Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
304/16.0T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTES DE TRABALHO
CONTRATO DE SEGURO
PRÉMIO FIXO
TRABALHADORES ABRANGIDOS
ÂMBITO DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP20200908304/16.0T8OAZ.P1
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE, REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o Réu empregador, pessoa singular, aos 03.10.2013 [ou seja, em data anterior à do acidente de trabalho em causa, que ocorreu aos 04.08.2014] enviado à Ré Seguradora, por e-mail dirigido à respectiva sucursal e que foi por esta recebido, proposta de alteração do contrato de seguro por forma a incluir o A. no contrato de seguro e excluir um outro trabalhador, que dele constava, e de onde constava a profissão e a retribuição do A., foi por ele dado cumprimento ao disposto na clª 33ª, nºs 1 e 3 da Apólice Uniforme Aprovada pela Portaria 256/2011 [e no art. 27º do DL 72/2008], pelo que deveria a Seguradora ter atendido a tal alteração e emitido a correspondente alteração da apólice.
II - Não obstante, posteriormente à alteração referida em I), mas em data anterior à do acidente de trabalho em causa nos autos, o Réu empregador assinou ele próprio e enviou à Ré seguradora, que a recebeu, nova alteração à mencionada apólice na qual indicou os nomes dos dois trabalhadores seguros, nenhum dos quais o A., sendo esta alteração a que vigorava à data do acidente de trabalho.
III - No contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio fixo com indicação de nomes, o mesmo não cobre o trabalhador, vítima de acidente de trabalho, que não conste do elenco dos trabalhadores seguros pelo mencionado contrato, pelo que, atenta a alteração referida em II, o A. não se encontra abrangido pelo mencionado contrato de seguro.
IV - Não tendo sido alegado, nem constando da factualidade dada como provada pela 1ª instância que o referido em II. haja sido consequência do referido em I, bem como tendo em conta que compete ao empregador providenciar pela correcta transferência da responsabilidade pelos riscos decorrentes de acidente de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço e, bem assim, ao demais melhor explicado no texto do acórdão, não se pode concluir no sentido da existência de abuso de direito por parte da Ré Seguradora ao declinar a sua responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho em causa nos autos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 304/16.0T8OAZ.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1176)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, representado pelo Ministério Público, propôs acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra a C…, SA e D…, pedindo a condenação dos réus no pagamento do seguinte:
A) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de €176,95, devida a partir de 17/09/2015, calculada com base na retribuição anual ilíquida de €8.426,00 e na IPP de 3,00%.
B) A quantia de €6.528,42, a título de indemnização, pelos períodos de incapacidade temporária sofridos.
C) A quantia de €20,00, respeitante a despesas de transporte com as suas deslocações obrigatórias ao GML de Entre Douro e Vouga e a este Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis.
C) Juros de mora já vencidos e os vincendos, à taxa legal de 4%, contados a partir do vencimento das obrigações e até efectivo e integral pagamento.
Para tando alegou, em síntese, que foi vítima de um acidente de trabalho de que resultaram lesões e sequelas e, por isso, tem direito às prestações pedidas, deduzindo acção contra seguradora e empregador porque estes não estão de acordo sobre a transferência da responsabilidade.

O Réu empregador contestou, alegando em síntese que: subscreveu o Réu empregador apólice de acidentes de trabalho por conta de outrem na modalidade prémio fixo, junto da companhia de seguros “E…”, que foi integrada na “Companhia de Seguros F…” que é actualmente denominada por “C…, S.A.”, através da apólice .. - …….., e, aos 03-10-2013, junto do seu mediador de seguros, Sr. G…, Mediador n.º ….. – E…, assinou a proposta de alteração de quadro de pessoal, por onde passou a incluir na apólice o trabalhador / sinistrado H…, assim tendo oportunamente transferido a responsabilidade para a ré Seguradora através do seu mediador, que aceita e subscreve apólices por conta e em nome da seguradora E…; todas as relações contratuais existentes entre a 2.ª Entidade Responsável e a 1.ª Entidade Responsável, sempre foram efectuadas através do seu mediador G…, nunca tendo, no âmbito dos mencionados contratos, estabelecido relações directas com a seguradora.
A Ré seguradora contestou alegando em síntese que: à data do acidente de trabalho, o sinistrado não estava incluído na apólice de seguro, constando apenas o trabalhador I… e J…, conforme ata adicional ao contrato de seguro de 02.05.2014, sendo que apenas após o acidente é que o a. veio a constar do contrato de seguro conforme acta adicional ao mesmo de 09.10.2014.e tal acta; é “estranho” que o Réu empregador nunca se tenha apercebido que o nome do A. não constava da apólice em vigor, mesmo tendo consultado a apólice no portal da Ré (Seguradora), pelo menos, no dia 02.05.2014 para proceder a uma alteração (excluir o trabalhador K… e incluir o trabalhador J…) conforme relatório do averiguação que junta; apesar das alterações efectuadas pelo Réu empregador, o nome do A. nunca foi mencionado/incluído em tais alterações.

O Réu empregador respondeu à contestação da Ré Seguradora reiterando o já alegado na sua contestação, mais referindo que: resulta do relatório de averiguação invocado pela Ré Seguradora, que o mediador confirmou o preenchimento da declaração de alteração assinada pelo segurado e que dirigiu um email ao cuidado da Sra. L… – Comercial da E… da sucursal de Oliveira de Azeméis, tendo ainda afirmado perante averiguador que foi ele, quem preencheu e tratou de toda a documentação e do processo de envio para a 1:ª Ré e ainda, que foi este e o seu filho, quem teve sempre acesso ao Portal da E…, e não o Réu empregador; na sua contestação, a Ré Seguradora junta um email enviado pelo mediador G… em 03-10-2013 pelas 17h 15m à comercial da E…, D.ª L…, com conhecimento à D.ª M…, de onde consta ainda, a cópia da proposta de alteração datada de 03-10-2013, verificando-se da leitura de tal relatório que não tendo o mediador recebido resposta atempada por parte da D.ª L…, accionou a sua apólice de responsabilidade civil profissional, facto agora conhecido do 2.ª Réu, que indagando junto do mediador, confirmou a referida participação ao seu seguro da responsabilidade civil profissional, contratado pela apólice 56 – 34938 da E…, no âmbito do qual foi paga ao sinistrado a quantia de €3.673 em 21 de maio de 2015 a título de indemnização por ITA entre 5 de agosto de 2014 a 10 de maio de 2015 e de ITP 40% de 11 de maio de 2015 a 18 de maio de 2015.

A Ré Seguradora respondeu à contestação do réu empregador, mantendo, no essencial, o já alegado na sua contestação.

Saneados e condensados os autos, organizado apenso de fixação da incapacidade em que foi proferido despacho que fixou em 3% a IPP de que o sinistrado ficou afectado e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo procedente a ação e, em consequência, declaro que o autor sofre acidente de trabalho ocorrido em 4 de agosto de 2014 com consolidação das lesões em 16 de setembro de 2015 e ficou afetado de uma IPP de 3% e, por via disso, condeno a ré seguradora no pagamento ao sinistrado das seguintes quantias:
O capital de remição de uma pensão €176,95 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 17 de setembro de 2015 até integral pagamento;
A quantia de €1.516,78 a título de indemnização por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada parcela da prestação até integral pagamento; e
A quantia de €20 a título de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral pagamento.
Em consequência, absolvo o réu empregador dos pedidos formulados.
Condeno a ré seguradora nas custas da ação, fixando o valor da causa em €3.987,71.

Inconformada, a Ré Seguradora recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
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Termos em que,
Julgando de acordo com as precedentes conclusões (…)”

O A. contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
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O Réu empregador contra-alegou, defendendo a improcedência do recuso e a manutenção da sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
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Colheram-se os vistos legais.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“1. Factos provados:
1. No dia 4-8-2014, pelas 14:35 horas, em Salgueiro, Oliveira de Azeméis, o autor foi vítima de acidente.
2. O acidente referido consistiu em, quando cortava um tronco de eucalipto na horizontal, o mesmo se ter soltado, atingindo-o na perna esquerda.
3. Em 4 de Agosto de 2014, o autor trabalhava como motosserrista, sob as ordens, direção e fiscalização do réu empregador e, em contrapartida do que auferia o vencimento mensal de €550,00x 14 meses, acrescido de € 66,00 x 11 meses de subsídio de alimentação.
4. Na perícia de avaliação do dano corporal, o Perito Médico do GML de Entre Douro e Vouga fixou a consolidação médico-legal das lesões no dia 16/09/2015 e, mercê das referidas sequelas, arbitrou ao autor um coeficiente de desvalorização de 3,00%, a título de IPP.
5. O autor não recebeu nada a título de indemnização, despesas de transporte ou a qualquer outro título da ré empregadora, não tendo recebido da ré seguradora no âmbito do seguro de acidentes de trabalho, mas recebeu da ré seguradora, no âmbito do seguro de responsabilidade civil profissional do mediador de seguros, a quantia de €3.673 em 21 de maio de 2015 a título de indemnização por ITA entre 5 de agosto de 2014 a 10 de maio de 2015 e de ITP 40% de 11 de maio de 2015 a 18 de maio de 2015 e a quantia de €1.383,65 em 22 de setembro de 2015.
6. Na tentativa de conciliação, realizada a 12/12/2018 o autor concordou com o coeficiente de desvalorização que lhe foi atribuído pelo Perito Médico do GML de Entre Douro e Vouga e reclamou dos réus o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de €176,95, devida a partir de 17/09/2015, calculada com base na retribuição anual ilíquida de €8.426,00 e na IPP de 3,00%, o valor de €6.528,42 referente a indemnização por incapacidade temporária sofrida (€550x14meses a título de vencimento, mais €66,00x11meses a título de subsídio de alimentação referente aos 404 dias de incapacidade temporária absoluta) e o pagamento da quantia de €20,00, respeitante às aludidas despesas de transporte e, por seu turno, a ré seguradora aceitou a existência do acidente, o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões sofridas, a categoria profissional, a retribuição do autor e que o autor à data do acidente trabalhava por conta, orientação e fiscalização do 2º réu mas não aceitou a transferência da responsabilidade infortunística, nos termos da apólice de seguro nº .........., em função da retribuição anual ilíquida de €8.426,00 e na IPP de 3,00%, porquanto o autor não constava da apólice à data do acidente, só foi indicado como segurado em 05/08/2014, nada aceitando pagar ao autor a título de pensão ou a qualquer outro título, por entender que a responsabilidade civil pelo acidente de trabalho, na sua data, não estava transferida para a seguradora e, do mesmo passo, o réu empregador reconhece que à data do acidente o autor trabalhava por sua conta, orientação e fiscalização, a existência do acidente e a sua caracterização como de trabalho, a categoria profissional e a retribuição do autor e reconhece que, à data do acidente, pelo trabalho prestado, o autor auferia a remuneração anual ilíquida de €8.426,00 mas réu empregador considerou que à data do acidente estava transferida para a seguradora a responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho, pelo valor correspondente à remuneração anual ilíquida referida, razão pela qual a seguradora é responsável pelo pagamento de quaisquer danos decorrentes do acidente de trabalho, conforme comunicação efetuada ao mediador autorizado da seguradora, Sr. G… com o n.º ….., da apólice n.º ……….., em 03-10-2013 em substituição do trabalhador I…, sendo que a falta só poderá ser imputada à seguradora e ao seu mediador, não reconhecendo o teor e as conclusões do exame médico e, por isso, o réu empregador nada aceitou pagar ao autor a título de capital de remição ou a qualquer outro título.
7. Em consequência de tal acidente, o autor sofreu:
- cicatriz rosada vertical, mediana, localizada no joelho, medindo 6cm de comprimento por 5mm de largura;
- cicatriz castanhada, situada no terço proximal da face ântero – medial da perna, com 2 cm de eixo maior por 1 cm de eixo menor;
- cicatriz pálida no terço distal da face medial da perna, com 2cm de eixo maior por 1 cm de eixo menor, rodeada por uma área de pele hiperpigmentada acastanhada, com 8cm de eixo maior por 7cm de eixo menor;
- cicatriz de características cirúrgicas, mediana, no terço distal da face anterior da perna, medindo 3,5cm de comprimento;
- aparente encurtamento clínico do membro de cerca de 15mm.
8. Em virtude de tais lesões, esteve afetado de:
- Incapacidade temporária absoluta (ITA), de 09/08/2014 a 16/09/2015, fixável num período total de 404 dias;
- Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 3%, a partir de 17/09/2015.
9. Em 3 de outubro de 2013, junto do mediador de seguros, G…, mediador n.º ….. – E…, o réu empregador assinou e entregou uma proposta de alteração do quadro de pessoal, passando a incluir o autor como seu funcionário abrangido pela apólice de acidentes de trabalho n.º ..-…….. celebrado com a ré seguradora, na modalidade de prémio fixo, sendo que essa proposta foi comunicada pelo mediador a funcionária da ré seguradora por email de 3 de outubro de 2013.
10. Na data do acidente, apesar daquela proposta de alteração e da sua comunicação à ré seguradora, o autor não constava como trabalhador do réu empregador no quadro de pessoal relativo à apólice n.º ..-…….., só constando os trabalhadores I… e J…, só tendo passado a constar do quadro de pessoal após o acidente.
2. Factos não provados:
1. A proposta de alteração de 3 de outubro de 2013 e a proposta de alteração de 5 de agosto de 2014 nunca foram comunicadas à ré seguradora, não estando carimbada por esta.”
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III. Fundamentação
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, são as seguintes as questões em apreço:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Se o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre a Ré Seguradora e o R. empregador (não) abrange o A.
2. Da impugnação da decisão da matéria de facto
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Entendemos assim ser de manter a decisão da matéria de facto, improcedendo a impugnação aduzida pela Recorrente.

Entende-se, no entanto e ao abrigo do disposto no art. 607º, nº 4, do CPC/2013 e uma vez que documentalmente provada, com força probatória plena, ser de aditar à matéria de facto provada os nºs 11, 12, 13, 14 e 15 com seguinte redacção:
11. Na “ACTA ADICIONAL Nº 20” relativa a alteração de 15.04.2013 ao contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º .. - …….. mencionado nos nºs 9 e 10: refere-se como “Data Efeito da Acta” a de 15-04.2013; figuram como trabalhadores I… e K…; como profissões de ambos “Motosserrista”, “Tempo Inteiro” e, como retribuição mensal, a de €485,00 em relação a cada um. E, a final da mesma, refere-se que “conforme pedido de alteração de 2013/04/15, o pessoal e salários mensais seguros por esta apólice são os supra mencionados. (….). Subsistem as condições não alteradas por este adicional”
12. Na “ACTA ADICIONAL Nº 22” relativa a alteração de 02.05.2014 ao mencionado contrato de seguro: refere-se como “Data Efeito da Acta” a de 02/05/2014; figuram como trabalhadores I… e J…; como profissões ambos “Motosserrista”, “Tempo Inteiro” e, como retribuição mensal, a de €485,00 em relação a cada um. E, a final da mesma, refere-se que “conforme pedido de alteração de 2014/05/02, o pessoal e salários mensais seguros por esta apólice são os supra mencionados. (….). Subsistem as condições não alteradas por este adicional”;
13. A proposta de alteração que deu origem à acta adicional nº 22, referida em 12, consta de formulário com, no campo superior direito da sua 1ª página, o logotipo da “E…”, está datada de 02.05.2014, encontra-se assinada pelo Réu empregador e dela consta como trabalhadores abrangidos I… e J….
14. Na “ACTA ADICIONAL Nº 23” relativa a alteração de 09.10.2014 ao mencionado contrato de seguro: refere-se como “Data Efeito da Acta” a de 09/10/014; figuram como trabalhadores J… e H… e onde se refere, a final da mesma, que “conforme pedido de alteração de 2014/10/09, o pessoal e salários mensais seguros por esta apólice são os supra mencionados. (….). Subsistem as condições não alteradas por este adicional”.
15. A proposta de alteração referida nos nºs 9 e 10 dos factos provados consta de formulário com, no campo superior direito da sua 1ª página, o logotipo da “E…”, está datada de 03.10.2013, encontra-se assinada pelo Réu empregador e dela consta: como trabalhadores a abranger H… e K…, com as profissões de “Motosserrista” e retribuição de €485,00 em relação a cada um; e consta também o seguinte: “Excluir – I…”
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3. Se o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre a Ré Seguradora e o R. empregador (não) abrange o A.
Tem a presente questão por objecto saber se o contrato de seguro de acidente de trabalho, na modalidade de prémio fixo, com nomes, celebrado entre a Ré Seguradora e o Réu empregador não abrange o A, defendendo a sentença recorrida, bem como os Recorridos, tal abrangência, do que discorda a Recorrente.
A discordância da Recorrente assenta, em parte, na impugnação da decisão da matéria de facto, pelo que, improcedendo esta, improcedem também as conclusões do recurso que assentavam no pressuposto da procedência de tal impugnação.

Mas, a Recorrente, admitindo por dever e cautela de patrocínio que possa ter ocorrido algum lapso da sua parte, argumenta ainda que: tanto os mediadores de seguro como a entidade empregadora deveriam ter-se apercebido da suposta falha da seguradora, pelo que algum eventual ónus não recai apenas sobre a Recorrente, mas igualmente sobre os mediadores de seguro e sobre a entidade empregadora, sendo que: não receberam as novas condições particulares da apólice com as supostas modificações solicitadas - e bem sabiam que deveriam receber, pois já tinha efetuado alterações e, no caso dos mediadores, faz parte da sua vida profissional verificar se as solicitações feitas pelos clientes estão correctamente bem feitas; não receberam informação sobre a atualização do prémio de seguro: para a entidade empregadora receber ou pagar, caso fosse necessário fazer um acerto de contas; não solicitaram nenhum recibo de entrega nem de leitura do suposto e-mail que enviaram à seguradora para alteração da apólice; se tivessem a certeza absoluta que o sinistrado constava da apólice não teriam acionado o seguro de responsabilidade civil do mediador este seguro, o que determinaria o agravamento do prémio; consultaram (mediadores e entidade empregadora) o portal da seguradora para procederem a uma outra alteração e não repararam que o sinistrado não constava da apólice, sendo que são apenas dois os trabalhadores; os mediadores (pai e filho) são da família do representante legal da entidade empregadora (irmão e sobrinho, respetivamente) – por isso, tinham ou deveriam ter conhecimento dos nomes dos trabalhadores da referida entidade empregadora, ou, no mínimo, facilmente tinham acesso a tal informação, e tanto assim é que um dos mediadores também era contabilista da entidade empregadora; estando-se perante um seguro de acidentes de trabalho na modalidade de prémio fixo, tal significa que apenas estão abrangidos os trabalhadores indicados na apólice, da qual consta que “(…) o pessoal e salários mensais seguros por esta apólice são os supramencionados”; a entidade empregadora tem o dever de transferir a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho para a seguradora, mas, a verdade, é que tal não sucedeu, não podendo a seguradora ser responsável por um acidente cuja responsabilidade não era sua.

3.1. Na sentença recorrida, a propósito da questão em apreço, referiu-se o seguinte:
“Em 3 de outubro de 2013, junto do mediador de seguros, G…, mediador n.º …. – Açoreana, o réu empregador assinou e entregou uma proposta de alteração do quadro de pessoal, passando a incluir o autor como seu funcionário abrangido pela apólice de acidentes de trabalho n.º ..-…….. celebrado com a ré seguradora, na modalidade de prémio fixo, sendo que essa proposta foi comunicada pelo mediador a funcionária da ré seguradora por email de 3 de outubro de 2013; e
Na data do acidente, apesar daquela proposta de alteração e da sua comunicação à ré seguradora, o autor não constava como trabalhador do réu empregador no quadro de pessoal relativo à apólice n.º ..-…….., só constando os trabalhadores I… e J…, só tendo passado a constar do quadro de pessoal após o acidente.
Por outro lado, não se considerou provado que a proposta de alteração de 3 de outubro de 2013 e a proposta de alteração de 5 de agosto de 2014 nunca foram comunicadas à ré seguradora, não estando carimbada por esta.
Em nosso entendimento, o que se passou foi que o réu empregador tinha um contrato de seguro válido e eficaz com a ré empregadora que abrangia dois trabalhadores, entretanto um dos trabalhadores deixou de trabalhar consigo e foi substituído pelo sinistrado, mantendo exatamente o mesmo salário do trabalhador substituído, então o réu empregador, junto do mediador da ré seguradora [que, por coincidência, é seu irmão], subscreveu proposta de alteração do contrato de seguro que o mediador, prontamente, no mesmo dia, remeteu à funcionária comercial da ré seguradora [na altura da seguradora E… que entretanto foi integrada na ré], ficando ambos, mediador e réu empregador, convencidos que estava tudo sem qualquer problema. Aceitamos que a regra constante do artigo 218.º, do Código Civil, aponta no sentido de que teria que haver algum ato de aceitação desta proposta de alteração, mas, por outro lado, como a proposta refere-se a um contrato de seguro já vigente, sem qualquer agravamento do risco, pois trata-se da substituição de um trabalhador por outro com a mesma massa salarial e, por conseguinte, com o mesmo prémio de seguro, a modificação ficasse perfeita com a mera entrega à seguradora da proposta, tal como se passam com os seguros de prémio variável na modalidade de folha de férias em que todos os meses o empregador remete à seguradora a folha de férias e esta assume a responsabilidade pelos acidentes ocorridos com aqueles trabalhadores e com base na massa salarial transferida, sem qualquer ato de aceitação. No presente caso, esta alteração/substituição de trabalhador em nada se diferencia daquela outra, sob pena de aceitarmos que o réu empregador estava a pagar o prémio de seguro, relativo a acidentes de trabalho de um trabalhador que já nem sequer é seu trabalhador e sem que a ré assumisse a responsabilidade por acidentes que um trabalhador do réu empregador eventualmente sofresse, apesar deste ter praticado todos os atos necessários para a substituição do trabalhador, ou seja, a falha existente está sempre na esfera jurídica da ré seguradora, tudo indicando que o que se passou foi que a sua funcionária que recebeu a comunicação, ou outro funcionário a quem esta passe aquela informação, não procedeu à devida alteração da apólice, pelo que consideramos que chocaria com o princípio da boa-fé, constituindo abuso de direito previsto no artigo 334.º, do Código Civil, considerar que um lapso da ré seguradora tinha como efeito a não integração do sinistrado no âmbito da apólice de acidentes de trabalho quando o réu empregador praticou os atos necessários para que este fosse integrado na apólice, subscrevendo a alteração, que foi enviada para a ré seguradora e pagando o respetivo prémio e, por conseguinte, consideramos que a responsabilidade deve considerar-se transferida para a ré seguradora, absolvendo-se o réu empregador e descontando nos valores a receber pelo sinistrado, aqueles que recebeu no âmbito de outra apólice da ré seguradora relativa à responsabilidade civil do mediador de seguros.”.

3.2. O empregador tem a obrigação de transferir para entidade seguradora a responsabilidade pelo risco emergente de acidentes de trabalho relativamente aos trabalhadores ao seu serviço [art. 79º, nº 1, da Lei 79/2009, de 04.09], sendo que, no caso, o Réu empregador e a Ré Seguradora celebraram contrato de seguro de acidente de trabalho, na modalidade de prémio fixo, do qual consta a indicação de nomes [e cuja validade não é posta em causa], consubstanciando a questão em apreço em saber se o A., que foi vítima de um acidente de trabalho aos 04.08.2014, se encontra abrangido por tal seguro na medida em que o seu nome não consta da acta adicional ao contrato de seguro nº 22, de 02.05.2014, a que estava em vigor à data do acidente.
Nos termos da Clª 1ª, al. a), da Apólice Uniforme do Contrato de Seguro de Acidentes de Trabalho, aprovada pela Portaria 256/2011, de 05.07 «Para efeitos do presente contrato, entende-se por: a) “Apólice” o conjunto de condições identificadas na cláusula anterior e na qual é formalizado o contrato de seguro celebrado” [no mesmo sentido, cfr. clª 5ª da Apólice Uniforme aprovada pela Norma Regulamentar nº 1/2009-R, de 08.01].
De harmonia com a Clª 3ª da mencionada Apólice “1- O segurador, de acordo com a legislação aplicável e nos termos desta apólice, garante a responsabilidade do tomador do seguro pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas seguras identificadas na apólice, ao serviço da unidade produtiva também ali identificada, independentemente da área em que exerçam a sua actividade. 2- Por convenção entre as partes, podem não ser identificados na apólice, no todo ou em parte, os nomes das pessoas seguras. (…)”.[no mesmo sentido, cfr. clª 3ª da Apólice Uniforme aprovada pela Norma Regulamentar nº 1/2009-R, de 08.01].
De acordo com Clª 5ª da citada Apólice Uniforme “O seguro pode ser celebrado nas seguintes modalidades: a) Seguro a prémio fixo, quando o contrato cobre um número previamente determinado de pessoas seguras, com um montante de retribuições antecipadamente conhecido; b) Seguro a prémio variável, quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro [no mesmo sentido, cfr. clª 5ª da Apólice Uniforme aprovada pela Norma Regulamentar nº 1/2009-R].
Dispõe a Clª 33ª da mencionada Apólice Uniforme que: “1. As comunicações ou notificações do tomador do seguro ou da pessoa segura previstas nesta apólice consideram-se válidas e eficazes caso sejam efectuadas para a sede social ou da sucursal, consoante o caso. 2. (…). 3. As comunicações previstas no presente contrato devem revestir a forma escrita ou ser prestadas por outro meio de que fique registo duradouro. 4. (…)”. [cfr., de forma idêntica, a Clª 32ª da Apólice Uniforme aprovada pela Norma Regulamentar nº 1/2009-R].
Relevam também as seguintes normas, constantes do DL 72/2008, de 16.04 [que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro]:
- Artigo 27º, sob a epígrafe Valor do silêncio do segurador: “1. O contrato de seguro individual em que o tomador do seguro seja uma pessoa singular tem-se por concluído nos termos propostos em caso de silêncio do segurador durante 14 dias contados da recepção de proposta do tomador do seguro feita em impresso do próprio segurador, devidamente preenchido, acompanhado dos documentos que o segurador tenha indicado como necessários e entregado ou recebido no local indicado pelo segurador. 2. O disposto no número anterior aplica-se ainda quando o segurador tenha autorizado a proposta feita de outro modo e indicado as informações e os documentos necessários à sua completude, se o tomador do seguro tiver seguido as instruções do segurador. 3. O contrato celebrado nos termos dos números anteriores rege-se pelas condições contratuais e pela tarifa do segurador em vigor na data da celebração. 4. Sem prejuízo de eventual responsabilidade civil, não é aplicável o disposto nos números anteriores quando o segurador demonstre que, em caso algum, celebra contratos com as características constantes da proposta.

3.3. Revertendo ao caso em apreço, entre a Ré Seguradora e o Réu empregador foi celebrado um contrato de seguro na modalidade de prémio fixo, dele constando a identificação dos trabalhadores abrangidos pelo mesmo.
E, na verdade, o nome do sinistrado não consta da acta adicional nº 22, de 02.05.2014, a que abrangia a data (04.08.2014) em que ocorreu o acidente de trabalho aqui em causa, impondo-se, todavia e previamente, apreciar da questão decorrente da anterior proposta de alteração ao contrato de seguro formulada pelo Réu empregador aos 03.10.2013.
Com efeito, decorre da matéria de facto provada que o Réu empregador, aos 03.10.2013, ou seja, em data anterior à do acidente de trabalho em causa, enviou à Ré Seguradora, por e-mail dirigido à respectiva sucursal e que foi por esta recebido, proposta de alteração do contrato de seguro por forma a incluir o A. no contrato de seguro e excluir um outro trabalhador, que dele constava [I…], proposta essa assinada pelo réu empregador, aliás pessoa singular, constante de formulário da então E… [antecessora da Ré Seguradora] e com o logotipo desta e de onde constava a profissão e a retribuição do A.
O Réu empregador deu pois cumprimento ao disposto na clª 33ª, nºs 1 e 3 da Apólice Uniforme Aprovada pela Portaria 256/2011 [e, de forma idêntica, na clª 32ª da anterior apólice Uniforme e no art. 27º do DL 72/2008]. Diga-se que, pese embora a Recorrente negue o recebimento de tal proposta [do que não fez prova, antes se tendo provado o contrário], o certo é que decorre dos factos provados que a mesma foi efectuada por escrito, foi enviada à Ré Seguradora e foi por esta recebida. De referir ainda que a Recorrente, embora, como referido, negue o seu recebimento [do que não fez prova, antes se tendo provado o contrário], a mesma não põe em causa que a proposta em si cumpra os requisitos previstos nas mencionadas disposições legais, designadamente no que toca à falta de indicação de informações ou documentação necessárias.
E, por outro lado, nem a Lei, nem a Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho exigem que a proposta seja entregue presencialmente, não impedindo o seu envio por correio electrónico, de cujo envio aliás fica registo electrónico, e não exigindo que seja pelo tomador do seguro solicitado “recibo” electrónico do recebimento. Este é uma segurança para o tomador do seguro, mas não condição de validade da entrega da proposta. Acrescente-se que nem a Ré Seguradora alegou, nem muito menos provou, que haja, em algum momento, comunicado ao Réu empregador e/ou ao mediador que o envio por correio electrónico não seria admissível e/ou de que seria necessário que o remetente solicitasse comprovativo do recebimento/leitura da proposta por parte do Segurador [aliás, de acordo com a prova testemunhal, mormente das testemunhas G… e N… a proposta de alteração de 03.10.2013 foi feita e enviada como sempre o havia sido antes e como o foi depois].
A comunicação de 03.10.2013 é, pois válida e eficaz, como decorre da clª 33ª da Apólice Uniforme e do art. 27º do DL 72/2008. E, nos termos deste art. 27º, nº 1, o contrato de seguro [no caso, a alteração ao contrato de seguro] tem-se por concluído nos termos propostos na alteração de 03.10.2013, pois que a Ré Seguradora nada respondeu, muito menos o fez no prazo de 14 dias contados da sua recepção, conclusão do negócio essa que, assim, ocorreu muito antes de 04.08.2014, esta a data do acidente. Realça-se que, no âmbito da matéria em questão – contrato de seguro-, o silêncio do segurador tem, nos termos das mencionadas disposições, um determinado significado interpretativo, qual seja o do consentimento/aceitação.
Diga-se também que não foi alegado pela Ré Seguradora, muito menos se provou, que ela, em caso algum, não aceitaria a alteração proposta a 03.10.2013, mormente por não celebrar contratos com as características constantes da proposta (cfr. nº 4 do citado art. 27º).
E, assim sendo, deverá concluir-se que: o A. estava abrangido pela alteração ao contrato de seguro efectuada aos 03.10.2013; que este abrangia também o trabalhador K…; e que o trabalhador I… dele foi excluído.
E, assim, deveria a Ré Seguradora, na sequência e nos termos da proposta de 03.10.2013, ter emitido a correspondente acta adicional à apólice, com a alteração solicitada, ou seja, excluindo do contrato de seguro o trabalhador I… e incluindo o A. E, se o tivesse feito, como deveria, os nomes que constariam e deveriam constar da dita apólice, e que por esta se encontrariam garantidos, seriam os de: H… (o Autor) e K… (e não o de I…).

3.4. Mas o referido, só por si, não resolve a questão.
É que o acidente de trabalho em causa nos autos não ocorreu no período de vigência dessa alteração de 03.10.2013. Com efeito, o Réu empregador, aos 02.05.2014 efectuou uma nova proposta de alteração ao contrato de seguro, que foi por ele próprio assinada, e onde indica como trabalhadores a serem abrangidos pelo contrato de seguro, não o Autor, mas sim I… e J…, proposta essa aceite pela Ré Seguradora e que deu origem à acta adicional nº 22. E o acidente de trabalho em causa ocorreu aos 04.08.2014, no âmbito da vigência dessa alteração, sendo que, como referido e conforme alteração do próprio réu empregador, o A. estava excluído da abrangência do contrato de seguro.
A sentença recorrida, designadamente na configuração e enquadramento da questão no abuso de direito, parece assentar na consideração da vigência da alteração de 03.10.2013, alteração esta que, como se referiu, já não estava em vigor à data do acidente dada a alteração de 02.05.2014.

3.4.1. Poderia, eventualmente, configurar-se uma situação de erro por parte do Réu empregador no que toca à proposta de alteração 02.05.2014, que deu origem à apólice que vigorava desde essa data, mormente à data do acidente de trabalho, pois que, ao invés de I… (que havia sido excluído na alteração de 03.10.2013), o trabalhador que pretenderia indicar seria o Autor (para além do trabalhador J…), indicação essa que não teria sido feita por a isso haver sido induzido pela Ré Seguradora ao não ter atendido à alteração de 03.10.2013 (excluir o I… e incluir o A.) e não ter, consequentemente, emitido a acta adicional consubstanciando essa alteração, conjugado com lapso seu (do Réu empregador e/ou o mediador que terá preenchido a proposta), que não teriam reparado que o nome que dela deveria constar seria o do Autor. E, nesse sentido, parecem apontar as declarações da testemunha N… [a testemunha O…, seja no relatório de averiguação, seja em julgamento, a esse propósito e no essencial relatou o que lhe foi dito pelas testemunhas G…].
Acontece que, a porventura ser assim, estaríamos perante um vício da vontade por parte do Réu empregador, susceptível de afectar a declaração emitida na proposta de 02.05.2014 na parte em que é indicado como trabalhador abrangido I… ao invés do A.
Tal (eventual) vício, consubstancie ele erro na declaração (art. 247º do Cód. Civil), erro na transmissão da declaração (art. 250º do mesmo, na medida em que, embora assinada a declaração pelo Réu empregador, pudesse ela ter sido preenchida pelo mediador) ou erro sobre o objecto do negócio (art. 251º também do Cód. Civil), a existir, seria determinante da anulabilidade da declaração negocial, anulabilidade essa cujo local próprio de efectivação não é no âmbito da presente acção especial emergente de acidente de trabalho, mas sim em acção comum intentada para o efeito, para além de que sempre teria que ser objecto de pedido formulado pela parte interessada (não é de conhecimento oficioso – cfr. art. 287º do Cód. Civil) e com invocação da correspondente causa de pedir, devidamente circunstanciada e concretizada.
De todo o modo, e ainda que assim se não entendesse, no caso o Réu empregador em parte alguma dos seus articulados invocou tal vício da vontade, assim como não requereu a anulabilidade da declaração vertida na proposta de alteração de 02.05.2014, nem invocou a factualidade pertinente (designadamente o concreto erro dessa declaração, a sua causa, circunstâncias em que a declaração foi emitida, essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro e seu conhecimento, ou obrigação desse conhecimento, por parte da Ré Seguradora), sendo que o seu eventual conhecimento por parte desta Relação extravasaria os limites do seu conhecimento por consubstanciar matéria da defesa que não foi invocada, nem é de conhecimento oficioso, podendo mesmo consubstanciar nulidade de acórdão por excesso de pronúncia como decorre do disposto nos arts. 608º, nº 2, do CPC/2013 [nos termos do qual o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes], conjugado com o art. 615º, nº 1, al. d), do mesmo, nos termos do qual é nula a sentença/acórdão, quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Acresce que, pese embora alguma da factualidade relativa à emissão da proposta de alteração de 02.05.2014 haja sido abordada na audiência de julgamento, designadamente pelas testemunhas O… (que relatou as informações que lhe foram transmitidas por N…) e N… (cfr. o que se deixou consignado, a propósito da prova produzida, em sede de impugnação da decisão da matéria de facto), o certo é que a 1ª instância nada consignou em sede de factualidade provada, não tendo, em conformidade com o art. 72º do CPT (na redacção dada pela Lei 107/2019, de 09.09, que entrou em vigor aos 09.10.2019, sendo imediatamente aplicável aos processos pendentes, conforme arts. 5º, nº 1, e 9º da cita Lei e sendo que o julgamento ocorreu aos 15.10.2019) ampliado os temas da prova. E tratando-se, como se trata, de matéria que seria essencial à defesa, tal apenas poderia ocorrer em sede de 1ª instância, e não já desta Relação, com a necessária observância dessa ampliação e da possibilidade do contraditório nos termos do citado preceito. E importa também esclarecer que uma coisa é a decisão da matéria de facto e, outra diferente, a sua fundamentação, não podendo o tribunal, seja a 1ª instância, seja a Relação, socorrer-se do que possa ser referido em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto para fundamentar a decisão, designada e eventualmente, para colmatar a decisão da matéria de facto e/ou decidir de direito.
Ou seja, serve o referido para concluir que não pode esta Relação apreciar da questão na perspectiva da eventual existência de vício da vontade, em qualquer uma das modalidades de erro da declaração, para além de que, aliás, nem a 1ª instância a apreciou, o que consubstanciaria questão nova de que esta Relação, também, não poderia tomar conhecimento, a que acresce, até, que nem a decisão da matéria de facto provada contém a factualidade pertinente e necessária à apreciação e eventual conclusão da existência de tal vício da vontade.

3.4.2. Não obstante a sentença recorrida não haja enquadrado a questão no âmbito ou na perspectiva da alteração ao contrato de seguro verificada aos 02.05.2014 (nem se vê que dela conste, ao menos de forma expressa, referência a essa alteração), nem no âmbito do (eventual) erro na declaração constante dessa alteração, apreciou e solucionou, contudo, a questão no âmbito do abuso de direito, no qual enquadrou o caso em apreço.

3.4.2.1. Dispõe o art. 334º do Cód. Civil que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”.
O abuso de direito pressupõe a existência do direito; só que o seu exercício, porque excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, é considerado ilegítimo.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 297/298, “Para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na coletividade. Pelo que respeita, porém, ao fim social e económico do direito, deverão ser considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei. (…). (…) a nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que deve ser exercido. (…). Com base no abuso de direito, o lesado pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere a outrem; o que não pode é, com base neste instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao titular, que este seja inteiramente despojado dele”. Diz ainda Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol I, 4ª Edição, Almedina, pág. 466, que é necessário que o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
Segundo Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, Almedina, pág. 58/59 ocorrerá tal figura “quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em termos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social.”, “quando exista um contraste nítido entre a finalidade do direito em causa e a sua actuação no caso concreto” e, mais adiante, que “cada direito possui uma função instrumental própria, que justifica a sua atribuição ao titular e define o seu exercício.(…). O titular de um direito deve exercê-lo nos limites do seu fim social e económico. Ultrapassados essas fronteiras, o exercício será abusivo.” (págs. 63/64).
“A ilegitimidade não resulta da violação formal de qualquer preceito legal concreto, mas da utilização manifestamente anormal, excessiva, do direito.” – Ana Prata, Dicionário Jurídico, Volume I, 5ª Edição, Almedina, pág. 13, a propósito da figura do abuso de direito.
Por outro lado, a concepção adoptada é a objectiva, de acordo com a qual não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, bastando que se excedam esses limites (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. citada).
Diz, por sua vez, António Menezes Cordeiro, in Litigância de Má-fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, pág. 62, que “O desequilíbrio no exercício das posições jurídicas constitui um tipo extenso e residual de actuações contrárias à boa fé. Ele comporta diversos subtipos; podemos apontar três: (…) – desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem.” e, com maior desenvolvimento, in da Boa-Fé no Direito Civil, Almedina, pág. 857/859, que nesta figura se integram as “situações como o desencadear de poderes-sanção por faltas insignificantes, a actuação de direitos com lesão intolerável de outras pessoas e (…). Da ponderação dos casos concretos que deram corpo ao exercício em desequilíbrio, desprende-se a ideia de que, em todos, há uma desconexão – ou, se se quiser, uma desproporção – entre as situações sociais típicas pré-figuradas pelas normas jurídicas que atribuíam direitos e o resultado prático desses direitos. (…).”. A propósito da função social e económica, do direito, refere que há que “apurar, face a cada situação, até onde vai o espaço de liberdade concedido pela ordem jurídica, utilizando, para tanto, todas as dimensões da interpretação. (…)” e que a tónica essencial radica numa “interpretação integrada das diversas proposições jurídicas”.
“Embora não existindo uma noção legal de boa-fé aplicável à generalidade dos casos, ela é, em primeiro lugar, a consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade nos comportamentos e, designadamente, na celebração e execução dos negócios jurídicos. Neste sentido, a boa-fé é um conceito indeterminado (ou uma cláusula geral de direito privado, cabendo ao julgador o seu preenchimento casuístico de acordo com as circunstâncias do caso (…)” – Ana Prata, Diccionário Jurídico, Volume I, 5ª Edição, pág. 214, a propósito da boa-fé.
Por fim, no Acórdão do STJ de 22.09.2015, Processo 498/12.4TTVCT.G1.S1, in www.dgsi.pt, refere-se o seguinte [omitimos as notas de fim de página]: “(…). Na síntese do acórdão desta Secção, de 15 de Dezembro de 2011, proferido na revista n.º 2/08.9TTLMG.P1S1, poderá dizer-se que «existirá abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado»”.
O instituto do abuso de direito constitui uma válvula de escape do sistema aplicável às situações em que, pese embora a existência do direito, o seu exercício se mostraria intolerável face aos referidos limites, designadamente o da boa-fé, este o seu pilar fundamental, que tem diversas manifestações e são causa quer de efeitos diversos, designadamente de deveres de conduta exigíveis em cada caso de acordo com a natureza da relação jurídica e com a finalidade visada pelas partes, quer de limitação do exercício de um direito ou de qualquer outro poder jurídico, bem como face ao limite conferido pelo fim social e económico do direito.

3.4.2.2. Revertendo ao caso em apreço, afigura-se-nos que a invocação do abuso de direito pela sentença recorrida, no que é acompanhada pelos Recorridos, assenta em pressupostos de facto que não constam do elenco dos factos dados como provados pela 1ª instância e que seriam, a nosso ver, essenciais à verificação de tal instituto.
Com efeito, afigura-se-nos que à verificação do abuso de direito, que exige a manifesta violação do princípio geral da boa-fé, dos bons costumes ou do fim social e económico do direito, seria necessário: que se estabelecesse o nexo de causalidade entre a não atendibilidade, pela Ré Seguradora, da alteração proposta a 03.10.2013 e a proposta de 02.05.2014 na parte em que manteve o trabalhador I…, de tal sorte que se pudesse dizer ou concluir no sentido de saber como e em que medida aquele incumprimento da Ré Seguradora levou a que o Réu empregador tivesse indicado o nome de I… e não o do Autor como trabalhador abrangido. Salienta-se que a proposta de 02.05.2014 se encontra assinada pelo próprio Réu empregador, o qual, se não foi ele quem a preencheu, a terá lido ou, pelo menos, teria a obrigação de a ter lido, proposta essa em que são referidos expressamente os nomes das duas únicas pessoas abrangidas, quais sejam I… e J… e não o nome do A.. Sendo aqueles os únicos nomes constantes dessa proposta, não se vê que fosse difícil ao Réu empregador, sem necessidade sequer de consulta ao portal da Ré Seguradora, detectar a divergência (se é que ela existia), sendo de presumir que o réu empregador tenha conhecimento dos nomes dos seus trabalhadores ou, não tendo, deveria ter conhecimento agindo com a devida diligência uma vez que é ele, enquanto empregador, e não outrem (designadamente à Ré Seguradora e/ou ao mediador), quem tem a obrigação de saber os nomes dos trabalhadores ao seu serviço e, bem assim, quem tem também a obrigação transferir, e de transferir adequadamente, a responsabilidade pelo risco decorrente de acidentes de trabalho em relação aos trabalhadores ao seu serviço.
Por outro lado, assenta a sentença recorrida no pressuposto de que I… deixou de ser trabalhador do Réu empregador. Ora, tal não consta da matéria de facto dada provada pela 1ª instância. O que, tão-só, resulta da matéria de facto provada é que, aos 03.10.2013 e até 02.05.2014, tal pessoa deixou de estar incluída no seguro de acidentes de trabalho em causa nos autos, mas não mais do que isso. Uma coisa é deixar de trabalhar para o Réu empregador e/ou, deixando-o, de não voltar a trabalhar para o mesmo e, outra, deixar de figurar no contrato de seguro de acidentes de trabalho como trabalhador abrangido. E o que decorre da matéria de facto provada é apenas, como já referido, que aos 03.10.2013 e até 02.05.2014, tal pessoa deixou de figurar no contrato de seguro e que, com a alteração de 02.05.2014, nele foi incluído. Mas não mais do que isso, mormente que a partir de 02.05.2014 não prestasse actividade ao serviço do Réu empregador.
Ou seja, a matéria de facto dada como provada, e o demais referido no presente acórdão, designadamente no ponto III.3.3., apenas permite concluir o seguinte:
i) aos 15.04.2013, o contrato de seguro de acidentes de trabalho abrangia os trabalhadores I… e K…;
ii) aos 03.10.2013, o mencionado contrato de seguro passou a abranger os seguintes trabalhadores: o Autor e K…, tendo sido excluído I…, por via da proposta, nesse sentido, de alteração do referido contrato enviada e recebida pela Ré Seguradora, a qual, todavia, não emitiu a correspondente acta adicional à apólice reflectindo essa alteração;
iii) aos 02.05.2014, o Réu empregador assinou proposta de alteração do mencionado contrato de seguro, dela constando como trabalhadores abrangidos I… e J…, a qual deu origem a acta adicional nº 22, dela constando como trabalhadores abrangidos o nome dessas pessoas;
iv) o acidente de trabalho de que o A. foi vítima ocorreu aos 04.08.2014, sendo que, a essa data, vigorava a alteração ao contrato de seguro de 02.05.2014;
v) o nome do A. (bem como de J…) passou a constar da acta adicional nº 23 ao mencionado contrato de seguro, com data de inicio de produção de efeitos a 09.10.2014.
vi) a profissão e retribuição declaradas de todos os mencionados trabalhadores são idênticas.
vii) não sendo posto em causa nos autos que o Réu empregador haja pago os prémios correspondentes ao mencionado contrato de seguro, é de concluir que em todo esse período a Ré Seguradora recebeu o prémio correspondente a dois trabalhadores, com idêntica categoria e retribuição, incluindo pois o período de 03.10.2013 a 01.05.2014, em que o trabalhador seguro era o A. (e não I… como considerado pela Ré Seguradora), bem como o período desde 02.05.2014 a 04.08.2014 (data do acidente de trabalho) em que, pelo menos de acordo com a acta adicional correspondente a esse período, a pessoa que nela figura como trabalhador seguro era I….
Pese embora o indevido comportamento da Ré Seguradora referido em ii), afigura-se-nos que o mesmo, só por si e/ou conjugado com a restante factualidade, não permitem concluir no sentido da existência, por parte daquela, de abuso de direito ao recusar assumir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho de que o A. foi vítima, sendo certo que: foi o próprio Réu empregador quem assinou a proposta de alteração de 02.05.2014 referida em iii); da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância não constam as circunstâncias quer da elaboração da proposta de 02.05.2014, quer da sua assinatura pelo Réu e, bem assim, que o indevido comportamento da Ré Seguradora referido em ii) haja sido causa ou facto determinante da inclusão de I… nessa proposta de 02.05.2014 (e da exclusão do A.). Importa frisar, como já acima referido, que uma coisa é a decisão da matéria de facto e outra diferente, é a fundamentação dessa decisão. Ora, na aplicação do direito aos factos, o Tribunal, seja a 1ª instância, seja a Relação, apenas se poderão socorrer dos factos constantes da decisão da matéria de facto, mas não já da sua fundamentação, ainda que desta possa constar factualidade que, porventura, pudesse ser relevante à decisão da causa.
Acresce dizer que da proposta de alteração de 02.05.2014 e que, repete-se, foi assinada pelo próprio Réu empregador, apenas constam dois nomes de pessoas indicadas como trabalhadores a segurar, não sendo difícil a constatação de que um deles não seria seu trabalhador e/ou de que, dessa indicação, não consta o nome de pessoa que seria o trabalhador, sendo certo que não será certamente difícil ao Réu conhecer o nome dos seus trabalhadores, para além de que é do empregador a obrigação de transferir a sua responsabilidade pelo risco de acidente de trabalho em relação aos seus trabalhadores e certificar-se de que essa obrigação foi devida e atempadamente cumprida, obrigação que deve ser cumprida com a devida diligência.
Realça-se também que dos factos provados não consta que I… não era trabalhador do Réu empregador, dela resultando apenas que, aos 03.10.2013 e pelo menos até à data da proposta de alteração de 02.05.2014, deixou de figurar no contrato de seguro como trabalhador do mencionado Réu e, muito menos consta que, a partir da alteração de 02.05.2014, não fosse trabalhador do Réu empregador. Acresce dizer que, nos termos da acta adicional ao contrato de seguro de 02.05.2014, para além da identificação dos trabalhadores consta que “Conforme pedido alteração de 2014/05/02, o pessoal e salários mensais seguros por esta apólice são os supramencionados.”, o que aliás está em consonância com a indicação, nas propostas de alteração ao contrato de seguro, dos nomes dos trabalhadores a abranger.
Ou seja, não se nos afigura, perante a matéria de facto provada e demais referido, que se possa dizer que a recusa de a Ré Seguradora em assumir a reparação dos danos emergentes o acidente de trabalho em causa nos autos consubstancie comportamento manifesta ou clamorosamente ofensivo das regras impostas pela boa-fé na execução contratual, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.
E, assim sendo, procedem nesta parte as conclusões do recurso, cabendo ao Réu empregador a obrigação de reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho em apreço nos autos.

3.5. Tendo em conta que, na sua contestação, o Réu empregador faz alusão aos poderes do mediador para representar a Ré Seguradora, resta uma nota final para dizer o seguinte:
Dispõe a clª 32ª da Apólice Uniforme de Acidente de Trabalho aprovada pela Portaria 256/2011, que: “1. Nenhum mediador de seguros se presume autorizado a, em nome do segurador, celebrar ou extinguir contratos de seguro, a contrair ou alterar as obrigações deles emergentes ou a validar declarações adicionais, salvo o disposto no números seguintes. 2. Pode celebrar contratos de seguro, contrair ou alterar as obrigações deles emergentes ou validar declarações adicionais, em nome do segurador, o mediador de seguros ao qual o segurador tenha conferido, por escrito, os necessários poderes. 3. Não obstante a carência de poderes específicos para o efeito da parte do mediador de seguros, o seguro considera-se eficaz quando existam razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.
A questão é irrelevante face ao decidido quanto à alteração do contrato de seguro operada aos 03.10.2013 (cfr. ponto III.3.3. do presente acórdão), ficando aliás prejudicada, assim como é irrelevante face ao decidido no que toca à alteração do contrato de seguro de 02.05.2014, que foi expressamente aprovada pela Ré Seguradora como decorre da emissão da correspondente acta adicional nº 22.
De todo o modo, sempre se diga que a existência de poderes de representação por parte do mediador de seguros, mormente para a prática dos actos referidos nos nºs 1 e 2 da citada clª, não se presume, sendo que o Réu empregador não fez qualquer prova, como lhe competiria, de que a Ré Seguradora haja conferido ao mediador G… os necessários poderes para a prática de tais actos, pelo que tal argumentação por parte do Réu empregador seria manifestamente improcedente.

3.6. Face à procedência do recurso nos termos referidos nos pontos III. 3.4. a 3.4.2.2. do presente acórdão, importa transferir para o Réu empregador as obrigações em que a Ré Seguradora havia sido condenada na sentença recorrida, que se passa a transcrever:
“Dos factos provados e do resultado do incidente de fixação da incapacidade resulta que a autora, por força das lesões resultantes deste acidente, esteve em situação de incapacidade temporária absoluta no período de 09/08/2014 a 16/09/2015, num período total de 404 dias e ficou afetado com uma incapacidade permanente absoluta de 3%.
Nessa medida, o autor tem direito aos seguintes valores:
O capital de remição de uma pensão €176,95 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 17 de setembro de 2015 até integral pagamento;
A quantia de €6.573,43 a título de indemnização por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada parcela da prestação até integral pagamento; e
A quantia de €20 a título de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral pagamento.
Ao valor referido deve ser deduzida a quantia de €5.056,65 que o autor recebeu da ré seguradora, ainda que a título diferente, sob pena de enriquecimento sem causa por parte deste, pelo que o valor devido a título de indemnização por incapacidades temporárias deve ser reduzido a €1.516,78”.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso procedente e, em consequência decide-se:
A) Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré C…, SA, a pagar ao A., H…: “O capital de remição de uma pensão €176,95 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 17 de setembro de 2015 até integral pagamento; A quantia de €1.516,78 a título de indemnização por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada parcela da prestação até integral pagamento; e a quantia de €20 a título de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral pagamento”, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide absolver a mencionada Ré do pedido;
B) Revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu o Réu D… do pedido, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar o mencionado Réu a pagar ao Autor:
b.1. O capital de remição de uma pensão €176,95 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 17 de setembro de 2015 até integral pagamento;
b.2. A quantia de €1.516,78 a título de indemnização por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada parcela da prestação até integral pagamento; e
b.3. A quantia de €20 a título de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral pagamento.
C) No mais [segmento em que se refere “ “Pelo exposto, julgo procedente a ação e, em consequência, declaro que o autor sofre acidente de trabalho ocorrido em 4 de agosto de 2014 com consolidação das lesões em 16 de setembro de 2015 e ficou afetado de uma IPP de 3% (…)”] mantém-se a sentença recorrida.

Custas da acção e do recurso pelo Réu/Recorrido empregador.

Porto, 08.09.2020
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas