Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
312/12.0TYVNG-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
RESTITUIÇÃO
SEPARAÇÃO DE BENS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP20180711312/12.0TYVNG-G.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 839, FLS 19-27)
Área Temática: .
Sumário: I - O encerramento do processo de insolvência implica a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, salvo se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos ou se o encerramento tiver como causa a homologação de um plano de insolvência.
II - Contudo, nesta situação, não estando proferida sentença de verificação de créditos, aquelas ações pendentes podem prosseguir os seus termos se os seus autores assim o requererem no prazo de 30 dias.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 312/12.0TYVNG-G
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 3

Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
1.1. B..., solteira, maior, residente na Rua ..., ..., ..º, dt.º, frente, ....-... Porto, por apenso aos autos de insolvência, intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a massa insolvente de C..., S.A., com sede na Rua ..., ..., ....-... Porto, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 51.597,12 €, acrescida dos juros legais de mora que se vencerem desde a citação até integral pagamento. Alegou, em síntese, que em 01-04-1991 foi admitida ao serviço da C..., S.A. para, contra remuneração, trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercendo as funções correspondentes à categoria profissional de “Diretor Garantia de Qualidade”. Por decisão de 26/03/2012, transitada em julgado, foi a C..., S.A. declarada insolvente com carácter pleno, mantendo-se, contudo, em atividade, como ainda hoje sucede, sob a sua própria administração. Por cartas registadas com aviso de receção, datadas de 05/08/2014, a C..., S.A., comunicou-lhe a cessação, com efeitos a 22/10/2014, do contrato de trabalho que com ela mantinha, no âmbito de um procedimento de despedimento coletivo, mas não lhe foi paga a quantia em débito. No início da Assembleia de Credores, que decorreu no dia 05/02/3013, foram propostas e admitidas duas alterações ao Plano de Insolvência; uma delas respeitante às indemnizações que seriam devidas aos funcionários que se encontravam, naquela data, incluídos no processo de despedimento coletivo, incluindo o critério de pagamento dos créditos e indemnizações que assistiriam aos trabalhadores por força desse despedimento coletivo, determinando que: - Os créditos decorrentes da cessação dos contratos de trabalho que são objeto do despedimento coletivo serão liquidados na data da cessação do contrato; - As indemnizações por antiguidade serão liquidadas nos mesmos prazos e condições estabelecidas para os créditos comuns; - Consolidação dos créditos comuns no montante correspondente apenas ao capital; - Perdão integral de juros vencidos e vincendos; - Perdão de 70% do valor dos créditos após a consolidação referida nos dois pontos anteriores; - Pagamento de 30% dos créditos comuns em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira um ano após o trânsito em julgado da sentença homologatória. O Plano de Insolvência foi aprovado em Assembleia de Credores com data de 05/02/2013 e o despacho de aprovação do Plano de Insolvência data de 11/07/2013, tendo sido comunicado à Ré em 24/07/2013. A sentença de homologação do Plano de Insolvência foi proferida em 09/04/2014 e notificada aos interessados em 22/04/2014.

1.3. Foi proferida decisão que declarou a extinção da instância por não poder a ação prosseguir à luz do preceituado nos artigos 217º/1 e 233º/2, al. b), do CIRE, mesmo pretendendo a Autora a “qualificação” dos créditos como créditos sobre a massa insolvente.

1.4. Irresignada, a Autora apelou dessa decisão, assim finalizando a sua alegação:
“I. O tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto.
II. Por relevarem à decisão da causa e se mostrarem admitidos por acordo, outrossim por provados através do documento anexado à p.i. sob o n.º 3, cuja autoria e assinatura, atribuídas à ré, não foram por ela questionados, deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, de modo a que passem a constar como provados os seguintes factos alegados de 1º a 10º da petição inicial: - Em 01-04-1991 foi a autora admitida ao serviço da C..., S.A., nif ........., sediada na Rua ..., ..., ....-... Porto, para, contra remuneração, trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização. - A autora exercia as funções correspondentes à categoria profissional de “Director Garantia de Qualidade”; e, - como contrapartida da sua disponibilidade para o trabalho, a sua entidade patronal vinha-lhe pagando, com a periodicidade e pelas proveniências infra concretizadas, as seguintes quantias:
a) 2.209,00 €, mensais, a título de salário base;
b) 8,10 €, mensais, a título de diuturnidades;
c) 6,50 € por cada dia de trabalho prestado, a título de subsídio de alimentação;
d) 371,50 €, mensais, a título de prémio.
- Como dos autos principais se vê, a C..., S.A., entidade patronal da autora, veio requerer a sua declaração de insolvência, pedindo, concomitantemente, a sua continuidade após apresentação de plano de recuperação. - Também como dos autos principais ressuma, por douta decisão de 26 de Março de 2012, já transitada em julgado, foi a C.., S.A. declarada insolvente com carácter pleno, - mantendo-se, contudo, em actividade, tal-qualmente ainda hoje sucede - sob a sua própria administração. - Por cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 05/08/2014, a C..., S.A., comunicou à demandante a cessação, com efeitos a 22/10/2014, do contrato de trabalho que com ela mantinha, no âmbito de um procedimento de despedimento colectivo. - Acontece que, até hoje, não foi paga à autora, encontrando-se em dívida, a compensação a que alude o art. 366.º, do Cód. Trabalho e que, computada em conformidade com as regras constantes do art. 5.º, da Lei 62/2013, monta à quantia de 50.381,62 €. - Mas, para além desta, também não foram pagas à autora, encontrando-se ainda em dívida, as quantias correspondentes aos subsídios de alimentação desde 1/2/2013 até à data do despedimento, no valor global de 1.215,50 €.”
III. O Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do direito.
IV. A massa insolvente é o património autónomo composto por todos os bens actuais e futuros do devedor, à data da declaração de insolvência, que fica adstrito à satisfação dos direitos dos credores.
V. No caso dos autos, porque foi aprovado e judicialmente homologado um plano de insolvência, a administração da massa insolvente da ré manteve-se sempre assegurada pela própria, sob a fiscalização do administrador de insolvência.
VI. A sentença que decretou a insolvência da ré foi prolatada em 26/03/2012 e a decisão de despedir a autora, no âmbito do processo de despedimento colectivo, foi-lhe comunicada em 05/08/2014, para produzir efeitos a 22/10/2014.
VII. Dado o princípio da imunidade dos contratos de trabalho à declaração de insolvência do empregador, que o Código do Trabalho consagra no artigo 347.º, n.º 1, a decisão de despedimento da autora consubstancia um acto de gestão e administração da massa insolvente da ré, sendo esta a responsável pelo pagamento dos correspectivos créditos, nos termos do disposto nos artigos 51.º, alínea c) e 172.º, ambos do CIRE.
VIII. Como assim, o crédito que a recorrente reclama sobre a recorrida na presente acção, designadamente a compensação a que alude o artigo 366.º do Código do Trabalho, emergiu da apontada cessação contratual e venceu-se na data em que a mesma se concretizou, isto é, em 22/10/2014, pelo que é um crédito sobre a massa insolvente, cujo pagamento não está sujeito ao concurso de créditos da insolvente.
IX. Constituindo-se o crédito da autora sobre a massa insolvente, o encerramento do processo de insolvência não acarreta qualquer outro efeito que não, como se dispõe no art. 233.º, n.º 1, alínea d), do CIRE, a possibilidade de a autora o passar a exigir directamente da ré.
X. O tribunal a quo, ao decidir como decidiu, fez incorrecta interpretação e aplicação das normas insertas nos arts. 607.º, n.º 4, Cód. Proc. Civil e 376.º, n.º 1, do Cód. Civil; 46.º, n.º 1, 51.º, n.º 1, c), 172.º, n.º3 e 233.º, n.º 1, alínea d), estes, todos do CIRE; e 347.º, n.º 1, do Cód. do Trabalho.
Termos em que, sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença que declara extinta a instância, substituindo-se por outra que julgue a acção procedente por provada e condene a recorrida no pedido formulado na p.i.; ou, caso assim se não entenda, que ordene o prosseguimento dos ulteriores termos do processo”.

1.5. Não foi apresentada resposta à alegação recursiva.

2. Delimitação do objeto do recurso
Sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões da alegação do recorrente [artigos 635º e 639º do Código de Processo Civil (CPC)], cabe apreciar as subsequentes questões:
2.1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2.2. A extinção da instância.

3. Fundamentação
3.1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Defende a apelante que, dentre os factos provados, devem constar os demais factos que especifica, por terem sido aceitos pela Ré.
Apreciando, vemos que o ónus de impugnação especificada que impende sobre o demandado transporta a admissão por acordo dos factos que o réu não impugnar na contestação, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento (artigo 574º/2 e 3 do CPC). É assim que, ao contestar, deve o demandado tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (artigo 574º/1 do CPC).
Por seu turno, considerada a confissão como o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (artigo 354º do Código Civil), aquiescemos que os factos confessados pela Ré podem ser exarados na fundamentação de facto. Vista a contestação da Ré, a mesma aceitou como verdadeiros os factos vertidos nos artigos 1º a 7º da petição inicial (artigos 1º e 78º da contestação), a significar que podem ser considerados como confessados os factos assim delimitados, tais como aqueles que se encontram documentalmente provados por documento autêntico, como sejam os que dimanam das peças processuais do processo principal. Nessa medida, salvo quanto àqueles factos que já se encontram exarados na fundamentação de facto da decisão recorrida, acolhemos a argumentação da apelante no sentido de que estão assentes os factos que se discriminam:
1. Em 01-04-1991 foi a autora admitida ao serviço da C..., S.A., NIF ........., sediada na Rua ..., ..., ....-... Porto, para, contra remuneração, trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização.
2. A autora exercia as funções correspondentes à categoria profissional de “Diretor Garantia de Qualidade”;
3. Como contrapartida da sua disponibilidade para o trabalho, a ré entidade patronal vinha pagando, com a periodicidade e pelas proveniências concretizadas, as seguintes quantias:
a) 2.209,00 €, mensais, a título de salário base;
b) 8,10 €, mensais, a título de diuturnidades;
c) 6,50 € por cada dia de trabalho prestado, a título de subsídio de alimentação;
d) 371,50 €, mensais, a título de prémio.
4. A C..., S.A., veio requerer a sua declaração de insolvência, pedindo a sua continuidade após apresentação de plano de recuperação.
5. Por cartas registadas com aviso de receção, datadas de 05/08/2014, a C..., S.A., comunicou à demandante a cessação, com efeitos a 22/10/2014, do contrato de trabalho que com ela mantinha, no âmbito de um procedimento de despedimento coletivo”.
Quanto ao alegado no artigo 9º da petição inicial, está documentalmente comprovado que esse crédito se encontra incluído nos créditos reclamados e reconhecidos, relacionado na posição 104 como crédito privilegiado, pelo montante global de 52.751,15 €. Contudo, essa matéria já está exarada sob o n.º 7 dos factos dados por demonstrados.
Já não assiste razão à apelante quanto à pretendida inclusão nos factos provados do por si alegado no artigo 10º da petição inicial, a saber: “10.º Mas, para além desta, também não foram pagas à autora, encontrando-se ainda em dívida, as quantias correspondentes aos subsídios de alimentação desde 1/2/2013 até à data do despedimento, no valor global de 1.215,50 €”, porque a ré controverte a natureza dessa prestação e a vinculatividade do seu pagamento (artigos 108º a 113º). Essa é a medida em que julgamos parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

3.2. Factos provados
3.2.1. Nos autos principais a que estes seguem apensados, foi proferida em 26/03/2012 sentença que declarou em estado de insolvência a devedora C..., S.A., tendo esta vindo, em 24/04/2012, apresentar Plano de Insolvência.
3.2.2. Também o Sr. Administrador da Insolvência nomeado juntou aos autos, C..., S.A., tendo esta vindo, em 24/04/2012, apresentar Plano de Insolvência.
3.2.3. Também o Sr. Administrador da Insolvência nomeado juntou aos autos, em 27/07/2012, Plano de Insolvência, tendo posteriormente introduzido algumas alterações.
3.2.4. O plano de insolvência apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência foi sujeito a votação dos credores, tendo sido aprovado por 89,95% (cf. fls. 951 e seguintes) e foi alvo de sentença de homologação, proferida em 09/04/2014 (fls. 1318/1319). Posteriormente sujeita a complemento, no apenso E, em 29.12.2014 (fls. 867 a 869, ora do apenso E).
3.2.5. Esta sentença foi alvo de diversos recursos, os quais foram admitidos por despacho proferido a fls. 1870 (datado de 25.6.2014) e deram origem ao apenso E, de recurso de apelação em separado.
3.2.6. Em tal apenso, o Tribunal da Relação do Porto proferiu, em 01/06/2015, o acórdão que julgou improcedentes os diversos recursos e manteve a sentença que homologou o plano de insolvência, acórdão que já transitou em julgado.
3.2.7. E nessa sequência, foi em 09/10/2015 proferido despacho de encerramento do processo de insolvência, nos termos do art. 230º, al. b), do CIRE (fls. 1982).
3.2.8. No apenso de reclamação de créditos, consta da lista referida no art. 129º do CIRE, apresentada em 11/06/2012, entre outros, a seguinte credora: 104 – B... - €52.751,15, crédito privilegiado.
3.2.9. B... não apresentou impugnação à lista referida em 7.
3.2.19. No âmbito dos autos de insolvência, não se procedeu a qualquer apreensão e liquidação de bens.
3.2.11. De acordo com o plano de insolvência aprovado, “os créditos dos trabalhadores serão pagos na sua totalidade, com perdão integral dos juros, no prazo de 60 (sessenta) dias após o trânsito em julgado da sentença que homologa o Plano da Insolvência”.
3.2.12. E no que diz respeito aos créditos dos trabalhadores em resultado do despedimento coletivo, de acordo com o plano de insolvência aprovado: - os créditos decorrentes da cessação de contratos de trabalho que são objeto de despedimento coletivo serão liquidados na data da cessação do contrato; - as indemnizações por antiguidade serão liquidadas nos mesmos prazos e condições estabelecidas para os créditos comuns, a saber: a) consolidação dos créditos comuns no montante correspondente apenas ao capital; b) perdão integral dos juros vencidos e vincendos; c) perdão de 70% do valor dos créditos após a consolidação nos dois pontos anteriores; d) pagamento de 30% dos créditos comuns em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira um ano após o trânsito em julgado da sentença homologatória”.
3.2.13. Não foi, ainda, proferida sentença de mérito.
3.2.14. Em 01-04-1991 foi a autora admitida ao serviço da C..., S.A., NIF ........., sediada na Rua ..., ..., ....-... Porto, para, contra remuneração, trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização (aditado pela Relação).
3.2.15. A autora exercia as funções correspondentes à categoria profissional de “Diretor Garantia de Qualidade” (aditado pela Relação); e,
3.2.16. Como contrapartida da sua disponibilidade para o trabalho, a ré vinha pagando, com a periodicidade e proveniências concretizadas, as seguintes quantias:
a) 2.209,00 €, mensais, a título de salário base;
b) 8,10 €, mensais, a título de diuturnidades;
c) 6,50 € por cada dia de trabalho prestado, a título de subsídio de alimentação;
d) 371,50 €, mensais, a título de prémio (aditado pela Relação).
3.2.17. A C..., S.A., entidade patronal da autora, veio requerer a sua declaração de insolvência, pedindo, a sua continuidade após apresentação de plano de recuperação (aditado pela Relação.
3.2.18. Por cartas registadas com aviso de receção, datadas de 05/08/2014, a C..., S.A., comunicou à demandante a cessação, com efeitos a 22/10/2014, do contrato de trabalho que com ela mantinha, no âmbito de um procedimento de despedimento coletivo (aditado pela Relação).
3.2.19. O crédito relativo à compensação pela antiguidade encontra-se reclamado e reconhecido como crédito privilegiado na posição 104 da relação dos créditos reclamados e reconhecidos pelo Administrador da Insolvências pelo valor de 52.751,15 € (aditado pela Relação).
3.2.20. Por decisão de 10/03/2018 foi declarado que a verificação de créditos não pode prosseguir os seus termos, por força do preceituado no artigo 217º/1 e 233º/2, al. b), ambos do CIRE, razão pela qual foi julgada extinta a e instância.

3.3. Enquadramento jurídico
A decisão apelada, considerando que o encerramento do processo antes do rateio final determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, declarou a extinção da instância da ação em que a credora B... pede a verificação do crédito que lhe advém da cessação do contrato de trabalho, por despedimento coletivo. A tanto se opõe a recorrente, citando diversificada jurisprudência, alegando que a cessação do contrato de trabalho ocorreu em 22/10/2014, já muito depois da prolação da sentença que declarou a ré em estado de insolvência, datada de 26/03/2012. Como se tratou de um ato de gestão e administração da massa insolvente, sendo é esta a responsável pelas dívidas daí emergentes, a pagar nos termos e em conformidade com o disposto nos artigos 51º, c) e 172º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)[1].
É apodítico que a declaração de insolvência não transporta a imediata e automática cessação dos contratos de trabalho, os quais subsistem e impõem o cumprimento integral das obrigações que deles derivam para trabalhadores e empregador, embora o destino final da empresa insolvente possa afetar a sua vigência.
A respeito dos créditos salariais surgidos depois da declaração judicial de insolvência, designadamente por se reportarem a trabalho prestado depois daquela declaração, defende-se, a uma só voz, que são de qualificar como créditos sobre a massa insolvente e a pagar na data do respetivo vencimento. Entende-se mesmo que a sua qualificação como créditos sobre a insolvência contrariaria o princípio geral da imunidade dos contratos de trabalho à declaração de insolvência do empregador (artigo 347º/1 do Código do Trabalho) e conflituaria com a estatuição do artigo 51º/1 do CIRE. Por isso, se chancela a sua qualificação como créditos sobre a massa insolvente, na sua totalidade, a satisfazer antes dos créditos sobre a insolvência[2].
E nesse sentido tem decidido a jurisprudência, designadamente no tocante ao contrato de trabalho cessado após a declaração de insolvência, que não tem uma natureza idêntica a um crédito laboral resultante duma cessação ocorrida anteriormente a tal declaração[3]. Ao invés, o ato de cessação dum contrato de trabalho já depois da declaração de insolvência constitui um ato de administração da massa insolvente, praticado pelo respetivo administrador, dele resultando a constituição de dívidas para a massa insolvente, correspondentes aos créditos resultantes da cessação, lícita ou ilícita, do contrato de trabalho, com a consequentes convocação do regime previsto naquele artigo 51º/1, al. c) do CIRE. Em função do nele normativizado, as dívidas emergentes de atos de administração são dívidas da massa insolvente, com um regime diverso das dívidas da insolvência[4].
Assim sucedeu no caso, pois, no âmbito do plano de insolvência, devidamente homologado por sentença transitada em julgado, a insolvente manteve a laboração, sob a administração da ré, que ficou adstrita à administração da massa insolvente. E foi ela quem tomou a iniciativa da cessação do contrato de trabalho como um ato de gestão e administração da massa insolvente. Daí constituir uma dívida da massa insolvente qualquer obrigação que derive desse ato de despedimento. Aliás, se atentarmos no momento da constituição do crédito, 22/10/2014, já muito depois da prolação da sentença que declarou a ré em estado de insolvência, datada de 26/03/2012, logo intuímos que está em causa um crédito sobre a massa insolvente e não sobre a insolvência. Com efeito, o CIRE distingue entre créditos sobre a insolvência – constituídos em data anterior à declaração de insolvência ou equiparáveis (artigo 47º/ 2 do CIRE) e que estão sujeitos a um regime de concurso para a sua satisfação através dos bens da insolvente, e créditos sobre a massa insolvente, cujas dívidas assim se encontram qualificadas no CIRE (artigo 51º, 1), os quais são pagos com precipuidade (artigos 46º/1, e 172º/1, do CIRE.
Vale por dizer que, proferida a sentença de insolvência, todos os credores do devedor passam a ser havidos como credores da insolvência, assim delimitando os credores que têm direito a concorrer ao produto da liquidação dos bens do devedor, realizando-se os créditos à custa da massa insolvente e por via do próprio processo[5]. Tem-se em vista destacar os créditos que, à data da declaração de insolvência, oneram o devedor, dos que se constituem após a declaração de insolvência, na dinâmica do próprio processo de insolvência, e que são considerados um encargo da massa insolvente qua tale, e, por isso, beneficiários de prioridade no pagamento. Qualificam-se os primeiros como créditos sobre a insolvência e os segundos como dívidas da insolvência (artigo 47º/2 do CIRE). E, quanto a estes, dispõe o artigo 172º/1 do CIRE, que antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas da massa insolvente, inclusive as que presumivelmente se constituirão até ao encerramento do processo. No fundo, trata-se da concretização e extensão às dívidas da massa da regra da precipuidade das custas do processo e das despesas de liquidação[6].
Em suma, as dívidas da massa insolvente são aquelas cujo fundamento reside na própria situação de insolvência e que são enumeradas no artigo 51º do CIRE, a saber: a) As custas do processo de insolvência; b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores;
c) As dívidas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente; d) As dívidas resultantes da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções; e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência; f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração; g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objeto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório; h) As dívidas constituídas por atos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes; i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente; j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º.
Assim, são, patentemente, dívidas da massa insolvente as dívidas emergentes dos atos de administração, uma vez que a sua assunção se apresenta como essencial à realização da função do processo de insolvência[7].
Deparamo-nos, portanto, com dívidas contraídas não pela insolvente, mas sim pela administração da massa insolvente, o que justifica que o seu pagamento não esteja sujeito ao concurso de créditos da insolvente, sendo, portanto, irrelevante que as mesmas estejam reclamadas e reconhecidas no âmbito da insolvência. Este regime das dívidas da massa é mais benéfico para o credor e, por isso, assiste-lhe o direito de pugnar pelo correspondente tratamento. A massa insolvente deve primordialmente satisfazer os créditos que são consequência da insolvência e só depois da satisfação destes se procede ao pagamento dos créditos cujo fundamento seja anterior à declaração de insolvência[8].
A empresa manteve-se em laboração, tendo subsistido o contrato de trabalho com a autora, com a recíproca imposição de satisfazerem integralmente as obrigações derivadas para cada uma das partes. Constituindo a cessação do contrato um ato de administração da massa insolvente, as dívidas respeitantes a salários e demais contraprestações do trabalho prestado após a declaração de insolvência e cessação do contrato são qualificadas como dívidas da massa insolvente.
A decisão recorrida alicerça a declarada extinção da instância no decretado encerramento do processo, porque, à luz do disposto no artigo 233º/2, b), do CIRE, o encerramento do processo antes do rateio final determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, exceto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos ou se o encerramento decorrer da aprovação de plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as ações cujos autores assim o requeiram, no prazo de trinta dias.
No caso, foi proferido despacho de encerramento do processo de insolvência em 09/10/2015, nos termos do artigo 230º, b), do CIRE, pelo que é justificada a declaração de extinção da instância, salvo se já tiver sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, mas só prosseguem as ações cujos autores o requeiram no prazo de 30 dias. De facto, o encerramento do processo quando a insolvência é qualificada como fortuita determina a cessação de todos os efeitos emergentes da declaração de insolvência e o devedor, por regra, recupera os seus poderes de administração e disposição dos bens e, por isso, não faz sentido que prossigam as ações de verificação de créditos. Se o processo de insolvência encerrar por via da aprovação do plano de insolvência, como na situação que apreciamos, é compreensível a extinção da instância nas ações de verificação de créditos. Constituindo o plano de insolvência uma via alternativa de satisfação do interesse dos credores, o processo de insolvência encerra com a sua homologação[9]. Donde se compreenda a ressalva de o processo ter terminado na decorrência da aprovação e homologação de um plano de insolvência, fundamento que só ganha autonomia quando isso suceda sem que tenha ainda sido proferida a sentença de verificação[10]. É neste contexto que se considera que, no caso de o processo judicial ter terminado na decorrência de um plano de insolvência, sem estar proferida a sentença de verificação de créditos, se salvaguarda a continuação das ações pendentes de restituição e separação de bens já liquidados desde que os seus autores o requeiram, no prazo de trinta dias[11].
O encerramento do processo de insolvência decorreu justamente da homologação judicial de um plano de insolvência, pelo que a consequência será a de prosseguirem até final as ações pendentes de verificação e restituição/separação de bens já liquidados desde que os seus autores o requeiram no prazo de 30 dias, a contar do encerramento do processo de insolvência. Ora, nem se mostram verificados os pressupostos para o prosseguimento da presente ação, nem a apelante invoca tê-lo requerido, pelo que não vemos fundamento para dirigir qualquer censura à decisão recorrida[12].
Como antecipámos, o encerramento do processo conduz à cessação de todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, sendo a insolvência fortuita, recuperando o devedor, designadamente, o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, a significar que o devedor recupera a disponibilidade do seu património e a responsabilidade pelas dívidas, podendo demandar o devedor pelos créditos insatisfeitos. As únicas limitações com que se defrontarão são as decorrentes do plano de insolvência ou do plano de pagamentos que tenham sido aprovados e homologados e da exoneração do passivo restante liminarmente admitido (artigo 242º do CIRE). Portanto, as dívidas geradas no âmbito do próprio processo de insolvência, ou seja, as dívidas da massa são também dívidas do próprio insolvente. Logo, se não tiverem sido satisfeitas no processo de insolvência ou na medida em que o não foram, o respetivo titular pode, depois do encerramento do processo de insolvência, exigir o seu pagamento do devedor que deixou de estar insolvente[13].
Em suma, não obstante considerarmos que os créditos aqui reclamados pela autora constituem dívidas da massa insolvente, a presente ação, para a sua verificação, não pode prosseguir os seus termos, por força do preceituado no artigo 233º/2, b), do CIRE, o que funda o acerto da decisão de declaração de extinção da instância.
Custas a cargo da recorrente (artigo 527º/1 do CPC).

4. Dispositivo
Face ao exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a decisão apelada.
Custas a cargo da recorrente.
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Porto, 11 de julho de 2018
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
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[1] Aprovado pelo decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de março.
[2] Maria do Rosário Palma Ramalho, Os trabalhadores no processo de insolvência, III Congresso de direito da insolvência, Almedina 2015, págs.399/404.
[3] In www.dgsi.pt: Acs. STJ de 16/06/2016, processo 775/12.4TTMTS.P3.S1; RG de 12/11/2013, processo 915/12.3TBBCL-I.G1; de 14/01/2016, processo 6034/13.8TBBRG-I.G1; RP de 03/02/2014, processo 713/12.4TTMTS.P1; 28/10/2015, processo 672/15.1T8AGD.P1.
[3] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 03-02-2014, Proc. 713/12.4TTMTS.P
[4] In www.dgsi.pt: \Ac. RP de 03-02-2014, Proc. 713/12.4TTMTS.P1.
[5] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Reimpressão, 2009, pág. 224.
[6] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ibidem, pág. 574.
[7] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, 2.ª ed., pág. 96.
[8] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ibidem, pág. 95.
[9] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ibidem, pág.760.
[10] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ibidem, pág.771.
[11] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ibidem, pág.773.
[12] In www.dgsi.pt: Ac. RL de 12/11/2013, processo 144/08.6TYLSB-M.L1-7.
[13] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 11/94/2018, processo 521/14.8T8OAZ.P1