Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
634/11.8TBPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUSÊNCIA DE SEGURO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO INTERVENIENTE NO ACIDENTE
Nº do Documento: RP20180627634/11.8TBPNF.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 837, FLS 136-142)
Área Temática: .
Sumário: O proprietário de veículo interveniente em acidente de viação, que omitiu a sua obrigação de relativamente a ele efetuar o respetivo seguro, é responsável, solidariamente com o condutor do mesmo, pelo reembolso das quantias pagas pelo Fundo de Garantia Automóvel, a menos que prove a utilização abusiva do veículo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 634/11.8 TBPNF.P1
Comarca de Porto Este – Penafiel – Juízo Local Cível
Apelação
Recorrente: Fundo de Garantia Automóvel
Recorridos: B... e “C..., Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O autor Fundo de Garantia Automóvel intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra “C..., Lda.”, e B... pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento do montante de 16.222,68€, acrescido de juros à taxa legal desde 10.08.2010 até integral pagamento, e nas despesas que o autor vier a suportar com a cobrança do reembolso, a liquidar em sede de ampliação do pedido ou em execução de sentença.
Para tanto, e em síntese, o autor alega que no dia 2.1.2008, pelas 02:30 horas, ocorreu um acidente de viação na Variante ..., em Penafiel, em que foram intervenientes o veículo de matrícula ..-BO-.., conduzido por B..., propriedade da 1.ª ré, e o veículo de matrícula ..-DS-.., conduzido por D... e propriedade de “E..., Lda.”.
Mais alega que o veículo de matrícula BO circulava na Variante ..., na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha A4 – Marco de Canaveses, a uma velocidade nunca inferior a 80 Km horários, e quando se preparava para descrever uma curva que se apresentava à sua esquerda, perdeu o controlo do veículo, transpôs a dupla linha contínua que delimitava os dois sentidos de marcha, e colidiu com a sua frente na parte lateral esquerda do veículo DS, que circulava na sua hemi-faixa de rodagem.
A colisão ocorreu na faixa de rodagem afeta ao sentido de marcha do veículo de matrícula DS e o condutor do veículo BO não obedeceu às regras de circulação rodoviária, nomeadamente por imprimir à sua viatura velocidade excessiva.
Mais alega o autor que a proprietária do veículo BO não realizou contrato de seguro válido e eficaz, nem beneficiava de seguro obrigatório que cobrisse a sua responsabilidade civil emergente de acidente de viação, nem o segundo réu celebrou tal contrato de seguro.
À data da prática dos factos, o veículo BO era conduzido pelo segundo réu, que exercia a atividade profissional de motorista ao serviço da primeira ré, e naquele dia e hora encontrava-se no desempenho da sua atividade profissional, transitando por um itinerário definido pela sua entidade patronal, circulando por conta, no interesse, com conhecimento e autorização da primeira ré, sendo os réus solidariamente responsáveis pela reparação dos danos causados.
Alega ainda o autor que, em consequência direta e necessária do embate, resultaram danos materiais no veículo DS, nomeadamente na parte lateral esquerda e na parte da frente, tendo concluído que a reparação era técnica e economicamente inviável, ascendendo ao montante de 30.000,00€, sendo o valor comercial do veículo de 13.500,00€ e o valor dos salvados de 2.999,00€. Por essa razão, o lesado teve um prejuízo no montante de 10.501,00€, montante esse pago pelo autor.
Refere também que o veículo DS estava afeto ao transporte de passageiros, vulgo táxi, tendo o autor pago o montante de 79,39€ diários, durante 45 dias, a título de paralisação do veículo, bem como as quantias de 446,41€ a título de reembolso de despesas com desmontagem e montagem do equipamento de radiocomunicação, desmontagem do taxímetro, candeeiro luminoso e sistema taxiseguro e de 1.600,72€ a título de indemnização pela perda do direito de redução do imposto automóvel do veículo sinistrado que teve de ser suportado pela lesada, tudo no montante global de 16.120,58€.
Alega igualmente que os réus foram interpelados para proceder ao pagamento em 10.08.2010 e não o efetuaram.
Regularmente citados, os réus contestaram, alegando que, à data do sinistro, a ré “C... Lda.”, beneficiava de seguro válido e eficaz, desde 16.12.2007, encontrando-se a responsabilidade civil por acidentes de viação causados pelo veículo de matrícula BO transferida para a Companhia de Seguros F....
Pelo que concluem, alegando a sua ilegitimidade.
O autor respondeu, alegando que os réus são partes legítimas por, à data do sinistro, a apólice de seguro não estar válida nem eficaz.
Em face do alegado pelos réus, o autor suscitou a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros F..., S.A..
Notificados os réus para se pronunciarem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 326.º, n.º 2 do CPC, os réus nada declararam.
Por despacho proferido em 25.1.2012, foi admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros F..., S.A.
Regularmente citada, a Companhia de Seguros F..., S.A., deduziu contestação, alegando a exceção da prescrição por, desde o acidente até à citação para esta ação, terem decorrido mais de três anos.
A Companhia de Seguros F..., S.A., alegou ainda a inexistência do contrato de seguro, referindo que, antes do dia 16.10.2007, enviou à ré “C...” uma carta por via da qual avisava a data de pagamento da fração devida pelo prémio de seguro – 16.12.2007 – bem como de que a falta de pagamento do prémio de seguro determinava a resolução automática e imediata do contrato de seguro na data em que o pagamento da fração era devido.
Mais referiu que, em 4.1.2008, quando já se mostrava resolvido o contrato de seguro, a ré “C...” solicitou a reposição em vigor daquele contrato, o que foi aceite sob a condição de a tomadora reconhecer e declarar que tinha conhecimento que os efeitos do contrato de seguro tinham ficado suspensos pela seguradora, desde 16.12.2007 até 4.1.2008; que nesse período não ocorreu qualquer sinistro suscetível de ser enquadrado nas garantias desse contrato; que tinha conhecimento que a ausência de sinistros era essencial para a manutenção do contrato em vigor e que caso se viesse a comprovar a existência de sinistros naquele período, os mesmos não seriam da responsabilidade da interveniente, podendo esta invocar a nulidade do contrato por falsas declarações do tomador.
A ré “C...” assinou um documento onde reconhecia todos esses factos e o contrato de seguro foi reposto em vigor, tendo a ré liquidado a fração do prémio devido em 16.12.2007 no dia 4.1.2008.
Pelo que conclui a Companhia de Seguros F..., S.A. que o contrato de seguro é nulo por a ré “C...” ter prestado falsas declarações ao pedir para que o mesmo fosse reposto em vigor.
O autor respondeu à exceção de prescrição, a qual foi julgada improcedente por despacho proferido em 7.9.2012.
Procedeu-se ao saneamento do processo e à fixação da matéria assente e da base instrutória, não sendo deduzidas reclamações.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, e em consequência:
a) Absolveu a Companhia de Seguros F..., S.A., do pedido;
b) Absolveu a ré “C..., Lda.”, do pedido;
c) Condenou o réu B... a pagar ao autor a quantia de 16.120,58€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, e no reembolso das despesas suportadas pelo autor com a instrução e regularização do processo de sinistro, a liquidar em execução de sentença;
d) Condenou a ré “C..., Lda.”, como litigante de má-fé, no pagamento de multa de 3 UC, sendo responsável pelo pagamento das custas e da multa o seu gerente (artigos 456.º, nºs 1 e 2, alínea b), e 458.º do CPC, artigo 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais).
Inconformado com o decidido, o autor Fundo de Garantia Automóvel interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Provando-se a propriedade do veículo, presume-se a direcção efectiva e o interesse na sua utilização pelo proprietário;
2. Incumbia ao proprietário provar a utilização abusiva e contrária ao seu interesse.
3. O juízo presuntivo referido no ponto 1 das conclusões é reforçado pela conduta concreta da ré C... após o acidente;
Sem conceder,
4. Ainda que não se considere que a ré C... detinha a direcção efectiva e o interesse na circulação do veículo, a mesma deve ser condenada por ser a proprietária do veículo que omitiu a celebração do contrato de seguro e que deu azo à sua invalidade, dando, assim, causa à intervenção do FGA;
5. O Tribunal a quo, não os interpretando da forma acima assinalada, violou os arts. 54º, nºs 1, 2 e 3 do Decreto Lei nº 291/2007 e o artigo 503º do CC.
Pretende assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que condene ambos os réus no pedido formulado.
Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se o proprietário do veículo, para além do seu condutor, deve também ser responsabilizado.
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OS FACTOS
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:
A. No dia 2 de Janeiro de 2008, pelas 02:30 horas, na Variante ..., em ..., Penafiel, ocorreu um embate.
B. Nele foram intervenientes os veículos ligeiro de mercadorias de matrícula ..-BO-.., conduzido pelo réu B..., pertença da primeira ré, e ligeiro de passageiros de matrícula ..-DS-.., conduzido por D..., pertença de E..., Lda. (rectius E1..., Lda.).
C. A Variante ... descreve-se, no local, em curva, sendo composta por dois corredores de circulação, sendo um afecto ao sentido de marcha A4 – Marco de Canaveses e outro reservado ao sentido de marcha contrário.
D. Atento o sentido de marcha A4 – Marco de Canaveses, a Variante ... descreve-se em curva à esquerda.
E. O veículo de matrícula BO circulava pela Variante ..., na hemi-faixa de rodagem mais à direita, atento o sentido de marcha A4 – Marco de Canaveses.
F. O piso da estrada encontrava-se molhado e o tempo estava chuvoso.
G. O réu B... perdeu o controlo do veículo.
H. (…) E desgovernado, o veículo BO flecte para a esquerda.
I. O veículo BO transpõe a linha que delimitava ao centro os dois sentidos de marcha da Variante ....
J. (…) Vindo a ocupar o corredor de circulação mais à esquerda.
L. Altura em que veio a colidir com a sua frente na parte lateral esquerda do veículo DS, que circulava em sentido contrário, dentro da referida hemi-faixa.
M. A colisão ocorreu na faixa de rodagem afecta ao sentido de marcha do veículo DS.
N. Como consequência do embate, o veículo DS ficou estragado na parte lateral esquerda e parte da frente, cuja reparação cifrar-se-ia em €30.000,00.
O. Pelo que se concluiu não dever ser pago ao dono do carro um montante com base no valor da reparação.
P. A lesada aceitou esta avaliação.
Q. O veículo DS tinha, à data do embate, o valor comercial de €13.500,00.
R. (…) E o valor dos salvados era de €2.999,00.
S. Calculando a diferença entre o valor venal do veículo DS e o valor do salvado, o autor entregou à E1….., Lda., a quantia de €10.501,00.
T. O veículo ficou parado desde 02.01.2008 e durante cerca de um mês e quinze dias.
U. O veículo DS encontrava-se afecto ao transporte de passageiros, vulgo táxi.
V. O autor entregou à E1..., Lda., €79,39 à razão diária pela paralisação do veículo DS.
Z. A esse valor acresceu a quantia de €446,41 a título de reembolso de despesas com a desmontagem e montagem do equipamento de radiocomunicação, da desmontagem do taxímetro, candeeiro luminoso e sistema taxiseguro.
AA. O autor pagou à E1..., Lda., a quantia de €1.600,72 a título de perda da redução do imposto automóvel do veículo DS, que foi suportada por aquela.
AB. Por força da informação de que o veículo BO não beneficiava de seguro, a E1..., Lda., participou ao autor o embate dos autos e este procedeu ao pagamento da quantia global de €16.120,58.
AC. O último pagamento efectuado à E1..., Lda., ocorreu no dia 19 de Maio de 2008.
AD. A ré C..., Lda., havia celebrado com a interveniente Companhia de Seguros F..., S.A., um acordo escrito relativo à circulação terrestre do veículo BO, titulado pela apólice n.º .........., com início a 16.12.2007.
AE. Antes do dia 16 de Outubro de 2007, a interveniente enviou à ré C..., Lda., uma carta a informar da data de pagamento da fracção do prémio de seguro, que seria 16 de Dezembro de 2007.
AF. Desse aviso constavam as consequências da falta de pagamento do referido prémio, ou seja, a cessação automática e imediata do seguro, na data em que o prémio fosse devido.
AG. No dia 04 de Janeiro de 2008, já estando cessado o acordo de seguro, a ré C..., Lda., solicitou à interveniente a reposição em vigor do referido seguro.
AH. (…) O que foi aceite pela interveniente, sob condição de a ré, expressamente, reconhecer:
- Que tinha conhecimento que os efeitos do acordo de seguro em causa tinham ficado suspensos desde 16.12.2007 até 04.01.2008, por motivo de não pagamento do prémio;
- Que nesse período não ocorrera nenhum sinistro susceptível de ser enquadrado nas garantias do seguro em causa;
- Que tinha conhecimento que a inexistência de sinistros era condição essencial para a interveniente aceitar a manutenção do seguro em causa;
- Que tinha conhecimento que caso se viesse a apurar a existência de sinistros no referido período em que o veículo esteve sem seguro, os mesmos não seriam assumidos pela interveniente, podendo estar invocar o vício do acordo, por falsas declarações da ré.
AI. A ré C..., Lda., assinou um documento em que reconhecia todos os factos referidos em AH) e o seguro foi reposto em vigor, tendo esta pago a fracção do prémio devido em 16.12.2007 no dia 04.01.2008.
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O DIREITO
1. O autor/recorrente Fundo de Garantia Automóvel fundamentou a sua pretensão na circunstância de o réu B... ter sido o responsável por um acidente de viação, quando conduzia o veículo automóvel BO propriedade da ré “C..., Lda.”, com autorização desta, do qual resultaram danos que ressarciu, ao que acresce ainda o facto de, na ocasião do acidente, o veículo circular sem seguro válido e eficaz em virtude do seu proprietário não o ter celebrado.
Na sentença recorrida, a Mmª Juíza “a quo” afastou a responsabilidade da ré “C..., Lda.”, por não se terem provado factos que permitissem concluir que aquando do embate o veículo estava a ser utilizado pelo réu B... por conta e no interesse da “C...” e também por não se poder concluir que esta, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas nos autos, tinha a direção efetiva do veículo.
Considerou a 1ª Instância ser ao lesado que cabe a alegação e a prova dos factos respeitantes ao modo de utilização do veículo causador do acidente.
Sucede que contra este entendimento se insurge o autor por via da interposição do presente recurso.
Vejamos então.
2. O art. 47º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21.8. estabelece que a reparação dos danos causados por responsável desconhecido ou isento de obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel é garantida pelo Fundo de Garantia Automóvel.
Satisfeita a indemnização, o Fundo Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso – cfr. art. 54º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/2007.
São solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do n.º 1, o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro – cfr. art. 54º, nº 3 do Dec. Lei nº 291/2007.
Neste contexto, o Fundo de Garantia Automóvel surge não como devedor, mas sim como garante do cumprimento das obrigações do lesante, respondendo apenas, sendo este conhecido, no caso de não ter seguro válido e eficaz.
Assim, o Fundo de Garantia Automóvel paga o que for devido pelo responsável pelo acidente, ficando sub-rogado nos direitos do lesado, o que significa que adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam – cfr. art. 593º, nº 1 do Cód. Civil.
O sub-rogado passa então a ser o verdadeiro lesado.
3. Se a responsabilidade do réu B... perante o Fundo de Garantia Automóvel, enquanto condutor do veículo causador do acidente, é inequívoca, a questão que aqui se coloca é a de saber se a ré “C..., Lda.”, proprietária do veículo, é igualmente responsável.
No art. 500º, nº 1 do Cód. Civil estatui-se que «aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia a obrigação de indemnizar
Acontece não ser possível subsumir a factualidade dada como assente à previsão deste artigo, uma vez que não resultou provada a existência de uma relação de comissão entre a ré “C...” e o réu B..., entendida esta como a existência de um vínculo de autoridade e subordinação correspetivas.
A verificação de uma relação de comissão exige que uma pessoa tenha encarregado outra, gratuita ou onerosamente, de uma comissão ou serviço, consistindo num ato isolado ou numa atividade duradoura.
A comissão pressupõe pois a existência de uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar instruções ou ordens, visto que só tal possibilidade é justificativa da responsabilidade do comitente pelos atos do comissário.
Sucede que da factualidade assente não resulta provada a existência de tal relação de comissão entre a ré “C...” e o réu B..., isto porque não ficou demonstrado que, aquando do acidente, este conduzisse o veículo por conta e no interesse daquela, no desempenho da sua atividade profissional.
Assim, não se tendo provado a que título o réu B... conduzia o veículo da ré “C...” - se como comodatário, locatário ou comissário, etc. -, nem se tendo provado que o fazia no exercício da sua atividade profissional para a ré “C...”, não se mostra possível a responsabilização desta ré de acordo com o disposto no art. 500º do Cód. Civil, pois não se provou a existência de uma relação de comissão entre os réus.
Porém, há que ter também em atenção o nº 1 do art. 503º do Cód. Civil onde se preceitua que «aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação
Ora, o que flui da factualidade assente é que não resultou apurado a que título o réu B... conduzia o veículo BO, nem se provaram factos dos quais resultasse que, aquando do sinistro, a ré “C...” tinha a sua direção efetiva, pela circunstância do B... se encontrar ao seu serviço, no desempenho da sua atividade profissional, tal como também não se provou que o veículo estava a ser utilizado no interesse da “C...”.
Deste modo, há a concluir não se terem provado factos dos quais decorresse que a ré “C...” tinha a direção efetiva do BO, o que afasta a sua responsabilização com base no art. 503º, nº 1 do Cód. Civil.
4. Todavia, mesmo podendo aceitar-se, nesta parte, o percurso argumentativo traçado na sentença recorrida, que aqui seguimos, entendemos que se impõe, perante a factualidade provada de AD a AI, a condenação da ré “C...”.
É que esta ré é a proprietária do veículo causador do acidente, relativamente ao qual não cumpriu a sua obrigação de ter contrato de seguro válido e eficaz, conforme o impõe o art. 4º do Dec. Lei nº 291/2007.
Consideramos que o Fundo de Garantia Automóvel, face ao que flui dos arts. 47º e 54º do Dec. Lei nº 291/2007, está autorizado a demandar a pessoa obrigada à celebração do contrato de seguro automóvel com fundamento, apenas, na não celebração desse contrato.
Com efeito, a nosso ver, nesta situação, prescinde-se quanto a tal pessoa do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, quer por factos ilícitos, quer pelo risco.
Por conseguinte, o Fundo de Garantia Automóvel pode obter o seu reembolso não apenas à custa do lesante, mas também do próprio sujeito que omitiu a obrigação de segurar, mesmo que a este não possa ser atribuída responsabilidade pelas consequências danosas do acidente.
Nesta hipótese, o proprietário para se eximir à responsabilidade que para ele adviria da ausência do seguro teria que alegar e provar a utilização abusiva da viatura[1]. Pense-se, por exemplo, no caso de uma viatura, que não dispõe de seguro, estar há longo tempo por opção do seu proprietário imobilizada numa garagem, da qual vem a ser furtada, ocorrendo em seguida um acidente com consequências danosas. Certamente, que num caso com estes contornos o proprietário que omitiu a obrigação de segurar não pode ser responsabilizado por tais consequências.[2]
Todavia, na situação “sub judice” a ré “C..., Lda.”, proprietária do veículo causador do acidente, não alegou nem provou que a mesma estivesse a ser utilizada de forma abusiva.
Aliás, o que se provou, quanto à existência de seguro, foi uma atuação bem censurável da ré “C..., Lda.”, que em 4.1.2008, dois dias depois da ocorrência do acidente, solicitou a reposição em vigor do contrato de seguro, assinando declaração em que afirmava a ausência de sinistros, o que, de resto, motivou a sua condenação como litigante de má-fé.
Como tal, a ré “C..., Lda.” deve ser condenada solidariamente com o condutor, o réu B..., o que implica a procedência do recurso interposto pelo autor Fundo de Garantia Automóvel.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo autor Fundo de Garantia Automóvel e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, condenando-se, solidariamente com o réu B..., também a ré “C..., Lda.” nos termos definidos nessa sentença.
Custas do recurso a cargo da apelada.

Porto, 27.6.2018
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Cfr. Ac. Rel. Porto de 26.1.2009, proc. 0857168, disponível in www.dgsi.pt.
[2] De qualquer modo, a questão da sub-rogação que a lei reconhece ao Fundo de Garantia Automóvel, relativamente ao proprietário do veículo que incumpriu a obrigação de segurar, depender ou não do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil quanto a esse proprietário não é de entendimento pacífico, conforme se alcança do Acórdão do STJ de 7.2.2017, proc. 770/12.3TBSXL.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.