Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
643/14.5T2AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADEIRA PINTO
Descritores: RECUSA DE ACTO DE REGISTO
RECURSO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP20150702643/14.5T2AVR.P1
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Estabelece o artigo 140° do Código de Registo Predial, sob a epigrafe "admissibilidade do recurso" que "1- A decisão de recusa da prática do ato de registo nos termos requeridos pode ser impugnada mediante a interposição de recurso hierárquico para o conselho diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da área de circunscrição a que pertence o serviço de registo. 2- A recusa de rectificação de registo pode ser apreciada no processo próprio regulado neste Código."
II - Por seu turno, preceitua o artigo 141°, n.° 4 do mesmo diploma legal que "4 - Tem legitimidade para interpor recurso hierárquico ou impugnação judicial o apresentante do registo ou a pessoa que por ele tenha sido representada. "
III - Para efeitos de recurso da decisão da Conservadora, não é de admitir a intervenção doutras pessoas, que não tenham participado no processo registal (ainda que possam, em face da lei, comprovar que também são titulares de um interesse directo ou indirecto na realização do registo), por serem terceiros na relação que se desencadeou entre a Conservatória e o apresentante, com o pedido de registo.
IV - No caso em apreço, o pedido de registo correspondente à apresentação 1232 foi promovido pela Exma. Sra. Notária, autora da escritura pública de venda, sendo que, no campo disponibilizado sob a rubrica "Legitimidade e Representação", nada foi referido quanto à eventual representação dos sujeitos da relação substantiva. Significa isto que a Exm.a Sr.a Notária se assumiu como sujeito da obrigação de registar.
V - Nestes termos, apenas a Exma. Sra. Notária teria legitimidade para recorrer, nos termos do supra citado artigo 141.°, n.°2 do C.R.P.
VI - A intervenção provocada pressupõe que o chamado e a parte, à qual se deve associar, têm interesse igual na causa, desenhando-se uma situação de litisconsórcio sucessivo, seja necessário, seja voluntário. Não é, assim, admissível a intervenção destinada a prevenir a hipótese de não existir na primitiva parte a titularidade do interesse invocado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº 643/14.5T2AVR.P1
Relator: Madeira Pinto
Adjuntos: Carlos Portela
Pedro Lima da Costa
*
I-Relatório:
A "B…, C.R.L" impugnou judicialmente o despacho da Conservadora do Registo Predial de Aveiro, proferido a 22 de Outubro de 2013 - que qualificou de provisório por dúvidas o pedido de registo de aquisição lavrado pela Ap. n.° 1232, de 30 de Setembro de 2013, sobre a fracção "C" do prédio descrito sob o n.° 2940 (…) e fracção "G" do prédio descrito sob o n.° 2397 (…), ambas do concelho de Olhão, que havia sido apresentado pela Exma. Sra. Notária, C… - bem como o despacho do Presidente do Instituto dos Registos e Notariado, proferido a 27 de Fevereiro de 2014, que havia indeferido liminarmente o recurso hierárquico apresentado na sequência do aludido despacho de qualificação.
Para além da interposição do recurso de impugnação, a "B…, C.R.L" deduziu incidente de intervenção provocada da Exma. Sra. Notária, C….
O Ministério Público emitiu o parecer a que alude o artigo 146.°, n.° 1, do Código de Registo Predial, no sentido da improcedência da impugnação judicial, por ilegitimidade da impugnante (cfr. fls. 56 a 67, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Foi proferida a sentença, exarada de fls. 58 a 61 (cujo teor aqui damos por inteiramente reproduzida) que - tendo concluído pela inadmissibilidade legal do aludido incidente de intervenção provocada e, bem assim pela falta de legitimidade da impugnante - não admitiu o recurso contencioso apresentado pela "B…, C.R.L".
Inconformada, apelou a "B…, C.R.L", apontando a sua discordância relativamente ao decidido, nos termos constantes de fls. 63 a 86, focando matéria de direito.
O recurso foi interposto em tempo.
São as seguintes as conclusões do recurso da apelante:
1 - Estando o Notário obrigado por força do artigo 8°-B n°l do Código do Registo Predial a promover o registo dos factos origatoriamente sujeitos a registo e objecto de escritura pública que celebre, e tendo a recorrente, adquirente da relação substantiva subjacente, adquirido imóveis apreendidos em processo de insolvência mediante escritura pública outorgada em Cartório Notarial, cabe ao Notário a obrigação de requerer o registo de aquisição desses imóveis a favor do comprador e fica este titular adquirente da relação substantiva impedido de apresentar esse registo.
2-O artigo 8°-B, n°l do CRP não atribui a Notária a escolha de se constituir sujeito da obrigação de registar, antes tal preceito estipula imperativamente que a Notária é o sujeito da obrigação de registar, relativamente aos factos sujeitos a registo transaccionados por meio de escrituras públicas em que tem intervenção.
3 - Proferido despacho de qualificação desse registo apresentado pelo Notário como provisório por dúvidas, e perante a inércia deste, o titular adquirente da relação substantiva, ora recorrente, e comprador, tem legitimidade para impugnar o despacho de qualificação.
4- A não ser assim, cabendo por imperativo legal ao Notário a obrigação de apresentar o registo de aquisição e perante a inércia deste em face do despacho de qualificação de provisório por dúvidas, não o impugnando, ficaria o adquirente privado de reagir perante facto que o desfavorece, uma vez que apenas com o registo definitivo da aquisição a seu favor dos imóveis, poderá transaccionar os mesmo, atento o actual princípio de obrigatoriedade do registo predial.
5 - Com o actual Código do Registo Predial,o registo predial não se destina apenas a dar publicidade à situação jurídica dos imóveis, mas ele é também materialmente constitutivo de direitos, poi, se bem que o impugnante haja sido constituído proprietário dos imóveis por efeito da outorga da escritura de compra e venda, instituído o princípio do registo predial obrigatório, o titular adquirente não pode efectivar o seu direito de colocar os prédios em circulação no comércio jurídico sem que a titularidade sobre os mesmos esteja definitivamente registada a seu favor no registo predial.
6 - Sendo o Notário o sujeito obrigatório do dever de registar, estando ao adquirente vedado fazê-lo, pois não será admitido a tal, atento o disposto no artigo 8°-B n°l do CRP, nem faria sentido, sujeitos diversos submeterem a registo o mesmo facto, nem o Código o admite, e não impugnando o Notário o despacho de qualificação provisório por dúvidas, desfavorável ao adquirente, que sobre o pedido de registo recair, a leitura a fazer do artigo 141°, n°4 do Código do Registo Predial , é que , em caso de ser o Notário o sujeito obrigatório do dever de submeter o facto a registo, o mesmo representa , ainda que tacitamente, o titular adquirente da relação substantiva, e este tem legitimidade para recorrer do despacho de qualificação do registo, desfavorável para ele, sob pena de, retirando-se do citado preceito, que o titular adquirente, ora impugnante, não tem legitimidade para impugnar o referido despacho, serem violados, com a aplicação do preceito, os princípios da justiça e da proporcionalidade e o acesso ao Direito e à Justiça , todos consagrados na Constituição da República, razões por que, no caso dos autos, deve ser desaplicada a regra do n°4 do artigo 141° do Código do Registo Predial.
7 - Entendendo-se , ao contrário, que, não obstante o que se deixa dito nas conclusões anteriores, que o titular adquirente da relação substantiva subjacente, que não foi apresentante do registo, não tem , por não ser o apresentante, legitimidade para impugnar o despacho de qualificação, só por si, deverá admitir-se a intervenção provocada da Notária apresentante do registo, para associado com ela, poder o impugnante assegurar a sua legitimidade.
8 - Decorre do disposto no artigo 156° do Código do Registo Predial que é direito subsidiário o Código de Processo Civil quanto a actos, prazos e processos, tendo aqui aplicação subsidiária, com as necessárias adaptações o disposto no n°l do artigo 316° do Código de Processo Civil quanto à intervenção provocada da entidade notarial, por o recurso jurisdicional interposto da decisão do conservador/instituto dos registos e do notariado ter estrutura semelhante a um processo de partes e a uma acção declarativa e pela razão do que se pretende, não a "audição" da notária, tal como ela está configurada na fase administrativa da impugnação das decisões do conservador, mas sim assegurar a legitimidade activa da ora recorrente e adquirente, que tem um interesse directo na impugnação do despacho.
9 - Nem se diga que a relação de registo é de interesse e ordem pública e pertinente é dar a conhecer a situação registral dos prédios, porque, embora esta afirmação seja verdadeira, está também em causa a economia nacional, que fica prejudicada se aos privados, no caso uma instituição bancária, for vedado transaccionarem os seus bens.
10 - O art°. 92 n° 2, alínea a) do CRP estipula que quando existe sobre o bem registo de aquisição ou direito a favor de pessoa diferente do insolvente, o registo deve ser efectuado provisoriamente por natureza, devendo ser citado o titular inscrito para declarar se o prédio ou direito lhe pertence, pelo que registada a título definitivo a declaração de insolvência relativamente a prédio que não seja da titularidade exclusiva da insolvente ou de que ela não tenha a propriedade plena, presume-se que foram respeitadas as determinações do artº. 119 do CRP, presunção que se retira do artº. 7o do mesmo Código.
11 - Por força do artigo 264 n° 1, a) e 141 n°l, alínea b), ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, podem ser apreendidos em processo de insolvência bens comuns do casal, qualquer que seja o regime de bens,salvo o da separação, não tendo aplicação em processo de insolvência o art. 825° do CPC revogado nem o estatuto processual do cônjuge do executado previsto no Código de Processo Civil vigente.
12 - Nos termos do disposto no artigo 141°, n°l, alínea c) do CIRE, em confronto com o artigo 159° do mesmo Código, podem ser apreendidos em processo de insolvência bens de que o insolvente não é o único titular ou de que não tenha a propriedade plena, ainda que o outro titular seja um terceiro e não seja cônjuge nem ex-cônjuge do insolvente.
13 - Com a declaração de insolvência o insolvente perde de imediato o direito de dispor e de administrar os seus bens, cuja titularidade, não obstante, se mantém na sua esfera jurídica, passando o poder de disposição e administração dos mesmos para o Administrador da Insolvência nomeado, por força do disposto no artigo 81° do CIRE.
14 - Apreendidos para a insolvência bens de que o insolvente não tem a titularidade exclusiva nem a titularidade plena, quer o outro titular seja o cônjuge ou ex-cônjuge ou terceiro, ficam estes igualmente privados dos seus poderes de disposição e administração dos bens apreendidos, cabendo esses poderes ao Administrador da Insolvência por força do art. 81°. do CIRE, conjugado com as alineas b) e c) do n°l do artigo 141° do mesmo Código.
15 - Outorgada a escritura de compra e venda dos imóveis apreendidos no âmbito do processo de insolvência, a declaração de venda é emitida pelo Administrador da Insolvência, mas transrnitente e sujeito passivo no registo predial é o insolvente se for ele o único titular do imóvel apreendido, ou o insolvente e seu cônjuge ou ex-cônjuge, ou o insolvente e terceiro, no caso de aquele insolvente não ser titular exclusivo ou não ter a propriedade plena dos imóveis apreendidos e vendidos.
16 - Encontrando-se um dos imóveis descrito e registado a aquisição de propriedade a favor do insolvente e de seu cônjuge ou ex-cônjuge,tendo sido apreendido o imóvel na sua totalidade e vendido o mesmo, estes são de qualificar como sujeitos passivos da transmissão.
17 - Encontrando-se o outro imóvel descrito e registada a aquisição de propriedade a favor da insolvente (como nua proprietária) e a favor de terceiro (como usufrutuário}, tendo sido apreendido o prédio na totalidade e vendido no âmbito de processo de insolvência, são aqueles insolvente e usufrutuário de qualificar como sujeitos passivos da transmissão.
18 - Relativamente a prédio descrito na Conservatória do Registo Predial, o principio do trato sucessivo visa assegurar que quem transmite o direito que tem sobre o prédio é o titular inscrito e visa exigir que o direito do adquirente se apoie no direito do transrnitente, que aquela inscrição de propriedade do transrnitente é o alicerce da inscrição de propriedade a favor do adquirente.
19 - A intervenção do titular inscrito no facto a inscrever, neste caso, aquisição, não requer necessariamente uma vontade efectiva do titular inscrito e que este concorde ou aceite a modificação real que o novo registo introduz ou modifica.
20 - A intervenção relevante para efeitos de trato sucessivo tem um sentido jurídico e não exige necessariamente actividade própria e voluntária do titular inscrito.
21 - Em caso de venda de imóvel apreendido em processo de insolvência a venda é feita por declaração de vontade do Administrador da Insolvência que actua investido de poderes judiciais e que determina a transmissão do direito real inscrito mesmo contra a vontade dos titulares inscritos e independentemente dela.
22 - Alicerçando-se o registo de aquisição pelo requerente adquirente no registo de aquisição a favor do sujeito passivo, inexiste violação do trato sucessivo, estando vedado ao insolvente, e sendo desnecessário e também impossível que insolvente e ex-cônjuge efectuem prévia escritura de partilha após divórcio, na transmissão em que estes são os sujeitos passivos, de modo que possa o registo do adquirente ser efectuado como definitivo, nem havendo que fazer prova do cancelamento do usufruto na transmissão em que são sujeitos passivos o insolvente e o usufrutário como condição de ser o registo a favor do adquirente lavrado como definitivo.
23 - Tendo a venda dos imóveis em causa sido realizada em processo com cariz de execução universal, como é o processo de insolvência, devem ser oficiosamente cancelados todos os ónus e encargos que incidem sobre os mesmos.
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado provado e procedente e ser revogada a sentença recorrida, ordenando-se o registo definitivo das aquisições feitas pela recorrente com fundamento na escritura pública e ordenando-se o cancelamento de todos os ónus e encargos registados sobre as mesmas, que caducam com a venda em processo de insolvência.
Caso assim, se não entenda, deverá ser ordenada a admissão do incidente de intervenção provocada da Senhora Notária para com ela prosseguirem os autos, caso se entenda que a recorrente, sozinha, carece de legitimidade para impugnar a decisão do conservador do registo predial.
O Ministério Público e o Senhor Vice-Presidente, em substituição, do Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. vieram apresentar contra alegações, concluindo pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
*
II-Do Recurso:
O objeto do recurso é a decisão recorrida e que apenas abrange dois pontos:
- a ilegitimidade da apelante quanto à impugnação em causa, que determinou a rejeição do recurso contencioso apresentado.
- a não admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada da Exmª Srª Notária Drª C..., requerida pela B..., no requerimento de interposição de recurso de impugnação judicial do despacho da Exmª Senhora Conservadora do Registo Predial de Aveiro, datado de 22 de Outubro de 2013, que qualificou os registos de aquisição provisórios por dúvidas e recusou o cancelamento de ónus e encargos e o despacho do Senhor Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado que recaiu sobre o recurso hierárquico daquele despacho de qualificação;
1-Quanto à primeira questão:
Recordemos o que - a este propósito e na senda dos despachos proferidos pela Sra. Conservadora e pelo Presidente do IRN, a par do parecer emitido pelo Ministério Público - consta da sentença recorrida:
«A primeira questão que se suscita prende-se com a legitimidade da impugnante.
Estabelece o artigo 140° do Código de Registo Predial, sob a epigrafe "admissibilidade do recurso" que "1- A decisão de recusa da prática do ato de registo nos termos requeridos pode ser impugnada mediante a interposição de recurso hierárquico para o conselho diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da área de circunscrição a que pertence o serviço de registo. 2- A recusa de rectificação de registo pode ser apreciada no processo próprio regulado neste Código."
Por seu turno, preceitua o artigo 141°, n.° 4 do mesmo diploma legal que "4 - Tem legitimidade para interpor recurso hierárquico ou impugnação judicial o apresentante do registo ou a pessoa que por ele tenha sido representada. "
No caso dos autos, foi a Exm.a Sr.a Notária Dr.a C… que, no dia 30/09/2013, sob a ap. 1232, por via electrónica, que requisitou o registo das fracções autónomas, com base na escritura pública de compra e venda por si exarada a 27/09/2013, e nos termos da qual D…, outorgando na qualidade de administrador da insolvência nomeado no processo de insolvência n.° 1555/11.0TB0LH, que corre termos no 3° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Olhão, e no qual foi proferida sentença declaratória da insolvência de E…, divorciada, declarou vender à B…, e esta comprar, quanto à fracção C, e pelo preço de €43.000,00, a plena propriedade; e quanto à fracção H, pelo preço de €12.800,00, o direito de usufruto, e, pelo preço de €27.200,00, a nua propriedade.
Ora, como resulta do preceito legal acima transcrito, a legitimidade para recorrer cabe à apresentante (ao concreto requisitante do registo recusado) ou à pessoa que por ela tenha sido representada.
No que respeita a esta segunda hipótese, e nos casos frequentes de mandato tácito previstos no artigo 39.°, n.° 2 do CRP, veio a Portaria n.° 621/2008, de 18 de Julho (que regulamenta o pedido de registo), estipular, no seu artigo 3.°, n.° 2, que "quando o pedido de registo seja efectuado por advogado, notário ou solicitador nos termos da alínea b) do n.° 2 do artigo39.° do Código do Registo Predial, deve ser indicado o nome da pessoa representada.
Acontece que, no caso dos autos, o pedido de registo correspondente à apresentação1232 foi promovido pela Exma. Sra. Notária autora da escritura pública de venda - Sra. Dra. C… -, sendo que, no campo disponibilizado sob a rubrica "Legitimidade e Representação", nada foi referido quanto à eventual representação dos sujeitos da relação substantiva. Isto significa que a Exm.a Sr.a Notária assumiu-se como sujeito da obrigação de registar.
Tanto assim é que, conforme resulta de fls. 15 e 16, foi esta notificada, pessoalmente, da qualificação provisória por dúvidas do acto de registo que requereu, nos termos do artigo 71.°, n.° 2 do C.R.P.
Como assim, e conforme refere a própria impugnante, a Exm.a Sr.a Notária agiu ao abrigo do artigo 8.°-B do C.R.P., ou seja, no uso de legitimidade própria para efectuar o pedido de registo.
E, nesta conformidade, apenas ela teria legitimidade para recorrer, nos termos do supra citado artigo 141.°, n.°2 do C.R.P.
À luz do exposto, seguindo o entendimento do Conselho Consultivo do IRN, o recurso interposto não é admissível, por falta de legitimidade da ora impugnante.»
Acompanhamos, na íntegra, os fundamentos de facto e de direito expendidos na sentença colocada em crise.
Com efeito, dispõe o artigo 141.°, n.° 4 do Código de Registo Predial (aprovado peio d.l. n.° 224/84, de 6 de Julho, na versão mais recente que lhe foi conferida pelo DL n.° 125/2013, de 30 de Agosto, doravante designado por c.r.p.), que: " tem legitimidade para interpor recurso hierárquico ou impugnação judiciai o apresentante do registo ou a pessoa que por eie tenha sido representada."
No despacho liminar decidiu-se que o recurso hierárquico não poderia ser admitido por apenas poder ser interposto pela apresentante do acto a registo, no caso, a Sra. Notária Dra. C… (cfr. fls. 18 a 21 verso).
Ora, resulta dos documentos juntos aos autos (o que até é aceite pela recorrente) que a apresentante do facto a registo foi a Sr.a Dr.a C… - a Notária perante a qual foi celebrada a escritura pública de compra e venda das fracções "C" e "H" dos prédios descritos sob os números 2940° e 2397° da freguesia de … e …, respectivamente.
Todavia, a autora do recurso hierárquico e subsequente impugnação judicial foi, no entanto, a adquirente das referidas fracções B…, CRL.
Pois bem, antes da introdução do citado n.° 4 do artigo 141.° do C.R.P. já se discutia se apenas o apresentante do registo tinha legitimidade para recorrer hierarquicamente da decisão do conservador que recusa o registo ou não o efectua em conformidade com o que lhe é requerido.
Efectivamente, mesmo perante a ausência de norma expressa, já era maioritariamente entendido que apenas o apresentante do registo tinha legitimidade para recorrer hierarquicamente da decisão do conservador que recusa o registo ou não o efectua em conformidade com o que lhe é requerido.
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19-02-2013 (no processo n.° 809/12.2TBWD.G1, acessível in www.dgsi.pt): «se apenas o notário que tituiou o facto jurídico sujeito a registo obrigatório foi o apresentante desse mesmo facto a registo e não sendo, por isso, o titular do direito levado a registo parte da relação de registo, não pode este último, por falta de legitimidade, impugnar hierarquicamente a decisão do Conservador do Registo Predial que, não satisfazendo o pedido de registo definitivo de um usufruto, fez um registo provisório, por dúvidas.»
Conforme avançámos supra, a questão a decidir é a de saber se a B…, CRL. pode recorrer (hierárquica e judicialmente) do despacho de qualificação de um pedido de registo, quando não havia requerido o registo do direito (muito embora tivesse legitimidade para o efeito), e não sendo, por isso, parte da relação de registo, travada (pela Sra. Notária) com a Sr.a Conservadora.
Tal como é referido no supracitado aresto (que aqui acompanhamos de perto por força clareza dos argumentos e uma vez que tem plena aplicação aos autos - ainda que trate de uma situação em que era aplicável a redacção do artigo 141.° anterior à conferida referido Decreto-Lei de 125/2013, de 30 de Agosto): «pese embora o notário seja um dos sujeitos da obrigação de registar, devendo promover o registo de factos obrigatoriamente a ele sujeitos (art.º 8°-B, n° 1, ai. b)), nada impede os sujeitos, activos ou passivos, da respectiva relação jurídica de pedir o registo dos factos a ele sujeitos. Esta legitimidade é-hes reconhecida expressamente peio art.º 36° que, aliás, a estende também a "todas as pessoas que nele tenham interesse ou que estejam obrigadas à sua promoção". No caso de outros interessados legítimos pedirem o registo do facto, cessa a obrigação da Sr.a Notária o promover (n° 5 do art.0 8°-B).»
Com efeito, e volvendo ao caso dos autos, ainda que não estivesse obrigada a tal, a recorrente poderia perfeitamente ter requerido o registo em causa nos autos.
Portanto, no que respeita ao argumento esgrimido pela recorrente (no sentido de que a interpretação pugnada na sentença deixava o adquirente e titular do direito registado, discordando da qualificação dada pela Exma. Conservadora, dependente da vontade do notário apresentante para o efeito de recorrer ou não recorrer hierarquicamente), sempre podemos dizer que, ao optar por não efectuar a apresentação do registo, a recorrente teve que ter presente a subsequente tramitação legal e assim as necessárias consequências e limitações.
Somos, assim, de parecer que a norma em causa é clara e tal consagração legal não viola qualquer preceito constitucional - nomeadamente o invocado princípio da proporcionalidade e o direito à justiça - na medida em que a recorrente não esteve impedida, nem estará, de proceder à nova apresentação do registo e, nessa decorrência, reagir contra eventuais decisões que lhe sejam desfavoráveis e com as quais não concorde.
Conforme se refere no acórdão da Relação do Porto de 19-12-2012 (no processo n.° 196/12.9TBLSD.P1, acessível in www.dgsi.pt), «c/a conjugação dos referidos art. °s 8°-A e 36°, na redacção introduzida pelo Decreto-lein° 116/2008, de 4 de Julho, o legislador, na prossecução do interesse ou finalidade subjacente ao registo predial (conforme prescreve o artigo 1.° do respectivo Código: "O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário"), afectou à obrigação de promover o registo de factos obrigatoriamente a ele sujeitos, pessoas e entidades que, por via das suas funções privadas ou públicas, de algum modo tenham tido intervenção nos actos sujeitos a registo obrigatório. O que se enquadra, aliás, na previsão do art.° 41° ao mencionar que o registo se efetua mediante o pedido de quem tenha legitimidade, salvo os casos de ofícios idade previstos na lei.»
Doutra perspectiva, cumpre-nos lembrar que a finalidade do registo é proclamada no artigo 1.° do Código de Registo Predial, nos seguintes termos: "o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário." Daqui podem retirar-se duas ideias essenciais: a da publicidade e a da segurança.
Efectivamente, o registo predial prossegue fins de natureza privada, bem como fins de natureza caracteristicamente pública.
Prossegue fins de natureza privada, dado que garante a segurança no domínio dos direitos privados, especificamente no plano dos direitos com eficácia real (segurança do comércio jurídico imobiliário, globalmente considerado), facilita o tráfico e o intercâmbio de bens e assegura o cumprimento da função social dos direitos reais (cfr. José de Oliveira Ascensão, in "Direito Civil, Reais", 5a edição, 1993, p. 335, e Isabel Pereira Mendes, Enunciação Esquemática dos Fins e Princípios Registais, in Regesta, Revista de Direito Registrai, Ano XII, n° 4, Outubro- Dezembro de 1991, p. 19 e ss.).
Prossegue finalidades de interesse público, enquanto instrumento da certeza do direito, da tutela de terceiros e da segurança do comércio jurídico e de garante da actualização do registo face ao facto publicitado [cfr. J. A. Mouteira Guerreiro, in "Noções de Direito Registrai (Predial e Comercial)", 2a edição, 1994, pág. 73].
Assim, o registo predial tem essencialmente por escopo dar publicidade aos direitos reais inerentes às coisas imóveis: pretende-se patentear a história da situação jurídica da coisa, desde a data da descrição até à actualidade {vide Oliveira Ascensão, in Direitos Reais, 4o ed. refundida, Coimbra Editora, 1983, pág. 337). Por conseguinte, o registo destina-se em primeira linha à tutela dos interesses de terceiros indeterminados, do público, e reflexamente protege o interesse privado daquele que aproveita do facto registado.
Por outro lado, a actividade registal situa-se também na área da gestão pública do Estado e a legitimidade do notário assenta no interesse público presente não apenas no processo de registo propriamente dito, mas também na impugnação de decisões registais desfavoráveis que neste processo forem proferidas {vide José Alberto Gonzalez, in "Direitos Reais e Direito Registai Imobiliário", 4a ed., págs. 171 e 172).
Com efeito, a legitimidade e o dever funcional dos notários (na promoção do registo relativamente ao acto público a que hajam presidido) resultam também de tal interesse público, porquanto não agem em representação de qualquer um dos sujeitos da relação jurídica de onde dimana o facto sujeito a registo.
Não obstante, os apresentantes são definidos como as pessoas que tenham participado no procedimento registal, seja no lado activo ou no passivo, ora como apresentantes ou como representados destes (cfr. artigos 61.°, n.° 1, alínea b), 64.°, 36.° e 39.° do Código de Registo Predial e, bem assim, os artigos 2.° a 4.° da Portaria n.° 621/2008, de 18/07).
Daí que, para efeitos de recurso da decisão da Conservadora, não seja de admitir a intervenção doutras pessoas, que não tenham participado no processo registal (ainda que possam, em face da lei, comprovar que também são titulares de um interesse directo ou indirecto na realização do registo), por serem terceiros na relação que se desencadeou entre a Conservatória e o apresentante, com o pedido de registo.
Tal como se refere no citado acórdão da Relação do Porto, de 19-12-2012, citando vários pareceres emitidos pelo Conselho Técnico do IRN, "não existe qualquer interesse directo, indirecto, público ou privado que justifique a atribuição de legitimidade autónoma a quem se alheou da promoção do registo", reafirmando-se mais adiante que "a legitimidade para impugnar o ato de registo levado a cabo pelo sujeito que o promoveu, está condicionada, peio menos, à sua promoção (ainda que o registo não seja (concretizado nos termos requeridos), ou seja, a legitimidade para colocar em crise o ato promovido, mas não realizado nos termos em que o foi, estabeiece-se entre esse sujeito que o requereu e a identidade que praticou o ato impugnado".
Dito isto, forçoso será concluir que a recorrente (sujeito activo do facto registado), ao não subscrever o pedido de registo, pôs-se à margem do processo de registo, instaurado com o pedido que foi subscrito apenas pela notária. Assim, a recorrente auto excluiu-se liminarmente do direito de provocar a reapreciação, em sede de recurso, da decisão registal desfavorável aos seus interesses.
No âmbito da relação registal, o único interlocutor da Conservatória é o(a) apresentante (mesmo que venha posteriormente a verificar-se que não se encontram preenchidos alguns dos requisitos enunciados nos artigos 36.° a 39.° ou mesmo que a sua iniciativa de dar a conhecer não conduza à feitura do registo nos termos da apresentação), por ter sido quem promoveu e desencadeou o procedimento respectivo e ao qual é dado conhecimento da recusa ou da qualificação do registo (artigo 71.°, n.°s 1 e 2, do Código de Registo Predial), assistindo- Ihe, assim, legitimidade para impugnar o acto.
Com efeito, conforme resulta da norma supra transcrita, a legitimidade para recorrer cabe à apresentante (ao concreto requisitante do registo recusado) ou à pessoa que por ela tenha sido representada. No que respeita a esta segunda hipótese, conforme se refere na sentença recorrida, nos casos frequentes de mandato tácito previstos no artigo 39.°, n.° 2 do CRP, veio a Portaria n.° 621/2008, de 18 de Julho estipular, no seu artigo 3.°, n.° 2, que "quando o pedido de registo seja efectuado por advogado, notário ou solicitador nos termos da alínea b) do n.° 2 do artigo 39.0 do Código do Registo Predial, deve ser indicado o nome da pessoa representada".
Ora, no caso em apreço, o pedido de registo correspondente à apresentação 1232 foi promovido pela Exma. Sra. Notária autora da escritura pública de venda - Sra. Dra. C… - sendo que, no campo disponibilizado sob a rubrica "Legitimidade e Representação", nada foi referido quanto à eventual representação dos sujeitos da relação substantiva. Significa isto que a Exm.a Sr.a Notária se assumiu como sujeito da obrigação de registar.
Tanto assim é que foi esta notificada, pessoalmente, da qualificação provisória por dúvidas do acto de registo que requereu, nos termos do artigo 71.°, n.° 2 do C.R.P (cfr. fls. 15 e 16). Aliás, a própria impugnante reconheceu que a Exm.a Sr.a Notária agiu ao abrigo do artigo 8.°-B do C.R.P., ou seja, no uso de legitimidade própria para efectuar o pedido de registo.
Nestes termos, concordando inteiramente com o teor da sentença recorrida, apenas a Exma. Sra. Notária teria legitimidade para recorrer, nos termos do supra citado artigo 141.°, n.°2 do C.R.P.
Assim sendo, resulta que improcede totalmente a alegada questão da legitimidade processual da recorrente e deve ser confirmada a decisão recorrida que não admitiu o recurso de impugnação por ilegitimidade da recorrente B…, CRL.
*
II-Da inadmissibilidade do incidente de intervenção provocada da Notária
Sobre esta questão consta da sentença recorrida:
«A tramitação da impugnação das decisões do conservador encontra-se regulamentada nos artigos 140° a 149°do C.R.P..
Percorridas aquelas disposições legais encontra-se ali prevista a audição do notário, sempre que possível, desde que se verifique o condicionalismo ali contemplado, nomeadamente no âmbito do recurso hierárquico.
Encontramo-nos em sede de recurso contencioso, e considerando a tramitação singular e simplificada deste, afigura-se-nos que esta não é compatível com a dedução do incidente de intervenção de terceiros.
Aliás, se o legislador pretendesse a audição do notário no âmbito do recurso contencioso tinha previsto essa possibilidade à semelhança do que fez para o recurso hierárquico.
Na medida do exposto, na nossa opinião, a dedução do incidente de intervenção de terceiros no âmbito do recurso contencioso não é legalmente permitida e, como tal, não pode ser admitida.(...)»
Ascendendo ao plano legal, a tramitação da impugnação das decisões do conservador encontra-se regulamentada nos artigos 140° a 149° do C.R.P..
O artigo 156.° do C.R.P. estipula que, "salvo disposição legal em contrário, aos actos, processos e respectivos prazos previstos no presente código é aplicável, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil".
O princípio da estabilidade da instância que veicula a ideia que, citado o Réu, a instância, em regra, deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, é excepcionado, na sua vertente subjectiva, pela intervenção de terceiros {vide Salvador da Costa, in "Os Incidentes da Instância", Almedina, 5.a Edição, pág. 81).
A intervenção pode ser principal ou acessória. O primeiro tipo visa, perante uma acção pendente entre duas partes, proporcionar a terceiros, que a lei designa como intervenientes, o litisconsórcio ou a coligação com algumas delas (trata-se, pois, de cumulação no processo da apreciação de uma relação jurídica da titularidade do interveniente substancialmente conexa com a relação material controvertida delineada perante partes primitivas)- artº 311º ss CPC Novo. No segundo tipo, o terceiro invoca um interesse ou uma relação material controvertida conexa ou dependente daquela que é discutida na acção entre as partes principais, com vista a auxiliar uma delas, desenvolvendo uma actividade processual subordinada à da parte auxiliada, para obstar ao prejuízo que indirectamente lhe possa advir da decisão proferida no confronto delas- artº 311º ss CPC Novo.
A intervenção principal pode ocorrer do lado activo ou do lado passivo, assumindo o interveniente no primeiro caso a posição de co-autor e, no segundo, a posição de co-réu; e é espontânea quando resultar da iniciativa do interveniente e é provocada se for implementada por iniciativa das primitivas partes da acção.
A falta de qualquer parte, activa ou passiva, numa hipótese de litisconsórcio necessário determina sempre a ilegitimidade da parte ou partes presentes em juízo. São, fundamentalmente, dois os critérios orientadores do litisconsórcio necessário: critério da disponibilidade plural do objecto do processo, que tem expressão no litisconsórcio legal e convencional; o critério da compatibilidade dos efeitos produzidos, que tem expressão no litisconsórcio natural. O litisconsórcio necessário legal é o que imposto pela lei.
Incidente de intervenção principal provocada tem como fim último gerar o aparecimento, no seio do processo, na qualidade de associado de uma das partes, de uma pessoa singular ou colectiva que nela não tinha intervenção inicial.
Volvendo ao caso em apreço, temos que a recorrente pretendia ver suprida a referida ilegitimidade com a intervenção principal provocada da Exma. Sra. Notária. Todavia, na senda da sentença recorrida, entendemos que também não lhe assiste razão.
É certo que o Código de Processo Civil é aplicável subsidiariamente aos actos e processos previstos no Código de Registo Predial, no entanto devemos obviamente ter presente que este diploma legal prevê processos especiais com uma tramitação muito específica e apenas em caso de verdadeiras lacunas poderá tal legislação subsidiária ser chamada à colação.
Acresce que, o chamamento de terceiros à acção (por via do incidente de intervenção principal) não serve apenas para operar verdadeiras substituições processuais (considerando que a recorrente não goza de qualquer legitimidade indirecta), mas sim para suprir ilegitimidades processuais em caso de litisconsórcio e coligação. Ora, no caso em apreciação, não estamos perante qualquer situação de litisconsórcio ou coligação.
Efectivamente, a intervenção provocada pressupõe que o chamado e a parte, à qual se deve associar, têm interesse igual na causa, desenhando-se uma situação de litisconsórcio sucessivo, seja necessário, seja voluntário. Não é, assim, admissível a intervenção destinada a prevenir a hipótese de não existir na primitiva parte a titularidade do interesse invocado.
Ademais, como é referido na sentença ora posta em crise, no âmbito da legislação aplicável, até a mera audição do notário, sempre que possível, apenas está prevista quando se verifique o condicionalismo ali contemplado, nomeadamente no âmbito do recurso hierárquico.
No caso em apreço, estamos em sede de recurso contencioso, e considerando a tramitação singular e simplificada deste, também entendemos que esta não é compatível com a dedução do incidente de intervenção de terceiros.
Aliás, como é dito na sentença recorrida, se o legislador pretendesse a audição do notário no âmbito do recurso contencioso tinha previsto essa possibilidade à semelhança do que fez para o recurso hierárquico.
Assim, com os fundamentos supra expostos e acompanhando os fundamentos expostos na decisão recorrida, concluímos igualmente que a dedução do incidente de intervenção de terceiros no âmbito do recurso contencioso não é legalmente permitida e, como tal, bem andou o tribunal ad quo ao não o admitir.
Deverá, assim, improceder a apelação, também nesta parte.
*
Sumário:
Estabelece o artigo 140° do Código de Registo Predial, sob a epigrafe "admissibilidade do recurso" que "1- A decisão de recusa da prática do ato de registo nos termos requeridos pode ser impugnada mediante a interposição de recurso hierárquico para o conselho diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da área de circunscrição a que pertence o serviço de registo. 2- A recusa de rectificação de registo pode ser apreciada no processo próprio regulado neste Código."
Por seu turno, preceitua o artigo 141°, n.° 4 do mesmo diploma legal que "4 - Tem legitimidade para interpor recurso hierárquico ou impugnação judicial o apresentante do registo ou a pessoa que por ele tenha sido representada. "
Para efeitos de recurso da decisão da Conservadora, não é de admitir a intervenção doutras pessoas, que não tenham participado no processo registal (ainda que possam, em face da lei, comprovar que também são titulares de um interesse directo ou indirecto na realização do registo), por serem terceiros na relação que se desencadeou entre a Conservatória e o apresentante, com o pedido de registo.
No caso em apreço, o pedido de registo correspondente à apresentação 1232 foi promovido pela Exma. Sra. Notária, autora da escritura pública de venda, sendo que, no campo disponibilizado sob a rubrica "Legitimidade e Representação", nada foi referido quanto à eventual representação dos sujeitos da relação substantiva. Significa isto que a Exm.a Sr.a Notária se assumiu como sujeito da obrigação de registar.
Nestes termos, apenas a Exma. Sra. Notária teria legitimidade para recorrer, nos termos do supra citado artigo 141.°, n.°2 do C.R.P.
A intervenção provocada pressupõe que o chamado e a parte, à qual se deve associar, têm interesse igual na causa, desenhando-se uma situação de litisconsórcio sucessivo, seja necessário, seja voluntário. Não é, assim, admissível a intervenção destinada a prevenir a hipótese de não existir na primitiva parte a titularidade do interesse invocado.
*
III- Decisão:
Nestes termos, acordam os juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 02-07-2015
Madeira Pinto
Carlos Portela
Pedro Lima Costa