Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
994/14.9TTPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: PODER DISCIPLINAR
SUPERIOR HIERÁRQUICO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
NOTIFICAÇÃO
NULIDADE
FALTAS NÃO JUSTIFICADAS
Nº do Documento: RP20150413994/14.9TTPNF.P1
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo o poder disciplinar exercido por superior hierárquico do trabalhador, tendo este dúvidas sobre a legitimidade da pessoa que lhe comunicou a nota de culpa e a decisão de despedimento em representação da ré, devia exigir que aquele comprovasse os seus poderes, sob pena de a decisão por ele tomada não produzir efeitos, nos termos do disposto no nº 1 do art. 260º do CC.
II - Não procedendo de tal forma, tem-se por válido o processo disciplinar.
III - Não constitui causa de nulidade do processo disciplinar a falta de notificação do advogado do trabalhador, com procuração junta no processo disciplinar, para diligência de inquirição de testemunha, no âmbito de tal processo.
IV - As faltas injustificadas quando decorram ao longo do tempo de forma reiterada, causando prejuízos para a entidade empregadora, constituem justa causa para o despedimento do trabalhador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 994/14.9TTPNF.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B…, residente na Rua …, nº …, …, patrocinado por mandatário judicial e beneficiando de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, veio intentar contra C…, Lda., com sede na …, nº …, Lote nº .., Marco de Canavezes, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
Foi designada e realizada a audiência de partes, não se tendo logrado obter acordo destas.
A ré apresentou articulado motivador, nos termos previstos no artigo 98º-J, do CPT, pedindo que se declare o despedimento do autor lícito.
Alega, em síntese:
1. O trabalhador vinha desempenhando, na altura da cessação do seu contrato de trabalho, as funções de Técnico de Cablagem,
2. Auferindo, como contrapartida da prestação de trabalho, a quantia mensal ilíquida de €625,00.
3. Tendo sido despedido a 30/05/2014, na sequência de um processo disciplinar levado a cabo pelo Empregador.
4. A aludida decisão de despedimento resultou da ponderação da gravidade e do grau de culpa das condutas do trabalhador.
5. Em concreto, as condutas do trabalhador consubstanciam-se no seguinte:
6. O empregador procede ao registo dos tempos de trabalho através de sistema informático, vulgarmente denominado “relógio de ponto”.
7. Cada trabalhador procede à “picagem” do ponto imediatamente antes de começar a trabalhar, bem como imediatamente após terminar a sua jornada laboral.
8. Mensalmente o sistema informático emite mapa denominado “Resultados mensais por funcionário”, onde consta o registo de assiduidade de determinado trabalhador em determinado mês.
9. No caso em apreço, o trabalhador tinha como horário de trabalho o seguinte: Das 08h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30.
10. Ao longo de vários meses, que antecederam a abertura do processo disciplinar, o trabalhador desrespeitou, de forma sistemática o seu horário de trabalho,
11. Ora chegando constantemente atrasado,
12. Ora sem sequer comparecendo no seu posto de trabalho, sem dar conhecimento prévio desse facto, nem sequer apresentar justificação para a sua ausência.
13. Com esse comportamento o trabalhador provocou prejuízos sérios ao empregador, uma vez que o mesmo efetua trabalho “em série”, pelo que a sua não comparência provocou atrasos no processo de laboração.
14. Além disso o trabalhador violou também, de forma sistemática o dever de colaboração com os demais colegas, uma vez que de cada vez que faltava ou se atrasava outro colega tinha de ocupar o seu lugar, atrasando o seu próprio trabalho.
O autor veio contestar e reconvir, pedindo a condenação da ré a pagar ao A. a indemnização em substituição da reintegração no valor de €4.375,50, bem como condenada a pagar as retribuições devidas até ao trânsito em julgado da decisão final; e a pagar o valor de €503,35 relativo a trabalho suplementar.
Alega, em síntese:
1. O legal representante da Ré, na data de 27.03.2014, encontrava-se internado num Hospital em frança, em estado de coma e não chegou a recuperar o estado de saúde, pois veio a falecer uns dias antes da data de audiência de partes.
2. A assinatura que consta quer da carta a comunicar o despedimento quer da carta a nomear instrutora, não é a assinatura do legal representante da Ré.
3. Daqui resulta que a instrutora do processo disciplinar não tinha poderes para instruir o processo disciplinar, pelo que é nulo o processo disciplinar ou mesmo inexistente.
4. O mandatário do A. respondeu à nota de culpa, juntou procuração e remeteu-a com a resposta à nota de culpa à instrutora do processo disciplinar.
5. Na resposta à nota de culpa requereu a inquirição de testemunhas.
6. A Sra. instrutora do processo disciplinar procedeu à inquirição de testemunhas, mas não notificou o mandatário do A. dessas diligências de inquirição de testemunhas, para querendo estar presente.
7. A Ré impôs ao A. a prestação de trabalho suplementar em tal dimensão, que nem tão pouco lhe permitiu o descanso entre um período laboral e o seguinte, perfizesse as 11 horas legalmente previstas.
8. Apesar de tudo isto, de não lhe ser pago o trabalho suplementar e de algumas das horas de trabalho que a Ré invoca como se de faltas ao trabalho se tratasse, são horas ou minutos em que o trabalhador inicia o horário de trabalho um pouco mais tarde por, no dia anterior ter trabalhado até às 24.00h ou mais.
9. No período a que dizem respeito as alegadas faltas ao trabalho, que consistem essencialmente em alegados atrasos ao trabalho, só nesse período, o A. prestou 89 horas de trabalho suplementar, que não foi remunerado, sendo que parte desse trabalho suplementar foi prestado em horário nocturno, e para além disso não foi proporcionado o descanso compensatório.
10. Atrasos esses que na realidade não ocorreram, pois havia um acordo em que se tolerava e permitia como forma de compensar a disponibilidade do A a prestar trabalho para além do horário de trabalho sempre que lhe era solicitado.
A ré respondeu, pugnando pela validade do processo disciplinar, e alegando ter pago o trabalho suplementar prestado autor.
Foi admitido o pedido reconvencional.
Foi proferido despacho saneador, que transitou em julgado, e fixado o objecto da prova, bem como a matéria de facto provada.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova produzida.
Foi proferida sentença, na qual decidiu:
I. Declarar a licitude do despedimento do trabalhador B… efectuado pela empregadora “C…, Lda.”
II. Absolver a empregadora “C…, Lda.” do pedido de condenação no pagamento da quantia de €4.375,50 (quatro mil e trezentos e setenta e cinco euros e cinquenta cêntimos) a título de indemnização em substituição da reintegração.
III. Condenar a empregadora “C…, Lda.” no pagamento ao autor B… da quantia de €226,35 (duzentos e vinte e seis euros e trinta e cinco cêntimos).
Inconformado interpôs o autor o presente recurso de apelação, concluindo:
1. A matéria de facto dada como provada e não provada, carece de reapreciação, na medida em que a douta decisão deveria ter-se dado como provado que a assinatura que consta da carta referida em J) dos factos assentes não é a assinatura do legal representante da Ré, mas sim do superior hierárquico do A., o Sr. D… e, nesta medida, deveria ter dado como provado a al. c) dos factos não provados.
2. Por outro lado, na al. f) dos factos não provados, foi dado como não provado que a “assinatura que consta da carta referida em s) dos factos não provados não é do legal representante da ré, mas sim de D…”.
3. Deveria ter-se dado como provado esta matéria.
4. Dos depoimentos prestados em audiência de julgamento nomeadamente dos depoimentos prestado pela testemunha E… e F…, as referidas testemunhas foram peremptórias em afirmar que o poder disciplinar foi exercido pelo superior hierárquico D… e reconheceram a assinatura aposta na carta a comunicar o despedimento como sendo a assinatura do D….
5. Por outro lado, a Recorrida reconhece no seu articulado Resposta art. 5º quem exerceu o poder disciplinar foi o superior hierárquico D… (cfr art. 5º da resposta “Neste caso (como em todos os outros) o poder disciplinar foi exercido pelo superior hierárquico máximo do Autor, que, como este bem sabe, é o Director Geral da Ré o Exmo Sr. D…”.
6. Dos autos não consta delegação de poderes disciplinares ao Sr. D….
7. Quem outorgou procuração à ilustre mandatária da Recorrida e quem a nomeou instrutora do processo disciplinar, foi o legal representante da Ré.
8. A ser assim, é o reconhecimento de que o poder disciplinar não estava delegado no Sr. D….
9. Tendo a decisão de despedimento sido tomada por quem não tinha poderes, o procedimento disciplinar é inexistente, ou nulo, configurando-se a ilicitude do despedimento por falta de procedimento disciplinar, ao abrigo do artigo 381º do CT.
10. O recorrente contestou a nota de culpa mediante mandatário por si constituído que juntou procuração com a referida contestação da nota de culpa.
11. A instrutora do processo disciplinar inquiriu parte das testemunhas arrolados na defesa, uma vez que referiu que uma delas não compareceu e outra se recusou a assinar o auto de declarações.
12. A instrutora do processo disciplinar não notificou o mandatário do recorrente da diligência de inquirição de testemunhas.
13. Por essa razão não pode confirmar ou infirmar a ausência de uma testemunha ou recusa de uma outra em assinar o auto de declarações.
14. O arguido tem o direito a um processo justo, o que passa pela explicação de algumas regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal. (ar. 32º, nº 3 e 5 da CRP).
15. Esse direito de defesa passa pelo seu mandatário acompanhar as diligências de inquirição de testemunhas.
16. O Recorrente foi despedido com justa causa por faltas ao trabalho.
17. É certo que as faltas ao trabalho são uma das causas justificativas do despedimento nos termos do disposto no art. 351º do CT, contudo, para isso, impõe-se que se verifique o requisito previsto no nº 1 do art. 351º do CT, isto é, é necessário que se demonstre que o comportamento culposo do trabalhador, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
18. Impõe ainda a lei – art. 351º, nº 2 al. g) do CT que as faltas ao trabalho determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa.
19. A verdade é que a Recorrida não alegou nem provou a gravidade que os atrasos ao trabalho provocaram na organização da Ré, apenas referiu ter ocorrido perturbação na organização do trabalho e que o trabalhador foi substituído por outro.
20. A lei só não exige a demonstração do prejuízo ou gravidade quando as faltas ao trabalho em cada ano civil atinjam cinco seguidas ou dez interpoladas.
21. O recorrente, quer no ano civil de 2013, quer no ano civil de 2014, não atingiu cinco faltas seguidas ou dez interpoladas.
22. Pois as faltas ao trabalho consistem em atrasos ao trabalho, e nesses casos em que ocorreram atrasos ao trabalho, a recorrida aceitou que o recorrente prestasse o trabalho, e apenas registou como faltas as horas de trabalho efectivamente não prestadas.
23. Assim, contabilizadas as horas de trabalho em falta, as mesmas não configuram cinco dias de trabalho em falta seguidos em 10 interpolados em cada ano civil.
24. Pois, entende o recorrente que as faltas ao trabalho cometidas nos dias que se seguiram a um período de trabalho no qual se prestou trabalho suplementar tão extenso que não permitiu ao recorrente descansar pelo menos 11 horas seguidas até retomar novo período de trabalho, tudo ao abrigo do disposto no art. 214º do CT, tais atrasos ou horas de trabalho em falta, não podem ser considerados como tal, nos termos do disposto no art. 249º, nº 2 al. d) do CT, pois são consideradas faltas justificadas “a motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador...”
25. Isto é, sendo imposto ao trabalhador um horário de trabalho tão extenso que lhe não permitiu fruir do descanso que a lei acautela no artigo 214º do CT, é inexigível que o mesmo cumpra, no dia seguinte, o horário de trabalho habitual como se não tivesse prestado trabalho suplementar,
26. O Direito do Trabalho deve ser visto como um ramo do direito comprometido com a missão de proteger o trabalhador, a dignidade da pessoa humana a prevalecer sobre os interesses economicistas e o contrário, isto é, uma prevalência absoluta aos interesses da empresa em detrimento dos interesses do trabalhador como se a empresa fosse a única e absoluta alma mentis do direito do trabalho.
27. Esta é a visão que transparece da douta sentença, pois da mesma resulta que o trabalhador está obrigado a prestar trabalho suplementar sem limites e sem o direito ao descanso, como se não existisse como pessoa humana, como membro de uma família ou sociedade.
28. Pois, a visão que a douta decisão dá do trabalhador, como aquele que chega tarde ao trabalho para assim puder prestar trabalho suplementar e desse modo auferir melhor retribuição, ou então, a visão que dá da empresa no sentido de que a mesma pode exigir, sem limites, a prestação de trabalho suplementar, anulando a norma do artigo 214º e sem invocar razões ponderosas, pois é disso que se trata, na medida em que a Ré não as invocou, mas a douta decisão as considerou, daqui só podemos concluir que a douta decisão se inspira na tese que desconsidera a pessoa humana do trabalhador e dá total prevalência aos interesses da empresa.
29. Assim, salvo o devido respeito, a douta sentença proferida, violou, as normas dos artigos 342º C.C., 98º CT, 329º nº 4 CT; 381º CT, 32º, nº 3 e 5 CRP, 214º CT, 249º, nº 2 al. d) CT e 351º do CT.
A ré alegou concluindo:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos (fls....), que absolveu a Ré, ora Recorrida, de todos os pedidos formulados pelo A., ora Recorrente. Isto é, que considerou a presente acção totalmente improcedente, por não provada, não declarando assim nem a ilicitude nem a irregularidade da sanção de despedimento com justa causa aplicada ao Recorrente.
2. Para o efeito, alega o Recorrente o que já alegava na Contestação ou seja que o procedimento disciplinar é nulo ou inexistente por falta de poderes do superior hierárquico para decidir o despedimento ou por não ter sido notificado o mandatário do Recorrente para a inquirição de testemunhas no âmbito do processo disciplinar;
3. Mais alega que as faltas dadas pelo Recorrente não se revestem de gravidade suficiente de forma a tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
4. Ora, ao contrário do que pretende o Recorrente, a referida sentença, ao absolver a Recorrida do pedido formulado pelo Autor ora Recorrente quanto à declaração de ilicitude do despedimento, não só procedeu a uma correcta avaliação da matéria de facto alegada pelas partes, como também procedeu a uma aplicação adequada do Direito e das orientações Jurisprudenciais, não merecendo assim qualquer reparo, como se demonstrará.
5. Continua, pois, o Recorrente a confundir conceitos e a esquecer-se que o poder disciplinar pode ser exercido pelo empregador ou por superior hierárquico do trabalhador com competência disciplinar, nos termos estabelecidos por aquele (cfr. artigo 329º, nº 4 do Código do Trabalho).
6. É jurisprudência assente que o poder disciplinar tanto pode exercer-se directamente pela entidade patronal (empregador) como pelos superiores hierárquicos do trabalhador.
7. Neste caso existe delegação de poderes que se pode efetuar previamente com carácter geral e abstracto ou caso a caso e ainda ser global ou parcial.
8. Esta delegação de poderes não exige a existência de documento ou outra forma especial de a provar, veja-se a este propósito e neste sentido o Acórdão do STJ de 6.12.1995 in Coletânea de Jurisprudência/STJ, 1995, 3º-301), e ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 22.05.2002 disponível in BTE, 2ª Série, nº 10-11-12/04, página 1270,
9. Neste caso (como em todos os outros que já sucederam na Ré) o poder disciplinar foi exercido pelo superior hierárquico máximo do Autor ora Recorrente, que, como este bem sabe, é o Director-Geral da Ré o Exmo. Sr. D….
10. Pois, como também bem sabe o Recorrente o Sócio Gerente, Exmo. Sr. G… morava em França pelo que era (e é) o Exmo. Sr. D… que tinha (e tem) todos os poderes de direcção sendo, aliás, a pessoa que diariamente toma absolutamente todas as decisões na Ré.
11. Há necessariamente que distinguir em qualquer sociedade, em qualquer empresa seja pública ou privada as posições típicas de empregador enquanto sociedade e o Administrador, o Gestor ou o Director.
12. Desde logo se entrevê que a relação laboral pode assumir cambiantes diversos conforme se trate de uma relação puramente interindividual entre pessoas físicas que prosseguem também objectivos individuais,
13. Ou de uma relação entre um trabalhador e a sociedade que o emprega precisamente no quadro de uma empresa e aqui existem necessariamente vários patamares.
14. Ora, nunca os poderes ou neste caso a alegada falta de poderes foi levantada pelo trabalhador pois que foi o mesmo Director Geral, o Sr. D…, que admitiu o Recorrente ao serviço da Ré.
15. Nunca uma ordem do mesmo foi discutida ou contestada porque não era dada directamente pelo sócio gerente enquanto figura física do empregador.
16. O Exmo. Sr. Director Geral tinha poderes para exercer o poder disciplinar que lhe permitiam nomear a instrutora do poder disciplinar e assinar todas as comunicações e actos que levaram à decisão final de despedimento com justa causa do Recorrente.
17. E bem andou a M.a Juiz de Direito que assim considerou numa decisão bem fundamentada e onde ressalta que a mesma ficou convicta que desde a nomeação da Instrutora do processo até à decisão final de despedimento foram tais actos tomados e exercidos por quem detinha poder para tal.
18. Aliás, diga-se, em jeito de desabafo, que é deveras indiferente se foi o Sr. G… ou o Sr. D… quem assinou esta ou aquela carta pois que ambos o poderiam fazer e com igual validade.
19. Pelo que não é nulo, inexistente ou invalido o procedimento disciplinar até porque este só é inválido se verificada a omissão de alguma das alíneas do nº 2 do artigo 382º do Código do Processo do Trabalho, devendo ser de manter a decisão em recurso.
20. Também no que toca a alegada nulidade ou inexistência por falta notificação do mandatário do Recorrente para a inquirição de testemunhas no âmbito do processo disciplinar bem andou o tribunal a quo ao considerar que tal não se verifica.
21. A jurisprudência tem tendido a responder que o trabalhador ou o seu Advogado não têm direito a estar presentes aquando da inquirição das testemunhas e que, por isso mesmo, o empregador não tem de fazer a comunicação prévia da data dessa inquirição, nem tão pouco a notificação posterior do resultado da inquirição ou da instrução.
22. Neste sentido encontram-se entre muitos outros os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/02//2004 – processo nº 03S3946 e de 08/06/2008 – processo nº 05S3731 e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/10/1990 e de 31/10/2007 – processo nº 4430/2007-4, bem como do Tribunal da Relação de Évora de 18/02/1997, disponíveis on-line na base de dados do ITIJ.
23. Efectivamente a legislação laboral no âmbito do procedimento disciplinar concede ao trabalhador a oportunidade de ser ouvido e de apresentar a sua defesa, em tal se esgotando o princípio do contraditório, cingindo-se a produção de prova subsequente estritamente ao princípio do inquisitório, sem que esteja previsto o direito do trabalhador contraditar as testemunhas.
24. A isto acresce que, em caso de impugnação de despedimento, a prova produzida no decurso do procedimento disciplinar não vale por si mesma, impondo-se que as partes a repitam em juízo, daí que seja irrelevante designadamente que o mandatário do trabalhador-arguido não tenha o direito de proceder na instrução disciplinar à inquirição das testemunhas arroladas pelo trabalhador.
25. Também a doutrina vai neste sentido, veja-se o Prof. Júlio Gomes (in “Direito do Trabalho” Vol. I, pág. 1006) que defende inclusive que “a presença do advogado (ou até do próprio trabalhador) neste momento da inquirição das testemunhas pode até ser intimidatório numa fase em que se pretende que as testemunhas tenham a liberdade de relatar os factos que presenciaram (...), factos que, por vezes, pode ser muito delicado relatar (pense-se em acusações de mobbing ou de assédio sexual)”.
26. Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao considerar não existirem motivos para a declaração de ilicitude do despedimento com base na irregularidade do processo disciplinar.
27. Também no que diz respeito à ilicitude ou licitude do despedimento bem andou o tribunal a quo ao considerar lícito o despedimento do trabalhador por justa causa.
28. O Recorrente faltou num total de 69 horas e 29 minutos todas elas injustificadas.
29. O Recorrente não só não comunicou as suas ausências e atrasos ao empregador, como não apresentou qualquer motivo justificativo.
30. E mesmo depois de alertado pelo seu superior hierárquico que tal comportamento era altamente prejudicial para a normal laboração da empresa nada fazia para melhorar a sua assiduidade.
31. Acresce que algumas das faltas, além de constituírem uma clara violação do dever de assiduidade, são consideradas infracção grave, nos termos do art. 256º nº 2 do Código do Trabalho, uma vez que foram dadas a seguir a dia ou meio dia de descanso, nomeadamente, 2 de Dezembro (2ª feira), 9 de Dezembro (após feriado), 2 de Janeiro (após feriado), 6 de Janeiro (2ª feira), 17 de Fevereiro (2ª feira), 24 de Fevereiro (2ª feira). (cfr fls. 3 a 6 do doc. nº 2 já junto).
32. Ora, o Recorrente não logrou provar, como lhe competia, o “acordo” que lhe permitia chegar a que horas bem lhe apetecesse.
33. Tal é absolutamente inconcebível sobretudo numa empresa que labora em série, ininterruptamente, de forma que não subsistem dúvidas que estamos perante um comportamento culposo por parte do Recorrente.
34. O Recorrente ao não comparecer ao trabalho, sem sequer se dar ao trabalho de avisar o empregador da sua ausência, atuou de forma grave, reiterada e dolosa.
35. Tornou, com o seu comportamento, praticamente impossível a subsistência da relação laboral, quebrando de forma irremediável a necessária relação de confiança que serve de base à relação laboral.
36. Resulta evidente que o empregador deixou de poder confiar no Recorrente que reiteradamente não compareceu ao serviço, sem que para isso tenha motivo justificativo.
37. Toda a estrutura de funcionamento do empregador foi fortemente afectada com estes comportamentos, sendo que também os colegas de trabalho são prejudicados ao terem de “compensar” a falta do colega.
38. De tudo o que foi exposto resulta clara a existência de infracções disciplinares, de extrema gravidade, cuja prática não poderia deixar de ser sancionada através da aplicação de uma sanção, que ponderadas todas as circunstâncias se mostrasse adequada à gravidade do comportamento do trabalhador e ao grau da sua culpa.
39. A gravidade das infracções cometidas conduziu à total perda de confiança do empregador no trabalhador, não lhe sendo exigível, que aquela mantivesse o Recorrente ao seu serviço, sendo de todo impossível a subsistência da relação de trabalho.
40. Efectivamente quer os atrasos quer as faltas injustificadas ao trabalho em dias imediatamente a seguir a dias ou meios-dias de descanso implicam a violação grave de diversos deveres que recaíam sobre o trabalhador, presumindo-se, por conseguinte a culpa deste.
41. Ora, a impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho está implícita na natureza da violação do contrato que faz (e fez no caso concreto) desaparecer a confiança do empregador e justifica a desvinculação imediata.
42. Efetivamente, no caso concreto existiu um comportamento culposo do Recorrente (elemento subjetivo) pois que por diversas vezes lhe foi chamada a atenção para os constantes atrasos e para as consequências de tais atrasos tendo este simplesmente ignorado tais avisos e persistido,
43. De tal forma que este seu comportamento tornou impossível a subsistência da relação de trabalho (elemento objetivo) sendo patente o nexo de causalidade entre aquele e esta.
44. O Recorrente agiu, assim, livre e conscientemente, com perfeito conhecimento de que estava a cometer graves infrações disciplinares, que punham em causa a especial relação de confiança que preside ao vínculo laboral.
45. O Recorrente bem sabia, pois que por diversas vezes lhe foi dito pelo empregador que quer os atrasos e as faltas dadas por si sem qualquer tipo de aviso ou justificação posterior, que os mesmos eram prejudiciais para a normal laboração da empresa.
46. Ou seja, tais comportamentos, atenta a culpa do agente e a sua gravidade e consequências, impossibilitaram, na prática, a subsistência da relação de trabalho existente, constituindo, por isso, fundamento legal para o despedimento com justa causa, nos termos do estatuído no artigo 351º, nos 1, 2, alíneas e) e g) e 3, do Código do Trabalho.
47. Ora, o dever de assiduidade está relacionado com a qualquer trabalhador coloca na realização da sua atividade, sendo que o artigo 128º, nº 1, alínea b) do Código do Trabalho proíbe as faltas e os atrasos injustificados.
48. E o Recorrente enquanto trabalhador aqui em causa, revelou com o seu comportamento falta (culposa) da diligência necessária para o bom desempenho das suas funções, demonstrando mesmo pouco ou nada se importar com as consequências, quer para o empregador quer para os seus colegas, de tal falta de diligência.
49. Visto que a relação laboral pressupõe uma execução continuada, quer os atrasos, muitos deles traduzidos em manhãs completas, quer as faltas sucessivas integram um cumprimento defeituoso do vínculo, suscetível de gerar na entidade patronal a quebra de confiança no Recorrente e, em consequência, potenciar o seu legítimo despedimento.
50. A verdade é que bem andou o Tribunal a quo ao considerar ter existido justa causa pois que a justa causa traduz-se, numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por banda do trabalhador.
51. A impossibilidade (prática) da manutenção do vínculo laboral existirá, assim, quando se consubstancie uma situação de quebra absoluta ou abalo profundo na relação de confiança entre o trabalhador e o empregador, tomando inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo, o que sucederá sempre que a rutura da relação laboral seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja suscetível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo.
52. O comportamento do Recorrente violou sem sombra de dúvidas o dever do trabalhador plasmado no art. 128º, nº 1, alínea b) do Código do Trabalho segundo o qual: “Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade”.
53. Tendo o Recorrente violado de forma culposa e grave este seu dever e tendo, este comportamento, causado sério prejuízo ao empregador sem a menor duvida de que nesta caso a gravidade no sentido de impossibilidade de subsistência da relação laboral.
54. Pelo que também quanto a este aspecto deve ser mantida a decisão recorrida.
O Ministério Público teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido da improcedência da apelação, ao qual as partes não responderam.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº. 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões colocadas pelo recorrente:
I. Impugnação da matéria de facto;
II. Nulidade do processo disciplinar;
III. (I)licitude do despedimento.

II. Factos provados:
a) O autor desempenhava as funções de Técnico de Cablagem.
b) Auferindo como contrapartida da prestação de trabalho a quantia mensal ilíquida de €625,00.
c) O autor tinha como horário de trabalho o seguinte: das 8h às 12h30m e das 14h às 17h30m
d) Tendo sido despedido a 30/5/2014 na sequência de um processo disciplinar levado a cabo pelo empregador.
e) O autor opôs-se à decisão de despedimento com justa causa por via de simples formulário em 26 de Junho de 2014.
f) Essa mesma decisão de despedimento foi precedida da instauração de processo disciplinar.
g) O empregador, em 27 de Março de 2014, comunicou ao trabalhador a sua intenção de promover o seu despedimento com justa causa, juntando a nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos.
h) A nota de culpa foi recebida pelo trabalhador a 28 de Março de 2014.
i) O trabalhador respondeu à nota de culpa, tendo requerido a inquirição de três testemunhas: H… que prestou depoimento; I… que não quis assinar as declarações que tinha prestado, ambos ouvidos a 10 de Abril de 2014, e J… que, apesar de notificado para prestar depoimento no dia 28 de Abril de 2014, não compareceu.
j) Depois de concluídas as diligências probatórias, por carta datada de 30/5/2014 e recebida pelo autor a 17/6/2014, a ré comunicou ao autor a sua decisão de aplicação da sanção de despedimento por ocorrência de justa causa.
k) O empregador procede ao registo dos tempos de trabalho através de sistema vulgarmente designado “relógio de ponto”.
l) Cada trabalhador procede à picagem do ponto imediatamente antes de começar a trabalhar, bem como imediatamente após terminar a sua jornada laboral.
m) Mensalmente o sistema emite mapa denominado “resultados mensais por funcionário” onde consta o registo de assiduidade de cada trabalhador em determinado mês.
n) O trabalhador nos dias a seguir identificados cumpriu o seguinte horário de trabalho:


o) O trabalhador não apresentou qualquer motivo justificativo para essas faltas e/ou atrasos.
p) A empregadora efectua trabalho “em série”, pelo que a não comparência do trabalhador e/ou os seus atrasos provocaram atrasos no processo de laboração.
q) De cada vez que o trabalhador faltava ou se atrasava outro colega tinha de ocupar o seu lugar, atrasando o seu próprio trabalho.
r) Do processo disciplinar instaurado ao trabalhador B… junto aos autos consta um termo de abertura do processo disciplinar com data de 24 de Março de 2014 que contém a assinatura da ilustre mandatária da Ré.
s) Através de carta datada de 27/3/2014 foi comunicado ao trabalhador a nota de culpa do processo disciplinar e a nomeação da instrutora do processo, conforme cópia que se encontra junta a fls. 7 do processo disciplinar apenso e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
t) O mandatário do trabalhador respondeu à nota de culpa, juntou procuração e remeteu-a com a resposta à nota de culpa à instrutora do processo disciplinar.
u) Na resposta à nota de culpa requereu a inquirição de testemunhas.
v) A Sra. instrutora do processo disciplinar procedeu à inquirição de testemunhas, mas não notificou o mandatário do trabalhador dessas diligências de inquirição de testemunhas para, querendo, estar presente.
w) No mês de Dezembro de 2013 o autor recebeu €21,00 de trabalho suplementar, no mês de Fevereiro de 2014 recebeu €165,00 a esse título e em Março de 2014 recebeu €91,50.
x) O Sr. D… é o Director Geral da empregadora.
y) É ele quem, diariamente, toma todas as decisões na ré sendo que os legais representantes da mesma residiam e residem em França.

III. O Direito
1. Impugnação da matéria de facto
Alega o recorrente:
Deveria ter-se dado como provado que a assinatura que consta da carta referida em J) dos factos assentes não é a assinatura do legal representante da Ré, mas sim do superior hierárquico do A., o Sr. D… e, nesta medida, deveria ter dado como provado a al. c) dos factos não provados.
Isto é, entende o recorrente que quem decidiu e comunicou o despedimento, assinando a carta de despedimento, foi o Sr. D…, superior hierárquico do recorrente.
As razões que o Recorrente invoca para fundamentar este entendimento são, por um lado, a própria confissão da Ré que no articulado Resposta, nomeadamente no ponto 5º reconhece que o poder disciplinar foi exercido pelo superior hierárquico, o Sr. D….
(…)
Por outro lado, as testemunhas indicadas pela Ré, quando confrontadas com as diversas assinaturas constantes do processo disciplinar, com excepção da testemunha E… que referiu que a assinatura constante de uma procuração outorgada à ilustre mandatária era a assinatura do Sr G…, legal representante da Ré, quer esta testemunha quer as demais afirmaram que as assinaturas constantes do processo disciplinar eram a assinatura do Sr. D….
Neste aspecto o Tribunal incorreu num grave erro de apreciação da prova, pois considerou que esta testemunha referiu que a assinatura constante da referida carta era do legal representante, quando ela afirmou o contrário, que era do Sr. D….
Neste sentido, de seguida, de forma abreviada, discriminarei as concretas e essenciais passagens dos depoimentos das testemunhas E… e F…, com indicação do que disseram do minuto e segundo x ao minuto e segundo y.
Mais alegou:
Por outro lado, na al. f) dos factos não provados, foi dado como não provado que a “assinatura que consta da carta referida em s) dos factos não provados não é do legal representante da ré, mas sim de D…”.
Deveria ter-se dado como provado esta matéria.
Ora, na motivação consta que “não foi feita qualquer prova segura de quem foi o autor da assinatura aposta na carta em questão”.
A ser assim, tendo em conta disposto no art. 342º do CC, considerando que o recorrente alegou que a assinatura aposta na referida carta não era do legal representante da Ré, mas sim de D…, competia à Ré provar que a assinatura pertencia ao legal representante da Ré, enquanto ao A. competia provar que a assinatura pertencia ao Sr. D….
A verdade é que se o Tribunal entende que não se fez prova segura de quem foi o autor da assinatura, não podia ter dado como provado que a assinatura é do legal representante da Ré até porque é esta que alega que quem exerceu o poder disciplinar foi o D… e não se concebe que tenha sido ele a exercer o poder disciplinar mas outrem a assinar a decisão disciplinar.
Sobre esta questão nada diz a recorrida.
O Ministério Público referiu que os excertos dos depoimentos das testemunha mencionados pelo recorrente não provam a matéria em causa.
É o seguinte o teor das alíneas da matéria de facto não provada aqui em causa:
c) A assinatura que consta da carta referida em j) dos factos provados não é a assinatura do legal representante da Ré.
f) A assinatura que consta da carta referida em s) dos factos provados não é do legal representante da ré mas sim de D….
Consta da alínea j) da matéria de facto provada:
Depois de concluídas as diligências probatórias, por carta datada de 30/5/2014 e recebida pelo autor a 17/6/2014, a ré comunicou ao autor a sua decisão de aplicação da sanção de despedimento por ocorrência de justa causa.
E da alínea s):
Através de carta datada de 27/3/2014 foi comunicado ao trabalhador a nota de culpa do processo disciplinar e a nomeação da instrutora do processo, conforme cópia que se encontra junta a fls. 7 do processo disciplinar apenso e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Alega a ré no articulado resposta à contestação/reconvenção:
Neste caso (como em todos os outros) o poder disciplinar foi exercido pelo superior hierárquico máximo do Autor, que, como este bem sabe, é o Director Geral da Ré o Exmo. Sr. D… (artigo 5º).
E como também bem sabe o Autor o Sócio Gerente, Exmo. Sr. G… morava em França pelo que o Exmo. Sr. D… tinha (e tem) todos os poderes de direcção sendo, aliás, a pessoa que diariamente toma absolutamente todas as decisões na Ré (artigo 6º).
Como se verifica, tal como salientado pelo recorrente, a recorrida confessou a matéria em questão, pelo que não há necessidade de recorrer para este efeito ao depoimento das testemunhas, o qual aliás se afigura inidóneo para prova dos factos em causa.
Assim, atento o que consta das alíneas x) e y) da matéria de facto provada (“O Sr. D… é o Director Geral da empregadora”), altera-se a matéria de facto provada, acrescentando-se duas alíneas, com o seguinte teor:
z) A assinatura que consta da carta referida em j) dos factos provados é de D….
aa) A assinatura que consta da carta referida em s) dos factos provados é de D….

2. Nulidade do processo disciplinar
2.1. Pretende o recorrente que, em função da alteração da matéria de facto provada o procedimento disciplinar é nulo.
Alega para o efeito:
Aparentemente, parece resultar que o Tribunal ficou convencido que o poder disciplinar foi exercido pelo superior hierárquico, pois teve a necessidade de se justificar, considerando que o superior hierárquico “possuía legitimidade para exercer o poder disciplinar sobre o Autor”
Ora, se o Tribunal precisa de fazer esta consideração, é porque ficou convencido de que o poder disciplinar foi exercido pelo superior hierárquico, e considerando que deu como provado que o Sr. D… é o seu superior hierárquico, logo o poder disciplinar foi exercido por este.
Tendo em conta a certidão de Registo Comercial junta aos autos, da qual resulta que o legal representante da Ré não é o D…, deveria ter-se dado como provado que a assinatura da carta referida em s) dos factos não provados não é do legal representante da Ré mas do Sr. D….
Esta seria a conclusão lógica.
A douta decisão confunde os conceitos, uma coisa é a mandatária ter poderes para representar a Ré e instruir o processo disciplinar, que resulta do facto de lhe ter sido outorgada procuração e ter sido nomeada instrutora do processo disciplinar, outra coisa, muito diferente, é o poder disciplinar em si e a titularidade do mesmo.
Ora, se quem outorgou procuração à ilustre mandatária da Ré e a nomeou instrutora do mesmo, foi o legal representante da Ré, mais precisamente, se quem a nomeou instrutora foi o legal representante da Ré, é porque o poder disciplinar lhe estava reservado.
Com a nomeação da instrutora ou mandatária, não resulta que o poder disciplinar passe para a instrutora ou para a mandatária. Não, o poder disciplinar, nos termos do disposto no art. 98º do CT é da competência e titularidade do empregador que, contudo pode delegar o seu exercício nos superiores hierárquicos dos trabalhadores, de uma forma específica, ou por delegação genérica.
Dos autos não resulta nenhuma delegação específica ou genérica, nomeadamente através de instrumentos de regulamentação colectiva (art. 329º,nº 4, do CT).
Aliás, o facto de ter sido o legal representante da Ré a nomear a instrutora do processo disciplinar, significa que, pelo menos naquele momento, o poder disciplinar lhe estava especificamente atribuído e como tal não se encontrava delegado.
Ora, para deixar de ser assim, isto é, para ter passado a ser o superior hierárquico da Ré a deter o poder disciplinar, teria que constar do processo uma delegação de poderes, essa delegação não existe.
Assim, entende o recorrente que quem comunicou o despedimento não tinha poderes para tal, pelo que o processo disciplinar é inexistente, ou nulo, configurando-se a ilicitude do despedimento por falta de procedimento disciplinar, ao abrigo do artigo 381º do CT.
Respondeu a recorrida:
(…) o poder disciplinar pode ser exercido pelo empregador ou por superior hierárquico do trabalhador com competência disciplinar, nos termos estabelecidos por aquele (cfr. artigo 329º, nº 4 do Código do Trabalho).
(…)
Neste caso existe delegação de poderes que se pode efetuar previamente com caracter geral e abstracto ou caso a caso e ainda ser global ou parcial.
Esta delegação de poderes não exige a existência de documento ou outra forma especial de a provar ...
Neste caso (como em todos os outros que já sucederam na Ré) o poder disciplinar foi exercido pelo superior hierárquico máximo do Autor ora Recorrente, que, como este bem sabe, é o Director-Geral da Ré o Exmo. Sr. D….
Pois, como também bem sabe o Recorrente o Sócio Gerente, Exmo. Sr. G… morava em França pelo que era (e é) o Exmo. Sr. D… que tinha (e tem) todos os poderes de direcção sendo, aliás, a pessoa que diariamente toma absolutamente todas as decisões na Ré.
(…)
Ora, nunca os poderes ou neste caso a alegada falta de poderes foi levantada pelo trabalhador pois que foi o mesmo Director Geral, o Sr. D…, que admitiu o Recorrente ao serviço da Ré.
Nunca uma ordem do mesmo foi discutida ou contestada porque não era dada directamente pelo sócio gerente enquanto figura física do empregador.
O Exmo. Sr. Director Geral tinha poderes para exercer o poder disciplinar que lhe permitiam nomear a instrutora do poder disciplinar e assinar todas as comunicações e actos que levaram à decisão final de despedimento com justa causa do Recorrente.
(...)
Pelo que não é nulo, inexistente ou inválido o procedimento disciplinar até porque este só é inválido se verificada a omissão de alguma das alíneas do nº 2 do artigo 382º do Código do Processo do Trabalho.
O que não sucede no caso concreto de forma que será de manter a decisão recorrida nos precisos termos que em a mesma se encontra.
Defende o Ministério Público:
O procedimento disciplinar só é inválido se se verificar alguma das situações enunciadas no nº 2 do art. 382º do CT, situação que não ocorre no caso em apreço, pelo que não enferma o mesmo de qualquer nulidade.
Se o recorrente tinha dúvidas sobre a legitimidade da pessoa que lhe comunicou a nota de culpa e a decisão de despedimento em representação da Ré, deveria ter-lhe exigido directamente que comprovasse os seus poderes, sob pena de a decisão por ele tomada não produzir efeitos, nos termos do disposto no nº 1 do art. 260º do CC, o que o recorrente não fez, uma vez que não suscitou a dúvida no âmbito do procedimento disciplinar.
Consta da sentença sob recurso:
Da factualidade dada como assente resulta que o empregador, em 27/3/2014, comunicou ao trabalhador a sua intenção de promover o seu despedimento com justa causa, juntando a nota de culpa com discriminação circunstanciada dos factos. Através dessa carta comunica igualmente ao autor a nomeação da instrutora do processo.
Ao contrário do que alega o autor não foi feita prova de que essa carta não tenha sido subscrita pelo legal representante da ré.
Ademais, através da mesma comunica-se ao autor a nota de culpa e a identificação da pessoa que foi nomeada instrutora do processo, sendo certo que não foi feita prova de que a nomeação da Sra. Instrutora é posterior à carta.
É certo que não foi feita prova de que a nomeação da instrutora é anterior.
Mas a verdade é que a instrutora do processo assinou já o termo de abertura do mesmo, certamente porque já teria sido nomeada para essa qualidade.
Importa ter presente, antes de mais, que a referida signatária é mandatária da ré. E, além disso, foi nomeada como instrutora do procedimento disciplinar que a ré instaurou ao autor, o que, de resto, este sabia por lhe ter sido transmitido logo na primeira comunicação que teve lugar naquele processo.
De modo que a intervenção daquela mandatária, na qualidade de instrutora, estava legitimada – cfr. arto 356º, nº 1.
Dispõe o art. 98º, nº 1, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12/02, aqui aplicável por ser o que já vigorava plenamente à data do questionado despedimento – cfr. Arts. 7º, nº 1, e 14º, nº 1, da Lei nº 7/2009 de 12/02 e art. 9º do Dec. Lei nº 295/2009 de 13/10, que o “empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho”
Por sua vez, estatui o art. 329º, nº 4, que “O poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.” (sublinhámos).
É manifesto que, in casu, o Sr. D… era superior hierárquico do autor, sendo o mesmo o diretor-geral da ré e a pessoa que diariamente toma todas as decisões na ré.
Assim, o mesmo possuía a legitimidade para exercer o poder disciplinar sobre o autor.
É também evidente que a Instrutora do processo não é empregadora, nem superiora hierárquica do autor.
A questão que se coloca é a de saber se a mesma podia exercer aquele poder em representação da ré e, na afirmativa, se o exerceu de modo que possa reconhecer-se como juridicamente válido.
Enquanto a titularidade do poder disciplinar pertence em exclusivo ao empregador (art. 98º), essa exclusividade já não se estende ao exercício desse mesmo poder. A lei consente, claramente, que o mencionado exercício seja levado a cabo por outrem, desde que lhe sejam conferidos poderes para o efeito pelo empregador. Isto é, poderes de representação específicos, que podem ser conferidos por procuração, entre outros, a um advogado mandatado para o efeito.
O que é importante é que o representante limite a sua atuação ao cumprimento das condições estabelecidas pelo empregador.
Nestes casos, o representante que esteja mandatado nesses termos, atua sempre em nome alheio e tem “o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada” – art. 1178º, nº 2, do Código Civil.
Já, ao invés, se o mandatário agir sem poderes de representação, atua em nome próprio e, por isso, “adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos atos ou sejam destinatários destes” – art. 1180º do Código Civil. Mas, nesta hipótese, “o mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato” – art. 1181º, nº 1, do Código Civil.
O mandato, no entanto, como se assinalou no Ac. STJ de 21/03/2012, processo nº 161/09.3TTVLG.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto, não se confunde com a procuração.
O mandato, com efeito, é a relação contratual pela qual uma das partes se obriga a praticar, por conta da outra, um ou mais atos jurídicos – art. 1157º do Código Civil. O contrato tem, pois, a finalidade primeira de criar essa obrigação e regular os interesses das partes contratantes.
Já a procuração “é o ato pelo qual o representado se vincula, em face de pessoa determinada ou do público, a receber e suportar na sua esfera jurídica os efeitos dos negócios que em seu nome realizar o procurador, nos limites objetivamente assinalados e, ao mesmo tempo, adquire direito a haver por seus, diretamente, esses negócios. Se quisermos, o ato pelo qual o representado se apropria, preventivamente, dos efeitos ativos e passivos de certos negócios jurídicos, a concluir em seu nome pelo representante”.
São, pois, figuras jurídicas distintas. É possível haver mandato sem representação (na medida em que essa relação contratual não confere, por si só, poderes de representação), tal como é possível a representação sem mandato. Basta pensar nas hipóteses de representação legal.
Mas, coexistindo ambos os institutos, ou seja, se o mandatário for representante por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, são-lhe aplicáveis, quer as regras relativas ao mandato, quer as atinentes à representação. É o que resulta do disposto no art. 1178º, nº 1, do Código Civil.
E assim, “nas relações mandante-mandatário – e ante a insuficiência ou inexistência do suporte formal respetivo – pontifica a regra constante do art. 1163º, valendo o silêncio do mandante, nas previstas circunstâncias, como aprovação da conduta do mandatário, ainda que este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante.
Nas relações com terceiros dispõe o arto 260º, nº 1, do Cód. Civil, que “Se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos.”
Trata-se de um esquema, como refere Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, 2005, pág. 85 e 86, “destinado, por um lado, a dar credibilidade à representação e, por outro, a evitar situações de incerteza quanto ao futuro do negócio jurídico, sempre que tarde a surgir a prova dos poderes invocados pelo representante”.
Ora, no caso em apreço, verificamos que a instrutora do processo disciplinar instaurado ao autor foi, não só nomeada como tal pelo diretor-geral da ré, mas foi ainda constituída pela ré como sua procuradora, a quem a mesma atribuiu, “os mais amplos poderes forenses em Direito permitidos, e ainda poderes especiais para, em seu nome, confessar, desistir, transigir, bem como receber custas de parte (...)”.
Em síntese a mesma tem poderes de representação, tendo sido nomeada instrutora do processo disciplinar que deu azo à decisão de despedimento pelo Director-geral da ré que tinha poderes para esse efeito. E o autor sabia-o, desde o início já que logo na primeira comunicação lhe foi transmitida essa nomeação, como já dissemos.
Ademais verificamos que o autor não levantou, no âmbito do processo disciplinar, qualquer dúvida sobre os poderes de representação da referida instrutora, só o tendo feito no decurso desta ação judicial.
Ora, do nosso ponto de vista, a haver dúvidas da parte do autor, o mesmo devia tê-las dissipado por via do procedimento já referido, previsto no art. 260º, nº 1, do Código Civil. Isto é, devia ter exigido diretamente à mandatária da ré que comprovasse todos os seus poderes, sob pena da decisão por ela tomada não produzir qualquer efeito.
Só neste caso, e na ausência de qualquer resposta ou de uma resposta imperfeita sob o aludido ponto de vista, é que se poderia questionar a validade e eficácia de tal decisão.
Bem sabemos que o dito procedimento foi instituído para a generalidade das declarações de uma vontade negocial dirigida a terceiro em nome de outrem. Mas, como tem sido jurisprudência dominante, esse procedimento é de aplicar igualmente às situações em que ocorre dúvida sobre os poderes do representante para o exercício da ação disciplinar.
Assim, concluímos não se verificar a referida nulidade e/ou inexistência do procedimento disciplinar.
Até porque o procedimento só é inválido se verificada alguma das omissões enunciadas no nº 2 do art. 382º do Código do Trabalho.
Ora, no caso em apreço, não ocorre nenhuma dessas omissões.
Nos termos do art. 98º do Código do Trabalho, o empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho.
Mais se estabelece no art. 329º, nº 4, do mesmo Código, que o poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.
O procedimento é inválido se: a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador; b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa; c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa; d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do nº 4 do artigo 357º ou do nº 2 do artigo 358º (art. 382º, nº 2, do Código do Trabalho).
Pretende o recorrente que o procedimento disciplinar foi instaurado e a decisão tomada por quem não tinha legitimidade para o efeito, uma vez que não é o gerente da empregadora.
Provou-se que:
Depois de concluídas as diligências probatórias, por carta datada de 30/5/2014 e recebida pelo autor a 17/6/2014, a ré comunicou ao autor a sua decisão de aplicação da sanção de despedimento por ocorrência de justa causa (al. j).
Do processo disciplinar instaurado ao trabalhador B… junto aos autos consta um termo de abertura do processo disciplinar com data de 24 de Março de 2014 que contém a assinatura da ilustre mandatária da Ré (al. r).
Através de carta datada de 27/3/2014 foi comunicado ao trabalhador a nota de culpa do processo disciplinar e a nomeação da instrutora do processo, conforme cópia que se encontra junta a fls. 7 do processo disciplinar apenso e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al. s)
O Sr. D… é o Director Geral da empregadora (al. x).
É ele quem, diariamente, toma todas as decisões na ré sendo que os legais representantes da mesma residiam e residem em França (al. y).
A assinatura que consta da carta referida em j) dos factos provados é de D… (al. z).
A assinatura que consta da carta referida em s) dos factos provados é de D… (al. aa).
Consta da alínea j) da matéria de facto provada que a ré comunicou ao autor a sua decisão de aplicação da sanção de despedimento por ocorrência de justa causa.
Este facto, de que foi a ré quem comunicou a decisão, embora se tenha provado que através do seu director geral, não foi impugnado pelo recorrente, tendo-se portanto por assente.
Por outro lado, a vontade dos legais representantes da empregadora resulta ainda de terem conferido mandato à instrutora do processo para tal efeito.
Seguindo o acórdão do STJ de 21-3-2012,[1] citado na sentença sob recurso, e conforme salientado pelo Ministério Público:
“Nas relações com terceiros – seja, no caso, na relação do mandatário com a destinatária da veiculada declaração negocial – dispõe o art. 260º/1 do Cód. Civil, em cujos termos‘[s]e uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos’.
“Assim, se a A. tivesse tido então dúvidas sobre os poderes delegados do/no advogado instrutor [no que aqui interessa do director geral da empregadora], agindo enquanto representante do empregador, (seja aquando da elaboração e envio da nota de culpa com anúncio da intenção de despedimento, seja depois, com a comunicação da rescisão do contrato com justa causa), a única coisa que lhe era lícito seria exigir a justificação dos poderes do representante.
“(...)
“Aquela norma – como se expende no Acórdão deste Supremo Tribunal e Secção, proferido em 20.12.2000, in www.dgsi.pt sob proc. n.º 00S2370 – tendo embora sido pensada para a eficácia das declarações de uma vontade negocial dirigidas a terceiro em nome de outrem, contém um princípio geral para a justificação dos poderes do representante, perfeitamente aproveitável para situações como a dos Autos.
“Esse entendimento foi posteriormente adoptado e mantido, v.g. no Acórdão tirado em 8.11.2006, também desta Secção, igualmente disponível em www.dgsi.pt, sob proc. n.º 06S2579, cuja bondade subscrevemos e, por isso, reiteramos.
“Além disso, o procedimento só é inválido se verificada alguma das omissões elencadas no nº 2 do art. 382º do Código do Trabalho”.
Assim, não se verifica a aludida nulidade.[2]

2.2. Mais alega o recorrente:
Outra questão que fere de vício de nulidade o procedimento disciplinar é o facto de a instrutora do processo disciplinar ter ignorado os direitos de defesa do arguido na fase instrutória.
Foi dado como provado na al. t) que “o mandatário do trabalhador respondeu à nota de culpa, juntou procuração e remeteu-a com a resposta à nota de culpa à instrutora do processo disciplinar”.
Na al. v) deu como provado que a “Sra instrutora do processo disciplinar procedeu à inquirição de testemunhas, mas não notificou o mandatário do trabalhador dessas diligências de inquirição, para querendo, estar presente.”
A não notificação do mandatário do arguido para estar presente à inquirição de testemunhas, constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada. Aliás, do procedimento disciplinar resulta que pelo menos uma testemunha se recusou a assinar o auto de declarações, o que indicia que o mesmo poderia não reflectir o teor das declarações por si prestadas.
Resulta ainda do procedimento disciplinar que uma testemunha não compareceu à inquirição.
Quer na primeira situação quer a segunda, o mandatário do arguido por não ter estado presente na inquirição, por dela não ter tido conhecimento, não pode tomar posição.
O arguido tem o direito a um processo justo, o que passa pela explicação de algumas regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal. (art. 32º, nº 3 e 5 da CRP).
Neste caso o direito à assistência de defensor, traduz-se no direito ao apoio do defensor no âmbito da prova testemunhal arrolada na nota de culpa.
Trata-se, no fundo, da aplicação com as necessárias adaptações de uma das regras atinentes com a constituição processual penal. Como se assinala no Acórdão no 59/95, do Plenário do Tribunal Constitucional, tem-se vindo a assistir a um “progressivo alargamento das garantias do direito penal ao direito disciplinar” (DR , 2ª Série, de 10-3-95).
Também por este fundamento o processo disciplinar é nulo.
Respondeu a recorrida:
(...) o trabalhador ou o seu Advogado não têm direito a estar presentes aquando da inquirição das testemunhas e que, por isso mesmo, o empregador não tem de fazer a comunicação prévia da data dessa inquirição, nem tão pouco a notificação posterior do resultado da inquirição ou da instrução.
(…)
Efectivamente a legislação laboral no âmbito do procedimento disciplinar concede ao trabalhador a oportunidade de ser ouvido e de apresentar a sua defesa, em tal se esgotando o princípio do contraditório, cingindo-se a produção de prova subsequente estritamente ao princípio do inquisitório, sem que esteja previsto o direito do trabalhador contraditar as testemunhas
A isto acresce que, em caso de impugnação de despedimento, a prova produzida no decurso do procedimento disciplinar não vale por si mesma, impondo-se que as partes a repitam em juízo, daí que seja irrelevante designadamente que o mandatário do trabalhador- arguido não tenha o direito de proceder na instrução disciplinar à inquirição das testemunhas arroladas pelo trabalhador.
Sobre esta matéria consignou-se na sentença sob recurso:
Em segundo lugar defende o autor que o processo disciplinar é nulo porquanto o seu mandatário não foi notificado para, querendo, estar presente aquando da inquirição das testemunhas que o autor indicou.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos não assistir qualquer razão ao autor.
Desde logo, não é taxada de nulidade do procedimento disciplinar a omissão do trabalhador ou de seu representante no acto dos depoimentos das testemunhas por si arroladas (art. 382º).
Por outro lado, a falta de contraditório relativamente à prova testemunhal produzida no procedimento disciplinar não integra nulidade do mesmo porquanto não estamos perante um processo contencioso, mas diante de um processo de parte, em que o empregador, titular do poder disciplinar e interessado nos autos, desempenha os dois papéis – parte e decisor – na decorrência normal do exercício do poder patronal.
Daí que a prova produzida em tal procedimento, suficiente para sustentar a decisão de punir e a medida a aplicar, não dispense a prova em Tribunal na acção de impugnação da sanção, aqui sim, efectuada contenciosamente, com observância do princípio do contraditório.
Assim, não tendo sido observado tal princípio na inquirição das testemunhas no procedimento disciplinar, por não ser obrigatório, não se mostra o mesmo procedimento inquinado de nulidade – ver, nesse sentido, Cfr. Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 1999, págs. 93 e 94 e Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, página 835.
Cremos, assim, que o procedimento disciplinar não se encontra ferido de qualquer nulidade.
É certo que há quem entenda que a aludida omissão pode gerar a nulidade do procedimento disciplinar quando se puder concluir que dessa omissão tenha resultado grave comprometimento da defesa apresentada pelo trabalhador no mencionado procedimento – ver, nesse sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-10-2010, processo 537/08.3TTFUN.L1-4, disponível em www.dgsi.pt.
A verdade é que mesmo quem adere a esse entendimento defende que nesses casos o trabalhador tem que alegar e provar factos de onde se possa extrair essa conclusão.
Ora, no caso em apreço não resultou provado, nem foi alegado, que a não notificação ao autor ou ao seu mandatário da data de inquirição das testemunhas provocou qualquer grave comprometimento da sua defesa.
Pelo que, mesmo para quem defenda essa posição, a excepção de nulidade teria que improceder.
Assim, não há motivos para a declaração da ilicitude do despedimento com base na irregularidade do processo disciplinar.
Também aqui não merece censura a decisão sob recurso.
Conforme se refere no acórdão do STJ de 25-9-2014,[3] o procedimento disciplinar laboral é um procedimento privado (e interno) da empresa, pelo que, em caso de impugnação do despedimento, é relegada para a fase jurisdicional a apresentação de todas as provas, máxime as atinentes à existência de “justa causa” por banda do empregador: este encontra-se vinculado na ação impugnatória pelos factos e motivos invocados no procedimento disciplinar; mas, quanto ao mais, tudo se passa como se tal procedimento não tivesse existido. De facto – e aqui reside o pano de fundo que permite uma visão integrada das diferentes dimensões envolvidas na questão em análise –, “o procedimento disciplinar nada prova” e “por isso mesmo se exige que o empregador realize de novo a prova em sede judicial”, sendo na “motivação do despedimento que reside o âmago (…) da tutela efetiva da posição do trabalhador” [Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, págs. 182-184].
A falta de notificação do advogado constituído pelo trabalhador não integra, igualmente, causa de nulidade do procedimento disciplinar, constante do art. 382º, nº 2, do Código do Trabalho.
Daí que se conclua que tal falta não constitui fundamento de nulidade de tal procedimento.[4]

3. (I)licitude do despedimento
Finalmente, alega o recorrente:
Por fim, coloca-se a questão de saber se, provando-se que o recorrente faltou ao trabalho por 69 hora e 20 minutos, se tal é bastante para justificar o despedimento com justa causa?
(…)
A verdade é que a Recorrida não alegou nem provou a gravidade que os atrasos ao trabalho provocaram na organização da Ré, apenas referiu ter ocorrido perturbação na organização do trabalho e que o trabalhador foi substituído por outro. Também não compete ao Tribunal apurar factos que não foram tão pouco alegados, quanto à gravidade dos alegados atrasos ao trabalho.
Quanto a este aspecto, o Tribunal dá a entender que o trabalhador chegava tarde ao trabalho para depois puder prestar trabalho suplementar e assim auferir uma maior retribuição.
E faz este raciocínio, aplicando-o, inclusivamente, coisa que nem a Ré foi capaz de fazer, naqueles dias em que o trabalhador, por ter prestado trabalho suplementar, não pôde descansar 11 horas seguidas entre dois períodos de trabalho, nomeadamente nos dias 12/12/2013, 20/12/2013, 22/1/2014, 18/2/2014 e 6/3/2014.
E, curiosamente, sem que a Ré o tivesse alegado e, por isso, o Tribunal o não podia conhecer, ter entendido que a prestação de trabalho suplementar até de madrugada, como aconteceu em alguns dias que antecederam os atrasos ao trabalho, tal ocorreu por motivos ponderosos da Ré e, por isso, afastou a aplicação do artigo 214º do CT
Isto é, o Tribunal teve uma visão do trabalhador como um trabalhador preguiçoso que chega tarde ao trabalho com a intenção de, por via desse atraso, ocorrer a necessidade de prestar trabalho suplementar e assim ganhar mais.
Por outro lado, mesmo sem a Ré o alegar, a douta sentença justificou o excessivo trabalho suplementar com razões ponderosas, coisa que nunca foi falada no processo.
E com este entendimento afastou a aplicação do art. 214º do CT.
Esta norma tem subjacente razões de segurança no trabalho, protecção do trabalhador e a sua realização pessoal, familiar, pelo que só é aceitável ultrapassar os limites aí imposto mediante razões muito ponderosas a ter em conta por parte do empregador.
O Recorrente alegou na sua defesa que nos dias em que não iniciou o trabalho à hora habitual, trabalhou muito para além do horário normal de trabalho em montante tão extenso que não lhe permitiu descansar 11 horas entre os dois períodos de trabalho.
A Ré, podia no articulado Resposta, ter alegado razões ponderosas que eventualmente poderia justificar essa situação, mas não alegou.
Foi o Tribunal que veio em socorro da Ré, e porque a norma em causa admite excepções, verificadas certas circunstâncias, decidiu o Tribunal que seriam de aplicar as excepções, mesmo sem se terem demonstrado os factos que permitiria excluir a aplicabilidade da norma.
(…)
Entende o Recorrente que nos dias 11, 12, 20 de Dezembro de 2013, 21, 22, 23, 24 de Janeiro de 2014 e 18, 20, 21 de Fevereiro de 2014 e 7 de Março de 2014, não pode ser imputado ao trabalhador atraso na entrada ao trabalho, porque ao chegar mais tarde, o fez no exercício legitimo de um direito, o direito de descansar pelo menos 11h seguidas após um período de trabalho tão longo, por vezes de 18 horas de trabalho.
Entendeu a douta decisão que os atrasos ao trabalho no período de tempo invocado pela Ré, foi motivo justificativo de despedimento com justa causa.
O período de atrasos ao trabalho ocorreram em dois anos civis, o ano de 2013 e 2014.
Relativamente ao ano de 2013 imputam-se 9,9h de atraso ao trabalho. Se não se considerarem os atrasos nos dias 11, 12 e 20 de Dezembro de 2013, temos que o trabalhador teve um atraso ao trabalho correspondente a 5.57h.
Relativamente ao ano de 2014, imputam-se 66h de trabalho em atraso.
Se não se considerarem atrasos ao trabalho os dias 21, 22, 23, 24 de Janeiro de 2014 e 18, 20, 21 de Fevereiro de 2014 e 7 de Março de 2014, pelos motivos supra referidos, temos que o trabalhador teve um atraso ao trabalho correspondente a 46.00h.
(…) sendo imposto ao trabalhador um horário de trabalho tão extenso que lhe não permita fruir do descanso que a lei acautela no artigo 214º do CT, é inexigível que o mesmo cumpra, no dia seguinte, o horário de trabalho habitual como se não tivesse prestado trabalho suplementa.
É certo que o trabalhador ao assinar um contrato de trabalho se coloca à disposição do empregador e compromete a sua pessoa com o empregador, mas isso não faz desaparecer a sua qualidade de membro de uma comunidade quer familiar quer outra qualquer.
Queremos com isto dizer que nos dias em que o trabalhador retomou o trabalho mais tarde do que habitual, nomeadamente, quando no dia anterior cumpriu, por ordem da Ré, um horário de trabalho tão longo que lhe não permitiu descansar o suficiente para que, com segurança e acautelada a sua saúde, possa retomar o trabalho, esses atrasos ao trabalho devem ser consideradas faltas justificadas.
E tendo em conta que o motivo foi do conhecimento da Ré, pois foi esta que o fez trabalhar tantas horas e o impediu de descansar o período legal, está o Autor dispensado de invocar junto do empregador esse motivo para a justificação.
A forma como as coisas são descritas, a crer que não se demonstrou o acordo que permitia ao trabalhador chegar mais tarde ao trabalho em certos dias de forma a compensar a sua disponibilidade para prestar trabalho suplementar, tudo dá a entender que a Ré não só não agiu disciplinarmente mais cedo, como não advertiu ou censurou o trabalhador, para mais tarde o despedir com justa causa, o que a ser assim, configura má fé.
Por tudo quanto se disse, não aceitamos a visão que transparece da douta sentença, que dá uma prevalência absoluta aos interesses da empresa em detrimento dos interesses do trabalhador como se a empresa fosse a única e absoluta alma mentis do direito do trabalho. Claro que perante uma visão deste tipo que vê o trabalhador, por um lado como interessado em chegar tarde ao trabalho para depois compensar com trabalho suplementar para assim auferir mais; vê o trabalhador como estando obrigado a trabalhar até às duas horas da madrugada, e no dia seguinte retomar o trabalho às 8.00h da manhã; não pode aceitar esta ideia de inexigibilidade como motivo justificativo de faltas, esta ideia para quem vê assim as relações laborais é um cenário dificilmente equacionável.
(...)
Considerando que a Ré está em dívida com o pagamento de trabalho suplementar, que não se demonstrou que o trabalhador se recusasse a prestar trabalho suplementar, não se provou que a Ré tenha advertido o trabalhador que o seu comportamento era altamente prejudicial para a normal laboração da empresa (cfr al. a) da matéria não provada), não se demonstrou que a Ré tenha tido prejuízo sério ou que a gravidade da infracção e consequências, torne impossível a subsistência da relação de trabalho e que com outra sanção, que não o despedimento, se acautelaria o fim visado, somos de crer que a sanção despedimento com justa causa é manifestamente desproporcionada, tanto mais que a empregadora não agiu disciplinarmente numa fase mais inicial da infracção, de modo a travar a continuação da infracção.
Respondeu a recorrida:
O Recorrente faltou num total de 69 horas e 29 minutos todas elas injustificadas.
O Recorrente não só não comunicou as suas ausências e atrasos ao empregador, como não apresentou qualquer motivo justificativo.
E mesmo depois de alertado pelo seu superior hierárquico que tal comportamento era altamente prejudicial para a normal laboração da empresa nada fazia para melhorar a sua assiduidade.
Acresce que algumas das faltas, além de constituírem uma clara violação do dever de assiduidade, são consideradas infracção grave, nos termos do art. 256º nº 2 do Código do Trabalho, uma vez que foram dadas a seguir a dia ou meio dia de descanso, nomeadamente, 2 de Dezembro (2ª feira), 9 de Dezembro (após feriado), 2 de Janeiro (após feriado), 6 de Janeiro (2ª feira), 17 de Fevereiro (2ª feira), 24 de Fevereiro (2ª feira). (cfr fls. 3 a 6 do doc. nº 2 já junto).
Com esse comportamento o Recorrente provocou prejuízos sérios ao empregador, uma vez que o mesmo efetua trabalho “em série”, pelo que a sua não comparência provocou atrasos no processo de laboração.
Além disso o Recorrente violou também, de forma sistemática o dever de colaboração com os demais colegas, uma vez que de cada vez que faltava ou se atrasava outro colega tinha de ocupar o seu lugar, atrasando o seu próprio trabalho.
Ora, o Recorrente não logrou provar, como lhe competia, o “acordo” que lhe permitia chegar a que horas bem lhe apetecesse.
Tal é absolutamente inconcebível sobretudo numa empresa que labora em série, ininterruptamente.
De forma que não subsistem dúvidas que estamos perante um comportamento culposo por parte do Recorrente.
O Recorrente ao não comparecer ao trabalho, sem sequer se dar ao trabalho de avisar o empregador da sua ausência, atuou de forma grave, reiterada e dolosa.
Tornou, com o seu comportamento, praticamente impossível a subsistência da relação laboral, quebrando de forma irremediável a necessária relação de confiança que serve de base à relação laboral.
Resulta evidente que o empregador deixou de poder confiar no Recorrente que reiteradamente não compareceu ao serviço, sem que para isso tenha motivo justificativo.
Toda a estrutura de funcionamento do empregador foi fortemente afectada com estes comportamentos, sendo que também os colegas de trabalho são prejudicados ao terem de “compensar” a falta do colega.
Não existem circunstâncias específicas susceptiveis de atenuar a culpa do trabalhador.
O Ministério Público pugnou pela licitude do despedimento.
Consta da sentença:
(…) salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que as faltas e atrasos sucessivos do autor, pela sua gravidade e consequências, tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Desde logo porque a ré logrou fazer a prova de que efectua trabalho “em série”, pelo que a não comparência do trabalhador e/ou os seus atrasos provocaram atrasos no processo de laboração.
Mais provou que de cada vez que o trabalhador faltava ou se atrasava outro colega tinha de ocupar o seu lugar, atrasando o seu próprio trabalho.
Esse comportamento terá, certamente, gerado na entidade patronal a quebra de confiança no trabalhador e, em consequência, potenciou o seu legítimo despedimento, sendo certo que entendemos que o grau de lesão dos interesses do empregador é, in casu, bastante elevado.
Ademais, tal comportamento será gerador de destabilização entre os próprios colegas de trabalho do autor que se vêem obrigados a ter que o substituir nas faltas e atrasos, descurando o seu próprio trabalho.
Por outro lado, há que atender ao facto de que, em apenas três meses (Janeiro, Fevereiro e Março de 2014), as faltas do autor totalizam mais de 60 horas, havendo dias sucessivos com atrasos.
Ora, o dever de assiduidade está relacionado com a diligência que o trabalhador coloca na realização da sua actividade, sendo que as faltas e atrasos sucessivos já integram um incumprimento defeituoso do vínculo, susceptível de gerar na entidade patronal a quebra de confiança no trabalhador e, em consequência, potenciar o seu legítimo despedimento.
Acresce que sabe-se também que o autor nunca comunicou previamente à Ré essas suas ausências, nem cuidou sequer de as justificar ulteriormente.
Por último, cumpre-nos salientar que, ao contrário do que parece entender o autor, a prestação de trabalho suplementar no mesmo período não pode “jogar” a seu favor, antes agrava a ilicitude do seu comportamento.
Com efeito, se o mesmo no mesmo período em que injustificadamente faltava entendia prestar trabalho suplementar certamente que o fazia porque compreendia e aceitava as necessidades acrescidas de trabalho que a entidade patronal, teria pois só, assim, a mesma teria motivos para exigir a prestação desse trabalho suplementar.
Assim, o facto de faltar injustificadamente quando tinha conhecimento dessa necessidade acrescida de trabalho agrava a ilicitude e a gravidade da sua conduta.
Ademais, por estar incluída no seu poder de direcção, a fixação do horário de trabalho cabe, em princípio, do empregador.
Permitir-se que um trabalhador possa, a seu belo-prazer e de acordo com as suas conveniências, “compensar” as suas faltas e os seus atrasos quando lhe aprouver, seria cometer- lhe a faculdade de ajustar, ele próprio, o seu horário de trabalho, em absoluta subversão de um poder legítimo do empregador e com os resultados à vista: anarquização completa da vertente gestionária dos recursos humanos.
Por outro lado, sabendo-se que a ré paga as horas de trabalho suplementar com um valor superior às horas de trabalho normais, essa possibilidade de compensação implicaria que, pelo mesmo número de horas de trabalho efectivo, a ré tivesse que pagar um valor superior. Ora, não pode permitir-se que um trabalhador aja dessa forma com a finalidade de conseguir receber mais ao final do mês.
Ante o exposto, concluímos que o comportamento do autor consubstancia violação consciente, reiterada e de acentuada gravidade, face designadamente à duração dos atrasos ocorridos, dos deveres de assiduidade e pontualidade, violação essa susceptível de afectar, não apenas a produtividade e disciplina na empresa, mas também, de forma que se nos afigura irremediável, a indispensável confiança do empregador quanto ao futuro comportamento do autor, tornando-lhe inexigível que mantenha a relação laboral.
Perante o concreto dos autos, afigura-se-nos de todo evidente não ser exigível a uma entidade patronal colocada na posição da Ré que mantivesse a relação laboral firmada com o Autor, independentemente dos concretos prejuízos que possa ter suportado e que, na espécie, estava até dispensada de coligir.
Em consequência, entendemos que o despedimento do autor por parte da ré é lícito, devendo improceder o pedido feito pelo autor de pagamento de qualquer indemnização em substituição da reintegração.
Nos termos do art. 338º do Código do Trabalho, é proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
O art. 351º do mesmo Código define justa causa de despedimento como o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, especificando no seu nº 2, als. d) e e), que 
constitui, nomeadamente, justa causa de despedimento o desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto, ou a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa.
Finalmente esclarece o nº 3 do mesmo preceito que na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Por seu lado, estatui o art. 330º do Código do trabalho que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.
Podemos, pois concluir que a noção legal de justa causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral. Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um bónus pater familias, de um empregador razoável, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto.[5]
A impossibilidade prática da subsistência da relação juslaboral é um conceito normativo-objectivo,[6] numa perspectiva de inexigibilidade da sua manutenção, que resulta de um comportamento que afecta, de modo irreparável, a relação de confiança, o dever de lealdade, na sua faceta subjectiva, criando, irreversivelmente, a dúvida, no espírito do empregador, sobre a idoneidade da conduta futura do trabalhador.
Conforme salienta Monteiro Fernandes, não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo. Assim, a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória.[7]
A determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes (intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, carácter das relações entre as partes), se conclua pela premência da desvinculação.[8]
O que releva é se, em consequência da conduta do autor, fica definitivamente prejudicada a relação de confiança e lealdade essenciais à manutenção da relação de trabalho.
Analisando o caso concreto, nos termos do art. 249º, nº 3, do Código do Trabalho as faltas são consideradas injustificadas no caso de não se encontrarem elencadas no nº 2 do mesmo preceito.
As faltas não justificadas representam o incumprimento do dever de assiduidade (artigo 256º, nº 1, do Código do Trabalho), traduzindo, pois, como se viu, um comportamento ilícito e culposo imputável ao trabalhador, um dos requisitos da justa causa de despedimento.
Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, importa concluir que o recorrente agiu com desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto, o que implica a conclusão da ocorrência da justa causa.
No âmbito dos juízos valorativos que hão-de presidir à indagação da justa causa, assume especial relevância o papel da confiança nas relações de trabalho: a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina.[9]
Ora, se cada uma das situações, isoladamente consideradas, pode justificar que se considere não existir o comprometimento da relação contratual, já ponderadas no seu conjunto se apresentam como conduzindo a uma “impossibilidade prática da subsistência da relação laboral deve ser reconduzida à ideia de inexigibilidade de manutenção vinculística”.[10]
Efectivamente, os comportamentos em causa prolongaram-se durante algum tempo (não se apresentando como actos isolados), o que denota a consciência e a intenção do trabalhador recorrente na sua assunção.
Lembra Júlio Gomes que, no respeitante às consequências da conduta do trabalhador, estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador.[11]
Assim, deve improceder a apelação.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 13-4-2015
Rui Penha - relator
Maria José Costa Pinto
João Nunes
_________________
[1] Acórdão do STJ de 21-3-2012, processo 161/09.3TTVLG.P1.S1, relator Fernandes da Silva, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[2] Sobre esta questão veja-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-12-2012, processo 477/11.9TTVRL-A.P1, relator João Diogo Rodrigues, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[3] Acórdão do STJ de 25-9-2014, processo 414/12.3TTMTS.P1.S1, relator Mário Belo Morgado, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[4] Acórdão do STJ de 8-6-2006, processo 05S3731, relator Vasques Dinis, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[5] Acórdão do STJ de 27-6-2007, processo 07S1050, relator Sousa Grandão, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[6] Jorge Leite, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 1985, pág. 250, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, págs. 947 e 952, e João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2011, pág. 371.
[7] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª edição, Coimbra: Almedina, 2006, págs. 557 e 575.
[8] Acórdão do STJ de 25-1-2012, processo 268/04.3TTLSB.L1.S1, 4ª Secção, relator Pinto Hespanhol, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[9] Mencionado acórdão do STJ de 5-1-2012.
[10] Maria do Rosário da Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 2010, pág. 185.
[11] Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pág. 951,