Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12333/20.5T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: SEGUNDA PERÍCIA
ADMISSIBILIDADE
RAZÕES DE DISCORDÂNCIA
Nº do Documento: RP2023041712333/20.5T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A segunda perícia que, regulada nos art.s 487º a 489º, do CPC, se destina a corrigir a eventual inexatidão dos resultados da primeira (nº3, do art. 487º, do CPC), não é uma nova e autónoma perícia, antes o seu objeto se tem de conter no âmbito da primeira perícia realizada, movendo-se dentro das questões de facto já, aí, averiguadas.
II - Com a consagração da possibilidade de realização de segunda perícia, visou o legislador tão só possibilitar a dissipação de concretas dúvidas sérias que possam decorrer da primeira perícia, relativas a específicas questões suscetíveis de levar a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia, para que possam não pairar na perceção de factos relevantes para a decisão de mérito.
III - Para tanto, e não sendo lícito realizar no processo atos inúteis (art. 130º, do CPC), impõe-se que sejam densificadas, com fundamentos sérios, as razões da discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, ficando a admissibilidade da segunda perícia dependente dessa fundada alegação, em requerimento tempestivamente apresentado (nº1, do art. 487º, do CPC), sem que o requerente tenha, contudo, de provar essas razões, pois que tal resultado apenas seria a alcançar com a realização da diligência requerida.
IV - Ao pronunciar-se sobre o meio de prova proposto, o tribunal tem, para além de analisar da efetiva afirmação de razões de dissonância (eventual inexatidão nos resultados da primeira que careçam de correção), de verificar se os motivos de discordância são, objetivamente, aptos a alcançar resultado distinto do da primeira perícia.
V - Cabendo ao juiz apreciar da proposição da prova e da sua admissibilidade, regendo-se a segunda perícia pelas disposições aplicáveis à primeira (cfr. art. 488º e, ainda, arts 467º a 486º, do CPC), analisando as razões alegadas, deve deferir o requerimento sempre que a diligência se não revele impertinente ou dilatória e as questões suscitadas sejam relevantes, do mesmo modo que o podia fazer com relação à primeira (art. 476º, nº1 e 2, do CPC).
VI - Não é impertinente nem dilatória a perícia que respeita a factos condicionantes da decisão final e cujo apuramento dependa de prova pericial, por estarem em causa os conhecimentos especiais (cfr. art. 388º, do Código Civil) que aquela pressupõe, sendo que o que se pretende do perito é que realize uma observação técnica - objetiva -, do objeto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação.
VII - A segunda perícia, solicitada para elucidar dúvidas objetivas e com relevo para o resultado, não é impertinente nem dilatória e, sendo relevante, impõe-se o seu deferimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 12333/20.5T8PRT-B.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível do Porto – juiz 6

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: a Ré, AA
Recorrido: o Autor, BB

AA, Ré na ação de Processo Comum que contra si foi proposta pelo Autor BB, não se conformando com o despacho que indeferiu a realização de segunda perícia dele apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a referida decisão e substituída por outra que, concedendo provimento ao recurso, admita e ordene a produção de prova nos termos peticionados pela Recorrente, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1) A e R discutem, entre outros, a divisão de dois prédios, em que demandante e demandada são comproprietários. Em consequência, decorrem actualmente os actos instrutórios atinentes às diligências probatórias necessárias à organização do processo e da audiência de discussão e julgamento, com a respectiva produção da prova requerida pelas partes.
2) O presente recurso é interposto após a R ter apresentado requerimento a peticionar a realização de segunda perícia colegial, pretensão essa indeferida, apresentando-se, assim, alegações recursivas, o que faz nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º, n.º 2 do artigo 630.º, alínea h), n.º 2 do artigo 644.º e n.º 4 do artigo 647.º do CPC, por se considerar, entre outros, violado o disposto nos artigos 342, n.º, 1, do CC e 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 411.º, 414.º, 417.º e ainda, os artigos 487º nº 1, e alínea b), do nº 1, do artigo 468º do CPC.
3) À presente instância recursiva deve ser atribuído efeito suspensivo, atendendo à fase em que se encontram os autos, tanto mais que do despacho em apreço já consta a data para realização da audiência de julgamento, a 29 de Março de 2023, pelas 09:30, pois que, com o prosseguimento e a realização de actos atinentes à audiência, colocando esses actos em causa os legítimos interesses da aqui Recorrente, a imediata execução da decisão de indeferimento da realização de segunda perícia, causa prejuízo irreparável à Recorrente, ou pelo menos de muito difícil reparação, sendo certo que a retenção do recurso para subir com a decisão final, teria efeito absolutamente inútil – vide alínea h), n.º 2 do artigo 644.º; e n.º 4 do artigo 647.º do CPC.
4) Se o recurso merecer provimento, como defende a Recorrente, tal determinará a realização de nova perícia, o que provocará ainda mais transtornos e encargos às partes e ao tribunal, situação que se pretende evitar com a atribuição do efeito suspensivo à presente instância – vide n.º 4.º do artigo 647.º do CPC.
5) O presente recurso resulta do despacho proferido pelo tribunal a quo, que não admitiu a realização de segunda perícia, colegial.
6) O requerimento foi apresentado após pedidos de esclarecimento efectuados pelas partes, nos termos do disposto no artigo 485.º do CPC.
7) O presente recurso visa, assim, a reapreciação da decisão que recaiu sobre pedido de realização de segunda perícia colegial peticionada pela R, pretendendo dar cumprimento ao ónus probatório que sob ela impende, mormente da prova quanto ao alegado entre os artigos 38.º a 93.º (Pedido Reconvencional) da Contestação, bem como para contraprova do alegado pelo A na PI.
8) A R evidenciou conjunto vasto de imprecisões, contradições e obscuridades detectadas na perícia efectuada, que não foram resolvidas, explicadas ou colmatadas com os esclarecimentos fornecidos.
9) A prova requerida (segunda perícia) permitirá, conforme justificado no próprio requerimento probatório, aferir de todas as questões por resolver, e que o Senhor Perito não foi capaz de responder, nem soube explicar.
10) Entre essas questões, destaca-se, (i) depreciação das benfeitorias realizadas pela R no prédio em apreço; (ii) a colocação de vedação de vidro temperado no terraço, como factor que não aumenta o valor do imóvel; (iii) a colocação de caixilharia dupla, como realidade que melhora a atenuação acústica e a transferência térmica pelos vão envidraçados, mas que prejudica a ventilação do interior da habitação e cria fenómenos de condensação; (iv) não consideração de obras realizadas no prédio pela R; (v) não consideração pelo Senhor Perito de documentação nos autos que prova a realização de obras; (vi) na perícia não se justifica porque indica um valor de obras, reparações e benfeitorias efectuadas pela R, no montante de, apesar de corrigido após pedido de esclarecimentos, de apenas, € 3.935,74; (vii) a perícia não se pronuncia sobre o conjunto de encargos descritos pela R no artigo 57.º quanto ao pedido reconvencional enxertado; (viii) o relatório pericial contém contradição insanável porquanto, começa por considerar que todas as obras realizadas se destinaram à manutenção e conservação do imóvel, sendo essa conclusão contraditória com a resposta dada ao quesito a-4), havendo manifesta confusão de conceitos, pois que se há benfeitorias elas devem ser avaliadas em função do seu contributo para o valor global do prédio, conclusão que parece evidente.
11) O relatório que resultou da perícia era parco em explicações e fundamentação das conclusões, mas as explicações sobrevenientes nada acrescentaram, apenas tendo permitido concluir que o Senhor Perito cristalizou na posição e nada considera mudar.
12) Não se conseguindo aferir também como o Senhor Perito alcançou a resposta às questões formuladas, mormente a quanto à análise à totalidade das obras, e porque exclui a maioria da sua apreciação, nem as quantificando, nem as avaliando.
13)Mesmo o quadro apresentado pelo Senhor Perito é ininteligível; (i) por um lado considera e desconsidera obras, consoante lhe “pareça”, ou não, que as mesmas foram efectuadas no período temporal consignado nos autos para aferição dos mesmos; (ii) por outro, atreve-se mesmo a fazer a seguinte declaração, para justificar não ter avaliado todas as obras indicadas: “As obras foram feitas ao longos dos anos não sendo possível determinar um valor aqui e acolá.”.
14) Atente-se no quadro apresentado pelo Senhor Perito, a propósito da resposta que entendeu dar, nestes termos: R: Ora atento à Nota Introdutória e aos demais esclarecimentos vertidos nesta laudo pericial de esclarecimentos, na mais objetividade de dissipar as dúvidas sobre a determinação de tais valores e o porquê da não consideração de todos os encargos, releva de tudo quanto se veio de analisar e acrescentar o seguinte: foi perguntado pelo Perito aos digníssimos Senhores Mandatários presentes na pericial efetuada ao local, que as obras a considerar seriam as realizadas posteriormente a dissolução do matrimónio, nomeadamente após 14 de março de 2013, que não foi contestado e sim aceite pelos presentes.
15) O Perito insiste nos esclarecimentos que prestou, em dizer que obteve a anuência sobre a avaliação de obras a partir da data de 14/03/2013, mas, questiona-se ainda, que outra anuência deveria ser dada, se é essa a data do decretamento do divórcio entre as partes?
16) Das explicações últimas em crise, percebe-se também que, apesar de não ser sua função nem incumbência, o Senhor Perito elencou obras – por referência ao quadro de fls. 10 a 12, inc – que não avaliou e sobre as quais não estabeleceu valor, tais como sejam as das alíneas l); m); n); na; nb.
17) Da análise ao relatório pericial e das subsequentes explicações, verifica-se que o Senhor Perito extravasou (totalmente) as suas competências ao efectuar perícia de acordo com a existência de documentos, como se outra prova inexistisse para além dessa, e, assim, passou a concluir não dever pronunciar-se sobre a sua existência e a aferir do efectivo valor.
18) O pedido de realização de segunda perícia fundamentou-se, também, na seguinte resposta do Senhor Perito ao quesito a-3): No quesito a-3) é perguntado o valor dos prédios antes de efetuadas as obras e reparações efetuadas pelas RR e subintende-se que o pressuposto serão as obras realizadas após a dissolução do casamento. As obras foram feitas ao longos dos anos não sendo possível determinar um valor aqui e acolá.”.
19) Mas era essa a missão do Senhor Perito, encontrar os valores para as obras indicadas, para se aferir do respectivo quantum.
20) A R discordou fundadamente do relatório pericial apresentado, de quanto nele veio concluído e dos esclarecimentos posteriores, os quais permitiram aferir, com elevado grau de certeza, que o Senhor Perito extravasou as suas competências e não procedeu à perícia / avaliação tal como foi determinada pelo Tribunal a quo e de acordo com os pressupostos indicados pelas partes e que foram sindicados judicialmente, pelo que nos termos do artigo 487º nºs 1 e 2 CPC, tenha requerido a realização de segunda perícia, de âmbito colegial.
21)Quando formulado pedido para realização de segunda perícia e que a mesma seja colegial, conforme a possibilidade prevista na alínea b), do nº 1, do artigo 468º do CPC, o Tribunal ao deferir a realização de tal diligência, deve atribuir-lhe carácter colegial peticionado pela parte.
22)E, pelas razões discordantes expendidas pela R entre os artigos 2.º a 34.º do seu requerimento, que evidenciam as insuficiências verificadas no relatório em crise, estas fundamentam a realização de segunda perícia, colegial, para averiguação dos factos tidos por absolutamente necessários ao apuramento da verdade, com a extensão e globalidade descritas, o que requer ou sugere seja ordenado oficiosamente.
23)Atempadamente, a R enquadrou a questão de facto e de direito e justificou a necessidade de realização de segunda perícia, uma vez que todas as diligências anteriores se mostraram insuficiente se nenhuma garantia há, com base no relatório existente, que as explicações do Senhor Perito em juízo venham a ser diferentes das explicações ora dadas, o que até seria aberrante.
24) Destarte, a alegação de factos essenciais pela R traduziu-se no conjunto de declarações vertidas na contestação, mormente entre os artigos 38.º a 93.º (Pedido Reconvencional), bem como para contraprova do alegado pelo A na PI, os quais admitem prova documental e pericial, razão pela qual a R peticionou o conjunto de diligências relativas à elaboração de perícia sobre as obras que efectuou no prédio, nos termos previstos nos artigos 487º nº 1, e alínea b), do nº 1, do artigo 468º do CPC.
25) É mister considerar-se que a regra em direito é quem alega um determinado facto tem a obrigação de prová-lo, resultando tal asserção do que conceptualmente se designa de ónus de prova, sendo que o artigo 342.º do Código Civil preceitua precisamente esta regra, circunscrevendo a lei a obrigação de prova dos factos que sejam constitutivos do direito que se alega, ou seja, os que servem de fundamento e que substancialmente configuram uma determinada posição jurídica, como é o caso.
26)O tribunal a quo deveria ter ordenado as diligências probatórias requeridas, de molde a permitir a concretização (cabal) dos factos alegados na Contestação, sob pena de, negando-se essa pretensão, limitar e restringir injustificadamente o ónus probatório que incumbe à R, sendo que nenhum dos mesmos comporta qualquer actividade superlativa ou excepcional para o tribunal, contraparte ou terceiros, sendo certo que tal prova não se encontra na livre disposição e determinação da R.
27)Este tribunal deve, assim, ordenar a realização de segunda perícia, colegial como requerido, nos termos do artigo 487º nº 1, por referência à alínea b) do n.º 1 do artigo 468.º do CPC, cumprindo-se, também por esta via, o princípio do contraditório e do inquisitório, conforme estatuído no artigo 411.º do CPC, para além de se salvaguardar a igualdade das partes e da boa gestão processual, o que se requer.
28) Pelas razões de facto e de direito invocadas, deve ser substituído o despacho recorrido, na parte a que se circunscreve o recurso, por douto Acórdão que admita a produção de prova nos termos peticionados pela Recorrente.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto – apelação autónoma, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (arts. 644º, nº2, al. d), 645º, nº2 e 647º, nº1, todos do CPC).
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é, tão só, a seguinte:
- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de direito ao indeferir a segunda perícia.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede, acrescentando-se, ainda, o seguinte (retirado dos autos):
1- Por despacho proferido em 14/2/2022, foi ordenada a realização de perícia;
2- Notificada do relatório pericial, a Ré apresentou-se a requerer a realização de segunda perícia, colegial, nos termos da alínea b), do nº 1, do artigo 468º, do CPC, tendo tal requerimento o seguinte teor:
“AA, R no processo supra referenciado, notificada do despacho com a ref.ª supra, relativa a esclarecimentos prestados sobre Relatório Pericial,
Vem apresentar RECLAMAÇÃO,
Nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Por estar em tempo para o efeito, vem requerer (i) a REALIZAÇÃO DE SEGUNDA PERÍCIA, colegial, ou, ainda, sugerir que a mesma seja realizada oficiosamente, tudo nos termos e pelos fundamentos seguintes:
(i) QUANTO À REALIZAÇÃO DE SEGUNDA PERÍCIA;
2. Nos esclarecimentos ao relatório pericial apresentado antes, diz-se o que a seguir se transcreve, com vista a fazer depreciar as benfeitorias realizadas pela R no prédio em apreço.
3. Assim, os esclarecimentos apresentados radicam no seguinte entendimento:
“Releva então reter, que quando o Perito responde que as obras não tiveram influência no valor do prédio, refere-se que as mesmas não fizeram o subir para um nível superior de qualidade mas que permitiu a atenuação da depreciação do valor de mercado, o que foi aclarado na perícia e que os digníssimos mandatários não contestaram e ao mesmo tempo aceitaram, apesar da listagem das obras, o que estava em causa eram as obras executadas após a dissolução do casamento, ou seja, depois de 14 de março de 2013.”
4. Tal declaração volta a não se encontrar devidamente justificada e fundamentada.
5. O perito continua a referir que as benfeitorias em causa não têm repercussão no valor do prédio, ou pelo menos não fizeram subir o valor do prédio, e, ainda assim, mantém que a colocação de vedação de vidro temperado no terraço não aumenta o valor do imóvel, o que por si, sem qualquer justificação e fundamentação, é uma aberração.
6. O perito continua a dizer, sobre a colocação de caixilharia dupla, desta feita, que a mesma melhora a atenuação acústica e a transferência térmica pelos vão envidraçados, por outro prejudica a ventilação do interior da habitação e criando fenómenos de condensação.
7. Ora, o que o perito diz é que, na prática, uma habitação com ou sem caixilharia dupla é a mesma coisa.
8. Tal como é quando o revestimento e impermeabilização são reforçados.
9. Tais conclusões não são aceitáveis, tanto mais que não se encontram justificadas.
10. Por outro lado, acrescenta a seguinte justificação quanto ao valor das obras não consideradas: Síntese Conclusiva: Releva então reter, que quando o Perito responde que as obras não tiveram influência no valor do prédio, refere-se que as mesmas não fizeram o subir para um nível superior de qualidade mas que permitiu a atenuação da depreciação do valor de mercado, o que foi aclarado na perícia e que os digníssimos mandatários não contestaram e ao mesmo tempo aceitaram, apesar da listagem das obras, o que estava em causa eram as obras executadas após a dissolução do casamento, ou seja, depois de 14 de março de 2013.
11. Ora, o aqui mandatário não aceitou nada. Nem tinha de aceitar. Os mandatários não são intervenientes na perícia. Apenas colaboram e assessoram as partes.
12. Limitou-se a estar presente na perícia e a dar nota que havia documentos no processo que o Perito deveria ter em conta, nomeadamente para aferir das obras que foram indicadas pela R.
13. Tão somente isso.
14. O aqui mandatário não concordou, nem discordou da diligência, nem em quanto o perito decidiu ver e analisar.
15. Continua, assim, o perito por justificar porque indica um valor de obras, reparações e benfeitorias efectuadas pela R, no montante de, apesar de corrigido, agora de apenas, € 3.935,74.
16. Assim, afinal, a reclamação apresentada teve o condão de revelar valores que, mesmo na visão errada do Perito se encontravam erradamente calculados, todavia, continua por responder ao respectivo quesito, identificado como a-2), sendo os esclarecimentos apresentados absolutamente ininteligíveis, de tão vagos, gerais e imprecisos.
17. O Senhor Perito continua sem atentar devidamente no descritivo que consta dos respectivos autos.
18. Assim, recorda-se, mais uma vez, quanto a R indicou terem sido os seus encargos/despesas suportadas, tal como se encontra vertido no pedido reconvencional:
A R procedeu às seguintes benfeitorias, tendo tido os seguintes encargos:
a) – Obras interior do prédio, pintura total e corrimões: € 331,25 – doc 1 a 3;
b) – Vedação e colocação de vidros temperados em todo o perímetro do terraço: € 830,00 – doc 4;
c) – Obras de renovação, tratamento, isolamento e escoamento das águas pluviais na zona do terraço (área descoberta) / remoção total de pavimento e substituição do mesmo / colocação de nova tela para impermeabilização / tratamento e impermeabilização dos muros e novo parapeito: € 5.960,00 – doc 5;
d) – Colocação de alarme segurança casa: € 507,00, a que acresce a mensalidade de € 41,21– doc 6 e 7;
e) – Pintura total da casa: € 755,00 – doc 8, 9, 10;
f) – Obras de carpintaria ao nível da cozinha, com substituição de friso e rodapés (€ 175,00), colocação de 5 (cinco) portas novas, puxadores e chaves (€ 485,00), no valor de € 660,00 – doc 11, 12, 13, 14 e 15;
g) – Intervenção ao nível do sistema e ligações eléctricas, com serviços de electricista e encargos com material elétrico, no valor de € 545,84 – doc 16 a 30;
h) – Obras de serralharia, com a colocação de estores (€ 620,00) e caixilharia dupla (€ 1.200,00), no valor de € 1.820,00 – doc 31 A 34;
i) – Obras de pichelaria, com a reparação e colocação de cilindro (€ 302,06), substituição do antigo (€235,95) e instalação do novo cilindro (€ 120,00), no valor de € 658,01 – doc 35 a 38;
j) – Colocação de roupeiros embutidos (€ 1.398,00), complementos de roupeiros (€ 205,99) e procedimento de entrega / transporte (€ 106,06) no valor de 1.710,05 – doc 39 a 51;
k) – Pichelaria / substituição de canalização antiga – doc 52, 53, 54, 55;
l) – Substituição de portas, caixilharias, persianas – protesta junção documentos;
m) – Substituição de vidros – protesta junção documentos;
n) – Pintura do interior da habitação, efectuada nos anos de 2013/2014, que consistiu na pintura de paredes (€ 500,00), portas e rodapés (€ 1.050,00), cozinha (€ 485,00), no valor de € 2.025,00;
a) – Diversas obras ajardinamento no terraço, a saber: Colocação de toldo; mobiliário, mesas e cadeiras exteriores, floreiras, plantas, horto, iluminação, candeeiros, colocação de esteiras de isolamento para o terraço lateral, barbecue, € 2.000,00 – protesta junção documentos;
b) – Obras para reparação e infiltração de água e debelar problemas de humidade existente em WC, no valor de € 600,00;
Apenas quanto ao descrito supra, o valor das obras estruturantes e benfeitorias descritas ascende a € 17.843,36.
19. Todavia, como se referiu, não se consegue perceber a razão porque boa parte das verbas não foram consideradas, e, as que vêm consideradas, inexiste qualquer explicação adicional sobre a determinação e inclusão das mesmas.
20. Ou seja, de acordo com o relatório pericial, a parte que diz respeito a benfeitorias não deve ser considerada para efeitos da avaliação, conclusão com a qual se concorda,
21. O mesmo se podendo dizer sobre as obras e encargos suportados pela R, que vêm limitados ao valor actualizado de € 3.935,74.
22. No relatório pericial refere-se, ainda, que as obras (todas) realizadas se destinaram à manutenção e conservação do imóvel, sendo essa declaração contraditória com a resposta ao quesito a-4), havendo manifesta confusão de conceitos, pois que se há benfeitorias elas devem ser avaliadas em função do seu contributo para o valor global do prédio, conclusão que parece evidente.
23. Ora, sendo possível a avaliação de todos os predicados, certo é que tal não resulta claro do relatório pericial.
24. Vale isto por dizer que, tendo sido indicadas despesas e encargos suportados pela R no valor de € 17.843,36, após o decretamento do divórcio, deve resultar (cristalino) do relatório, a analise critica de todos os encargos verificados pelo Perito e os que ficam sujeitos a melhor prova.
25. O relatório era parco em explicações e fundamentação das conclusões, mas as explicações sobrevenientes nada acrescentam, apenas que o Senhor Perito cristalizou na posição e nada considera mudar.
26. Não se conseguindo aferir como o Senhor Perito alcançou a resposta às questões formuladas, mormente a quanto à totalidade das obras.
27. Como resultava manifesto do relatório e agora ainda mais evidente dos esclarecimentos.
28. O quadro apresentado pelo Perito é ininteligível; por um lado considera e desconsidera obras, consoante lhe “pareça”, ou não, que as mesmas foram efectuadas no período temporal consignado nos autos para aferição dos mesmos;
por outro, atreve-se mesmo a fazer a seguinte declaração, para justificar não ter avaliado todas as obras indicadas: “As obras foram feitas ao longos dos anos não sendo possível determinar um valor aqui e acolá.”.”.
29. Então e a necessária justificação e fundamentação técnica para a impossibilidade concreta para aferição de valores?
30. Com efeito, atente-se no quadro apresentado pelo Senhor Perito, a propósito da resposta que entendeu dar, nestes termos: R: Ora atento à Nota Introdutória e aos demais esclarecimentos vertidos nesta laudo pericial de esclarecimentos, na mais objetividade de dissipar as dúvidas sobre a determinação de tais valores e o porquê da não consideração de todos os encargos, releva de tudo quanto se veio de analisar e acrescentar o seguinte: foi perguntado pelo Perito aos digníssimos Senhores Mandatários presentes na pericial efetuada ao local, que as obras a considerar seriam as realizadas posteriormente a dissolução do matrimónio, nomeadamente após 14 de março de 2013, que não foi contestado e sim aceite pelos presentes.
31. O Perito insiste em dizer que obteve a anuência sobre a avaliação de obras a partir da data de 14/03/2013, mas que outra anuência deveria ser dada, se é essa a data do decretamento do divórcio entre as partes?
32. Por outro lado, percebe-se agora que, apesar de não ser sua função nem incumbência, o Senhor Perito elencou obras – por referência ao quadro de fls. 10 a 12, inc – que não avaliou e sobre as quais não estabeleceu valor, tais como sejam as das alíneas l); m); n); na; nb;
33. Aliás, exemplo lapidar das críticas formuladas à perícia efectuada, é o facto de o Senhor Perito ter considerado que “…Colocação de toldo…a colocação de esteiras de isolamento para o terraço lateral…” são “…obras de decoração que não influenciam a avaliação do imóvel”, colocando-as todas, no mesmo patamar – meras obras de decoração.
34. Ou seja, o Senhor Perito extravasou (totalmente) as suas competências ao efectuar perícia de acordo com a existência de documentos, como se outra prova inexistisse para além dessa, e, assim, passou a concluir não dever pronunciar-se sobre a sua existência e a aferir do efectivo valor das mesmas. ORA,
35. Com o devido respeito, não foi isso que lhe foi pedido.
36. O que lhe foi pedido foi para avaliar as obras indicadas pela R no seu articulado.
37. Nenhuma outra consideração ou análise foi pedida ao Perito, pois que, se fosse esse caso, para avaliar de outra realidade ou pressupostos, os quesitos formulados teriam de ser amplamente diversos.
38. O que não foi – nem é – o caso.
39. Por último, o presente requerimento fundamenta-se, também, na seguinte resposta do Senhor Perito ao quesito a-3): No quesito a-3) é perguntado o valor dos prédios antes de efetuadas as obras e reparações efetuadas pelas RR e subintende-se que o pressuposto serão as obras realizadas após a dissolução do casamento. As obras foram feitas ao longos dos anos não sendo possível determinar um valor aqui e acolá.”.
40. Mas era essa a missão do Senhor Perito, encontrar os valores para as obras indicadas, para se aferir do respectivo quantum. AINDA SEM CONCEDER,
41. A reboque dos esclarecimentos justa e fundadamente peticionados – atenta a gama de insuficiências e incipiências assacadas ao relatório – o Senhor Perito vem apresentar nota de honorários, como se, na prática, nova perícia tivesse efectuado; revelando prática irregular e manifestamente abusiva que o Tribunal, salvo melhor opinião, não deve acolher nem aceitar, e cujo indeferimento também se requer.
42. Daí que se discorde fundadamente do relatório pericial apresentado, de quanto nele vem concluído e dos esclarecimentos posteriores, os quais permitem aferir, com elevado grau de certeza, que o Senhor Perito extravasou as suas competências e não procedeu à perícia / avaliação tal como foi determinada pelo Tribunal e de acordo com os pressupostos indicados pelas partes e que foram sindicados judicialmente, pelo que, ainda nos termos do art. 487º nºs 1 e 2 CPC, se requeira a realização de segunda perícia ou se sugira que seja a mesma ordenada oficiosamente.
43. A segunda perícia deve ser colegial, o que se requer. Com efeito,
44. Quando formulado pedido para realização de segunda perícia e que a mesma seja colegial, conforme a possibilidade prevista na alínea b), do nº 1, do artigo 468º, do Código de Processo Civil, salvo melhor opinião, o Tribunal ao deferir a realização de tal diligência, deve atribuir-lhe carácter colegial peticionado pela parte.
45. Tal facto, permitirá, assim, evitar os vícios assacáveis à primeira perícia, precisamente verificáveis por ter sido singular.
Acresce que,
46. Salvo melhor opinião, pelas razões discordantes expendidas nos artigos 2.º a 34.º, que evidenciam as insuficiências verificadas no relatório em apreço, estas fundamentam a realização de segunda perícia, colegial, para averiguação dos factos tidos por absolutamente necessários ao apuramento da verdade, com a extensão e globalidade descritas, o que requer ou sugere seja ordenado oficiosamente.
TERMOS EM QUE DEVE SER ORDENADA A REALIZAÇÃO DE SEGUNDA PERÍCIA COLEGIAL, NOS TERMOS DA ALÍNEA B), DO Nº 1, DO ARTIGO 468º, DO CPC.
REQUER SEJA INDICADO PERITO À R, POR BENEFICIAR DE PROTECÇÃO JURIDICA.”.
3- Respondeu o Autor/Recorrido pugnando pelo indeferimento da segunda perícia por não estarem reunidos os pressupostos para a sua realização porquanto o relatório apresentado se encontra devidamente fundamentado, ainda que as partes possam discordar das conclusões a que o mesmo chega, e sustentando que caso o Tribunal entenda ser de realizar a segunda perícia sempre a mesma deve seguir os moldes da primeira por não estarem reunidos os pressupostos para o recurso à perícia colegial, contra o que se insurgiu a Ré.
4. A realização de segunda perícia veio a ser indeferida por despacho com o seguinte teor: “Indefere-se a realização de segunda perícia colegial, porquanto o Sr. Perito já prestou os esclarecimentos devidos e oportunamente colocados pelas partes, sendo que sempre as partes podem obter esclarecimentos adicionais em audiência de julgamento”.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da admissibilidade da segunda perícia
Insurge-se a apelante contra a decisão que indeferiu o seu requerimento a solicitar a realização de uma segunda perícia, pugnando pela sua admissão, alegando que o Tribunal a quo, ao indeferir a segunda perícia, ignorando as suas razões de discordância em relação ao relatório apresentado, sendo que evidenciou imprecisões, falta de explicações, contradições e obscuridades detetadas na perícia efetuada, violou, o artigo 487º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência.
Cumpre, pois, analisar da admissibilidade da segunda perícia, requerida com invocação de sérias inexatidões da primeira.
Estatui o nº1, do artº. 487º, do CPC, que “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”, que (v. nº 3) “tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta”.
Assim, impõe, presentemente, a lei, para que possa ser admitida segunda perícia, a requerer “no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira”, que, no requerimento, o requerente “alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”.
Na verdade, “a prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes (artº 341º do Código Civil). Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objecto: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388º do Código Civil).
Realizada a perícia, o resultado da mesma é expresso em relatório, no qual o perito se pronuncia fundamentadamente sobre o respetivo objecto (artº 484º do CPC), o qual é notificado às partes, que dele podem reclamar, se entenderem que há nele qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas (artº 485º nº1 e 2 do CPC). A reclamação consiste, assim, em apontar a deficiência ao relatório apresentado e pedir que a resposta seja completada; em denunciar a obscuridade e solicitar que o ponto obscuro seja esclarecido; em notar a contradição e exprimir o desejo de que ela seja desfeita; ou em acusar a falta de fundamentação das conclusões e pedir que sejam motivadas.
Deferida a reclamação, pode o tribunal determinar que o perito supra as deficiências do relatório, por escrito, ou então que preste os esclarecimentos solicitados, oralmente, na audiência de julgamento (artº 486º do CPC).
Qualquer das partes pode, também, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira.(…)
Actualmente, como resulta do citado artº. 487º nº 1 (correspondente ao 589º nº1 do anterior CPC sem quaisquer alterações), exige-se que, para além da discordância com a primeira perícia, o requerente da segunda perícia alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
Ou seja, o pedido de segunda perícia tem de ser fundamentado com as razões por que a parte discorda da primeira perícia. Não basta requerê-la, sendo ainda exigido a quem a requer que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., pág. 554 e ac desta RG de 7/05/2013, disponível em www.dgsi.pt).
Como se refere no acórdão do STJ de 25/11/2004 (também disponível em www.dgsi.pt.) “A expressão adverbial “fundadamente” significa precisamente que as razões da dissonância tenham de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira” (no mesmo sentido, Ac desta RG de 17/01/2013, também disponível em www.dgsi.pt).
Esta exigência de fundamentação imposta às partes que requeiram a segunda perícia decorre de duas ordens de razões: a primeira, de natureza processual, ou seja, impedir que seja utilizada como "mero expediente dilatório" ou "mera chicana processual"; a segunda, de natureza substantiva, apontar e precisar as razões da discordância com o resultado da primeira perícia, as quais não podem deixar de incidir sobre eventuais inexactidões, insuficiências ou contradições de que padeça a primeira perícia, atento o disposto no n.º 3 do art. 487º do Código de Processo Civil (cfr. neste sentido Ac STJ, de 25-11-2004; da RP, de 23-11-2006 e de 07-10-2008; da RL, de 28-09-2006, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Acentua-se ainda que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo Tribunal (artº. 489º do CPC), sendo a segunda perícia mais um meio de prova que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos (Fernando Pereira Rodrigues “Os Meios de Prova em Processo Civil”, Março de 2015, Almedina, pág. 151 e ac desta RG de 22/06/2010 acessível em www.dgsi.pt) [1].
Embora se destine a corrigir a eventual inexatidão dos resultados da primeira perícia, os resultados da segunda não têm prevalência sobre os resultados da primeira, nem aquela tem o caráter de recurso desta, sendo ambos os resultados valorados segundo a livre convicção do julgador, fornecendo uma e outra elementos de prova sobre os factos - diga-se já, não sobre direito ou subsunção jurídica, porque esta cabe em exclusivo ao julgador nem sobre factos que apenas podem ser provados por documentos, pois que são eles que têm de ser juntos - que o julgador aprecia livremente, em conjugação com todas as restantes provas, para formar a sua convicção[2].
O que a lei teve em vista ao consagrar a possibilidade de realização de segunda perícia foi possibilitar a dissipação de dúvidas sérias que decorram da primeira perícia, por forma a que não subsistam na perceção de factos com relevância para a decisão de mérito.
A segunda perícia pressupõe que sejam invocadas razões de discordância quanto ao juízo técnico da primeira perícia e visa corrigir inexatidões nos resultados a que a primeira perícia chegou.
E o objetivo atingir com a exigência de fundamentação das razões de discordância é, desde logo, evitar segundas perícias dilatórias, exigindo-se, para tanto, à parte que concretize os pontos de facto não suficientemente esclarecidos na primeira perícia, enunciando as razões por que entende que o resultado da perícia deveria ser diferente. A parte tem de indicar os pontos de discordância (as inexatidões a corrigir) e justificar a possibilidade de uma distinta apreciação técnica. Não cabe ao tribunal aprofundar o bem ou o mal fundado da argumentação apresentada, sendo que só a total ausência de fundamentação constitui razão para indeferimento do requerimento para a realização da segunda perícia (RP 10-7-13, 1357/12 e RE 18-9-12, 4162/09). Fundamentando o requerente as razões da sua discordância face ao resultado da primeira perícia, a lei não permite ao juiz uma avaliação de mérito da argumentação apresentada como suporte da divergência, devendo o juiz determinar a realização da segunda perícia, desde que conclua que a mesma não tem caráter impertinente ou dilatório (RP 11-1-16, 4135/14)[3].
O objetivo a alcançar com a exigência de fundamentação das razões de discordância é evitar segundas perícias desnecessárias, inúteis e dilatórias, exigindo a lei, para o evitar, a especificação, a concretização, dos pontos de facto não cabalmente esclarecidos na primeira perícia e a indicação das razões do entendimento de dever o resultado da perícia ter sido diferente, tendo o requerente de indicar os pontos de discordância, isto é, as inexatidões a corrigir, e justificar a possibilidade de uma diversa apreciação técnica.
Expressam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa não caber ao tribunal aprofundar o bem ou o mal fundado da argumentação apresentada, sendo que só a total ausência de fundamentação constitui razão para indeferimento do requerimento para a realização da segunda perícia (RP 10-7-13, 1357/12 e RE 18-9-12, 4162/09). Fundamentando o requerente as razões da sua discordância face ao resultado da primeira perícia, a lei não permite ao juiz uma avaliação de mérito da argumentação apresentada como suporte da divergência, devendo o juiz determinar a realização da segunda perícia, desde que conclua que a mesma não tem caráter impertinente ou dilatório (RP 11-1-16, 4135/14)[4].
Indo um pouco mais longe e seguindo a evolução da legislação adjetiva, bem se concluiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 14/2/2019, supra citado, “o requerimento da parte a solicitar a realização da segunda perícia pode ser indeferido pelo tribunal, se se considerar que na primeira perícia o perito já respondeu de forma clara e completa aos quesitos formulados”, referindo-se” “não temos dúvidas em afirmar que a realização da segunda perícia é sindicável pelo tribunal, considerando-se, nomeadamente, que a primeira perícia deu já cumprimento ao pedido da parte e que nela se respondeu já às questões solicitadas, embora não possam ainda ser emitidos juízos de valor sobre o resultado da mesma. A intervenção do tribunal deve aqui limitar-se a aferir se a prova pericial – a primeira perícia – cumpriu já os desideratos(…) Ou seja, a parte tem o dever de justificar o motivo por que pretende a realização da segunda perícia – quais as razões por que discorda da primeira -, competindo ao tribunal verificar se ela tem razão de ser – se existem inexactidões nos resultados da primeira que careçam de correcção.
Ela é, por isso, sindicável, como o são, no geral, todas as provas requeridas pelas partes – devendo o tribunal emitir sobre as mesmas um juízo, não só de legalidade, se elas são legalmente admissíveis –, mas também se elas são pertinentes e têm por objecto a prova dos factos que se propõem provar.
Isso mesmo resulta, cremos que de forma clara, do disposto no artº 476º nº1 do CPC, ao ali se referir que “Se entender que a diligência não é nem impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”, acrescentando o nº 2 que “Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-a a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade” ”.
Também o Tribunal da Relação de Coimbra se orientou no sentido de embora não cabendo ao Tribunal aprofundar o bem (ou mal) fundado da argumentação apresentada, pode indeferir o requerimento com fundamento no caráter impertinente ou dilatório da segunda perícia[5], o mesmo acontecendo em Acs. da Relação de Guimarães, onde se decidiu poder vedar-se a sua iniciativa no caso de impertinência, desnecessidade ou irrelevância ou da natureza meramente dilatória do requerido[6].
Aliás, se relativamente à primeira perícia e face ao estatuído no artº 476º nº1 e 2 do CPC, o juiz pode indeferir o requerimento por a diligência ser impertinente ou dilatória e indeferir questões suscitadas pelas partes por desnecessárias, inadmissíveis ou irrelevantes, nenhum sentido faria que o não pudesse fazer, com a mesma amplitude em relação a outra perícia (a segunda), que verdadeiramente é repetição, total ou parcial, da primeira, que tem por objeto a averiguação das mesmas questões de facto sobre que incidiu a primeira e se destina a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta, regendo-se a segunda pelas disposições aplicáveis à primeira (art. 488º).
E uma diligência de prova será impertinente (devendo, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa[7] e, mais ainda, se nem de questão de facto se tratar mas mera questão de direito ou se a perícia não for o meio próprio para provar certo facto.
É impertinente ou dilatória a perícia que não respeita a factos condicionantes da decisão final ou que, embora a eles respeitando, o respetivo apuramento não depende de prova pericial, por não estarem em causa os conhecimentos especiais que aquela pressupõe[8], sendo que o que se pretende do perito é que realize uma objetiva observação técnica do objeto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação, devendo ser dela afastadas questões jurídicas, opiniões e avaliações subjetivas, suscetíveis de influenciar a livre convicção do julgador.
Ora, in casu, a apelante aponta à perícia e aos resultados da mesma, consignados no respetivo relatório, inexatidões, insuficiências e contradições.
A realização de uma segunda perícia revela-se fundamentada, vindo-lhe atribuídas deficiências e inexatidões que urge esclarecer.
Vêm no requerimento de segunda perícia explicitados os pontos de discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente.
Assim, sendo admissível, por fundamentos objetivos virem invocados, também se mostra relevante, pois que, como até o Tribunal a quo deixou expresso, o Sr. Perito prestou, já, esclarecimentos e as partes podem obter os esclarecimentos adicionais em audiência de julgamento, assim reconhecendo a relevância dos mesmos para o resultado.
E, na verdade, se se impõe urgência na resolução da questão, não podem diligências necessárias, justificadas e esclarecedoras de factos deixar de ser realizadas, a ser solicitadas, bem estando conferida ao julgador a faculdade de, igualmente, os investigar, recolhendo os elementos de prova que tiver por conveniente e oportunos com vista ao apuramento da verdade material.
E como doutamente se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 4/10/2018:
1- Para que seja deferida a realização de segunda perícia é necessário que o requerente alegue, de modo fundamentado e concludente, as razões pelas quais discorda do relatório pericial.
2- Essas razões têm de incidir sobre eventuais inexactidões (latu sensu), contradições ou insuficiências de que eventualmente padeça a perícia e que, caso venham efetivamente a verificar-se, sejam suscetíveis de levar a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia.
3- O requerente tem de: a) especificar os pontos sobre que discorda do relatório de perícia; e b) indicar as concretas razões dessa discordância.
4- O requerente não tem de demonstrar a procedência dessas razões, uma vez que essa demonstração apenas pode ser alcançada com a realização da segunda perícia.
5- No entanto, os motivos de discordância por eles indicados terão de ser aptos, do ponto de vista objetivo, atentas as circunstâncias do caso concreto, a criar um estado de dúvida no julgador médio sobre se a perícia efetuada não padecerá dos vícios que o requerente lhe assaca e que caso venham a ser demonstradas levam a que seja alcançado um resultado distinto do da primeira perícia”[9].
Como aí bem se refere, “não basta um estado de dúvida subjetivo do requerente da segunda perícia para se ordenar a realização desta, mas terá ele de expor as concretas razões que alicerçam esse seu “estado de dúvida”, razões essas que terão, à luz de um padrão objetivo – “bonus pater família” –, perante as concretas circunstâncias do caso, fazer gerar no juiz médio um estado de dúvida sobre se eventualmente a perícia não padecerá das inexatidões que o requerente lhe assaca e que importará suprir caso sejam efetivamente verificáveis, por levarem a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia”.
In casu, as razões invocadas pela apelante são suscetíveis de fundamentar dúvida objetiva sobre a correção do juízo pericial emitido pelo perito no relatório que elaborou.
Acresce que a primeira perícia foi ordenada, com o objeto determinado, justificando-se para a decisão da causa a diligência agora requerida, relevante e fundada.
Assim, por a primeira perícia ter respondido ao que lhe foi solicitado e a segunda, não indo além da primeira, poder dar satisfação a dúvidas, forçoso é concluir que a segunda perícia é relevante para a decisão, não se mostrando impertinente nem dilatória, tendo, por isso, de ser deferida.
Fundadas e aptas a alterar o resultado da perícia são as razões indicadas pela Requerente, mencionadas nas conclusões da apelação.
Destarte, exerceu a Ré/apelante, válida e eficazmente, o direito de requerer segunda perícia.
Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação e, por ocorrer violação dos normativos invocados pela apelante, deve a decisão recorrida, que indeferiu a segunda perícia requerida, ser revogada e substituída por outra a admiti-la (em conformidade com os arts 487º, 488º e al. b), do nº1, do art. 468º).
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e admitem a segunda perícia, determinando-se seja a mesma ordenada pelo Tribunal a quo.
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Custas pelo apelado, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 17 de abril de 2023
Assinado eletronicamente pelas Juízas Desembargadoras
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
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[1] Ac. da RG de 14/2/2019, processo nº 2587/17.0T8BRG-A.G1 (Relatora: Maria Amália Santos), in dgsi
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág 345
[3] António Santos Arantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág 546-547
[4] Ibidem, pág 546-547
[5] Ac. RC de 1/12/2015, Proc. 65/14.8TBCTB-B-C1.dgsi, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, pág 665
[6] Ac.s RG de 19/5/2016: Proc. 188/12.8TMBRG-F.G1 e de 12/7/2016, Proc.559/14.5TJVNF.G1.dgsi citados in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, pág 666
[7] Ac. RG de 17/12/2019, processo 21/16.1T8VPC-B. G1(Relatora: Maria João Matos), in dgsi
[8] António Santos Arantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 539
[9] Ac. RG de 4/10/2018 (Relator: José Alberto Moreira Dias e, em que a ora relatora foi adjunta)