Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
75/10.4TBAMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
CÓDIGO CÍVIL
Nº do Documento: RP2018092775/10.4TBAMT.P1
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO - 1ª
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 145, FLS.237-246)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTIGOS 566, N.º2 E 805º, N.º3 AMBOS DO CÓDIGO CIVIL
Jurisprudência Nacional: ACORDÃO UJ N.4/02
Sumário: I - O Ac. UJ nº 4/02 veio fixar a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artºs 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
II - O que se conclui daquele Ac. UJ é que não há que distinguir se os danos são de natureza patrimonial ou não patrimonial, de acordo com a actual redacção do nº 3 do artº 805º, incidindo os juros sobre todos eles, na mesma medida.
III - Porém, os juros são devidos desde a data da decisão que os atribui, se o valor do capital tiver sido arbitrado nessa data de forma actualizada; e são devidos desde a data da citação se o valor do capital arbitrado não se reportar à data da decisão.
IV - Ou seja, se a indemnização já foi fixada em valor actualizado à data da sentença, não podem ser arbitrados juros desde a data da citação que é anterior, porque tal se traduziria num enriquecimento ilícito do lesado.
V - Se o juiz arbitra juros apenas a partir da data da decisão em relação à indemnização por danos não patrimoniais, tem não só de dizer expressamente como de demonstrar, na sentença, que fixou a indemnização de forma actualizada. Só assim pode aplicar a doutrina do Ac. UJ acima citado. Não se pode presumir que os danos não patrimoniais fixados na sentença são actualizados[13].
VI - Assim, se o juiz não explica, nem demonstra, que tenha fixado a indemnização por danos não patrimoniais de forma actualizada, são devidos juros desde a citação, por aplicação das disposições conjugadas dos citados artºs 566º, nº 2 e 805º, nº 3 do CC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acção de Processo Ordinário – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de T…

Proc. nº 75/10.4TBAMT.P1 – 3ª Secção (Apelação)
Rel. Deolinda Varão (1112)
Adj. Des. Freitas Vieira
Adj. Des. Madeira Pinto
I.
B… instaurou acção declarativa, de condenação, com forma de processo comum ordinário, contra C… - Companhia de Seguros, SA (actualmente, D…, SA) e E… - COMPANHIA DE SEGUROS, SA.
Pediu a condenação solidária das rés a pagarem-lhe a quantia de €31.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
Como fundamento, alegou factos tendentes a demonstrar que sofreu danos – que discriminou e quantificou – em consequência de acidente de viação ocorrido em 30.06.07, pelas 00.30 horas, na recta de …, freguesia de …, T…, cuja ocorrência imputou a culpa dos condutores dos veículos de matrícula .. - .. - XD e .. – AH - .., sendo a autora transportada no primeiro; mais alegou que a responsabilidade civil por danos causados por aqueles veículos se encontrava transferida para as rés mediante contratos de seguro.
As rés contestaram, impugnando os factos alegados pela autora, quer quanto à dinâmica do acidente, quer quanto à extensão e montante dos danos, tendo a ré D…, SA invocado também a nulidade e a caducidade do contrato de seguro relativo ao veículo XD.
A pedido da autora, foi admitida a intervenção principal do condutor do veículo XD, F…, e do FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL.
Contestou apenas o FGA, invocando as excepções da sua ilegitimidade e da prescrição e impugnando os factos alegados pela autora.
As excepções aduzidas pelo FGA foram julgadas improcedentes no despacho saneador.
Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que:
- Condenou a ré E… - Companhia de Seguros, SA, a pagar à autora a quantia de €7.500,00, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação (19.04.10), até integral pagamento;
- Absolveu as rés e os chamados dos restantes pedidos.

A ré E… recorreu, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1ª – O Tribunal a quo julgou erradamente a matéria dos pontos 7 e 8 que deu como provados, matéria que deveria ter sido dada como não provada.
2ª – O acidente dá-se quando o veículo .. - .. - XD sai da berma direita da EN .., junto ao entroncamento da …, recta de …, atendo o sentido T…/U….
3ª – O condutor do veículo XD, com o intuito de ali mesmo fazer inversão de marcha, acaba por ser embatido pelo .. – AH - .., que circula no sentido T…/U…, ficando ambos imobilizados no eixo da via.
4ª – Não há nos autos nada que comprove o local exacto da via onde se deu o embate entre ambos os veículos.
5ª – Não há nos autos nada que permita sustentar a ideia de que o AH circulava a mais de 90 km/h. Na verdade,
6ª – A velocidade a que circula um automóvel não pode ser aferida por um testemunho.
7ª – Para se poder afirmar que um veículo circula a x velocidade torna-se necessário que tal conclusão seja o resultado de cálculos matemáticos/científicos que passam por um estudo da denominada energia cinética.
8ª – Perante um acidente, a velocidade de circulação de um automóvel apenas pode ser obtido através de um estudo em que se aplicam fórmulas matemáticas e algumas variáveis, cujo relatório e conclusão terá forçosamente a autoria de pessoas credenciadas para o efeito.
9ª – Nesses cálculos é tido em conta o início da travagem, o coeficiente de atrito, a aceleração devido à gravidade, a distância percorrida, etc.
10ª – O Tribunal a quo não dispunha de elementos para dar como provado que o veículo AH circulava a mais de 90 Km/h.
11ª – Os elementos objectivos existentes nos autos também não permitem concluir pela velocidade excessiva do veículo AH.
12ª – Ao condutor do AH não se podia exigir que previsse que o condutor do XD lhe iria sair na frente a barrar a trajectória.
13ª – Ambos os veículos ficaram imobilizados dentro da zona do embate, junto ao entroncamento.
14ª – Os elementos existentes nos autos são de molde a poder concluir-se que o veículo AH não circulava com velocidade excessiva.
15ª – Causal do acidente dos autos foi a manobra do condutor do veículo XD.
16ª – Manobra que estava vedada ao condutor do XD.
17ª – A inversão de marcha XD em zona de entroncamento é perigosa e viola o disposto na al. d) do nº 1 do artº 45º do CE, tratando-se por isso de manobra proibida.
18ª – Ao cortar a linha de trânsito do AH, o condutor do veículo XD violou o disposto no nº 1 al. a) do artº 31º do CE.
19ª – A condenação da ré E… resulta de errada interpretação do conteúdo dos depoimentos prestados sobre a dinâmica do acidente e consequentemente de aplicação errada das normas do CE.
20ª – A manobra efectuada pelo condutor do veículo .. - .. - XD é perigosa, revela da imperícia e falta de atenção do seu condutor, que, além do mais, conduzia sem estar habilitado com a necessária carta de condução.
21ª – Não está demonstrado haver nexo de causalidade entre a TAS do condutor do AH e o acidente.
22ª – É excessivo o montante atribuído à autora a título de danos não patrimoniais.
23ª – Os juros de mora sobre o montante da condenação por danos não patrimoniais devem ser contados desde a sentença e não desde a citação.
24ª – Mostram-se violados o artº 494º, nº 4 do artº 496º e o nº2 do artº 566º, e o nº 3 do artº 805º e o nº 1 do artº 806º, do CC.

A autora, a ré D…, SA e o FGA contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
III.
As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões da alegação da apelante (artºs 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC) – são as seguintes:
- Alteração da matéria de facto;
- Culpa na produção do acidente;
- Montante da indemnização por danos de natureza não patrimonial;
- Data a partir da qual são devidos os juros de mora.
1. Alteração da matéria de facto
A ré apelante pretende que sejam considerados não provados os factos vertidos nos pontos 7 e 8 da fundamentação de facto da sentença:

7- Quando [o XD] estava a transpor a linha longitudinal contínua que divide as faixas de rodagem foi embatido pelo AH.
8- O seu condutor circulava a mais de 90 km/hora.

Quanto ao ponto 7, foi alegado pela autora no artº 10º da petição inicial e pela ré apelante no artº 25º da sua contestação que a linha longitudinal que divide as faixas de rodagem é descontínua – o que está conforme ao que se encontra representado no croquis da participação policial (fls. 14), às fotos de fls. 43 e 44 e ao depoimento da testemunha G… (passageira do XD, que seguia no lugar atrás do passageiro): “Tinha uma linha descontínua porque ali é um entroncamento”.
Julga-se que no ponto 7 se escreveu “linha contínua” por mero lapso, tanto mais que no quesito 8º da base instrutória, que corresponde àquele ponto 7 se escreveu “linha descontínua” (fls. 126).
Pelo exposto, o ponto 7 da matéria de facto terá de ser alterado nesta parte.

Que o XD (Audi …) estava a transpor aquela linha longitudinal descontínua (na execução de uma manobra de inversão de marcha) quando foi embatido pelo AH (Audi …), foi confirmado pelos depoimentos das testemunhas G…, H… (passageiro do XD, que seguia ao lado do condutor), I… (dono da roulotte situada no local do acidente, referida em 5) e J… (perito averiguador, funcionário de uma empresa que presta serviços para a ré E…) e ainda pelas declarações de parte da autora (que também seguia no XD como passageira, no lugar atrás do condutor):
G…: “Estávamos no meio da estrada já com a volta virada para baixo.”.
H…: “Só quando levei a pancada no meio das duas faixas. Só quando olhei para a esquerda só vi o carro a bater no meio das duas faixas.”.
I…: “Aquilo tem um cruzamento e tem a entrada e foi logo ali na entrada.”.
J…: “O local provável do embate é na área de influência do entroncamento.”.
Autora: “Eu sei que bateu, o carro já estava de lado. Tanto é que apanhou a minha porta. Sei que quando bateu já estava no meio, tanto é que eu vi o carro de frente. O carro vinha aqui, nós estávamos mesmo perpendicular.”

Aqueles depoimentos não foram contrariados por qualquer outro meio de prova, designadamente pelo local onde os veículos ficaram após o embate, no meio da faixa de rodagem, que está representado no croquis da participação policial (fls. 14) e foi confirmado pelos depoimentos das testemunhas K…, guarda participante: “Os carros ficaram imobilizados no meio da faixa de rodagem. À chegada da minha patrulha, os veículos estavam parados nestas posições” e L…, que se encontrava no local: “A ideia que tenho do acidente, estava um carro atravessado no meio da estrada, e o outro estava normal”.
Não há, assim, qualquer fundamento, para alterar o ponto 7 da factualidade provada, com a ressalva que acima fizemos acerca da descontinuidade da linha divisória das faixas de rodagem.

No que respeita à velocidade a que circulava o veículo AH, entendemos que, ao contrário do que sustenta a ré apelante, a velocidade de circulação de um veículo pode ser demonstrada por qualquer meio de prova, incluindo a prova testemunhal, e até com recurso a presunções judiciais; embora possa ser útil, não é imperioso o recurso à prova pericial nem a utilização de fórmulas matemáticas.
No caso, considerou-se provado que o acidente ocorreu numa recta com visibilidade (ponto 4), tendo a testemunha K… confirmado que a recta tem “Talvez uns 200 m, em direcção a T…”. A testemunha G… disse que a recta era “grande” e a testemunha H… disse que era “muito grande” e que, no momento do embate “Nós estávamos a meio da recta”.
Também está provado que o acidente ocorreu às 00.30 h (ponto 1), ou seja, de noite, e, embora sem serem inteiramente coincidentes, os depoimentos das testemunhas I… (dono da roulotte situada no local, referida no ponto 5) e H… confirmaram que existia iluminação pública no local do embate.
I…: “Tem lá um candeeiro com três lâmpadas, naquele sítio. Tem iluminação [ao longo da recta]”.
H…: “A única iluminação que tinha era a da roulotte e mais um poste que é mais acima, na curva”.
Os veículos não deixaram rastos de travagem, tendo sido explicado pela testemunha J… (perito averiguador) que tal se deve ao facto de ambos terem sistema de ABS: “Ambos os veículos têm ABS, portanto não deixam rasto de travagem”.
A testemunha H… – que, como já dissemos, seguia no XD, no lugar ao lado do passageiro – disse que, antes de o condutor do veículo fazer a manobra de inversão de marcha, olhou três vezes para cada um dos lados e não se apercebeu de qualquer veículo, tendo ainda relatado que não ouviu qualquer travagem e que o AH levou o XD de rasto cerca de 6,50:
Estivemos a comer uns cachorros quentes, numa roulotte. Assim que acabemos de comer, metemo-nos no carro, arrancámos, não vimos carro nenhum, metemo-nos à estrada, veio um carro de baixo para cima, espetou-nos uma pancada a meio do carro. Inversão de marcha, mas lá como é um cruzamento, saí para o cruzamento para voltar a meter. Eu posso dizer, que olhei três vezes para baixo e para cima, não vi veículo nenhum. É uma recta muito grande. Nós estávamos a meio da recta. Não vi com luz nenhuma. Entramos devagar. Só quando levei a pancada ao meio das duas faixas. Só quando olhei para a esquerda só vi o carro a bater no meio das duas faixas. Não ouvi travagem. Depois de os agentes da GNR fazerem os cálculos, disseram eles que o veículo vinha, no mínimo, a 180. Não fez travagem nenhuma e levou-nos 6,5 m de rasto.”

A testemunha I… (dono da roulotte situada no local) disse que ouviu o AH a buzinar muito e ouviu o estrondo, que o embate foi violento, tendo os air-bags sido accionados:
Eu vi esse moço que vinha de baixo para cima. Ouvi buzinar e ouvi “pumba”. Que vinha de T… para a U…. Era um Audi …. Ouvi esse senhor que vinha de baixo, a buzinar muito e ouvi o estrondo. Aquilo tem um cruzamento e tem a entrada e foi logo ali na entrada. Estava tudo cheio de fumo, mas era dos air-bags, os air-bags dispararam. Sei que o carro que buzinou era o que vinha de T… para a U…. Da maneira que esse que vinha de baixo ficou, não foi uma pancada muito pequena. Fui ver e foi quando vi só fumo. Ele da maneira que ele bateu, ele não saiu da faixa dele, não devia vir com pouca velocidade.”.
O depoimento daquela testemunha foi idêntico ao que prestou à testemunha J…, perito averiguador, tendo esta testemunha dito que o condutor do XD lhe havia relatado que tinha visto o AH ao longe no momento em que iniciou a manobra de inversão de marcha:
“Antes de falar com os feridos, eu achei por bem ir ao local do acidente e ver o local do acidente. Sei que era uma recta onde havia uma enseada de um dos lados da estrada onde estaria uma roulotte parada. Do lado oposto, existia, e deve existir ainda, um entroncamento. Enquanto lá estava surgiu uma pessoa que meteu conversa, acabei por recolher o depoimento dele também, que é o Sr. I…. Este senhor seria o proprietário da roulotte que estaria a funcionar lá. O que ele me disse é que estava na sua roulotte quando se apercebeu do Audi … a travar e a buzinar e a bater na carrinha Audi … que tinha parado na berma da estrada com o intuito de inverter a marcha para o lado de T…. Falei com o condutor da Audi … que é o Sr. F…. Ele descreve o acidente da seguinte forma: “Depois de ter estado a comer na roulotte dos cachorros, entrou no carro, iniciou manobra de inversão do sentido de marcha, apercebeu-se do Audi … ao longe, pensei que tinha tempo para efectuar a manobra, não aconteceu.”.”.

A conjugação de todos os meios de prova acima indicados permite-nos concluir que o XD iniciou a manobra de inversão de marcha se não quando não se avistava ainda o AH, pelo menos quando avistou este “ao longe”, tendo em conta que do local onde foi iniciada a manobra e onde ocorreu o embate, a recta tem uma extensão de 200 m para o lado de T…, de onde provinha o AH.
Assim, se o AH circulasse a uma velocidade não superior a 90 km/hora, teria chegado ao entroncamento onde o XD havia iniciado a manobra de inversão de marcha já depois de o XD ter completado a manobra [cfr. a tabela de cálculo de distância de paragem inserida no CE de António Serra Amaral, 2ª ed., pág. 51, segundo a qual um veículo a circular à velocidade de 90 km/hora consegue imobilizar-se em 70,7 m, com travagem].
Conjugando tais elementos com a violência do embate e a percepção que a testemunha I… teve acerca da velocidade de circulação do XD, entende-se que não foi cometido qualquer erro na apreciação da prova neste ponto, pelo que se mantém o facto 8 da factualidade provada.

[Consigna-se que não se referiram os depoimentos das testemunhas M…, N… e O… porque as mesmas não depuseram à matéria do acidente].

Em face do exposto, a matéria de facto provada passa a ser a seguinte (colocando-se em negrito a alteração efectuada):
1 - No dia 30.06.07, pelas 00.30 horas, na recta de …, freguesia de …, T…, ocorreu um embate no qual interveio o veículo ligeiro de passageiros, Audi …, de matrícula .. - .. - XD, conduzido pelo seu dono F…, no qual seguia a autora B… como passageira.
2 - E o veículo ligeiro de passageiros, Audi …, de matrícula .. – AH - .., propriedade de P…, conduzido por Q….
3 - O AH tinha sido objecto de acordo de seguro na ré E… - Companhia de Seguros, SA, titulado pela apólice nº ………..
4 - O local é uma recta com visibilidade, tendo a faixa de rodagem a largura aproximada de 6,70 m.
5 - O Audi … estava parado na berma do lado direito, sentido T…/U…, junto a uma roulotte que vendia cachorros-quentes.
6 - O condutor do XD fazia inversão de marcha para passar a circular no sentido U…/T….
7 - Quando estava a transpor a linha longitudinal descontínua que divide as faixas de rodagem foi embatido pelo AH.
8 - O seu condutor circulava a mais de 90 km/hora.
9 - A autora sofreu traumatismo crânio-encefálico ligeiro com perda de consciência e traumatismo do antebraço direito.
10 - Sofreu um Défice Funcional Temporário Total (ITGT) de 1 dia.
11 - Sofreu um Défice Funcional Temporário Parcial (ITGP) de 48 dias.
12 - Sofreu um Quantis Doloris de 3/7.
13 - Existiu uma afectação total da actividade formativa de 2 dias.
14 - Não sobrevieram danos permanentes.
15 - A autora foi transportada ao Hospital S…, T…, onde foi observada em Cirurgia ….
16 - A fractura foi imobilizada com aparelho gessado que usou durante 7 semanas.
17 - Ganhou medo e ansiedade a andar de carro.
18 - A autora nasceu em 07.07.91.
19 - À data do acidente era estudante.
20 - O F… conduzia o XD sem estar habilitado com carta de condução.
21 - O Q… conduzia o AH com uma TAS de 0,96 g/litro.
2. Culpa na produção do acidente
Vem sendo maioritariamente considerado pela jurisprudência do STJ que a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta comprovação da falta de diligência[1].
Como se diz no Ac. daquele Supremo Tribunal de 20.11.03[2], embora em matéria de responsabilidade civil extra-contratual, em princípio, não se presuma a culpa do autor da lesão (artº 487º, nº 1 do CC), a posição deste é frequentemente aliviada por intervir aqui a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta o sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova.
Para provar a culpa, basta assim que lesado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, a tornem muito verosímil, cabendo ao lesante fazer a contraprova, no sentido de demonstrar que a actuação foi estranha à sua vontade ou que não foi determinante para o desencadeamento do facto danoso. Isto não está sequer em contradição com o disposto no artº 342º do CC, que consagra um critério de normalidade no que respeita à repartição do ónus da prova, no sentido de que aquele que invoca um determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram, tendo a parte contrária de provar, por seu turno, os factos anormais que impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito.
Por seu turno, diz o artº 563º do CC que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Aquele preceito consagrou a doutrina da causalidade adequada.
Na formulação de Galvão Telles[3], “Como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição do prejuízo. Mas uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se pois juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção. E dir-se-á que existe aquela relevância quando, dentro deste condicionalismo, a acção não se apresenta de molde a agravar o risco da verificação do dano”.
Como refere Vaz Serra[4],“Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa aquela ou aquelas condições que se encontrem para com o resultado numa condição mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado”.
Finalmente, há que atender a que a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. É esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral ou abstracta do facto para produzir o dano[5].

Da factualidade provada resulta que o condutor do veículo AH infringiu as normas dos artºs 24º, nº 1 e 27º, nº 1 do CE.
Por seu turno, da mesma factualidade não resulta que o condutor do veículo XD tenha infringido qualquer norma estradal, designadamente as normas dos artºs 31º, nº 1, al. a) e 45º, nº 1, al. d) do CE.
Não existem factos provados dos quais se possa concluir que a visibilidade do entroncamento onde foi iniciada a manobra fosse insuficiente ou que a via, pela sua largura, ou outras características, fosse inapropriada à realização da manobra.
Pelo contrário, está provado que o havia visibilidade e que a via tem a largura aproximada de 6,70 m (ponto 4 da factualidade provada).
Tanto basta para que não se possa concluir que o condutor do XD infringiu o disposto no artº 45º, nº 1, al. d) do CE.
Também não existem factos nos autos dos quais se possa concluir que o XD não cedeu passagem ao AH e que lhe cortou a linha de marcha, pelo que também não há elementos suficientes para se concluir pela violação do disposto no artº 31º, nº 1, al. a) do CE.

Foi, assim, apenas o condutor do AH que infringiu normas estradais, pelo que sobre ele impende a presunção natural de culpa acima referida, que a ré apelante não logrou ilidir.
E foi apenas essa conduta infractora do condutor do condutor do AH que foi causa adequada do embate entre os dois veículos, porquanto não resulta da factualidade provada, como vimos, que o condutor do XD tivesse realizado a manobra de inversão de marcha em violação de qualquer norma estradal.
Foi apenas a velocidade excessiva a que o condutor do AH imprimia ao veículo que levou a que alcançasse o ponto de partida da manobra de inversão de marcha do XD mais rapidamente do que o teria feito se circulasse a uma velocidade dentro dos limites estabelecidos no artº 27º, nº 1 do CE.

Entendemos que não está demonstrado o nexo de causalidade entre a taxa de alcoolémia que o condutor do AH apresentava e o acidente.
Mas essa questão não assume qualquer relevância na presente acção, uma vez que entendemos que a velocidade excessiva a que circulava o AH é suficiente para atribuir a culpa exclusiva na produção do acidente ao condutor do mesmo.
Por outro lado, não se tendo provado que o condutor do XD tivesse infringido qualquer norma estradal, não assume também relevância o facto de não estar legalmente habilitado a conduzir veículos automóveis.
3. Montante da indemnização por danos não patrimoniais
Diz o artº 496º, nº 1 do CC que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos e há-de apreciar-se em função da tutela do direito, devendo ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem patrimonial ao lesado[6].
Nos termos do nº 3 do citado artº 496º do CC, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo, em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º.
Na formulação de um juízo de equidade, deve o juiz atender aos factores que resultem da factualidade provada, fazendo prevalecer as razões de conveniência e de oportunidade sobre os critérios normativos fixados na lei.
O disposto no artº 566º, nº 3 do CC não dispensa o lesado de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação segundo um juízo de equidade[7].
Por outro lado, equidade não significa arbitrariedade: para julgar equitativamente, é necessário que se tenham provado certos limites, que balizem a decisão.
As circunstâncias expressamente referidas no artº 494º do CC são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, fazendo ainda referência este normativo “às demais circunstâncias do caso”. Nas demais circunstâncias do caso incluem-se, obrigatoriamente, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência e as flutuações do valor da moeda.
O facto de a lei ter mandado atender quer à culpa e à situação económica do lesante, quer à situação económica do lesado (pela remissão expressa do nº 3 do artº 496º para o artº 494º), significa que, no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza mista: por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, visa reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente[8].
A jurisprudência do STJ tem evoluído no sentido de que a compensação pelos danos de natureza não patrimonial deverá ser significativa e não miserabilista, constituindo um lenitivo para os danos suportados. Só dessa forma se dará cumprimento efectivo ao comando do artº 496º[9].

No caso, na fixação do montante da indemnização a arbitrar à autora, há que ponderar a seguinte factualidade:
(…).
9 - A autora sofreu traumatismo crânio-encefálico ligeiro com perda de consciência e traumatismo do antebraço direito.
10 - Sofreu um Défice Funcional Temporário Total (ITGT) de 1 dia.
11 - Sofreu um Défice Funcional Temporário Parcial (ITGP) de 48 dias.
12 - Sofreu um Quantis Doloris de 3/7.
13 - Existiu uma afectação total da actividade formativa de 2 dias.
14 - Não sobrevieram danos permanentes.
15 - A autora foi transportada ao Hospital S…, T…, onde foi observada em Cirurgia … e ….
16 - A fractura foi imobilizada com aparelho gessado que usou durante 7 semanas.
17- Ganhou medo e ansiedade a andar de carro.
18- A autora nasceu em 07.07.91.
(…).”.

Na sentença recorrida atribuiu-se à autora o montante de € 7.500,00 a título de compensação pelos descritos danos.
Nas suas conclusões de recurso, a ré considera tal montante excessivo, contrapondo um montante de € 3.000,00/€ 3.500,00.

Como veremos a propósito da questão seguinte, na sentença recorrida não se demonstrou que o valor da indemnização por danos de natureza não patrimonial tivesse sido actualizado.
Assim, em sede de equidade e balizando decisões do STJ próximas da data de instauração da acção, que fixaram valores de €20.000,00, €15.000,00 e €14.000,00 para situações mais graves do que a da autora[10] e de €4.000,00 para uma situação de simples preocupação, ansiedade e angústia[11], afigura-se-nos que o valor de €7.500,00 não é excessivo para compensar a autora dos danos não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente.
4. Juros de mora
À quantia fixada a título de indemnização acrescem juros de mora até integral pagamento, a calcular à taxa de juro fixada para operações civis (artºs 804º, nºs 1 e 2, 806º, nºs 1 e 2 e 559º, nº 1, todos do CC).
Na sentença recorrida, arbitraram-se juros a partir da citação.
Diz a ré que os juros pela indemnização por danos não patrimoniais são devidos apenas a partir da data da sentença, por força do Ac. UJ nº 4/02 de 09.05[12].

O DL 263/83 de 16.06 veio dar uma nova redacção ao nº 3 do artº 805º do CC, que actualmente dispõe que “…tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
Ao alterar a citada disposição legal, o legislador não fez qualquer distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais e teve em atenção o disposto no nº 2 do artº 566º do CC: “…a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.” .
Com fundamento nos preceitos acima citados, a jurisprudência dividiu-se no que respeita à data a partir da qual são devidos juros de mora na indemnização fixada por danos não patrimoniais, entendendo uns que seria desde a citação e outros desde a decisão.
O citado Ac. UJ nº 4/02 veio fixar a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artºs 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
O que se conclui daquele Ac. UJ é que não há que distinguir se os danos são de natureza patrimonial ou não patrimonial, de acordo com a actual redacção do nº 3 do artº 805º, incidindo os juros sobre todos eles, na mesma medida.
Porém, os juros são devidos desde a data da decisão que os atribui, se o valor do capital tiver sido arbitrado nessa data de forma actualizada; e são devidos desde a data da citação se o valor do capital arbitrado não se reportar à data da decisão.
Ou seja, se a indemnização já foi fixada em valor actualizado à data da sentença, não podem ser arbitrados juros desde a data da citação que é anterior, porque tal se traduziria num enriquecimento ilícito do lesado.
Se o juiz arbitra juros apenas a partir da data da decisão em relação à indemnização por danos não patrimoniais, tem não só de dizer expressamente como de demonstrar, na sentença, que fixou a indemnização de forma actualizada. Só assim pode aplicar a doutrina do Ac. UJ acima citado. Não se pode presumir que os danos não patrimoniais fixados na sentença são actualizados[13].
Assim, se o juiz não explica, nem demonstra, que tenha fixado a indemnização por danos não patrimoniais de forma actualizada, são devidos juros desde a citação, por aplicação das disposições conjugadas dos citados artºs 566º, nº 2 e 805º, nº 3 do CC.
Foi o que sucedeu no caso em apreço, em que a Mª Juíza a quo em parte alguma da sentença demonstrou que tenha actualizado a indemnização por danos não patrimoniais que arbitrou à autora. Por isso, são devidos juros desde a citação, conforme ali se decidiu.
Também nós, na ponderação que fizemos do valor atribuído a título de danos não patrimoniais nos reportámos à data da propositura da acção, como se depreende dos arestos citados como referência, não tendo feito qualquer actualização.

Improcede, assim, na totalidade, a apelação da ré E…, uma vez que a alteração efectuada à matéria de facto resultou da correcção de um lapso e não teve qualquer influência na decisão da causa.
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III.
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, em consequência:
- Confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Porto, 27 de Setembro de 2018
Deolinda Varão
Freitas Vieira
Madeira Pinto
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[1] Acs. de 28.05.74, 20.12.90, 10.01.91, 26.02.92, 10.03.98 e 09.07.98, BMJ 237º-231, 402º-558, 403º-334, 414º-533, 475º-635 e 479º-592, respectivamente.
[2] CJ/STJ-III-149.
[3] Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 405.
[4] Citado por Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., pág. 547.
[5] Antunes Varela, obra citada, pág. 752.
[6] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2ª ed., I, págs. 486 e 487.
[7] Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, I, 3ª ed., pág. 553.
[8] Antunes Varela, obra citada, pág. 488.
[9] Ac. do STJ de 25.06.02, CJ/STJ-02-II-128. No mesmo sentido, ver os Acs. do STJ de 28.06.07, 25.10.07 e 17.01.08, www.dgsi.pt.
[10] Acs. do STJ de 07.01.10, 04.05.10 e 20.05.10, www.dgsi.pt.
[11] Ac. do STJ de 03.12.09, www.dgsi.pt.
[12] DR-1ª série, nº 146, de 27.06.02.
[13] Neste sentido, ver os Acs. do STJ de 09.01.03, 13.11.03 e 04.05.10 e desta Relação de 14.03.02, 10.02.03, 12.02.04 e 03.03.05, todos em www.dgsi.pt.