Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3156/15.4T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA DOS ARRENDATÁRIOS
BENFEITORIAS
PRIVAÇÃO DO USO
Nº do Documento: RP202205043156/15.4T8GDM.P1
Data do Acordão: 05/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não assiste direito de preferência ao arrendatário, nos termos do art. 1091.º, n.º1 al. a) CC, quando este recebeu em arrendamento benfeitorias (uma casa) construídas pelo locador em terreno que este último arrendou a terceiro com a faculdade de efetuar tais benfeitorias que viriam a reverter para o dono do terreno.
II - Não estamos perante um arrendamento que incida sobre um objeto cujo domínio possa ser autonomamente transacionado, sendo razoável a exigência de autonomia jurídica da coisa para que possa constituir objeto de um negócio translativo de propriedade, é também razoável que o direito de preferência a partir do arrendamento se projete por referência à mesma unidade jurídica, sendo ele tendente à aquisição do direito real.
III - A ilícita privação do uso de uma casa configura em si mesma um prejuízo resultante da impossibilidade de usar tal bem, sendo um dano autónomo.
IV – Este dano é indemnizável ainda que não se tenha provado a utilidade ou vantagem concreta que o proprietário teria retirado do bem durante o período de privação e sendo a indemnização, em tal hipótese, face às dificuldades de prova que existem em matéria de quantificação da indemnização por equivalente, fixada equitativamente (cfr. art. 566.º, n.º 3, do CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3156/15.4T8GDM.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AA, que foi residente na rua ..., ..., Gondomar, entretanto falecida e habilitada pelos respetivos sucessores, BB, CC, DD, EE, FF (também falecido na pendência da ação e habilitado pela cônjuge sobreviva, GG, também falecida e habilitada por HH, II e JJ), KK e LL, intentou a presente ação declarativa que segue a forma de processo comum contra os RR.:
(1) MM, (2) NN, (3) OO, (4) PP, (5) QQ e (6) RR, (7) SS e (8) TT.

Pretendia a A. o seguinte:
a) Se determine a substituição dos RR. adquirentes pela A., preferente, na transação homologada por sentença judicial a 20-05-2015 (art.º 1410.º do CC);
b) Se determine o cancelamento do registo que eventualmente venha a ser efetivado a favor dos RR. adquirentes (art.º 3.º, al. b) do Código do Registo Predial);
c) Se condenem os RR. a reconhecer a A. como proprietária do prédio objeto da preferência (art.º 3.º, al. a) do Código do Registo Predial);
d) Se condenem o RR. alienantes a indemnizar a A. em €2.500,00.
Para tanto alega que sendo arrendatária do edifício dado em cumprimento na ação judicial que identifica em que foram partes os RR proprietários do terreno onde a habitação se encontra erigida e que assim adquiriram pelo valor de €3.500,00, a habitação locada, e os RR seus senhorios, sem que lhe tenha sido comunicado e dada a possibilidade de exercer direito de preferência, tem direito a ingressar nessa posição e ser indemnizada na quantia de €2.500,00 pelo incumprimento contratual e pela violação do principio da boa-fé, por parte dos RR alienantes.

Os 6.º, 7.º e 8.º RR. contestam dizendo não assistir direito de preferência aos AA. na dação em cumprimento porquanto se não tratou da dação de um prédio autónomo mas de simples benfeitorias erigidas sobre terreno pertença destes RR. contestantes.
Ademais, o contrato de arrendamento aos antecessores dos atuais RR. estava dependente da subsistência do arrendamento originário do terreno onde estão construídas as benfeitorias e este contrato deixou de existir por acordo judicial outorgado pelos RR., sendo que o mesmo contrato previa que os senhorios do terreno teriam preferência no caso dos arrendatários resolverem vender as benfeitorias.
Ademais, à A. nunca assistiria direito de preferência, por força do disposto no art. 1535, n.º1, CC.
Estes RR. deduziram RECONVENÇÃO na qual concluem pela condenação da Autora/Reconvinda a:
a) reconhecer que os Réus contestantes são os donos e legítimos possuidores de uma parcela de terreno com a área de seiscentos e oitenta metros quadrados, sita na rua ..., ao lugar de ..., Freguesia ..., concelho de Gondomar, a confrontar de norte com RR e outros, do sul com Estrada ..., do nascente com acaba em ponta aguda e do poente com Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ...- ..., a qual fez parte do prédio denominado “campo ...” ou “...”, descrito na mesma Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., da Freguesia ..., que lhes ficou a pertencer por lhes haver sido adjudicado na partilha judicial operada no processo de inventário autuado sob o nº 1778/08.9TBGDM, do extinto 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, em que foram inventariados UU e mulher, VV, relacionado sob a verba nº 35 (trinta e cinco), correspondendo a mencionada parcela de terreno ao solo onde está implantado o edifício com o nº de polícia ... da Rua ..., e ao espaço (terreno) que lhe serve de logradouro.
b) reconhecer que na dita parcela de terreno se encontra edificada uma construção, destinada a habitação, com logradouro, inscrita na matriz urbana da referida Freguesia ... sob o artigo ..., em data anterior a mil novecentos e cinquenta e um, e independente em relação à parte restante da descrição predial desde a data da sua edificação, não tendo a parcela de terreno inscrição matricial autónoma por constituir o solo e o logradouro daquele artigo urbano que constituem benfeitorias.
c) reconhecer que este edifício foi implantado naquele solo pelo primeiro arrendatário do terreno, WW, ao abrigo do contrato de arrendamento constante da escritura de 14/06/1889, lavrada pelo Notário de Gondomar XX, exarada a partir de folhas ..., do de notas incorporado no Arquivo Distrital do Porto sob o nº 10, da 6.ª Série, do ... Cartório Notarial ..., em que eram senhorios YY e mulher, ZZ, ao tempo proprietários do prédio de onde a parcela arrendada foi desmembrada, e inquilinos o referido WW e mulher, AAA, e que a tomaram de arrendamento para nela erigirem construções, tendo-a delimitado com as edificações nela erigidas e com a construção de muros.
d) reconhecer que com a conclusão da construção da benfeitoria, verificada em finais de 1890, a que se refere o mencionado artigo urbano ..., foi conferida autonomia à parcela de terreno onde ela foi incorporada, simultaneamente material e jurídica.
e) Reconhecer que as referidas benfeitorias, inscritas na matriz no artigo ..., foram objeto de várias transmissões, nomeadamente por arrematação e por sucessão hereditária, sucessivamente registadas na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, encontrando-se, atualmente registadas, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de: BBB, casado com CCC; DDD, casada com EEE; DDD, viúva; pela inscrição nº ..., a fls.105 v, do livro ..., por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária de FFF.
f) reconhecer que por partilha da herança deixada por óbito do referido FFF, e partilhas da herança de seus sucessores aquelas benfeitorias foram adjudicadas à herdeira DDD, que também usou o nome de DDD
g) reconhecer que as mesmas benfeitorias ficaram a pertencer aos co-réus destes autos, por lhes terem sido adjudicadas em compropriedade, nas proporções de 6/18 avos para cada um dos NN e MM, 4/18 avos para OO e 1/18 avos para cada um dos QQ e PP, na partilha judicial operada no processo de inventário autuado sob o nº 3233/07.5TBGDM, do extinto 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, em que foi inventariada DDD, viúva.
h) reconhecer que os co-réus deixaram de pagar aos réus contestantes a renda devida pela ocupação do referido prédio de que estes são proprietários, e que todos os Réus fixaram em €3.500,00 o montante devido pela compensação, dos co-réus aos Réus contestantes, devida por tal ocupação não retribuída pelo pagamento.
i) reconhecer que em contrapartida, e para pagamento de tal indemnização, os co-réus deram em cumprimento/pagamento aos Réus contestantes, em comum e partes iguais, as mencionadas benfeitorias, e direito que possuem sobre as mesmas, livres de quaisquer ónus e encargos, inscritas sob o artigo urbano ..., às quais atribuíram todos o valor de €3.500,00, pelo qual lhes foi adjudicado.
j) reconhecer que os Réus contestantes aceitaram a dação nos referidos termos, e consideraram extinta a dívida de €3.500,00 dos co-réus, referente a compensação pela ocupação incasual e ilícita, sem liquidação da correspondente contrapartida de renda.
k) reconhecer os Réus contestantes como proprietários do terreno dado de arrendamento, seja por presunção registral, seja por aquisição originária por usucapião, e sucessores dos senhorios que outorgaram o contrato de arrendamento.
l) reconhecer que o contrato de arrendamento celebrado entre os antecessores dos Réus contestantes e os antecessores dos co-réus, ou seja, celebrado em 14 de Junho de 1889, entre YY e mulher e WW, e transmitido para os Réus contestantes e para os co-réus, respetivamente, na qualidade de senhorios e arrendatários, se acha resolvido por acordo judicial, homologado por sentença transitada em julgado no processo n.º 466/15.4TBGDM, do J.2 desta comarca.
m) reconhecer que tal acordo escrito, denominado “contrato de arrendamento”, não possui qualquer validade ou eficácia que possa ser oposta aos Réus contestantes, já que foi celebrado por quem não era dono do prédio e não foi autorizado ou consentido pelos Réus contestantes.
n) subsidiariamente, a reconhecer que os Réus contestantes sempre teriam a preferência na transmissão do direito de superfície, por se tratar de prédio enfitêutico;
o) subsidiariamente, a reconhecer que um eventual direito de preferência da Autora na aquisição do prédio – mas que não se concede nem aceita existir – sempre consubstanciaria abuso de direito, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito, traduzindo um injusto enriquecimento da Autora;
Sem prescindir, e em qualquer dos casos,
q) entregar aos Réus contestantes o prédio, descrito sob o n.º. ..., anterior descrição n. º..., e as benfeitorias nele erigidas, correspondente ao artigo ..., livre de quaisquer ónus e encargos e devoluto;
r) A pagar aos Réus contestantes, a título de compensação pela utilização ilícita e incasual de tal prédio, a quantia de €500,00 mensal, desde a data da notificação da presente reconvenção até à sua efetiva entrega;
Subsidiariamente, e em caso de reconhecimento do direito de preferência da Autora, ser este reduzido ou limitado à benfeitoria e ser a Autora condenada a indemnizar os Réus contestantes no montante de €7.615,90 (sete mil, seiscentos e quinze euros e noventa cêntimos), correspondente ao montante despendido por estes na reparação do muro do seu prédio, que ameaçava ruir sobre o passeio e a estrada, e na sequência de intimação camarária para o efeito.

A Ré MM apresentou contestação que consta de fls. 327 e ss. e os RR OO, QQ e PP apresentaram contestação a fls. 352 e ss., impugnando os factos alegados pela A. na sua petição inicial, reconhecendo a propriedade do prédio, por sucessão hereditária, aos RR RR e outros (descrito na CRP Gondomar sob o n.º ..., de fls. ... verso, Livro ... e extratado para a descrição n.º ...), afirmando que a A. confunde este prédio que foi pelos antecessores daqueles dado de arrendamento e onde se realizaram as benfeitorias erigidas (dando lugar à inscrição matricial ...) na dita parcela de terreno àqueles pertencente.
Sustentam que o direito dos inquilinos sobre as benfeitorias surgiu por meio de enfiteuse.
Afirmam que inexistiu qualquer negócio de compra e venda entre os RR do qual resulte o exercício do direito de preferência para a A. quanto à transmissão das benfeitorias para aqueles, tendo o contrato de arrendamento celebrado pelos antecessores das partes sido resolvido por estas em transação judicial que veio a ser homologada por sentença proferida no proc. 466/15.4T8GDM.
Sublinham que a haver direito de preferência este cabe ao proprietário do terreno, conforme clausulado no contrato de arrendamento para construção inicialmente firmado.
Concluem não ter praticado qualquer ato ilícito de onde resulte a obrigação de indemnizar a A.

A A. apresentou RÉPLICA a fls. 372 e ss., impugnado a matéria alegada pelos RR reconvintes, afirmando que não existe nem nunca existiu qualquer relação de dependência entre o contrato de arrendamento celebrado em 1889 e o contrato de arrendamento celebrado em 1964 e que tem por objeto as benfeitorias erigidas e adquiridas pelos antepassados de DDD e que o facto de o contrato de arrendamento celebrado em 1889 ter sido resolvido não afeta o contrato de arrendamento que tem por objeto as benfeitorias celebrado em 1964 nem o direito de preferência da A., arrendatária, na dação em cumprimento. Sublinha que os proprietários e senhorios da parcela de terreno onde foram erigidas as benfeitorias não foram os seus construtores nem os donos destas, sendo estas pertença do inquilino WW e, depois, transmitidas aos seus descendentes, havendo duas unidades prediais distintas com diferentes titulares.
Rebate que o direito de propriedade dos inquilinos sobre as benfeitorias tenha surgido por meio de enfiteuse, tendo outrossim sido celebrado um contrato de arrendamento limitado a 200 anos.
Insiste que, enquanto inquilina, tem direito de preferência sobre o prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., e objeto da dação em cumprimento no processo judicial n.º 466/15.4TBGDM. Sustenta que os RR reconvintes ao tentarem lançar mão de um pretenso direito de preferência consignado no contrato de arrendamento resolvido por acordo agem em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium e litigam de má-fé.
Advoga que ao abrigo do disposto no art. 1535.º, n.º1 do CC, o proprietário do solo cede perante o direito de preferência do arrendatário
Nega ter qualquer responsabilidade sobre o estado do muro e custos inerentes à sua reparação, cabendo aos seus senhorios – herdeiros de DDD - fazer obras de conservação, como aliás ficou definido contratualmente, não tendo qualquer responsabilidade a esse título.
Afirma ser falso que a A. ocupe a parcela de terreno, nada sendo devido aos RR reconvintes a título de rendas, desconhecendo a origem dos valores que são pelos mesmos reclamados pelo arrendamento.
Termina pedindo a condenação dos RR reconvintes em indemnização a favor da A. em montante não inferior a €2.500,00 por litigância de má-fé.

Realizado julgamento foi proferida sentença, datada de 20.9.2021, a qual julgou a ação improcedente, julgando parcialmente procedente o pedido reconvencional e condenando os AA. a:
- reconhecer que os Réus contestantes são os donos e legítimos possuidores de uma parcela de terreno com a área de seiscentos e oitenta metros quadrados, sita na rua ..., ao lugar de ..., Freguesia ..., concelho de Gondomar, a confrontar de norte com RR e outros, do sul com Estrada ..., do nascente com acaba em ponta aguda e do poente com Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ...-..., a qual fez parte do prédio denominado “campo ...” ou “...”, descrito na mesma Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., da Freguesia ..., que lhes ficou a pertencer por lhes haver sido adjudicado na partilha judicial operada no processo de inventário autuado sob o nº 1778/08.9TBGDM, do extinto 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, em que foram inventariados UU e mulher, VV, relacionado sob a verba nº 35(trinta e cinco), correspondendo a mencionada parcela de terreno ao solo onde está implantado o edifício com o nº de polícia ... da Rua ..., e ao espaço (terreno) que lhe serve de logradouro.
- reconhecer que na dita parcela de terreno encontra-se edificada uma construção, destinada a habitação, com logradouro, inscrita na matriz urbana da referida Freguesia ... sob o artigo ..., em data anterior a mil novecentos e cinquenta e um, e independente em relação à parte restante da descrição predial desde a data da sua edificação, não tendo a parcela de terreno inscrição matricial autónoma por constituir o solo e o logradouro daquele artigo urbano que constituem benfeitorias.
-reconhecer que este edifício foi implantado naquele solo pelo primeiro arrendatário do terreno, WW, ao abrigo do contrato de arrendamento constante da escritura de 14/06/1889, lavrada pelo Notário de Gondomar XX, exarada a partir de folhas ..., do de notas incorporado no Arquivo Distrital do Porto sob o nº 10, da 6.ª Série, do ... Cartório Notarial ..., em que eram senhorios YY e mulher, ZZ, ao tempo proprietários do prédio de onde a parcela arrendada foi desmembrada, e inquilinos o referido WW e mulher, AAA, e que a tomaram de arrendamento para nela erigirem construções, tendo-a delimitado com as edificações nela erigidas e com a construção de muros.
-reconhecer que com a conclusão da construção da benfeitoria, verificada em finais de 1890, a que se refere o mencionado artigo urbano ..., foi conferida autonomia à parcela de terreno onde ela foi incorporada, simultaneamente material e jurídica.
-reconhecer que as referidas benfeitorias, inscritas na matriz no artigo ..., foram objeto de várias transmissões, nomeadamente por arrematação e por sucessão hereditária, sucessivamente registadas na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, encontrando-se, atualmente registadas, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de: BBB, casado com CCC; DDD, casada com EEE; DDD, viúva; pela inscrição nº ..., a fls.105 v, do livro ..., por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária de FFF.
-reconhecer que por partilha da herança deixada por óbito do referido FFF, e partilhas da herança de seus sucessores aquelas benfeitorias foram adjudicadas à herdeira DDD, que também usou o nome de DDD.
-reconhecer que as mesmas benfeitorias ficaram a pertencer aos co-réus destes autos, por lhes terem sido adjudicadas em compropriedade, nas proporções de 6/18 avos para cada um dos NN e MM, 4/18 avos para OO e 1/18 avos para cada um dos QQ e PP, na partilha judicial operada no processo de inventário autuado sob o nº 3233/07.5TBGDM, do extinto 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, em que foi inventariada DDD, viúva.
-reconhecer que os co-réus deixaram de pagar aos réus contestantes a renda devida pela ocupação do referido prédio de que estes são proprietários, e que todos os Réus fixaram em € 3.500,00 o montante devido pela compensação dos co-réus aos Réus contestantes devida por tal ocupação não retribuída pelo pagamento.
- reconhecer que em contrapartida, e para pagamento de tal indemnização, os co-réus deram em cumprimento/pagamento aos Réus contestantes, em comum e partes iguais, as mencionadas benfeitorias, e direito que possuem sobre as mesmas, livres de quaisquer ónus e encargos, inscritas sob o artigo urbano ..., às quais atribuíram todos o valor de €3.500,00, pelo qual lhes foi adjudicado.
- reconhecer que os Réus contestantes aceitaram a dação nos referidos termos, e consideraram extinta a dívida de €3.500,00 dos co-réus, referente a compensação pela ocupação sem liquidação da correspondente contrapartida de renda.
- reconhecer os Réus contestantes como proprietários do terreno dado de arrendamento.
- reconhecer que o contrato de arrendamento celebrado em 14 de Junho de 1889, entre YY e mulher e WW, e transmitido para os Réus contestantes e para os co-réus, respetivamente, na qualidade de senhorios e arrendatários, se acha resolvido por acordo judicial, homologado por sentença transitada em julgado no processo n.º 466/15.4TBGDM, do J.2 desta comarca.
- entregar aos Réus contestantes o prédio, descrito sob o n.º. ..., anterior descrição n. º..., e as benfeitorias nele erigidas, correspondente ao artigo ..., livre de quaisquer ónus e encargos e devoluto.
- pagar aos Réus contestantes, a título de compensação pela utilização ilícita do tal prédio, a quantia de €200,00 mensal, desde a data da notificação da reconvenção até à sua efetiva entrega.
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Foram dados como provados na sentença os seguintes factos:
1) Por escritura pública outorgada em 14 de Junho de 1889, YY e mulher, ZZ, na qualidade de proprietários, deram de arrendamento a WW e mulher AAA, uma parcela de terreno, que fazia parte da ... denominada nova, sito no lugar da ..., ..., com a seguinte composição: “pedaço de terra que mede pela parte sul, por onde confina com a estrada distrital, cinquenta e nove metros e vinte centímetros, pelo poente, por onde confina com caminho público, quarenta e um metros e sessenta centímetros, pelo norte, por onde confina com os proprietários trinta e cinco metros e dezassete centímetros e pelo nascente acaba em ponta aguda”.
2) O contrato mencionado em 1) ficou subordinado às seguintes condições:
“Primeira: Que este arrendamento é por 200 anos contados de hoje.
Segunda: Que os arrendatários lhes pagarão de renda em cada um dos respetivos anos, efetuando o primeiro pagamento no dia 29 de Setembro do ano de 1890 e assim nos anos seguintes deste arrendamento a quantia de 8000 reis em boa moeda corrente neste reino, satisfeita nas moradas dos senhorios, sendo dentro dos limites desta freguesia.
Terceira: Que os arrendatários ficam obrigados a fazer benfeitorias no terreno aqui arrendado, as quais autorizam, e quando terminar este arrendamento, se não for reformado pelos possuidores do terreno, serão pagas aos arrendatários, as benfeitorias pelo dobro do que forem louvadas, por dois peritos nomeados, um por cada parte, e no caso de empate será nomeado à sorte um terceiro e a sua decisão terá força de sentença passada em julgado.
Quarta: Que no caso dos senhorios resolverem vender o terreno aqui arrendado, tanto por tanto, serão preferidos aos arrendatários, se a estes vier fazer a compra dele; e no caso dos arrendatários resolverem vender as benfeitorias, também não o poderão fazer sem o consentimento expresso dos senhorios, que tanto por tanto serão preferidos a outro comprador.
Quinta: Que os arrendatários ficam com o direito de levantar a parede do lado sul da casa deles, primeiros outorgantes, já edificada junto do terreno aqui arrendado, para sobre a mesma parede levantada colocarem o madeirame da casa que ali vão edificar, ficando eles primeiros outorgantes senhorios também com o direito de sobre esta parede colocar o madeirame da sua casa já edificada, quando lhes convenha levantá-la.”
3) – Por escritura de partilha por óbito de YY e mulher, ZZ outorgada em 13 de janeiro de 1919, a ... descrita no contrato referido em 1, descrita sob a verba 17 – “..., terra a mato e mais pertenças, situada no referido logar da ..., a confrontar do nascente com BBB do poente e norte com caminho público e do sul com a via férrea do Minho e Douro, formado pelo terreno descripto no livro B- …, a folhas cento e quarenta e uma verso sob o número …, arrendado a WW e mulher AAA, pelo prazo de … duzentos anos …, como consta da escriptura lavrada em catorze de junho de mil oito centos oitenta e nove pelo notário… o terreno descripto no livro B-cento e quatro, a folhas noventa e seis verso sob o número .., arrendado a GGG, pelo prazo de duzentos anos…” - foi adjudicada à filha dos falecidos, HHH, casada com III.
4) – No dia 12/09/1935, faleceu III (Júnior), genro de YY, no estado de casado sob o regime da comunhão geral com HHH, e por cujo óbito foi instaurado Inventário de Maiores, que correu termos pela 3ª Vara Cível do Tribunal de Comarca do Porto sob o nº. 2363/1936 tendo a parcela de terreno descrita na escritura referida em 1 sido adjudicada, sob a verba 103 – “um terreno dado de arrendamento por duzentos anos a WW e mulher, hoje BBB, por escritura de catorze de Junho de mil oitocentos e oitenta e nove, …. Destacado da ..., sita no lugar da ..., que era formada do prédio número …, a folhas cento e quarenta e uma verso, do livro B-…” - à viúva do inventariado, HHH.
5) – Em 26 de julho de 1940, faleceu HHH tendo deixado testamento no qual lega à sua irmã, VV, o prédio denominado ..., situado no lugar da ..., descrito na Conservatória sob os números ... a folhas ... verso do livro ... e ... a folhas 96 verso do livro ....
6) – Em 5 de abril de 1967, faleceu a referida VV, no estado de viúva de JJJ, tendo deixado como única herdeira sua filha, VV casada no regime da comunhão geral de bens com UU.
7) – Em 9 de janeiro de 1995, faleceu o referido UU e em 26 de abril de 2001 faleceu a referida VV tendo-lhes sucedido os filhos KKK, que veio a falecer em 18 de novembro de 2007, LLL, MMM e NNN, falecido em 8 de agosto de 2005, no estado de casado no regime de comunhão de adquiridos com RR, sucedendo a este último, para além do cônjuge sobrevivo, os filhos SS e TT.
8) – Por óbito dos referidos UU e VV foi interposto processo de inventário que correu termos sob o nº. 1778/08.9TBGDM do extinto 3º. Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar tendo aí sido atribuído a RR, SS e TT, sem determinação de parte ou direito a verba nº. 35, melhor descrita a fls 275 dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.
9) – A descrição nº. ... do Livro ... foi aberta em 1 de dezembro de 1891 tendo o seguinte teor: “Casa sobradada e pertenças, situada no logar da ..., Freguesia .... Confronta do sul com a estrada distrital, do poente com caminho público, do norte com YY e do nascente acaba em ponta aguda. Esta casa foi edificada em terreno tomado de arrendamento a YY.
(…)
Fiz estas descrições à vista do título apresentado sob o nº. 22 do Diário de 1 de Dezembro de 1891 mencionado na inscrição respectiva.
(…)
Averbamento Nº. 1 – Verifiquei pelo título que serviu para o registo do livro ..., fls 171v sob o Nº. ..., que o prédio supra consta de uma morada de casas de um andar, com poço, tanque, ramada, esteios de pedra, árvores de fruta e mais pertenças, …, confrontando do norte com YY (…)
(…)
Nº. 4 – fica declarado que as benfeitorias do prédio supra nº. ..., confrontam atualmente do norte com III, que as casas são sobradadas e térreas e tem quintal e verifiquei que estão inscritas na matriz sob o artigo .... Certidão extraída do inventário por óbito de OOO que foi do logar da ..., Freguesia ..., passada pelo arquivista desta comarca … em 6 de julho de 1942 (…)
Av. 1 Extratado em 2002/05/31 sob o nº. ... da Freguesia ...”.
10) – A descrição atrás referida foi objeto das inscrições que a seguir se descrevem e ainda da nº. ... do livro ..., fls 36.
- “1891 / Dezembro / 1 / 5.709
Nº. – …… – Neste dia PPP, solteiro, maior, lavrador, do lugar da Quintã da freguesia ..., apresentou sob o número 22 do diário, nesta conservatória uma escritura de obrigação de dívida, outorgada nas notas do tabelião de Gondomar … aos 10 de Outubro de 1891 no Livro ... folhas 43. Por esse título inscrevo definitivamente em favor do apresentante a hipoteca especial e convencional sobre as benfeitorias existentes em terreno tomado de arrendamento a YY consistindo em uma casa sobradada e mais pertenças, situado no logar da ... da Freguesia ..., … constituía por WW e mulher, AAA proprietários do logar de ... … à segurança da quantia de duzentos mil reis que o mesmo apresentante lhes emprestou …”.
A referida inscrição foi cancelada em 5 de junho de 1900 por se mostrar paga a dívida garantida.
“- Nº. …. –
Em 12 de Janeiro de 1897 YY, casado, lavrador, do logar da ..., Freguesia ..., apresentou sob o nº. 6 do Diário a escritura de arrendamento, de 14 de Junho de 1889, outorgada nas notas do tabelião de Gondomar, XX, vindo acompanhada da respetiva declaração complementar referida no registo precedente. Consta desses documentos que o apresentante e sua mulher ZZ, deram de arrendamento a WW e sua mulher AAA, ele charuteiro e moradores no logar de ..., Freguesia ..., um terreno desmembrados da ..., situado no logar do ... da dita freguesia e em que hoje está edificada uma casa de um andar, com quintal, ramadas e benfeitorias, prédio já descrito no Livro ..., fls 141v, sob o Nº. ..., sendo este arrendamento pelo tempo de duzentos anos a contar da data da escritura (…). Nos termos expostos faço o presente registo definitivo de arrendamento sobre o indicado Nº. ... a favor do senhorio apresentante e sua mulher”.
-1908 / Julho / 3 / 4
Nº. 22.982 – Inscrevo a favor de BBB, casado, proprietário, da Rua ..., Porto cidade, a transmissão das benfeitorias do prédio nº. ..., fls 141v do Livro ... por as haver arrematado pelo preço de trezentos e cinquenta e um mil e quinhentos reis por auto de 15 de Dezembro de 1906, seguido de sentença de 16 de Janeiro de 1907, que transitou, no inventário de WW, viúvo, morador que foi no logar da ....
(…)
-1942 / Dezembro 7 24 / 4
Nº. ….
Fica inscrita a favor de FFF, casado com DDD, proprietário, morador no lugar da ..., Freguesia ..., a transmissão do prédio formado pelos descritos sob o nº. ... a fls 33 do Livro ... e ... a fls 58 do livro ... e as benfeitorias com descrição sob o nº. ... a fls 141v do livro ..., que tudo lhe ficou a pertencer no valor de trinta e um mil e dois escudos (…) na partilha do inventário por óbito de sua mãe OOO, casada que foi com BBB e moradora no mesmo logar da ..., tendo a partilha sido julgada por sentença de 3 de Janeiro de 1940. (…).
- 1954 / Junho / 30 / 1
Nº. ...
Fica inscrita a favor de BBB, solteiro, maior, empregado comercial, DDD, casada com EEE e de DDD, que também usa os nomes de DDD e DDD, viúva de FFF, estes proprietários, e todos moradores na Quinta ..., na Freguesia ..., a transmissão do prédio formado pelo descrito sob o nº. ... fls 159v do livro ... e das benfeitorias descritas sob o nº. ... a fls 141v do livro ..., que tudo lhes ficou a pertencer por óbito do referido FFF (…).
Averbamentos
1961 / Setembro /22 / 7
Nº. 1 – O titular inscrito … BBB é actualmente casado com CCC, …”.
11) – Em 31 de maio de 2011 a descrição nº. ... do Livro ... foi extratada para a ficha …./20110531 da Freguesia ..., constando da mesma o seguinte:
“Urbano
Situado Em: ....
Matriz nº. ...
Composição e Confrontações:
Casas sobradadas e térreas com quintal. Norte – III; Nascente – acaba em ponta aguda; Sul – estrada distrital; poente – caminho público.
(…)
Inscrições –Averbamentos – Anotações
AP. ... de 1922/03/02 – Aquisição
Causa: Partiha
SUJEITO(S) ATIVO(S):
HHH
Casado/a com III
Morada: Lugar ...
Localidade: Gondomar
SUJEITO(S) PASSIVO(S)
YY
ZZ
Reprodução por extractação de ..., fls 36, ...
(…)
Ap. ... de 1954/06/30 – Aquisição
Causa: Sucessão
SUJEITO(S) ATIVO(S):
BBB
Casado/a com CCC
Morada: Quinta ..., ..., Gondomar
DDD
Casado/a com EEE
Morada: Quinta ..., ..., Gondomar
DDD
Viúvo(a)
Morada: Quinta ..., ..., Gondomar
SUJEITO(S) PASSIVO(S) FFF
Menção: Aquisição das benfeitorias, em comum e sem determinação de parte ou direito
Reprodução por extractação de ..., fls. 105v, ....
(…)
AVERB. – OF. de 2017/01/13 (…) Rectificação
(…)
Da apresent. 15 de 1922/03/02 – Aquisição
Menção: aquisição do terreno.
(…)”.
12) – Em 13 de novembro de 2018 foi extratada para a ficha atrás referidas a inscrição ..., fls 102v, F17 com o seguinte teor:
“AP. ... de 1897/01/12 – Arrendamento
Prazo: 200 anos
SUJEITO(S) ATIVO(S):
WW
Casado/a com AAA
Morada: ... ...
SUJEITO(S) PASSIVO(S)
ZZ
YY
Arrendamento de um terreno desmembrado da ... e em que hoje está edificada uma casa de um andar e quintal. O arrendamento foi feito pelo tempo de duzentos anos a contar da data da escritura de arrendamento de 14 de junho de 1889, e pela renda anual de oito mil reis, e com as condições especiais constantes do referido título”.
13) – A construção referida na inscrição ... foi levada a cabo por WW e AAA na parcela referida em 1.
14) – A referida construção foi inscrita na matriz no ano de 1941 por FFF.
15) - Por contrato subscrito por DDD, viúva, esta, na qualidade de senhoria, deu de arrendamento para habitação a FF, um prédio urbano sito na rua ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo prazo de um ano, renovável, com início no dia 01/09/1964.
16) – Com início, pelo menos em 5 de dezembro de 2002, FF e, a partir de outubro de 2003, AA, passaram a depositar na Banco 1..., agência da Av. dos Aliados no Porto, o valor inicial de €23,65 a título de renda relativa à casa sita na ..., .., indicando como senhorio DDD moradora na R. ... no Porto, e a partir de novembro de 2003 os herdeiros de DDD, na mesma morada.
17) – A partir de novembro de 2015, os depósitos, no valor de € 26,93, passaram a ser feitos a favor de RR, SS e TT.
18) - Por comunicação datada de 05/11/2003, dirigida a EEE e restantes herdeiros de DDD, e recebida a 10/11/2003, a A. AA, na qualidade de viúva e cônjuge sobreviva do inquilino FF, comunicou o falecimento deste, ocorrido em 15-07-2003, e a intenção de suceder no arrendamento como transmissária não renunciante.
19) – No inventário que correu termos sob o nº. 3233/07.5TBGDM por óbito de DDD foi relacionado, em 20 de novembro de 2009, como bem da herança o “Prédio urbano sito na Freguesia ..., concelho de Gondomar, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o nº. ...” e como direito de crédito as rendas relativas ao mesmo “e que se encontra a ser depositada mensalmente na conta descrita sob a verba nº. 3, renda que tem o valor mensal de € 16,67”.
20) – Em 14/1/2015, RR, SS e TT, deduziram contra MM, NN, OO, PP e QQ, ação declarativa de condenação sob a forma de processo sumário peticionando a condenação dos RR a reconhecer os AA como donos e legítimos possuidores de um prédio sito no lugar da ..., Freguesia ..., concelho de Gondomar, denominado “campo ...”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº. ... de fls 135 verso do livro ..., que o prédio identificado em 16 e 17 da petição inicial é parte integrante do prédio atrás identificado e que foi incorretamente participado como tendo natureza jurídica independente e autónoma daquele e, por consequência, ordenar-se o cancelamento da inscrição matricial e de quaisquer registos prediais existentes em nome dos Réu ou da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DDD, que tenham sido obtido sobre tal prédio, que ocupam parte do referido prédio identificado em a) de forma ilícita, incasual e sem título, e por virtude desse, condenados a entregá-lo aos Autores livre de quaisquer ónus e encargos e devoluto, pagar aos Autores a quantia de €30.000,00 a título de enriquecimento sem causa, pela ocupação ilícita e incasual do referido prédio, pelo período de 5 anos, apropriando-se de quantia correspondente aos rendimentos suscetíveis de serem gerado por tal prédio, na ordem dos €500,00 mensais, pagar aos autores a quantia de €500,00 a título de enriquecimento sem causa, por cada mês que, desde a citação, perdurarem na posse ilícita e incasual e sem título de tal parcela de terreno.
21) – A referida ação correu termos sob o nº. 466/15.4T8GDM do Juízo Local Cível de Gondomar, Juiz 2, tendo nos respetivos autos sido, em 18/5/2015, celebrado acordo sobre o objeto daquela lide, nos seguintes termos
1º. - «Os réus reconhecem os autores como donos e legítimos possuidores de uma parcela de terreno com a área de seiscentos e oitenta metros quadrados, sita na rua ..., ao lugar de ..., Freguesia ..., concelho de Gondomar, a confrontar de norte com RR e outros, do sul com Estrada ..., do nascente com acaba em ponta aguda e do poente com Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ... ..., a qual fez parte do prédio denominado “campo ...” ou “...”, descrito na mesma Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., da Freguesia ..., que lhes ficou a pertencer por lhes haver sido adjudicado na partilha judicial operada no processo de inventário autuado sob o n.º 1778/08.9TBGDM, do extinto 2.º juízo cível do Tribunal da Comarca de Gondomar, em que foram inventariados UU e mulher, VV, relacionado sob a verba n.º 35 (trinta e cinco), correspondendo a mencionada parcela de terreno ao solo onde está implantado o edifício com o n.º de polícia ... da Rua ..., e ao espaço (terreno) que lhe serve de logradouro»
2º. - «Na dita parcela de terreno, como foi referido, encontra-se edificada uma construção, destinada a habitação, com logradouro, inscrita na matriz urbana da referida Freguesia ... sob o artigo ..., em data anterior a mil novecentos e cinquenta e um, e independente em relação à parte restante da descrição predial desde a data da sua edificação. Esta parcela de terreno não tem inscrição matricial autónoma por constituir o solo e o logradouro daquele artigo urbano que constituem benfeitorias.»
3º. - «Este edifício foi implantado naquele solo pelo primeiro arrendatário do terreno, WW, ao abrigo do contrato de arrendamento constante da escritura de 14/06/1889, lavrada pelo Notário de Gondomar XX, exarada a partir de folhas ..., do de notas incorporado no Arquivo Distrital do Porto sob o n.º 10, da 6.ª série, do ... Cartório Notarial ..., em que eram senhorios YY e mulher, ZZ, ao tempo proprietários do prédio de onde a parcela arrendada foi desmembrada, e inquilinos o referido WW e mulher, AAA, e que a tomaram de arrendamento para nela erigirem construções, tendo-a delimitado com as edificações nela erigidas e com a construção de muros.»
4º. - «Com a conclusão da construção de benfeitoria, verificada em finais de 1890, a que se refere o mencionado artigo urbano ..., foi conferida autonomia à parcela de terreno onde ela foi incorporada, simultaneamente material e jurídica.»
5º. - «As referidas benfeitorias, inscritas na matriz do artigo ..., foram objecto de várias transmissões, nomeadamente por arrematação e por sucessão hereditária, sucessivamente registadas na Conservatória de Registo Predial ..., encontrando-se, actualmente registadas, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de: BBB, casado com CCC; DDD, casada com EEE; DDD, viúva; pela inscrição n.º ..., a fls. 105v., do livro ..., por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária de FFF.»
6º. - «Por partilha de herança deixada por óbito do referido FFF, e partilhas da herança de seus sucessores aquelas benfeitorias foram adjudicadas à herdeira DDD, que também usou o nome de DDD.»
7º. «As mesmas benfeitorias ficaram a pertencer aos réus, por lhes terem sido adjudicadas em compropriedade, nas proporções de 6/18 avos para cada um dos NN e MM, 4/18 avos para OO e 1/18 avos para cada um dos QQ e PP, na partilha judicial operada no processo de inventário autuado sob o n.º 3233/07.5TBGDM, do extinto 3.º juízo cível do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, em que foi inventariada DDD, viúva.»
8º. - Autores e réus acordaram em fixar a quantia de €3.500,00, o montante correspondente à compensação, devidos pelos réus aos autores, pela ocupação ilícita e incasual, sem a liquidação de qualquer contrapartida a título de renda, da referida parcela de terreno.»
9º - «Para pagamento do valor referido na cláusula anterior, e não o podendo fazer de outro modo, os réus dão em cumprimento/pagamento aos autores, em comum e partes iguais, as mencionadas benfeitorias, e direito que possuem sobre as mesmas, livres de quaisquer ónus e encargos, inscritas sob o artigo urbano ..., às quais atribuem o valor de €3.500,00, pelo qual lhes foi adjudicado, regulando-se o presente acordo pelo disposto no artigo 837.º e seguintes do Código Civil.»
10º. - «Os autores aceitam a dação nos referidos termos, consideram extinta a dívida de €3.500,00 dos réus, referente a compensação pela ocupação incasual e ilícita, sem liquidação da correspondente contrapartida de renda.»
11º. - «Os autores, como proprietários do terreno dado de arrendamento e sucessores dos senhorios que outorgaram o contrato de arrendamento, e os réus, como sucessores do inquilino do mesmo arrendamento, acordam em resolver, por acordo, o mencionado contrato de arrendamento celebrado em 14/06/1889.”
12º.-“Com este acordo as partes nada mais têm a receber uma da outra seja a que título for, por força da causa do pedido e do pedido nos presentes autos”.
22) – O acordo atrás referido foi homologado por sentença proferida em 20 de maio de 2015, transitada em julgado em 29 de junho de 2015.
23) - Em 13/07/2015, foi remetida à A. uma missiva, em nome dos RR RR e filhos, intitulando-se “donos e legítimos possuidores do prédio”, alegando que não existia “actualmente qualquer arrendamento válido ou em vigor” e que a A não tinha, por isso, “qualquer título para ocupar o referido prédio, estando a fazê-lo de forma ilegal”, dando-lhe ainda conta de ter sido interpelada pela Câmara Municipal ... para “demolir o muro que delimita o referido prédio, e que se encontra em aparente estado de ruína, para o que os mesmos necessitam do prédio devoluto” e interpelando-a para, em 10 dias, informar do “alegado título que legitima a sua ocupação do referido prédio”.
24) – Na sequência da missiva atrás referida a A foi informada pelo Advogado dos RR/Reconvintes e através do Advogado daquela do acordo referido em 20 e 21.
25) – Pelo menos até ao ano de 1950 os antecessores dos RR/Reconvintes receberam as rendas devidas pelo contrato referido em 1.
26) – Os antecessores dos co-réus, MM, NN, OO, PP e QQ deixaram de pagar as rendas devidas em virtude do contrato referido em 1 e 2.
27) – A outorga do contrato referido em 15 não foi precedido de qualquer autorização por parte dos antecessores dos RR/Reconvintes que do mesmo só tiveram conhecimento após a celebração do acordo referido em 21.
28) – Os herdeiros de DDD aceitaram, por acordo com os RR/Reconvintes, em por fim ao contrato de arrendamento celebrado pelos antecessores destes com WW e mulher, AAA e entregar àqueles as benfeitorias existentes no terreno objeto do mesmo a título de indemnização pelos prejuízos causados ao RR/Reconvintes com a privação do uso do prédio.
29) – O valor de €3.500,00 atribuído às referidas benfeitorias corresponde ao valor atribuído pelos referidos herdeiros no inventário por óbito da referida DDD ao artigo ... urbano da Freguesia ....
30) – O terreno e benfeitorias erigidas no mesmo têm um valor de mercado de, pelo menos, €100.000,00.
31) – Os RR/Reconvintes foram notificados pela Câmara Municipal ... em maio de 2015 para procederem à reparação do muro do prédio da R. ... em virtude do mesmo ameaçar ruir.
32) – Os RR/Reconvintes procederam à reparação do muro em setembro de 2015, tendo gasto para a emissão da licença de ocupação da via pública a quantia de €115,90.

Factos não provados.
- que o muro ameaçava ruir por a A ter encostado a este plantações cujas raízes afetavam a estabilidade do mesmo.
- que na reparação do muro, a R RR tenha gasto a quantia de €7.500,00.
- que a parcela de terreno e as benfeitorias têm potencialidade para produzir rendimentos ou frutos nunca inferiores a €500,00 mensais.

Desta sentença recorrem os AA. habilitados, BB e CC, visando a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a ação procedente e absolva os AA. recorrentes do pedido reconvencional.
Para tanto, alegaram argumentos que sintetizaram nas seguintes conclusões:
………………………
………………………
………………………

Contra-alegaram os RR. RR e filhos, opondo-se à procedência do recurso, com base nos seguintes argumentos:
………………………
………………………
………………………

Também a Ré, recorrida, MM apresentou contra-alegações opondo-se à procedência do recurso.

Os autos correram vistos.

Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
- Se aos AA. assiste o direito de preferência previsto no art. 1091.º, n.º1 al. a) CC.
- Se aos RR. reconvintes cabe a indemnização de € 200, 00 mensais pela utilização ilícita da construção a que se refere o arrendamento invocado pelos AA.
*
No que respeita ao efeito do recurso fixado no despacho de admissão do mesmo, a fls. 1179 – devolutivo, nos termos do art. 647.º, n.º1, CPC – vieram os recorrentes solicitar se considerasse tratar-se de efeito suspensivo porquanto está em causa uma das situações previstas na al. b) do nº 2 do art. 647.º CPC, até porque a casa está sendo habitada pela recorrente BB.
Os recorridos RR e outros opõem-se a tal efeito.
Dispõe o art. 647.º, n.º 3 al. b) CPC, que têm efeito suspensivo as decisões que ponham termo ao processo nas ações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 629.º e nas que respeitem à posse ou à propriedade de casa de habitação.
Por sua vez, o art. 629.º, n.º 3, CPC refere-se às ações em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento.
Não se tratando, in casu, propriamente de ação que respeite à posse ou à propriedade da casa de habitação dos AA. habilitados, uma vez que a casa estava sendo ocupada pela primitiva A., entretanto falecida, não resultando dos autos que haja sido transmitido o arrendamento caducado com a morte, nos termos do art. 1106.º CC, a verdade é que se aprecia a validade, subsistência ou cessação do contrato de arrendamento pois é este que se invoca como causa do direito de preferência e como causa de parte do pedido reconvencional (al. m da reconvenção).
O efeito do recurso é, assim, suspensivo.

FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto
É consabido que nas conclusões se devem indicar todos os fundamentos que, na ótica do recorrente, constituem motivo para alterar a decisão de primeira instância o que significa que, na parte da impugnação da decisão de facto, devem as conclusões indicar quais os factos que o recorrente pretende ver alterados e em que sentido e, no tocante à matéria de direito tem de indicar as normas jurídicas violadas, “explicitando o sentido com que, em seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas”[1].
E isto é assim porque as conclusões têm a função de delimitação do objeto do recurso, como resulta do n.º 3 do art. 639.º.
Na verdade, “conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal a quo”[2].
Ora, os recorrentes, em matéria de facto não cumpriram aquele ónus, uma vez que na motivação do recurso pretendem dar como não provada a matéria dos pontos 25 a 30, quando nas conclusões nada referem quanto a estes factos, limitando-se a afirmar que os depoimentos de parte dos AA., corroborados por outros testemunhos, são prova suficiente da validade e subsistência do contrato de arrendamentos celebrado em 1964, quando o certo é que nada dizem sobre os pontos 25 a 30 e, ademais, a validade e subsistência do contrato de arrendamento não é matéria de facto, mas sim de direito.
O facto é apenas a celebração do contrato – provado por documento escrito – já se o mesmo é válido e subsistente depende das normas jurídicas que se lhe apliquem.
Em matéria de direito também obnubilaram a referência a quaisquer normas jurídicas e nem aquelas em que fundam o direito de preferência se acham indicadas.
Em todo o caso, a situação não é gravosa, no que toca à matéria de facto porque se trata de matéria simples, em parte provada por documento e, no que tange à matéria de direito, a petição inicial enunciou especificamente a norma em que funda a pretensão dos AA.
Assim, os factos dos pontos 25 a 27 estão perfeitamente demonstrados não só pelas declarações de parte da Ré RR, sucessora daqueles que foram estando na posse das benfeitorias efetuadas por WW, mas também nos depoimentos das testemunhas QQQ e RRR, não sendo exigíveis quaisquer documentos.
A este respeito a motivação da sentença é absolutamente clara:
A convicção do Tribunal quanto aos Factos Provados 25, 26 e 27 resultou das declarações de parte de RR que disse que após a morte do seu cunhado KKK assumiu o cabeçalato da herança dos seus sogros, retirando dos documentos que estes tinham na sua posse que os “L ...” pagaram rendas pelo menos até ao ano de 1950 e que a renda devia ser paga em setembro na casa dos senhorios. Mais declarou que depois da morte do seu sogro era o seu referido cunhado KKK quem se encarregava da cobrança das rendas, indo a casa dos inquilinos quando estes não pagavam. Mais declarou que as rendas já há muito não estavam a ser pagas e que, constando da herança dos seu sogros diversos arrendamentos em condições semelhante à dos autos, foi acordado entre os diversos herdeiros fazerem as partilhas tratando depois cada um das situações dos prédios que lhe viessem a caber, razão pela qual interpôs a ação referida em 20, desconhecendo que quem ocupava a casa era a A AA, facto que só veio ao seu conhecimento depois da celebração do acordo que pôs fim aquela ação e na sequência da sua deslocação ao local em virtude da notificação que lhe foi efetuada pela Câmara Municipal com vista à restauração do muro.
Estas declarações resultaram em parte confirmadas pelo depoimento da testemunha QQQ, Solicitador que há cerca de vinte anos a esta parte presta serviço à R. RR e que, não obstante tais relações profissionais prestou um depoimento credível, resultando do mesmo que a R. RR sempre lhe falou nos “C ...” como sendo os arrendatários do terreno em discussão e que nunca foram interpostas ações por falta de pagamento das rendas por estas serem de tal forma baixas que não justificavam a despesa. Foi ainda tido em conta o depoimento da testemunha SSS, que trabalhou durante 33 anos para os sogros da referida RR e até à morte da sogra desta, VV, ocorrida há cerca de 20 anos, e que declarou que na R. ... havia “um correr de casas que eram da sua patroa”, e que faziam parte do campo ..., que era o filho mais velho (KKK) quem tratava de cobrar as rendas, que “ele andava sempre atrás dos caseiros” e que ouviu “falar nos L ...”.
Os pontos 28 e 29 estão em consonância com o teor do acordo alcançado nos autos 466/15.4T8GDM e referido no ponto 21 dos factos provados, sendo que na cláusula 8.ª o que ficou acordado é que a quantia de €3.500,00, corresponde à compensação pela ocupação ilícita do terreno porque sem pagamento de rendas, tendo-se na cláusula 9.ª, para aquele efeito, atribuído o valor de €3.500,00, para a dação em cumprimento aos RR. reconvintes.
Já a propriedade das benfeitorias depende da aplicação das regras de direito cabíveis aos factos e à sucessão de leis no tempo.
Mantêm-se, por isso, os pontos 28 e 29.
Quanto ao ponto 30, relativamente ao valor do terreno e construção (benfeitorias) foi efetuada uma perícia que não deixa margem para dúvidas, fixando o valor do primeiro em €142.297,50 (fls. 739) e o valor da segunda em €46.550,00. Pelo que o valor achado em 30, de, pelo menos, €100.00,00, é absolutamente de manter.
A matéria de facto a considerar é, assim, a fixada em primeira instância.

Fundamentos de direito
Iniciaremos a exposição pelas questões processuais suscitadas.
Quanto à situação de litisconsórcio dos AA. que os RR. referem nas suas contra-alegações, a mesma verifica-se tendo sido habilitados e figurando na ação todos os sucessores da primitiva autora.
Está, assim, assegurada a legitimidade ativa (arts. 30.º e 33.º CPC).
Já em sede de recurso, vigora o disposto no art. 634.º, n.º1 CPC, segundo o qual o recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes no caso de litisconsórcio necessário.
Em anotação a este normativo, dizem Lebre de Freitas e outros[3]: “Nos casos de pluralidade de partes, seja do lado do autor, seja do lado do réu, seja de ambos, e quer essa pluralidade seja inicial ou decorrente da intervenção de terceiros (arts. 311 e ss.), a lei nunca impõe que o recurso seja interposto por todos os compartes vencidos. Interposto recurso por um dos compartes, há que distinguir os regimes de extensão dos efeitos do recurso, consoante se trate de litisconsórcio necessário (caso em que a própria lei processual estabelece que existe “uma única ação com pluralidade de sujeitos”: art. 35) ou de uma situação de litisconsórcio voluntário ou coligação. No primeiro caso, o recurso interposto aproveita plenamente os litisconsortes necessários (n.º 1), dado que, sendo os seus interesses necessariamente comuns, substancialmente se mantém a dualidade das partes”.
No caso dos AA. trata-se de litisconsórcio necessário legal (art. 33.º) porque os atuais AA. foram habilitados para prosseguir a ação em lugar da A. falecida (arts. 351.º, 262.º a) CPC e 2091.º CC).
Improcede, assim, o pretendido pelos RR. quanto à absolvição da instância.
*
Consideram os recorrentes ter existido contradição entre a matéria de facto e a decisão, o que conduziria à nulidade prevista no art. 615.º, n.º1 al. c) CPC.
A situação em causa respeita à estrutura da sentença e ocorre “quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe solução jurídica diferente[4].”
Os recorrentes confundem erro de julgamento com oposição entre a decisão e a matéria de facto. É que a qualificação dos AA. como arrendatários, subarrendatários ou outro estatuto jurídico não depende apenas de se dar como provado o contrato de arrendamento de 1964, mas sim da apreciação do que sejam as relações entre o terreno e a construção, tendo em conta as normas sucessivamente aplicadas desde que os proprietários do terreno o deram de arrendamento e permitiram a construção nele de um edifício pelos arrendatários.
Essa circunstância prende-se nitidamente com o regime jurídico da propriedade do solo e da propriedade da construção nele erigida e da locação desta, tudo isto ao longo de um tempo de mais de 100 anos.
Do mesmo modo, a fixação de um valor indemnizatório pelo uso da construção - não obstante a mesma não ter condições de habitabilidade nem deter licença de utilização e podendo eventualmente considerar-se existir um arrendamento – não consubstancia uma contradição entre a matéria de facto e a decisão, mas quando muito um erro de julgamento.
Não se verifica, assim, a repontada nulidade.
*
Consideram os recorrentes assistir-lhe direito de preferência, nos termos do art. 1091.º, n.º1 al. a) CC.
É pacífico o entendimento que a lei reguladora do direito de preferência é a vigente na data em que se concretizou o ato de transmissão, uma vez que, sendo o direito legal de preferência uma faculdade que integra o conteúdo do direito do arrendatário, só a prática do negócio translativo da propriedade, sem que o senhorio lhe tenha oferecido a preferência, o transforma em direito potestativo.
Consideramos, por isso, a redação daquele normativo vigente à data da celebração do ato no qual os AA. pretendem preferir[5], isto é, a data do trânsito em julgado do acordo celebrado entre os RR. desta ação no âmbito do processo 466/15.4T8GDM, 29.6.2015.
Nessa altura, aquele normativo dispunha: O arrendatário tem direito de preferência:
a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos;
b) Na celebração de novo contrato de arrendamento, em caso de caducidade do seu contrato por ter cessado o direito ou terem findado os poderes legais de administração com base nos quais o contrato fora celebrado.
2 - O direito previsto na alínea b) existe enquanto não for exigível a restituição do prédio, nos termos do artigo 1053.º
3 - O direito de preferência do arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535.º
4 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º
Em causa está uma suposta dação em cumprimento.
Porém, nem o local arrendado nem o objeto da dação em cumprimento constituem prédio com autonomia jurídica de modo a poder constituir objeto de dação em cumprimento.
Na verdade, não estamos perante um arrendamento que incida sobre um objeto cujo domínio possa ser autonomamente transacionado, sendo “razoável a exigência de autonomia jurídica da coisa para que possa constituir objeto de um negócio translativo de propriedade, é também razoável que o direito de preferência a partir do arrendamento se projecte por referência à mesma unidade jurídica, sendo ele tendente à aquisição do direito real”[6].
Recorde-se que a construção em causa, à qual se refere o contrato de arrendamento celebrado pelos antecessores dos AA., apesar de ter um número de polícia e estar inscrito na matriz, não constitui um prédio autónomo relativamente ao solo onde foi erigido, não podendo por isso ser comercializado autonomamente.
Veja-se que tais circunstâncias (inscrição matricial e número de polícia) não definem autonomia jurídica ao bem[7].
Com efeito, esta construção foi erigida pelos antepassados dos primeiros RR. que detinham a qualidade de arrendatários do prédio rústico pertença dos antecessores dos segundos RR.
A modalidade do arrendamento afere-se pela natureza do prédio sobre que versa, sendo irrelevantes, para o tratamento jurídico da espécie de arrendamento celebrado, as qualificações e modificações subsequentes[8]. Assim sendo, tal prédio era, à data do contrato, rústico, sem fim declarado (cfr. artº 374º, § único, do Código Civil de 1867—e, ainda, arts. 1623º e 1627º do mesmo Código). Jamais se pode dizer que se tratava de prédio urbano, pois à data, nenhuma construção nele existia, tão só se tendo dado de arrendamento uma parcela de terreno, tudo ao abrigo da liberdade contratual que, também, então imperava neste domínio.
Sucede que os senhorios autorizaram os inquilinos a efetuar benfeitorias no terreno, sendo que tais benfeitorias seriam pagas pelos donos do terreno aos arrendatários quando findasse o arrendamento[9].
Apesar de não serem vinculativos os conceitos jurídicos que as partes emprestam aos seus contratos, a verdade é que estamos perante verdadeiras benfeitorias[10].
As benfeitorias eram reguladas no Código de Seabra (arts. 498.º e ss.), no contexto do regime jurídico da posse, estabelecendo-se no art. 499.º que tanto o possuidor de boa fé como o de má fé tinham direito a levantar as benfeitorias úteis que hajam feito na coisa, podendo fazê-lo sem detrimento dela. No parágrafo primeiro deste normativo estabelecia-se que eram benfeitorias úteis aquelas que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentavam o valor[11].
As benfeitorias não são coisas no sentido previsto no art. 202.º CC[12], mas, conforme resulta do art. 216.º, trata-se de despesas, sendo “intervenções de alguém sobre uma coisa que impliquem alguma forma de melhoramento, independentemente de trazerem ou não um aumento do valor dela”[13].
Ora, “a realização de benfeitorias implica com frequência a incorporação de outras coisas na coisa beneficiada. Entre ambas passa a existir uma relação de acessoriedade em sentido amplo: a agregação é levada a cabo apenas no intuito de favorecer a coisa melhorada, criando uma situação de predominância a favor desta e a correspondente subordinação à mesma da outra que lhe foi junta. Esta última perde a sua autonomia jurídica e económica, se não definitivamente, pelo menos com caráter duradouro. A primeira, embora melhorada, mantém-se na sua substância.
(…)
O regime das benfeitorias tem, assim, como pano de fundo o princípio geral da proibição do enriquecimento sem causa (…).
A benfeitoria movimenta-se, pois, no mundo das obrigações, gerando um direito de crédito (STJ 08.02.2011) que pode consistir quer no levantamento da coisa incorporada não ocorrendo prejuízo para a que foi beneficiada (arts. 1273.º, n.º1, 2.ª parte, e 1275.º, n.º1) quer em indemnização quando a separação não seja possível sem detrimento para a coisa predominante (1273.º, n.º1, 1.ª parte, e n.º2)”[14].
Já se vê que a construção em apreço não é uma coisa que possa ser sujeita a negócio de compra e venda ou a dação em cumprimento posto que não possui autonomia jurídica, sendo apenas uma benfeitoria[15], uma despesa ou um direito de crédito.
Também se não deu o caso de acessão industrial imobiliária por parte de nenhum dos envolvidos (donos do terreno e sucessores dos primitivos arrendatários)[16], sendo sabido que, para aqueles que defendem a teoria subjetiva na distinção entre benfeitorias e acessão industrial, como Pires de Lima e Antunes Varela[17], “a benfeitoria e a acessão, embora objetivamente se apresentem com caracteres idênticos, pois há sempre um benefício material para a coisa, constituem realidades jurídicas distintas. A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela (…). São assim benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo possuidor, pelo locatário, pelo comodatário e pelo usufrutuário”[18].
Sendo a construção uma benfeitoria útil – aquela que, não sendo necessária, eleva o valor da coisa – o locatário poderia levantá-la, desde que sem detrimento da coisa (arts. 1614.º e 1615.º do Código de Seabra e 1046.º e 1273.º do Código atual), sendo que, in casu, os primitivos contraentes logo acordaram que ao arrendatário assistiria o direito de se ver indemnizado pelas benfeitorias.
Tratando-se de benfeitorias não poderiam as mesmas ser objeto de dação em cumprimento e nem de direito de preferência porque um e outro pressupõem que o objeto sobre que incidem seja uma coisa juridicamente autónoma e a construção em causa não é autónoma relativamente ao solo.
Os arrendatários são, assim, meros titulares de um direito de crédito sobre os senhorios relativamente ao valor das benfeitorias.
Improcede, pois, o recurso quanto à pretendida existência de um direito de preferência.
Para além disso, é importante relembrar o que na sentença recorrida se escreve quanto à natureza do contrato celebrado em 1964.
Este arrendamento foi efetuado por DDD na qualidade de arrendatária do terreno onde os seus antepassados construíram benfeitorias.
Não sendo as benfeitorias independentes do solo arrendado no final do séc. XIX, não pode deixar de se considerar existir uma sublocação.
O Código de Seabra não definia a sublocação, dispondo no seu art. 1605º. que “Se no contrato não houver cláusula alguma proibitiva de sublocação, o locatário poderá sublocar livremente, ficando, porém, sempre responsável para com o senhorio pelo pagamento do preço locativo, e mais obrigações derivadas da locação”.
Como referem Pires de Lima e A. Varela[19], comentando o art. 1060.º CC, Não se exige, nem na letra, nem no espírito da lei, que a locação efectuada pelo locatário, para haver sublocação, proporcione ao sublocatário utilidade idêntica ou análoga à que levou o locador a dar o prédio de arrendamento (…): Essencial à figura da sublocação é que o locatário proporcione a outrem, mediante retribuição, o gozo temporário da totalidade ou de parte de coisa locada, com base num contrato locativo anterior.
O subarrendamento é, pois, um arrendamento que está dependente de um contrato de arrendamento anterior, o contrato base.
Quer isto dizer que, caso os antecessores dos primeiros RR. não fossem arrendatários do terreno – qualidade que lhes permitiu edificar as benfeitorias – não poderiam locar estas últimas pois as mesmas não têm existência autónoma relativamente àquele terreno.
Como também refere a sentença recorrida:
Por sua vez dispunha o artº. 59º. da L. 2030 de 22 de junho de 1948, em vigor à data da celebração do contrato, no seu nº. 1, que “A cláusula permissiva de sublocação não dispensa a notificação, que terá de ser requerida no prazo de 15 dias. É dispensada a notificação se o senhorio consentir expressamente em determinada sublocação ou reconhecer o sublocatário como tal. Não se considera reconhecimento o simples conhecimento de que o prédio foi sublocado”, dispondo o seu nº. 2 que “Consideram-se ilegais as sublocações feitas posteriormente a esta lei, se a notificação delas, quando exigida, não for requerida no prazo anterior”. Mais dispunha o artº. 61º. da mesma lei que “A sublocação caduca com a extinção, por qualquer causa, do arrendamento, sem prejuízo da responsabilidade do sublocador para com o sublocatário, quando aquele der motivo ao despejo ou distratar o arrendamento”.
No regime atual o subarrendamento tem de ser autorizado pelo senhorio - cfr. art. 1038º al. f), do CC –, sendo ilícito na falta dessa autorização e só é eficaz em relação ao mesmo se lhe for comunicado no prazo de 15 dias, quer pelo arrendatário, quer pelo sublocatário –cfr. arts. 1038º, al. g), 1049º e 1061º, in fine, todos do CC.
Ora, sendo o subarrendamento “dependente do contrato base, acontece que o caso julgado formado entre senhorio e arrendatário sobre o contrato de arrendamento é oponível ao subarrendatário mas, porque o subcontrato apresenta autonomia perante o contrato base, já o caso julgado entre arrendatário e subarrendatário, acerca da sua relação, é res inter alios acta para o senhorio, e não poderá ser por ele invocado”[21].
No caso concreto, conforme resulta do ponto 15 dos factos provados, a outorga do contrato celebrado nos anos 60 do século passado não foi precedida de qualquer autorização dos antecessores dos reconvindos, sendo res inter allios no que a estes respeita.
Ademais, como se salienta na sentença recorrida, não obstando a tal conclusão o facto de a benfeitoria implantada no terreno objeto do contrato base ser, à data, propriedade da sublocadora pois que, como já referimos em cima, a mesma não é um prédio urbano, mas antes parte integrante do prédio em que foi construída e, no confronto com o senhorio, confere à sublocatária apenas o direito a ver-se indemnizada do seu valor.
Cessado o contrato de arrendamento, cessa o contrato de subarrendamento, ficando o subarrendatário obrigado a entregar o arrendado ao senhorio, não sendo o contrato de subarrendamento fonte do direito legal de preferência na transmissão do prédio – ainda que perante um prédio estivéssemos - até porque o proprietário é terceiro em relação ao subarrendatário e no caso dos autos estamos perante um subarrendamento totalmente inválido e ineficaz perante o senhorio.
Acresce que, os direitos legais de preferência apresentam-se com a natureza de direitos reais de aquisição, pois que dirigidos à aquisição de direitos reais, e concretamente o conferido ao arrendatário tem como escopo facilitar o acesso do mesmo à propriedade do bem dado de arrendamento, o que no caso dos autos nunca ocorreria porquanto, a admitir-se o direito de preferência invocado pelos AA teríamos que os mesmos não acederiam à propriedade do local arrendado mas tão só a um direito de crédito sobre as benfeitorias dos 1º. a 5º. RR.
Ora, se não antes, pelo menos com o acordo entre os RR. na ação 466/15.4T8GDM, homologado por sentença transitada em 29.6.2015, terminou por mútuo dissentimento – revogação – o contrato base, isto é, o arrendamento do terreno a que se referem os factos 1 e 2. Sendo assim, caducou o arrendamento aos antecessores dos AA., nos termos do art. 1089.º CC[22].
Finalmente, assiste direito aos reconvintes a receberem dos AA. indemnização pela ocupação ilícita da construção?
Como se expõe no ac. STJ de 28.1.2021[23]: «Como é consabido, sobre a problemática do direito à indemnização pela privação do uso de um determinado bem formaram-se três correntes.
Assim, segundo uma tese, defendida, designadamente por Abrantes Geraldes[24] e Menezes Leitão[25] e perfilhada mormente no Acórdão do STJ, de 05.07.2007 (processo nº 07B18496), a privação do direito de uso e fruição integrado no direito de propriedade configura, por si só, um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação.
Já para os defensores de uma segunda tese, defendida entre outros, nos Acórdãos do STJ, de 10.07.2012 (processo nº 3482/06.3TVLSB.L1.S1), de 04.07.2013 (processo nº 5031/07.7TVLSB.L1.S1) e de 10.01.2012 (processo nº 189/04.0TBMAI.P1.S1), a atribuição de uma tal indemnização depende da prova do dano concreto, ou seja, para a determinação do dano deve o lesado concretizar e demonstrar a situação hipotética que existiria se não fosse a lesão (ocupação ou privação do uso).
Assim, no que concerne à privação do uso de um bem imóvel, afirmou-se, nos Acórdãos do STJ, de 08.05.2007 (processo nº 07A1066) e de 06.05.2008 (processo nº 08A1389), que a mera privação (de uso) da fração reivindicada ou do prédio reivindicado «impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do art. 1305º do CC, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante». No mesmo sentido, afirmou-se no acórdão do STJ, de 10.07.2008 (processo nº 08A2179) que «A mera privação (de uso) do prédio esbulhado, impedindo, embora, possuidor do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição (nos termos do artigo 1305.º do Código Civil) só constitui dano indemnizável se alegada e provada, por aquele a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante».
Por sua vez, para os defensores de uma terceira tese, sufragada entre outros, nos Acórdãos do STJ de 02.06.2009 (processo nº 1583/1999.S1), de 12.01.2012 (processo nº 1875/06.5TBVNO.C1.S1), de 03.10.2013 (processo nº 1261/07.0TBOLHE.E1.S1) e de 14.07.2016 (processo nº 3102/12.7TBVCT.G1.S1), apesar de não chegar a prova da privação da coisa, pura e simples, também não é de exigir a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante.
Em sentido próximo, escreve Paulo Mota Pinto[26] que a indemnização do dano da privação do uso pressupõe a demonstração da possibilidade de certa utilização concreta ou da afetação da possibilidade dessa utilização, como integradora das faculdades do proprietário.
Assim, sendo a coisa em questão um prédio urbano, decidiu-se no Acórdão do STJ, de 26.05.2009 (processo nº 09A0531), que «será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento ou que o seu destino era a habitação própria, se pudesse dispor dele em condições de normalidade. Mas será dispensável a prova efectiva que estava já negociado um concreto contrato de arrendamento e a respetiva renda acordada ou os prejuízos efectivos decorrentes de o não poder, desde logo, habitar».
Já no Ac. do STJ de 17-11-2021[27], entendeu-se que: «I - A ilícita privação do uso de um prédio rústico (um campo de cultura arvense e de regadio) configura, só por si, enquanto prejuízo resultante da impossibilidade temporária de usar tal bem, um dano autónomo. II - Dano este que é indemnizável ainda que não se tenha provado que utilidade ou vantagem concreta o proprietário teria retirado do bem durante o período de privação. III - Indemnização que, em tal hipótese, face às dificuldades de prova que existem em matéria de quantificação da indemnização por equivalente, deve ser fixada equitativamente (cfr. art. 566.º, n.º 3, do CC).»
E no recente ac. do STJ, de 20.1.2022,[28] entendeu-se que: «I. A privação do uso de um prédio urbano, de rés-do-chão, com cinco divisões e com um valor locativo de €460,00, decorrente de acto ilícito de quem, não tendo título legítimo para o ocupar, persiste nessa actuação, mesmo depois de interpelado para o entregar, representa para os proprietários um dano autónomo. II. Do facto de não terem provado a vontade de arrendar o prédio não deve retirar-se que os autores não pretendam dele extrair, como bem entenderem, na qualidade de proprietários, as utilidades que aquele estará em condições de lhes facultar, não se tendo provado qualquer circunstância que, não fora a ocupação que se vem registando, revele que não o possam levar a efeito. III. Na fixação de indemnização, num caso com estes contornos, deve, como fez a Relação, recorrer-se à equidade (art. 566º, nº 3, do Código Civil).
Sendo assim, consideramos mais conforme com o poder de fruição que assiste ao direito de propriedade a tese defendida em primeiro lugar e que vem colhendo junto do STJ recentemente.
Ora, no caso concreto, não obstante a habitação não possuir licença de habitabilidade, está sendo ocupada pela recorrente que ali habita, como esta refere em 5.º de fls. 1181[29], o que significa que o local – uma vez legalizado – tem valor locativo e tal valor foi achado a fls. 740 e 741 onde o perito refere:
“Assim, o prédio tem 128 m2 (Área bruta Privativa e Área Bruta dependente) equivale a uma moradia de tipologia T3, cujo Arrendamento nesse local em média ronda os 4, 00 euro/m2 (Hipótese 1).
No entanto, o valor de avaliação mais realista a adotar será aquele que pode crescer com no reinvestimento ou reavaliação do imóvel (Hipótese 2).
Hipótese 1: Valor médio de renda será de 128,00 m2x4,00€/m2 =512, 00 euro/mês.
Hipótese 2: Valor da rena baseado no valor do investimento de aquisição do imóvel 64.800,00€ *5%/12= 270,00€/mês.
Caso se contabilize o terreno na renda do prédio (Terreno + habitação), então o valor estimado será de 270,00€ + 750 m2*0, 36€/m2 = 270,00+ 270,00= 540,00€
O valor médio do arrendamento de zonas agrícolas é de 0, 36€/m2”.
Quer isto dizer que o valor achado na sentença em termos de equidade (€200,00, mensais) – 566.º, n.º 3 CC – para indemnizar os reconvintes pela privação do uso das benfeitorias, desde a notificação da reconvenção, se ajusta perfeitamente ao que resulta dos autos quanto à avaliação do terreno e benfeitorias.
Improcede, assim, na totalidade o recurso interposto.

Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Porto 4/5/2022
Fernanda Almeida
Maria José Simões
Abílio Costa
______________
[1] Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, 3.ª ed., p. 89, anotação ao art. 639.º.
[2] Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.º ed., p. 795.
[3] Cit., p. 65.
[4] Abrantes Geraldes e outros, cit., p. 763.
[5] Introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprovou o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), ou seja, na redacção anterior à reforma de 2018.
[6] Ac. TC 583/2016, de 9.12.
[7] Neste sentido, por exemplo, ac. RP, de 12.4.2021, Proc. 8950/20.1T8PRT.P1.
[8] Cfr. Bol. M. J. 359º-664/665 e Col. Jur. Ano IX, I, 40.
[9] O que afasta a possibilidade de qualificação do contrato como de constituição de eventual direito de superfície. Como se propõe no ac. RL, de 2.5.2013, Proc. 357/2001-6. Sobre a distinção entre locação e superfície, veja-se Pereira Coelho, Arrendamento, Direito substantivo e processual, Lições ao curso do 5.º ano de Ciências Jurídicas do ano lectivo de 1988-1989, p. 28.
[10] Veja-se situação idêntica no ac. RP, de 5.2.2004, Proc. 0335387: O terreno arrendado, apesar da construção nele feita, não perdeu a sua fisionomia jurídica própria, porquanto benfeitorizar alguma coisa é melhorá-la na sua identidade física e jurídica e não transformá-la numa outra coisa. Só se benfeitoriza o que permanece, não o que se transforma. Repare-se que - como se provou ( al. M) da especificação)—a casa foi registada precisamente como benfeitoria do terreno em que se acha implantada, a fls. 96-verso do Livro ..., pela inscrição nº ..., de 30.08.1956. Assim sendo, não constitui ela uma descrição autónoma.Do exposto resulta que—ao contrário do que sustentam os réus—a aludida casa não é um prédio urbano, ainda que assim possa ser qualificada para efeitos fiscais, mas somente para estes (cfr. arts. 2º da contribuição autárquica ou predial-144º, regra 5ª, CCP e 8º e 9º do Dec.-Lei nº 442-C/88, de 30.11). Igualmente se deve acentuar que o prédio arrendado aos antepassados dos réus - hoje propriedade dos autores - não deixou de ser um prédio rústico pelo facto de ali terem edificado a casa (benfeitoria). A não ser através de um eventual fenómeno jurídico de acessão – aqui não verificado-- «A desafectação do prédio rústico só se poderia verificar com o acordo do seu dono, o que, positivamente não sucedeu», como se escreve no Ac. STJ, de 1.7.1986, Bol.M.J., nº 359º-661. Portanto, como rústico se mantém até hoje- cfr. , ainda, Ac. da Rel. do Porto, de 29.11.1993, Col. Jur., Ano XVIII, Tomo V, pág. 234.
[11] Sobre o regime das benfeitorias no Código de Seabra, veja-se Manuel Rodrigues, A Posse, 4.ª Ed., p. 309 e ss.
[12] “As benfeitorias vêm incluídas no subtítulo referente às coisas por incidirem sobre coisas e não por o serem necessariamente elas próprias”, Marta Sá Rebelo, anotação ao art. 216.º, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, p. 483.
[13] Código Civil Comentado, I, Parte Geral, Coord. de Menezes Cordeiro, p. 602.
[14] Marta Sá Rebelo, Ibidem.
[15] E assim foi registada na Conservatória.
[16] O art. 1316.º CC refere a acessão como modo de aquisição de propriedade.
[17] Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição, p. 163
[18] Também a jurisprudência, cfr. ac. STJ, de 30.4.2019, Proc. 5967/17.7T8CBR.S1: I – A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela. II - A benfeitoria destina-se a conservar ou melhorar a coisa, atribuindo a lei ao seu autor um direito de levantamento ou um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada. III – A acessão, diversamente, consiste na construção de coisa nova, mediante alteração da substância daquela em que a obra é feita. IV - Constitui benfeitoria, e não acessão imobiliária, a construção de um prédio urbano em terreno próprio do outro cônjuge (o 1º réu), na medida em que é do conhecimento do cônjuge não proprietário (a autora) que o terreno era alheio, não podendo, assim, dizer-se preenchido o requisito da sua boa-fé.
[19] Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Rd., p. 428.
[20] Sublinhado nosso.
[21] Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 1996, p. 471
[22] Não foi colocada nos autos a questão da caducidade deste arrendamento por morte da primitiva A., nos termos do art. 1051.º al. d) CC.
[23] Proc. 14232/17.9T8LSB.L1.S1.
[24] In “Temas da Responsabilidade Civil”, Vol. I, Indemnização do dano da privação do uso, 2007, pág. 13.
[25] In “Direito das Obrigações”, Vol. I, 2000, pág. 297
[26] In “ Interesse Contratual Negativo e interesse contratual Positivo”, Vol. I, 2008, págs. 594-596
[27] Proc. nº 6686/18.2T8GMR.G1.S1.
[28] Proc. 6816/18.4T8GMR.G1.S1.
[29] A fls. 768, no relatório pericial, indica-se o valor de €18.250, 00, para as obras necessárias a melhorar as condições de habitabilidade.