícita. Significa, tão só, que uma tal actividade já não cabe na função pública da imprensa e não pode, por isso, reivindicar-se de uma particular protecção fundada na garantia jurídico-constitucional do direito à informação.
Quando actua em domínios estranhos ao exercício do que se pode chamar a sua função pública, a imprensa não poderá esperar uma justificação mais lata ou compreensiva do que a que se daria perante qualquer ofensa à honra cometida por outro meio diferente da imprensa.
Devem aqui valer os princípios gerais do direito penal: a ofensa pode ser justificada através de qualquer causa geral de exclusão do ilícito ou até com apelo a cláusulas como a da adequação social - que frequentemente será fundado face a imputações ofensivas da honra de insignificante relevo ou gravidade.
O que não poderá é esperar-se aqui uma justificação de princípio através do recurso ao exercício do direito fundamental de informação.
De resto, nem no âmbito do direito fundamental de informação através da actividade dirigida à formação da opinião pública nos domínios social, político, económico e cultural, bastará que a ofensa à honra tenha tido lugar no seio dessa actividade para logo ter de se concluir, estar ela, sem mais, justificada – qualquer que seja a gravidade e a forma da ofensa e a verdade ou inverdade dos factos imputados.
O direito de informação define-se desde logo, antes de mais pelo seu conteúdo e pelas condições concretas do seu exercício. Nestes casos a justificação dependerá, por um lado, de o agente ter utilizado um meio racionalmente adequado ao exercício do direito e, por outro lado, de o concreto exercício corresponder ao sentido resultante dos princípios e normas que presidem à actividade respectiva”.

Donde, se a actuação do arguido é reportada no caso a uma temática que não se pode dizer estar inserida na cláusula de prossecução de interesses legítimos, inerente a uma actuação dentro da função pública de formação da opinião pública, em algum dos apontados vectores, não se pode ter como justificada pela circunstância do exercício de um direito, no caso, de informação.

O que não significa, desde logo, que se não possa entender que a actuação do arguido se inclua, ainda assim, na prossecução de interesse legítimos, fora daqueles domínios, tidos como estruturantes para a formação da opinião pública.

III. 3. 3. 3. 2. 2. Atentemos, então, na causa específica de justificação do artigo 180.º/2 C Penal.

Neste segmento, entende o arguido que não se valoraram, correctamente, as causas de justificação do n.º 2 do artigo 180.º C Penal.

A questão que se nos coloca, que importa dirimir prende-se, então, manifesta e inequivocamente, com o conflito de dois direitos, constitucionalmente consagrados e com idêntico valor: o direito ao bom nome e reputação do assistente, por um lado e o direito de liberdade de expressão e de informação, encabeçado aqui pelo arguido, na qualidade de Director do periódico onde foi publicado o escrito aqui em causa.
Tendo presente o que vem de ser dito, há que analisar o teor da notícia, de molde a apurar se a mesmo merece a censura jurídica-penal, pretendida pelo assistente e atingida na decisão recorrida.
Obviamente que jornalismo pressupõe seriedade, rigor e isenção.
A vida privada das personalidades interessa ao cidadão comum, não apenas por razões de mera coscuvelhice, mas porque, por um lado, tem reflexos na vida pública e nos cargos que ocupam e, por outro, pode buscar-se nelas um modelo de conduta.
Não deve contudo entender-se que toda a vida privada das personalidades é assimilável à sua vida pública. O sensacionalismo, a má fé e a caça à vida íntima, sem qualquer relação com o interesse social de informar, estão obviamente excluídos.
Isto, sem embargo de se reconhecer que o “muro da vida privada” é mais baixo para certas pessoas, porque o público tem um interesse legítimo em conhecê-las melhor do que outras. O domínio da vida privada restringe-se, do mesmo passo, que se alarga o das actividades públicas, especialmente quando adquiriram notoriedade.
Para assentarmos em que o teor da notícia teria a virtualidade de ser ofensiva da honra e consideração do assistente – mesmo sendo verdadeira – teríamos que saber – o que não resulta de forma inequívoca, da materialidade provada – desde logo, qual o regime de bens do casal, a quem pertencia a propriedade dos bens retirados, a questão da propriedade da própria casa e, se se trataria da casa de morada de família.
Questão que aqui não está em causa. Resultando, mesmo que era falsa, de resto.
O que coloca a questão, que aqui não releva, na relação inter-subjectiva, da responsabilidade da fonte, desde logo, perante o casal e principalmente, perante a então esposa do assistente e, depois perante a jornalista.
O assistente é reconhecidamente, uma figura pública com assídua e constante presença em todos os meios de comunicação social, nos últimos 30 anos, que se na origem teve a sua actividade profissional, enquanto Presidente de uma prestigiada colectividade desportiva – cargo que vem desempenhando, ininterruptamente durante aquele período de tempo – no entanto, rapidamente, se transmitiu ao segmento da sua vida particular, privada e, mesmo, íntima.
Figura que tem tanto de pública como de, frontal, controversa e polémica, com evidente e sedimentada exposição pública da sua vida, mesmo da privada, no tocante a relações pessoais afectivas e de proximidade.
Donde, a justificação do interesse da imprensa e da opinião pública, sobre tais matérias.
Não esqueçamos, que estamos no mundo da vida pública, a nível nacional, num País – desde logo, com 3 jornais desportivos – onde de uma forma geral os diversos meios de comunicação social, escrita, falada e vista, dá grande atenção, a tudo o que se passa com os agentes desportivos, mormente se relacionados com o mundo do futebol, assim contribuindo para formar, uma mole imensa de leitores, ouvintes ou espectadores, que vivem com grande interesse, que participam de forma apaixonada, as mais das vezes, matizada pelas cores clubísticas, de cada um, porventura, provocando comportamentos e condutas, algumas delas, carentes de lucidez e objectividade.
Isto porque a comunicação social, desde logo, ajuda a promover aqueles agentes desportivos, a tornar conhecida a sua forma de pensar, de actuar, bem como a divulgar a sua obra e o seu desempenho, o que tem como absolutamente, natural contrapartida, que da mesma forma, na voracidade das audiências, sinta necessidade de alimentar o “voyeurismo” das massas, consumidoras de tudo o que se relaciona com figuras públicas – principalmente e, cada vez mais, nas publicações ditas “cor de rosa”.
O circunstancialismo envolvente à temática abordada na notícia traduz, inequivocamente, o relevo social e actual dos factos relacionados, é certo, com a vida particular, privada – que não íntima, no entanto - do assistente.
Segmento da sua vida, que no entanto – ainda que naturalmente, em alguns pontos e situações, de forma involuntária, por parte do assistente – vem sendo acompanhada, desde há muito, pelos consumidores de informação publicada.
Como vimos já, o n.º 2 do artigo 180º C Penal consigna causas de justificação que tornam o facto difamatório não punível, desde que a imputação do facto desonroso seja feita para realizar interesses legítimos e, se além disso, o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar de verdadeira.
Neste caso, a ordem jurídica recua na protecção do direito à honra e do direito à privacidade.
Ou como diz o Prof. Figueiredo Dias, ob e loc. citados, “a justificação do facto deve supor o conseguimento da prova positiva de que foi cumprido o dever de verificação da veracidade das imputações.
Deve atribuir-se esta especificidade à ideia de que a função pública da imprensa, ligada ao direito fundamental de informação, se cumpre só da publicação através de factos verdadeiros ou justificadamente tidos como tais, sendo a partir daqui posto a cargo da imprensa um certo risco pela sua conduta – sem que aqui estejamos perante uma manipulação arbitrária e injustificável do princípio in dubio pro reo.
Alcançada a prova de ter sido cumprido o dever de verificação da veracidade das imputações, ainda então não nos parece inconveniente – bem pelo contrário - que continue a conceder-se ao ofendido a possibilidade de provar que os factos imputados eram em definitivo inexactos.
No entanto alcançada aquela prova, não vai ela tornar punível a imputação, devendo servir apenas para obrigar a um desmentido ou rectificação, nos termos que a Lei de Imprensa prevê como “direito de resposta”.
No entanto, nos termos do n.º 3 do artigo 180.º C Penal - que consagra uma excepção à apontada excepção, o que se reconduz à aplicação do regime previsto no artigo 31º - nos casos em que esteja em causa a imputação de factos desonrosos ligados à intimidade da vida privada e familiar, pode ser afastado o seu carácter ilícito, desde que a actuação tenha sido levada a cabo no exercício de um direito, no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade ou perante o consentimento do titular do interesse jurídico lesado.
Importa, assim, desde logo, apreciar se a notícia se reporta ou não a factos relativos à intimidade da vida privada e familiar do assistente.
A reserva da vida privada tem, desde logo, como vimos já, tutela constitucional, artigo 26.º/1 da CRP.
Da mesma forma, tem tutela em sede do direito civil, artigo 80.º/1 C Civil, tem tutela administrativa, artigos 3.º alínea a) e 7.º da Lei de Protecção de Dados Pessoais aprovada pela Lei 67/98, de 26/Out., mesmo em sede do direito laboral, artigo 16º do C P Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27/Ago.
Todas estas disciplinas do Direito ordinário fornecem um conceito elástico e aberto – não estático nem fechado - de reserva da intimidade da vida privada, ao definir a sua extensão conforme a natureza, fins e interesses próprios, em visto com a sua previsão, do cargo, da condição das pessoas e do contexto de actuação.
Além, naturalmente da, que aqui está em causa - a tutela penal.
Tutela penal que dando pleno sentido ao carácter fragmentário deste ramo do direito, não pode deixar de ter subjacente um carácter mais restrito do que se deve entender como intimidade da vida privada.
Com efeito, carácter fragmentário significa que o direito penal, enquanto direito de protecção dos bens jurídicos, tem sempre uma função de ultima ratio, como decorre do artigo 18.º/2 da CRP, onde se diz que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Como se referiu no Acórdão 108/99[24] do Tribunal Constitucional, “é, assim, um direito enformado pelo princípio da fragmentaridade, pois que há-de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e à protecção das condições sociais indispensáveis ao viver comunitário. …A necessidade social apresenta-se, deste modo, como critério decisivo da intervenção do direito penal”.
Daí que qualquer tipo de reacção ou intervenção penal, incluindo as suas consequências ou efeitos, deve ser orientado pelos princípios da proporcionalidade e da necessidade, só se justificando os mesmos quando forem indispensáveis para assegurar os valores éticos-sociais constitucionalmente protegidos.
Nesta conformidade, podemos então assentar que com a referência a intimidade da vida privada e familiar no tipo legal de crime do artigo 180.º se pretende apenas abranger “o núcleo duro da vida privada” e mais sensível de cada pessoa, a esfera nuclear da sua intimidade, que a todos é reconhecida, como seja a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, a de carácter íntimo, que se pretende reservada e fora do conhecimento dos demais.
Ora e muito embora não tenhamos dúvidas que a referência feita na notícia à vida conjugal do assistente e vicissitudes por que a mesma passava, os atritos, desavenças e conflitos que nela se desenvolviam, se traduz no relato de um acontecimento da sua vida particular, privada, já não o será da esfera da intimidade deste segmento da vida do assistente, por não se reportar a uma situação inerente àquela dimensão mais restrita e íntima, ao núcleo essencial do que seja a sua vida privada.

Assim.
Desde logo – em relação à prevista na alínea a) “imputação feita para realizar interesses legítimos”,
deve-se considerar que a notícia integra o conceito de imputação feita para realizar interesse legítimo, ou que se revista de interesse público:
o assistente é uma figura pública, muito pública;
e, face à enorme exposição pública por que tem pautado a sua vida, mesmo a privada, os factos relativos à sua vida são do interesse público e não estão sujeitos a reserva;
o relato do factos narrados é lícito, porquanto tem sido o próprio assistente que também tem trazido tais relatos ao conhecimento público: os seus namoros, as suas relações, a forma como estas acabam, protagonizando há anos, dezenas de capas de revistas com as suas histórias e desenlaces amorosos;
atente-se nos documentos juntos aos autos, a 20.11.012, que constituem 2 reportagens sobre o assistente: uma publicada na revista AD…, de 22.9.2007 – que se reporta à celebração do seu 2.º casamento com E… – e, outra, publicada no …, com o AE…, de 4.8.2012, sobre o seu casamento com AF…;
estamos perante a narração de aspectos da vida familiar do assistente que não estão sujeitos à reserva que estariam caso não se tratasse de uma figura pública e, caso não tivesse amplamente demonstrado querer que o público soubesse e estivesse a par da suas relações;
assim numa sociedade aberta, democrática e pluralista, devem estes aspectos ser valorado por forma que se conclua que o arguido agiu ao serviço do interesse que subjaz ao direito de informação.

Quanto à circunstância prevista na alínea b) – “o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé a reputar verdadeira”.
A boa fé, neste contexto, terá que ser visa numa dimensão objectiva, com respeito pelas regras de cuidado e pelo dever de informação ou esclarecimento que, ao caso, couberem.
O arguido estava na realidade absolutamente convicto da verdade de quanto foi publicado, pois que caso contrário não o teria feito, não agiu de modo consciente ou voluntário, antes motivado pela revelação de factos que acreditava – face à investigação feita – serem verdadeiros;
E, só se assim não tivesse acontecido, é que a sua conduta poderia ser tida como criminalmente ilícita;
no entanto, o arguido percorreu todos os passos a que estava obrigado:
não sendo jornalista, não falou com a fonte; mas confiou que a jornalista que falou, tenha trabalhado os factos, cruzado informações, e confirmado os factos narrados e, confiou porque ela lhe deu motivos para acreditar, tendo garantido que eram factos verdadeiros e fidedignos;
não tinha nenhum elemento que contraditasse a informação recebida, pelo que em face do que a jornalista lhe disse, só podia acreditar que os factos eram verdadeiros, donde a sua boa fé, não se resume à vertente subjectiva, antes se traduz numa dimensão objectiva, fundada no respeito e confiança que depositava na jornalista em como esta cumprira as regras de cuidado inerentes à actividade de imprensa, que lhe impunha o cuidadoso cumprimento de um dever de informação antes da publicação da notícia – como foi o caso.
Notícia – que dada a sua natureza e objectivo – na qual não se pode considerar, de resto, que se haja emitido algum juízo de valor ou censura sobre a forma de actuar do assistente.
O que nem sequer, de forma implícita ou nas entrelinhas, perpassa do teor da notícia. O que será de realçar sobremaneira, dada, desde logo, a falta de conhecimento da objectividade acerca dos elementos que poderiam caracterizar os contornos das relações patrimoniais do casal.
Assim, se respeitando, de forma absoluta e sem mácula, o, acima citado, dever de o jornalista respeitar escrupulosamente o rigor e objectividade da informação, assim como os limites ao exercício da liberdade de imprensa, definidos pela CRP e pela Lei.
Notícia que se mostra, de resto, elaborada de forma moderada, ponderada, tendo em vista o apontado objectivo, não podendo deixar de se entender que foi adequada a forma da sua apresentação.
Na ponderação dos interesses em conflito, o que foi relatado, foi-o de forma/meio razoavelmente proporcionada à prossecução da finalidade legítima visada tendo em conta o interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade de expressão e o direito à informação.
Se o modo de comunicar a informação deve ser comedido pelos princípios da proporcionalidade e da necessidade, deve escolher-se o modo de divulgação menos lesivo para a honra da pessoa visada, donde decorre não ser lícita a divulgação de um facto com efeitos devastadores sobre a pessoa visada por causa de um interesse insignificante e, ou pouco relevante, então aqui verifica-se a situação contrária.
A divulgação restringiu-se ao estritamente necessário ao fim em vista, por quem tem - e, pretende assumir - responsabilidades, na árdua, quotidiana – e nem sempre compreendida - tarefa de informação.
Donde, se deve entender não ser punível a conduta do arguido, cfr. alíneas a) b) do n.º 2 do artigo 180º C Penal e, desde logo, uma vez que não estamos perante facto relativo à intimidade da vida privada do assistente, por força do n.º 3 do artigo 180º, donde seria aplicável o regime previsto no citado n.º 2.

O arguido, enquanto Director do periódico, teve como fundada a informação que a jornalista transmitiu, que passou pelo sector da edição e pela redacção, primeiramente.
Da mesma forma, neste contexto, temos como certo e inequívoco que o arguido tinha fundamento sério para reputar de verdadeira a informação relatada pela jornalista.
Jornalista, que, por seu lado, como vimos confiou na sua fonte, pessoa, publicamente reputada e considerada como porta-voz, pelo menos da mulher do assistente – e que tentou confirmar o que por este lhe foi confiado, junto do casal, mas não conseguiu.
Mas, mesmo que o arguido não tivesse demonstrado as razões para reputar a notícia de verdadeira, certo é que o seu comprovado convencimento permite inferir da existência de um erro sobre um elemento do tipo justificador que conduz à exclusão do dolo, nos termos do artigo 16.º C Penal.

Ademais refira-se o seguinte.
Como vimos já o arguido vem punido na qualidade de Director do periódico, o que pressupõe, a par dos elementos do tipo de difamação do artigo 180.º/1 C Penal, se verifique da mesma forma, os requisito contidos no n.º 3 do artigo 31.º da Lei de Imprensa - que tem como epígrafe “autoria e comparticipação” - não se oponha, através de acção adequada, à comissão de crime (…) podendo fazê-lo.
Assim, esta omissão deve ser, naturalmente, relacionada e integrada pelos antecedentes e contexto em que a notícia surge ao Director.
Ao contrário do que se considerou na decisão recorrida, não cremos que o arguido não haja respeitado as regras de cuidado subjacentes à actividade de comunicação social, no seu particular caso, de cumprir e fazer cumprir, escrupulosamente, o dever de investigação em fontes idóneas e contraditadas, antes da publicação de qualquer declaração.
Se é certo que sobre si recaía a obrigação de um esforço sério e objectivo de avaliação sobre a credibilidade dos elementos recolhidos, não se pode concluir que o tenha desprezado, omitido, preterido.
Teve conhecimento da notícia, teve a possibilidade de se opor à sua publicação e, não se opôs através da acção adequada, impedindo a sua publicação, tão só porque confiou que a jornalista tinha, ela própria, desenvolvido e levado a cabo, todas as tarefas inerentes à confirmação da veracidade da notícia, não lhe tendo surgido qualquer dúvida, dada a proximidade pessoal da fonte, em relação ao casal, que era, com abundantes exemplos práticos, tido, por vários órgãos de comunicação social e, também pelo C…, como sendo a “boca” que pronunciava as palavras da mulher do assistente.
O director, como a editora, como a redacção, todos eles, acreditaram no relato da jornalista.
O contacto e a confirmação da notícia por aquela fonte em concreto, se não dispensava o contacto prévio com os directamente envolvidos na notícia, tornava tal expediente, bem menos exigente e premente e, apesar disso, foi tentado e não logrado.
Donde não se pode ter como penalmente censurável a apurada conduta do arguido.
Confiou – e não tinha objectiva, nem subjectivamente, razões que o desaconselhassem a tal - na jornalista, na editora e na redacção do jornal.
Como, de resto, a jornalista, da mesma forma, confiara, na fonte que era tida por pessoa próxima do casal e que era o ponto de contacto da mulher do assistente para com a comunicação social.
Não se pode fazer incidir sobre o jornalista, tão pouco sobre o seu director, o ónus de posteriores desavenças entre os envolvidos na notícia, muito menos, podem ser sancionados, penalmente, por não cumprimento das regras a que deve obedecer a publicação de determinado trabalho jornalístico, pelo facto – não o porta voz, que não foi ouvido – de a mulher do assistente, porventura levando a cabo a execução de uma estratégia de defesa dos seus interesses pessoais imediatos, vir, quiçá, egoística e oportunisticamente, “tirar o tapete” à fonte.
A realidade é o que é – objectivada pela exteriorização e, no caso pelo que foi transmitido pela fonte que falava pela boca da mulher do assistente - e não pode estar dependente – mormente para sustentar a censurabilidade penal ao jornalista - de estados de alma, de reponderação de interesses imediatos, de alteração de critérios de conveniência pessoal, tão pouco, de calculismos, muito ao sabor do princípio que fez história sobre “o que hoje é verdade, amanhã é mentira”, enfim, do fraquejar ou relançar relações de fachada, mormente depois da sua divulgação e de ter chegado ao conhecimento dos destinatários.

III. 3. 4. Aqui chegados.

Se a responsabilização criminal do Director só se verifica quando, recaindo sobre si, o dever de agir, não haja actuado, dolosamente, podendo tê-lo feito, ou quando adopte um comportamento activo que contribua para a prática do crime, então, no caso, porque nenhuma destas situações se verifica, o recurso merece provimento;
O arguido actuou tendo fundamento sério para em boa fé, reputar de verdadeiros os relatos que a jornalista lhe fez, ou, erradamente, convencido de tal e, foi por essa razão que se não opôs, na qualidade de Director do periódico, à publicação da notícia, com relevo social, provinda de uma fonte de confiança e próxima de um dos membros do casal;
donde, o facto tem-se como justificado e, não é punível, por força do estatuído no artigo 180º/2 alíneas a) e b) C Penal.
Assim e, do que vem de ser dito, haverá que em directa consequência, eliminar do elenco dos factos provados, os seguintes segmentos da matéria contida nos pontos 31. e. 36.:
31º) O 2º arguido tinha total consciência da ilicitude da sua conduta (…);
36º) O 2º arguido representou como possível que tal notícia fosse falsa e com tudo se conformou, sempre ciente da injuridicidade da sua conduta, bem sabendo que a mesma era proibida e punida por lei.

III. 3. 5. Atento o que vem de ser dito, naturalmente que fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso, seja:
a dispensa de pena, na consideração de que a culpa do arguido é diminuta:
o quantum da pena, que o arguido tem por exagerada.

É tempo de concluir, afirmando a verificação de fundamento para o provimento do recurso interposto pelo arguido, Director do periódico.

III. 3. 6. Uma nota mais sobre o âmbito do recurso - melhor sobre a sua extensão subjectiva.

Como é sabido, nos termos do artigo 402º/2 C P Penal, “salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto, por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes”.
Isto é, em sede de recurso, salvo se fundado em motivos estritamente pessoais, estendem-se ao comparticipante não recorrente, os benefícios de que goza o comparticipante o recorrente.
Assim, numa situação em que se decide no âmbito do recurso interposto pelo Director do periódico, pela não criminalização da sua conduta, não pode tal juízo, deixar de aproveitar à jornalista, que com ele fora condenada, em 1ª instância, em co-autoria material por um crime de difamação agravada.
Intercedendo entre as condutas do arguido-recorrente e da arguida-não recorrente, um elo de ligação e encadeamento naturalístico tão forte, a ser enquadrado, juridicamente, na figura da co-autoria, outra solução não se compreenderia, de resto.

IV. Decisão

Atento todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal, em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, em função do que,

1. se altera a decisão sobre a matéria de facto, por forma a que:

1. 1. se julga como não provado:

“que se haja alcançado o objectivo de aumento do lucro com o aumento das vendas, com aquela edição do jornal”;
o 2º arguido tinha também total consciência da ilicitude da sua conduta (…);
o 2º arguido representou como possível que tal notícia fosse falsa e com tudo se conformou, sempre ciente da injuridicidade da sua conduta, bem sabendo que a mesma era proibida e punida por lei.

1. 2. se julga como provado:

“o referido Sr. C… era agente da Sra. E…, sendo, por isso, uma fonte credível, à data, para assuntos da visada e do próprio assistente;
foi a informação prestada pela arguida jornalista que fez o arguido acreditar na veracidade dos factos narrados, que publicou por ter ficado convencido que narrava factos verdadeiros, e que, por isso mesmo, veio a noticiar;
o arguido foi informado pela jornalista autora que tinha obtido confirmação de fonte segura (pessoa próxima do casal) de que os factos se tinham passado consoante foram noticiados;
foi garantido ao arguido que a fonte contactada merecia a máxima credibilidade dado que era pessoa ligada ao casal quem lho tinha revelado;
lhe foi dito pela mesma que sim, que tinha contactado por diversas vezes com a fonte e que esta lhe garantira que tudo era verdade e que todas as declarações prestadas e constantes no artigo reproduziam fielmente o que a fonte pretendera dizer;
face ao relato e testemunho colhido, o arguido não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos factos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar, sequer, que pudesse estar a publicar uma qualquer falsidade, acreditando em boa fé que o que publicava era absolutamente verdadeiro;
o arguido ficou então, ao longo da investigação que pediu sobre esta temática, profundamente convencido da veracidade dos factos noticiados por ter tido acesso a sua jornalista a uma fonte ligada ao caso e merecedora do máximo crédito;
o arguido, com a publicação da notícia, apenas agiu com o propósito de informar e, no exercício do direito constitucional à informação, sendo certo que estava (como está) absolutamente convicto da verdade dos factos”;

2. se revoga a decisão recorrida e,

se decreta a absolvição, quer do arguido, quer da arguida, não recorrente, F….

Sem tributação.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2014-Outubro.15
Ernesto Nascimento
António Gama
Artur Oliveira (voto vencido)
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[1] In Direito Processual Penal, 202/203.
[2] No dizer do Ac. STJ de 4NOV1998, in CJ, S, III, 209.
[3] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 125.
[4] cfr. Comentário Conimbricense, Prof. Faria Costa.
[5] cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., 180/1.
[6] cfr. Maria Paula G. Andrade, in “Da Ofensa do crédito e do bom nome”, 1996, 97.
[7] cfr. Ac. deste Tribunal de 31.1.96, processo nº 9540900, no site da dgsi.
[8] citado por Leal-Henriques e Simas Santos, in C Penal anotado.
[9] Prof. Beleza dos Santos, Algumas Considerações Jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria”, in RLJ, ano 92 e 95.
[10] cfr. Augusto Silva Santos, Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias, A.A.F.D.L., pág. 17/8.
[11] cfr. Ac. STJ de 12. 01.00, in BMJ, 493º, 156.
[12] cfr. Ac. TC 113/97 de 5.2.97, in BMJ 464, 119.
[13] cfr Costa Andrade, in “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal”, Coimbra, 39 e ss.
[14] cfr. Ac. STJ de 26.2.2004, processo 03B3898, consultável no site da dgsi.
[15] cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 110-111.
[16] cfr. Ac. STJ de 24.4.96, processo 97A652, no site da dgsi.
[17] in A liberdade de imprensa e as limitações decorrentes da sua função, na Revista do MP, ano 10, 37, 15 e ss
[18] cfr. Ac do Tribunal Constitucional de 5FEV1997, no processo 62/96.
[19] cfr. Jónatas Machado, in Liberdade de Expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, 767.
[20] ibidem, 770.
[21] cfr. Ac. STJ de 10JUL2008
[22] cfr. sentenças do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos casos, Colaço Mestre e SIC contra Portugal, de 26ABR2007, (em que, por coincidência, o aqui assistente, havia assumido igual posição, no processo que originou esta queixa); Lopes Gomes da Silva contra Portugal, de 28SET2000 e Urbino Rodrigues contra Portugal, de 29NOV2005.
[23] cfr. o citado Ac. STJ de 10JUL2008
[24] “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, Vol. 42.º, p. 551/2.
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Voto a improcedência do recurso.
Considero que não há razões para a censura ao juízo de credibilidade que, com base na imediação e na oralidade, o tribunal recorrido alcançou relativamente a cada um dos participantes na audiência – e que logrou expor com total transparência e coerência lógica[art. 127.º, do CPP].É uniforme o entendimento segundo o qual se o julgador revela o quadro geral das impressões determinantes da sua convicção e estas não se mostram contrárias à razoabilidade das coisas comuns, então, nada lhe pode ser assacado em termos de produzir uma alteração da convicção formada a partir deles [v.g., Ac. STJ, de 15.07.2008 (Cons. Souto de Moura): “(…)Acresce que, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artº 127º do C.P.P., ou seja, fora das exceções relativas a prova legal, que não interessam ao caso, assenta numa convicção que se quis livre, bem como nas regras da experiência (…)”; e Ac. RP de 12 de Maio de 2004 (Élia São Pedro): “I – A convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. II – Desde que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador” – ambos em www.dgsi.pt].
Acresce que as provas indicadas pelos recorrentes não impõem decisão diversa da recorrida [art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP]. Permitem, mas não impõem. E como tal, também por esse motivo, não deveria ter sido admitida a modificação da decisão proferida sobre matéria de facto.
Sobretudo quando, agora, se dá como não provado que:
“[com a publicação da notícia falsa] se haja alcançado o objetivo de aumento do lucro com o aumento das vendas, com aquela edição do jornal”;
E como provado que:
“o referido Sr. D… era agente da Sra. E…, sendo, por isso, uma fonte credível, à data, para assuntos da visada e do próprio assistente;”
“o arguido foi informado pela jornalista autora que tinha obtido confirmação de fonte segura (pessoa próxima do casal) de que os factos se tinham passado consoante foram noticiados;”
“lhe foi dito pela mesma que sim, que tinha contactado por diversas vezes com a fonte e que esta lhe garantira que tudo era verdade e que todas as declarações prestadas e constantes no artigo reproduziam fielmente o que a fonte pretendera dizer; “
“face ao relato e testemunho colhido, o arguido não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos factos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar, sequer, que pudesse estar a publicar uma qualquer falsidade, acreditando em boa fé que o que publicava era absolutamente verdadeiro;”
“o arguido ficou então, ao longo da investigação que pediu sobre esta temática, profundamente convencido da veracidade dos factos noticiados por ter tido acesso a sua jornalista a uma fonte ligada ao caso e merecedora do máximo crédito;”
“o arguido, com a publicação da notícia, apenas agiu com o propósito de informar e, no exercício do direito constitucional à informação (…)”
A notícia veiculada é falsa. Foram tomadas por boas supostas informações dadas por um suposto representante sem reconhecimento explícito – e que a própria “representada” negou alguma vez ter existido. E mereceu um tratamento jornalístico bombástico apesar da falta de confirmação e da falta de relevância pública do assunto (uma imaginária retirada de mobílias de casa como incidente da vida de um casal).
Subscrevo, também, todas as considerações jurídicas deixadas na fundamentação da sentença. Apenas sublinho o seguinte:
Em geral, não é pelo facto de a notícia ser publicada num “jornal” que, automaticamente, estamos perante um órgão de comunicação social que “contribui para a informação do público”. E menos ainda que a “função e finalidade” de todos os jornais passe pela defesa do Estado de Direito democrático – ou preocupações próximas.
A circunstância de o assistente ser dirigente de um clube desportivo e de ter notoriedade social não legitima que sobre a sua vida pessoal e familiar se escreva todo o tipo de notícias (e falsas), sem qualquer tipo de preocupação de confirmação [ver transcrição infra].
Mesmo considerando a inflexão da matéria de facto dada como provada, não há, na função de dirigente desportivo e na eventual retirada do mobiliário de casa, nenhum interesse ligado à salvaguarda do Estado de Direito democrático ou de informação de interesse relevante no quadro de uma sociedade democrática [art. 180.º, n.º 2, al. a), do Cód. Penal]. Cabe aos sócios e acionistas das sociedades desportivas proceder ao escrutínio dos dirigentes que elegem e nomeiam – não à opinião pública em geral.
Como refere o Ac. STJ de 08.11.2005 [Cons. Oliveira Mendes]: “(…) II – O direito de expressão exercido através da comunicação social deve observar um intuito informativo relevante, ser de interesse público e verdadeiro o seu conteúdo, exigindo-se ainda a adequação do meio, por forma a não lesar, além do necessário, a reputação do visado” – CJ-STJ, Tomo V, pág. 133].
Nenhuma destas premissas foi respeitada: a notícia não observa um intuito informativo relevante, não é de interesse público, é falsa, foi publicada sem intenção de confirmação prévia junto do visado – cuidado que, dada a natureza da publicação, se tem por estruturante e particularmente exigente – e com um destaque desproporcionado face à sua natureza.
Está a confundir-se “liberdade de expressão” e “defesa de interesses legítimos” atinentes à vida numa sociedade livre e democrática [causa de justificação]com falsidade, falta de rigor, intromissão na vida privada e achincalhamento com fins comerciais.
“§ 47 Por outro lado, convém sublinhar que o interesse legítimo, para efeitos de justificação, não decorre necessariamente da circunstância de a pessoa atingida pela crónica pertencer à vida pública, ser um homem público, ou, para usar a expressão cunhada na literatura germânica, um homem da história do tempo (Person der Zeitgeschichte). Isto é, das pessoas que, de alguma forma, comandam a vida política, cultural, económica, religiosa, desportiva, etc., e que imprimem, mais ou menos fortemente, a sua marca no curso da história. Ora, sem dúvida, a exposição dessas pessoas aos holofotes da imprensa e da curiosidade geral é muito intensa. Todavia, isso não significa a ausência absoluta de uma esfera de vida íntima, ou que esta esteja protegida por frágeis e transparentes paredes de vidro. Nem significa, por outro lado, que todos os factos pertencentes à esfera da sua vida privada (COSTA ANDRADE, Liberdade de Imprensa cit. 95 S.) possam legitimamente ser trazidos a lume quando a narração implica um sacrifício para a honra. Ainda aqui, o critério é dado pelo conteúdo da informação, da sua inclusão na função pública da imprensa, e não diretamente de a pessoa visada pertencer à Zeitgeschichte ou antes viver na tranquila obscuridade do cidadão anónimo” [Prof. José de Faria Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª ed., pág. 922].
Voto a improcedência total do recurso.

Artur Oliveira