Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
581/12.6T2AVR-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
REQUISITOS LEGAIS
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
NATUREZA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20161107581/12.6T2AVR-G.P1
Data do Acordão: 11/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 636, FLS.115-123)
Área Temática: .
Sumário: I - A ação de impugnação da resolução de ato em benefício da massa insolvente em que não sejam invocados factos extintivos do direito de resolução e apenas se impugnem os factos invocados para fundamentar a resolução impugnada é uma acção declarativa de simples apreciação negativa.
II - A alegação de inexistência de prejuízo para a massa insolvente ou a inexistência de má fé da contraparte no negócio objeto de resolução não constituem factos extintivos do direito de resolução, mas antes a impugnação dos factos invocados para fundamentar o exercício do direito de resolução pelo administrador da massa insolvente.
III - O administrador da insolvência está onerado com a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de resolução que exerceu em benefício da massa falida, sem prejuízo do que decorre do princípio da aquisição processual (artigo 515º do Código de Processo Civil).
IV - A declaração de resolução deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação à ação de impugnação da resolução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário do acórdão proferido no processo nº 581/12.6T2AVR-G.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. A ação de impugnação da resolução de ato em benefício da massa insolvente em que não sejam invocados factos extintivos do direito de resolução e apenas se impugnem os factos invocados para fundamentar a resolução impugnada é uma acção declarativa de simples apreciação negativa.
2. A alegação de inexistência de prejuízo para a massa insolvente ou a inexistência de má fé da contraparte no negócio objeto de resolução não constituem factos extintivos do direito de resolução, mas antes a impugnação dos factos invocados para fundamentar o exercício do direito de resolução pelo administrador da massa insolvente.
3. O administrador da insolvência está onerado com a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de resolução que exerceu em benefício da massa falida, sem prejuízo do que decorre do princípio da aquisição processual (artigo 515º do Código de Processo Civil).
4. A declaração de resolução deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação à ação de impugnação da resolução.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:


1. Relatório
Em 06 de junho de 2014, por apenso ao processo de insolvência nº 581/12.6T2AVR, então pendente no Juízo de Comércio de Aveiro, na Comarca do Baixo Vouga, B…, Lda. intentou contra a Massa Insolvente de B…, Lda. ação de impugnação da resolução do contrato de arrendamento para indústria datado de 26 de dezembro de 2011 e do contrato de compra e venda titulado pelas faturas nºs ……08, ……09 e ……07, também datadas de 26 de dezembro de 2011, pedindo que seja revogada a resolução em benefício da massa Insolvente, relativa aos citados negócios, devendo, em consequência, declarar-se ineficaz a aludida devolução e consequentemente nula e de nenhum efeito.
Para tanto invoca, em síntese, que a carta de resolução dos mencionados contratos não contém factos que fundamentem a resolução, nega que o arrendamento resolvido seja prejudicial para a massa insolvente, bem como que diminua o valor do imóvel, afirma que as vendas impugnadas foram efetuadas a fim de permitir que a insolvente realizasse algum capital para continuar a laborar, tendo sido celebradas a preços de mercado.
Citada, a ré contestou reafirmando tudo quando alega ter feito constar da carta de resolução, concluindo pela improcedência da ação, declarando-se válida e eficaz a resolução do contrato de arrendamento e dos contratos de compra e venda titulados pelas faturas nºs ……07, ……08 e ……09.
A autora “replicou” reiterando o que alegou na petição inicial.
Realizou-se audiência prévia, na qual se enunciaram os temas de prova e se ordenou a realização de prova pericial requerida pela ré.
Elaborado o laudo pericial e notificado às partes, ambas vieram requerer a comparência do autor do laudo na audiência final.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e em 14 de julho de 2016 foi proferida sentença[1] que julgou a ação improcedente.
Em 02 de agosto de 2016, inconformada com a sentença, B…, Lda., rectius Massa Insolvente de B…, Lda. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões[2]:
a). - A Srª. Administradora através da carta que dirigiu à Recorrente, em 30/05/2014, que se encontra junta aos autos, que aqui se dá como reproduzida, ordenou a resolução do contrato de arrendamento para a industria datada de 26/12/2011 e do contrato de compra e venda de bens formalizado pelas faturas nº …….08, ……09 e ……07.
b). - Resolução que foi mantida pela douta sentença de fls., que aqui se dá como reproduzida.
c). A Mª. Juiz fundamento a douta sentença nos documentos juntos aos autos e dos factos descritos nos pontos 1 a 13. E ainda no relatório pericial junto a fls., 203 e seguintes e no depoimento das testemunhas ouvidas em Tribunal.
d). – Na verdade existiu o contrato de arrendamento do pavilhão industrial e terreno rustico, pertencentes à Insolvente B…, Lda., celebrado com a Recorrente, pelo prazo de 10 anos, com a renda mensal de € 2.100,00 e o contrato de compra e venda das máquinas pertencentes à B…, Lda. Tudo isto, são factos que correspondem à verdade.
e). - Os contratos celebrados pela Recorrente com a B…, Lda., destinaram-se, como não se pode perder de vista a salvar a referida B…, Lda. da Insolvência. Pois que, a mesma tinha acabado de despedir vários trabalhadores, e procurava reestruturar-se como muito menos trabalhadores, necessitando de trabalhar, o que lhe oferecia a Recorrente, adquirindo-lhes os seus produtos, para além de lhe proporcionar um rendimento mensal de € 2.100,00. O que estava acontecer, quando foi requerida a Insolvência da B…, Lda.
f). - O objeto de tais compras, na altura, foi assim no sentido de acudir à tesouraria da Insolvente e proporcionar-lhe rendimento de que podia lançar mão para fazer face aos seus compromissos, designadamente salários de trabalhadores. Desígnio maior, do que encerrar portas e proceder ao despedimento coletivo dos trabalhadores.
g). - Os aludidos contratos, foram celebrados por ambas as partes de boa-fé, quando nenhuma delas se encontrava insolvente, nem esperavam vir a sê-lo, apesar de reconhecerem que atravessavam sérias dificuldades económicas.
h). - A B…, Lda., obtinha com o aludido contrato de arrendamento pelo indicado prazo de 10 anos, um rendimento assegurado de € 252.000,00, ao fim dos referidos 10 anos.
i). - Entendeu e entende a Recorrente que o contrato de arrendamento, beneficiava ambas as partes e designadamente a B…, Lda. E aliás foi com esse intuito que foi celebrado.
j). - Ao contrário do doutamente alegado na douta sentença, o negócio, não colocava nem coloca em crise os credores da referida B…, Lda., nem desvalorizava o imóvel.
l). Aliás, se o mesmo estivesse encerrado e se pensarmos que estaria encerrado, deitado ao abandono, desde 2012, o mesmo imóvel encontrar-se-ia nesta data completamente vandalizado, com certeza sem portas e sem qualquer estrutura metálica, como aliás acontece a maior parte das vezes, senão sempre aos imóveis que se encontram em estado de abandono e a aguardar a sua venda.
m). - De referir que apesar de se encontrar a ser ocupado e a ser conservado, porque em atividade, pela Recorrente, a verdade é que o mesmo foi colocado á venda e não apareceu qualquer comprador para a sua aquisição, o que equivale a dizer de que o mesmo estivesse desocupado, sem contrato de arrendamento, que assegura a sua ocupação, estaríamos hoje a falar de apenas terreno, eventualmente para construção.
n) - As aludidas instalações não têm licença de utilização, e as obras que ali se encontram edificadas não estão licenciadas e isto sim dificulta, se não impede, a sua venda.
o) - Isto para dizer, o contrato de arrendamento a manter-se, muito valoriza o imóvel e muito beneficia a Massa insolvente, pois que, continua a ter um rendimento assegurado de € 25.200,00 por ano.
p) - Não se vê pois, onde possa estar, ao contrário do doutamente alegado, o prejuízo da Massa Insolvente.
q) - Pese embora a Recorrente entender a fundamentação de direito, em que a Mº. Juiz “a quo”, sustenta a sua douta sentença.
r) – Existe um caso semelhante que passou a nível nacional, como foi o caso da C…, por exemplo, em que o Sr. Administrador de Insolvência, andou durante meses e meses à procura de um comprador para os pavilhões industriais e claro está e como não o encontrou, acabou por chegar à conclusão que o melhor seria arrendar, o que veio a acontecer, tendo desta forma a insolvente, uma fonte de rendimento certa e segura.
s) - Tendo a Recorrente injetado centenas de milhares de euros não só de capitais próprios da empresa, como também os seus sócios gerente injetaram centenas de milhares de euros no capital da B…, Lda., como se verifica dos autos, que aqui colocaram os seus bens e património, bem como foram seus avalistas junto da D…, para que esta continuasse em funcionamento.
t) - O negocio efetuado foi e é altamente vantajoso para a B…, Lda. à custa da Recorrente e dos seus socio, que aliás vieram a perder todo o seu património de mais de € 1.000.000,00, para salvarem a B….
u) - E o mesmo aconteceu com a venda das máquinas, constantes das faturas acima referida. Aliás a resolução não faz qualquer sentido, pois é apresentada mais de 3 anos depois do contrato de arrendamento e da compra das aludidas máquinas.
v) - Entende a Recorrente, ser extemporâneo e inoportuno, volvidos que foram mais de 3 anos, para se colocar em causa a oportunidade da celebração de tal contrato de arrendamento e a venda de tais máquinas.
x) – Os atos praticados pela Recorrente e que foram como supra se referiu no sentido de salvar a Insolvente e de a manter em laboração e com rendimentos, não diminuíram a garantia patrimonial dos credores da mesma.
z) - Resta reafirmar que os gerentes da Recorrente são pessoas sérias, idóneas, com uma longa tradição no sector industrial e que tudo fizeram e fazem para honrar os seus compromissos e não encerrar portas em empresas com quase meio século de vida e das quais dependiam vários postos de trabalho e que agiram em todas as situações de boa-fé e que sacrificaram todo o seu património.
aa) – A douta sentença não atentou nas vantagens decorrentes, que no entender da recorrente resultaram para Insolvente e que em seu entender são manifestas e em nada diminuíram ou colocaram em perigo o património da B…, Lda.
ab) - Violou assim a douta sentença à contrário, o disposto nos artigos 120º e 121º do CIRE.
A recorrida contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
Atendendo à natureza urgente dos autos, ao caráter estritamente jurídico do objeto do recurso e à relativa estabilidade doutrinal e jurisprudencial existente na matéria, com o acordo dos Excelentíssimos Juízes-adjuntos, decidiu-se dispensar os vistos.
Cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
As questões a decidir resumem-se à apreciação dos requisitos legais da resolução do contrato de arrendamento e das compras e venda em benefício da massa insolvente, com especial incidência nos requisitos da prejudicialidade e da má-fé.
3. Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida e que não mereceram qualquer impugnação por parte da recorrente, não se divisando fundamento legal para a sua oficiosa alteração
3.1 Factos provados
3.1.1
Através de documento datado de 26 de Dezembro de 2011 e epigrafado de Contrato de Arrendamento para Indústria, a insolvente, representada pelo gerente E…, declarou dar de arrendamento à autora, ali representada pelo respetivo gerente F…, edifício composto de rés do chão destinado à indústria, escritórios, instalações sociais e logradouro, 2 divisões destinadas a polimentos e outras 2 divisões destinadas a pintura, sito no …, inscrito na matriz sob o artigo 3544 da freguesia de …, e 1/3 de um terreno no qual se encontra implantado um pavilhão industrial não licenciado, confinante com o logradouro do supra descrito prédio urbano, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2248 da freguesia de …, mediante a renda mensal de € 2.100,00 a pagar até ao oitavo dia do mês anterior àquele a que a mesma disser respeito, a pagar na sede da senhoria ou por depósito em conta bancária a indicar, correspondendo aqueles pavilhões às instalações da devedora e onda esta exercia a respetiva atividade.
3.1.2
Pelo mesmo documento mais declararam que em caso de denúncia do contrato por qualquer forma sem justa causa, por parte da senhoria ou dos proprietários dos imóveis, antes de 25 de Dezembro de 2031 obriga-se esta a pagar à autora uma indemnização no valor de € 510.000,00.
3.1.3
Na mesma data – 26.12.2011 – a insolvente emitiu as faturas nº ……08, ……09 e ……07 (esta última com 24 páginas) a cargo da autora nos valores (sem IVA) de € 2.000,00, €1.000,00 e € 254.204,00 para titular a transferência e correspetiva aquisição pela autora do equipamento integrante do estabelecimento industrial da devedora e ali descrito, a saber: veículos com as matrículas ..-..-GL e ..-..-LB, e cerca de 400/410 bens móveis correspondentes a máquinas e ferramentas.
3.1.4
A insolvente B…, Ldª foi constituída por contrato de sociedade inscrito no registo em 02.01.1978 e outorgado entre F…, G… e E…, com sede em …, …, e tendo como objeto social a indústria de ferragens, tendo sido designados gerentes os três sócios e H…, cargo ao qual H… declarou renunciar em 10.04.2007, F… em 08.08.2008 e G… em 25.01.2011.
3.1.5
Na sequência de requerimento apresentado em juízo em 03.03.2012 foi declarada a insolvência de B…, Ldª, por sentença proferida em 20.04.2012 e foi declarada encerrada para efeitos de IVA em maio de 2014.
3.1.6
A autora B…, Ldª, declarada insolvente por sentença proferida em 22.05.2013 (processo nº 2240/12.0T2AVR desta secção), foi constituída por contrato de sociedade inscrito no registo em 18.02.2008 e outorgado entre F…, G… e E… (sócios da insolvente), com sede em …, …, e tendo como objeto social a importação, exportação e comercialização de materiais de construção civil, equipamentos sanitários, ferragens, ferramentas, equipamentos para a construção civil e outros, tendo sido designado gerentes I… e J…, funções que cessaram em Junho de 2008 e nomeado em sua substituição o sócio F…, o qual adquiriu a quota de E… e, K…, casada com F…, adquiriu a quota de G….
3.1.7
F… é irmão de L…, casada com G… e de M…, casada com E….
3.1.8
Em dezembro de 2011 a insolvente devia contribuições e quotizações à segurança social vencidas desde junho de 2003, no montante total superior a meio milhão de euros, para garantia da qual constituiu várias hipotecas sobre o imóvel da insolvente, e à Fazenda Nacional devia cerca de € 50.000,00 a título de IRS vencido em fevereiro de 2009, IVA vencido em janeiro de 2011 e IMI vencido em 2010, coimas e custas.
3.1.9
Através de carta datada de 30.05.2014 e recebida pela insolvente, a sr.ª administradora da insolvência procedeu à resolução do contrato de arrendamento e das vendas de bens móveis descritos nas faturas supra descritas, invocando as datas em que os mesmos foram celebrados para concluir pela verificação do requisito temporal previsto pelo art. 120º, nº 1 do CIRE, invocando a prejudicialidade dos atos pelo facto de resultarem em redução do ativo da devedora às custas do qual os credores esperam obter pagamento, redução decorrente da desvalorização do imóvel por estar onerado com contrato de arrendamento e assim dificilmente surgir interessado em adquirir um espaço que não poderá utilizar por força do dito contrato, e o que simultaneamente retarda a satisfação dos direitos dos credores que teriam que aguardar o termo do prazo do contrato para serem ressarcidos dos seus créditos ou o imóvel ser vendido abaixo do respetivo valor com igual prejuízo para os credores, e mais invocando a má-fé da adquirente, presumida pelo facto de o respetivo gerente, F…, ter sido sócio e gerente da insolvente até 2008 e de ser cunhado do atual gerente, E…, pelo que se impõe considerá-las como sociedades especialmente relacionadas entre si nos termos dos arts. 49º e 32º do CIRE, na medida em que o sócio maioritário e gerente da autora também é sócio da insolvente e cunhado dos demais sócios e do gerente desta, e o que não é prejudicado pelo facto de estarem em causa duas sociedades já que também ali se mantém as razões que justificam a qualificação de tal relação, cfr. acórdão da Relação de Guimarães de 17.09.2013; e má-fé porque à data da celebração dos contratos a autora conhecia a situação de insolvência da devedora, desde logo pela dívida perante a segurança social que se arrastava há anos.
3.1.10
Da lista de créditos apresentada pela sr.ª administradora da insolvência e das impugnações que à mesma foi deduzida, e que foram já objeto de homologação, verificação e graduação por sentença proferida em janeiro de 2015, constam créditos reconhecidos no montante total de capital de cerca de € 2.500.000,00, no que se incluem créditos laborais de trinta e um trabalhadores, créditos do Estado, parte hipotecários, parte privilegiados e o restante comum, créditos de entidades bancárias, hipotecário e comuns, créditos comuns de fornecedores e crédito subordinado da aqui autora no montante total de € 526.222,31 (na sequência da parcial procedência da impugnação que pela autora foi ali deduzida à lista de créditos apresentada pela sr.ª administradora da insolvência).
3.1.11
Conforme resulta da perícia realizada nos autos, elaborada por recurso aos registos contabilísticos da autora e da insolvente, à data da venda dos bens à autora esta detinha inscrito crédito sobre aquela no valor de € 211.488,48 que foi contabilisticamente saldado com o preço da venda dos bens, ficando então a insolvente credora da autora pelo montante de € 46.405,52.
3.1.12
Até à realização da perícia ordenada nos autos, dos registos contabilísticos da autora e da insolvente referente ao período de 26.12.2011 até ao final de 2014 apenas constam inscritas 19 rendas mensais (dez em 2012 e 9 em 2014) e o pagamento de duas (fevereiro e março e 2012), tendo procedido ao pagamento de mais quatro rendas por transferência bancária em 30.11.2015, 31.12.2015, 29.01.2016 e 29.02.2016.
3.1.13
Durante os anos de 2012 e 2013 a autora pagava a matéria-prima adquirida pela insolvente aos seus fornecedores, e esta, utilizando a maquinaria que foi facturada/transferida para a autora, sob as ordens e direção do gerente da autora, F…, produzia e vendia o produto acabado à autora e a outros clientes, sendo que os pagamentos entre autora e insolvente eram feitos sempre por acerto de contas.
3.2 Factos não provados:
3.2.1
Que o arrendamento celebrado entre autora e insolvente aumenta o valor e facilita a venda dos imóveis objeto do dito contrato, e que desde a data em que o mesmo foi resolvido (e mesmo desde a data em que o mesmo foi celebrado) até ao termo do respetivo prazo inicial (26.12.2021) as rendas dele emergente ascendem ao montante de € 300.000,00.
4. Fundamentos de direito
Estão reunidos os requisitos legais da resolução do contrato de arrendamento e das compras e venda em benefício da massa insolvente, com especial incidência nos requisitos da prejudicialidade e da má-fé?
A recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida sustentando, em síntese, que os negócios resolvidos visavam capitalizar a insolvente, que não punham em crise os credores da insolvente, que o arrendamento, ao invés do afirmado na sentença, valoriza o imóvel, garantindo um rendimento anual de € 25.200,00, sendo inoportuno que volvidos mais de três sobre a celebração dos negócios se coloquem os mesmos em causa.
Na decisão recorrida, em síntese, concluiu-se que os atos resolvidos foram praticados dentro do prazo legal em que podem ser resolvidos (dois meses e um dia antes da apresentação da devedora à insolvência), que a cedência remunerada do gozo das instalações da insolvente, por um prazo de dez anos, afeta de forma grave a garantia patrimonial dos credores da insolvente, que existe uma identidade de sócios da autora nestes autos e da insolvente a permitir a configuração de uma relação especial para os efeitos do artigo 48º, alínea a), do CIRE[3], que a constituição do arrendamento e a venda de equipamentos integram ostensivo favorecimento da autora em detrimento da insolvente e, deste modo, dos credores desta, que destes atos resulta a diminuição da garantia patrimonial da insolvente.
Cumpre apreciar e decidir.
Como já escrevemos no acórdão por nós relatado no Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Maio de 2011, no processo nº 1791/08.6TBLRA-K.C1, acessível no site da DGSI e que seguiremos de perto com as devidas adaptações, a resolução em benefício da massa insolvente é um instituto especial do processo de insolvência que se destina à tutela da generalidade dos credores do insolvente, na medida em que permite ao Administrador da Insolvência que a eficácia[4] de toda uma panóplia de atos seja destruída, verificados que sejam certos requisitos de ordem temporal, subjetiva e objectiva[5].
É um instituto cujos antecedentes se encontram nos artigos 1168º, 1170º e 1171º, do Código de Processo Civil de 1939, nos artigos 1200º, 1202º e 1203º, do Código de Processo Civil de 1961 e nos artigos 156º, 158º e 159º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.
No regime legal vigente[6], em primeiro lugar, a resolubilidade de atos prejudiciais à massa insolvente apenas é viável relativamente a atos praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência (artigo 120º, nº 1, do CIRE), sendo o prazo anteriormente de quatro anos e referindo-se a anterior previsão também à resolubilidade de omissões.
No caso em apreço, o processo de insolvência foi instaurado em 03 de março de 2012, sendo proferida a declaração de insolvência em 20 de abril de 2012, pelo que os negócios cuja impugnação da resolução é peticionada nestes autos, foram concluídos necessariamente dentro do aludido prazo de quatro anos.
Os atos prejudiciais à massa são os que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência (artigo 120º, nº 2, do CIRE).
Além disso, presumem-se juris et de jure prejudiciais à massa os atos tipificados no artigo 121º, do CIRE, ainda que praticados ou omitidos[7] fora dos prazos[8] aí previstos (artigo 120º, nº 3, do CIRE).
Os atos em que para efeitos de resolução em benefício da massa falida a lei presume de forma inilidível a prejudicialidade à massa insolvente são:
a) a partilha celebrada antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;
b) os atos celebrados pelo devedor a título gratuito, incluindo o repúdio de herança ou legado, com exceção dos donativos conformes aos usos sociais;
c) a constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam;
d) a fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele;
e) a constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas;
f) o pagamento ou outros atos de extinção de obrigações ocorridos antes do seu vencimento e cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência;
g) o pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir;
h) os atos a título oneroso realizados pelo insolvente em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;
i) o reembolso de suprimentos (artigo 121º, nº 1, do CIRE).
Nos casos que se acabam de enumerar, a resolubilidade do acto prejudicial à massa insolvente não carece da demonstração da má-fé do terceiro interveniente no acto objecto de resolução (artigo 120º, nº 4, 1ª parte, do CIRE).
Fora destes casos, além da prejudicialidade à massa insolvente demonstrada (artigo 120º, nº 2, do CIRE) ou presumida juris et de jure (artigo 120º, nº 3, do CIRE), a resolubilidade dos atos prejudiciais à massa insolvente pressupõe a má-fé do terceiro, sendo essa má-fé presumida juris tantum quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente[9], ainda que a relação especial não existisse a essa data (artigo 120º, nº 4, do CIRE).
A resolução em benefício da massa insolvente efetiva-se por carta registada com aviso de receção, dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento do ato objecto de resolução[10] e nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência (artigo 123º, nº 1, do CIRE). Porém, sempre que o negócio não esteja cumprido, a resolução pode ser declarada, sem dependência de prazo, por via de exceção (artigo 123º, nº 2, do CIRE)[11].
A declaração de resolução deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo[12], não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação à ação de impugnação da resolução[13]. Admitir esse suprimento traduzir-se-ia na introdução de factualidade nova em momento ulterior ao exercício do direito potestativo e que, por isso, necessariamente, não fundamentou aquela declaração de resolução.
Finalmente, a resolução de actos prejudiciais à massa insolvente pode ser impugnada pela contraparte no negócio resolvido mediante ação a propor contra a massa insolvente, no prazo de seis meses, sob pena de caducidade, ação que correrá seus termos por apenso ao processo de insolvência (artigo 125º, do CIRE).
Rememorados os quadros legais essenciais à dilucidação da magna questão objeto do recurso em apreciação, avancemos um pouco mais, desta feita situando-nos no campo do ónus da prova.
No nosso direito positivo, em termos gerais, compete àquele que invoca um direito, a alegação e prova dos factos constitutivos desse direito (artigo 342º, nº 1, do Código Civil)[14], competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos àquele contra quem é invocado o direito (artigo 342º, nº 2, do Código Civil), sendo que em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (artigo 342º, nº 3, do Código Civil).
Porém, o nosso direito civil, além de algumas previsões avulsas sobre a repartição do ónus da prova (vejam-se por exemplo os artigos 487º, nº 1 e 799º, nº 1, ambos do Código Civil), tem também algumas regras especiais, nomeadamente no que respeita as ações de simples apreciação ou declaração negativa, caso em que compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (artigo 343º, nº 1, do Código Civil).
O direito de resolução é um direito potestativo de natureza extintiva e, tratando-se de resolução em benefício da massa insolvente, o seu nascimento depende do preenchimento dos requisitos legais que antes se expuseram. Dito de outro modo: a massa insolvente só tem o direito de resolver atos em seu benefício desde que se preencham os requisitos que antes se expuseram de forma sumária.
No caso em apreço, os negócios de arrendamento e de compra e venda, porque ocorridos dentro dos quatro anos anteriores ao início do processo de insolvência, são atos resolúveis em benefício da massa insolvente desde que se demonstre a sua prejudicialidade, porquanto não beneficia da presunção prevista no nº 3, do artigo 120º do CIRE.
A nosso ver, na senda da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça expressa nos fundamentos do acórdão de uniformização de jurisprudência nº 15/2014 (veja-se o ponto 52 do citado acórdão) e de alguma doutrina[15], a previsão do artigo 49º do CIRE é taxativa no que respeita às pessoas aí indicadas e dado que a relação especial relevante para a aplicação desse preceito (artigo 49º, nº 2, alínea c), do CIRE) se verificou mais de dois anos antes da instauração do processo de insolvência, não permite que se conclua pela existência de uma especial relação com o devedor.
Porém, essa relação societária, entrelaçada com relações familiares, associada a uma comunidade, ao menos parcial, do objeto do negócio, não pode deixar de relevar para a aferição do conhecimento da prejudicialidade dos atos resolvidos.
Se o nascimento do direito potestativo de resolução dos atos em benefício da massa insolvente depende dos referidos pressupostos legais, dir-se-á, de forma expedita, que o ónus da prova dos mencionados requisitos legais necessários àquele nascimento compete à massa insolvente[16], pois é esta entidade que invoca o direito potestativo extintivo a seu favor e que o pretende fazer valer em face da contraparte no negócio resolvido.
A questão que se pode colocar é a de saber se a circunstância da resolução ser declarada por via extrajudicial e de ser atacada por via de impugnação judicial altera os dados da questão.
A resposta à questão que se acaba de enunciar implica, antes de mais, que se qualifique juridicamente a ação de impugnação da resolução de acto em benefício da massa insolvente.
No seu figurino geral[17], a impugnação, como até o próprio nome indica, visará a negação dos factos invocados pelo Administrador da Insolvência para fundamentar a resolução que extrajudicialmente declarou. Neste circunstancialismo, parece que a qualificação azada a esta ação é a de mera apreciação negativa, na medida em que no referido figurino geral visará tão-só a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência (artigo 10º, nº 3, alínea a), do Código de Processo Civil).
Na ação de impugnação, o impugnante está apenas, de modo antecipado, a exercer o seu direito à contraprova (artigo 346º do Código Civil), alegando factos que constituem negação dos factos invocados como fundamento do direito de resolução exercido pelo administrador da insolvência ou, noutra vertente, articulando factos extintivos do mesmo direito de resolução.
No entanto, alguma jurisprudência[18] e pelo menos um autor[19], sustentam que cabe aos impugnantes a demonstração da inexistência de prejuízo para a massa insolvente e de má-fé da sua parte[20], olvidando-se quer a natureza da ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, quer ainda a natureza de simples contraprova das alegações de inexistência de prejudicialidade no acto resolvido[21] ou da má-fé por parte do terceiro interveniente no acto objeto de resolução, neste último caso sempre que o autor da resolução não beneficie de uma presunção legal juris tantum de má-fé.
Ora, a alegação de inexistência de prejuízo para a massa insolvente ou a inexistência de má-fé da contraparte no negócio objeto de resolução não constituem factos extintivos do direito de resolução, mas antes a impugnação dos factos invocados para fundamentar o exercício do direito de resolução pelo administrador da massa insolvente.
Só se pode falar de um facto extintivo de um direito quando previamente existem um ou vários factos constitutivos que originaram esse direito.
É manifesto que a alegação da inexistência de prejudicialidade ou de má-fé não constituem factos extintivos do direito de resolução, sendo antes a negação dos factos necessários ao nascimento do direito de resolução que por via extrajudicial foi exercido pelo administrador da insolvência.
A inexistência de prejudicialidade ou de má-fé alegadas pela impugnante, a provarem-se, não determinam a extinção de um direito potestativo, antes contendem com o nascimento desse direito, pois integram a negação dos factos constitutivos daquele direito.
Se o nascimento desse direito potestativo depende da prejudicialidade do acto e da má-fé do terceiro, a alegação da inexistência de prejudicialidade ou de má-fé não constituem qualquer facto impeditivo do nascimento do direito em apreço. É que em tal caso não se trata de defesa por exceção peremptória, mas antes e simplesmente de uma defesa por impugnação antecipada que pode ou não ser motivada[22].
Na verdade, tais alegações, ainda que envolvam a alegação de factos novos, o que sucede em regra na impugnação motivada, caso se provem, não obstam à produção ab initio dos efeitos jurídicos próprios do direito de resolução[23], antes contendem com o próprio nascimento do direito em apreço[24].
Assim, por tudo quanto precede, sustentamos que compete ao administrador da insolvência a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de resolução que exerceu, sem prejuízo do que decorre do princípio da aquisição processual (artigo 515º do Código de Processo Civil).
Vejamos então se no caso em análise se verificam quer a prejudicialidade, quer a má-fé que a recorrente nega existirem.
O arrendamento resolvido foi celebrado pelo prazo de dez anos[25], por isso, sujeito a registo predial (artigo 2º, nº 1, alínea m), do Código do Registo Predial) e teve como objeto as instalações onde a insolvente exercia a sua atividade.
As compras e vendas resolvidas tiveram como objeto bens integrantes do estabelecimento industrial da insolvente, mais concretamente dois veículos e cerca de quatrocentos a quatrocentos e dez bens móveis, correspondentes a máquinas e ferramentas.
A constituição de uma relação de arrendamento, por um prazo tão dilatado, contende com o valor do imóvel dado de arrendamento, que ainda que não deva tecnicamente ser qualificado como uma oneração, por não se tratar de um direito real, constitui uma vinculação que influi de modo decisivo na negociação do bem arrendado, tanto mais que não é um daqueles direitos que caduca por efeito da sua venda judicial (vejam-se os artigos 824º, nº 2 e 1057º, ambos do Código Civil).
Parece assim claro, tal como se concluiu na decisão recorrida que a constituição do arrendamento se repercutiu negativamente na garantia patrimonial dos restantes credores, reduzindo o valor do imóvel sobre o qual incide, pelo estado de vinculação prolongado que gerou.
A venda de um conjunto tão alargado de bens de equipamento da insolvente, com um valor apreciável, é claramente uma diminuição da garantia patrimonial dos restantes credores.
Os factos invocados pela recorrente para tentar demonstrar que nenhum dos atos resolvidos foi prejudicial à massa insolvente, independentemente do seu real e efetivo relevo para tal propósito, não estão provados (vejam-se os facto não provados) e dos que resultaram provados resulta claro que tais negócios constituíram um expediente para a recorrente se fazer pagar à margem dos procedimentos normais (vejam-se os factos provados em 3.1.13), com convenientes acertos de contas, sempre facilmente manipuláveis e de difícil controlo. Anote-se que mesmo com tão conveniente modalidade de liquidação da remuneração e do preço ajustado, nem assim a recorrente pagou sempre a renda devida, ou a totalidade do preço da compra e venda (vejam-se os factos provados em 3.1.11 e 3.1.12).
Assim, face a quanto antecede, conclui-se, tal como se concluiu na sentença recorrida, pela prejudicialidade dos atos resolvidos.
Curemos agora da análise da verificação da má-fé da recorrente.
Os atos resolvidos foram praticados pouco mais de dois meses antes da instauração do processo de insolvência, num contexto financeiro dramático para a insolvente (vejam-se os factos provados em 3.1.8). A recorrente tinha uma dívida à Segurança Social de meio milhão de euros, remontando o seu início a junho de 2003, além de outras dívidas que fizeram elevar o passivo da insolvente a cerca de dois milhões e meio de euros de capital (vejam-se os factos provados em 3.1.8 e 3.1.10).
Por força dos atos resolvidos, a insolvente ficou despojada das suas instalações e de parte substancial dos seus equipamentos. O despojamento da insolvente foi de tal ordem que continuou a laborar nas instalações “arrendadas” à recorrente e usando a maquinaria que foi vendida à recorrente (vejam-se os factos provados em 3.1.13).
O substrato pessoal das duas sociedades envolvidas nos atos resolvidos é em boa parte comum, havendo relações familiares entre sócios nas duas sociedades (vejam-se os factos provados em 3.1.4, 3.1.6 e 3.1.7).
No circunstancialismo que se acaba de recordar, não pode deixar de concluir-se, por presunção natural (artigo 349º do Código Civil), que a recorrente, por meio dos seus sócios e gerentes, não podia deixar de conhecer quer a prejudicialidade dos negócios jurídicos celebrados, quer a própria insolvência iminente da insolvente (artigo 120º, nº 5, alínea b), do CIRE).
Assim, conclui-se que, ao invés do que afirma a recorrente, baseada em factualidade que não está provada, que também se verifica a má-fé da recorrente, no momento da celebração dos negócios resolvidos.
Pelo exposto, improcede o recurso interposto por B…, Lda., devendo confirmar-se a sentença recorrida.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente, pois que decaiu integralmente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por B…, Lda. e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida em 14 de julho de 2016.
Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de dezoito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 07 de novembro de 2016
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
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[1] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 15 de julho de 2016.
[2] Em bom rigor não são oferecidas conclusões mas antes uma simples e quase integral repetição da motivação, por parágrafos identificados com letras. Não fora a certeza das delongas resultantes de um convite ao aperfeiçoamento das conclusões e a incerteza do resultado do convite e lançar-se-ia mão do disposto no nº 3, do artigo 639º do Código de Processo Civil.
[3] Abreviatura doravante usada para designar o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[4] A resolução contende com a eficácia do acto. Embora a resolução negocial seja equiparada nos seus efeitos à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (artigo 433º do Código Civil), do que se trata é da cessação, em regra retroativa, dos efeitos do negócio resolvido e não da invalidação do mesmo negócio por força da verificação de factos impeditivos da produção dos efeitos do negócio objeto de resolução. Como ensinava Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, 4ª reimpressão, Almedina 1974, página 411, na terminologia do Código Civil de Seabra “a nulidade é apenas a ineficácia que procede da falta ou irregularidade de qualquer dos elementos internos ou essenciais do negócio.” Sobre a mesma questão veja-se ainda Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida Editora 1967, F. Santoro- Passarelli, páginas 150 a 152 e 220.
[5] Trata-se de uma solução especial para tutela da generalidade dos credores do insolvente, porquanto, não fora a previsão constante do CIRE, de acordo com as regras gerais, na generalidade dos casos, a resolução negocial não seria legalmente viável (vejam-se os artigos 432º, 437º e 801º, nº 2, do Código Civil). É que, como ensina Pedro Romano Martinez in Da Cessação do Contrato, 2ª edição, Almedina 2006, página 67, a “resolução do contrato é um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral e encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei ou depende de convenção das partes.”
[6] Na redação da Lei nº 16/2012, de 20 de abril, aplicável a partir de 20 de maio de 2012, não sendo por isso aplicável aos factos objeto destes autos, por se terem verificado em data anterior à da vigência da citada alteração legislativa.
[7] A referência aos atos omitidos é incompreensível face à sua supressão na norma base do nº 1, como justamente referem Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina 2013, página 355, anotação 1.
[8] Em nossa opinião, este segmento da previsão não afasta o prazo geral de resolubilidade previsto no nº 1, do artigo 120º do CIRE, mas apenas os prazos que vêm previstos nas diversas alíneas do nº 1, do artigo 121º do CIRE.
[9] O CIRE define o que são pessoas especialmente relacionadas com o devedor no artigo 49º, do CIRE. Assim, são “havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa coletiva: a) Os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; b) As pessoas que, se for o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21º do Código dos Valores Mobiliários, em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; c) Os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; d) As pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no nº 1” (artigo 49º, nº 1, do CIRE). Importa ainda relembrar que o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 15/2014 concluiu que “Nos termos e para os efeitos dos artigos 120º, nº 4 e 49º, nºs 1 e 2, alíneas c) e d) do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, presume-se que age de má fé a sociedade anónima que adquire bens a uma sociedade por quotas declarada insolvente, sendo de considerar o sócio-gerente desta e seu filho, interveniente no negócio de aquisição como representante daquela, pessoas especialmente relacionadas com o devedor.
[10] O conhecimento do ato não se basta, em nosso entender, com o simples conhecimento da realização do ato cuja eficácia se pretende atacar mediante a resolução, mas requer também o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do ato em causa em benefício da massa insolvente. A não se fazer esta interpretação, poderia caducar o direito de resolução do ato sem que ainda se tivesse conhecimento do preenchimento dos pressupostos legais necessários para a resolução em benefício da massa insolvente.
[11] Críticos quanto à solução legal da restrição à invocação por via de exceção da resolução do acto prejudicial à massa insolvente, quando se trate de negócio ainda não cumprido, veja-se, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris 2015, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, página 511, anotação 5.
[12] Sobre a necessária aferição do direito de resolução exercido em função dos concretos fundamentos invocados e seu relevo para a delimitação da causa de pedir e dos limites objetivos do caso julgado, na doutrina, veja-se, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, João Baptista Machado, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.L. Teixeira Ribeiro, II Iuridica, Coimbra 1979, página 351 e nota 10; na jurisprudência vejam-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Mário Cruz, no processo nº 307/09.1YFLSB e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Junho de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador António Beça Pereira, no processo nº 4541/08.3TBLRA.C1, ambos acessíveis no site da DGSI.
[13] Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado na nota antecedente.
[14] No entanto, quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que a presunção legal conduz, apenas tendo que alegar e provar os factos integradores da presunção. No caso em apreço, isto significa que nos casos de prejudicialidade presumida, apenas será necessário alegar e provar os factos que a lei considera fazerem presumir juris et de jure aquela prejudicialidade.
[15] Vejam-se: Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, 2015, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, páginas 301 e 302, anotação 2; Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina 2013, Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões página 165, anotação 3.
[16] Neste sentido, quanto à prejudicialidade e à má-fé do terceiro veja-se, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina 2008, Fernando de Gravato Morais, páginas 54 e 69.
[17] De facto, a impugnação poderá não se cingir a este figurino geral, mas poderá também abarcar factos extintivos do direito de resolução exercido pelo administrador da insolvência, como seja, por exemplo, a caducidade desse direito potestativo por ter sido exercido para além dos seis meses em que foi conhecido o ato objecto da resolução, ou por terem decorrido mais de dois anos sobre a data da declaração da insolvência (artigo 123º, nº 1, do CIRE).
[18] Vejam-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 24 de Setembro de 2009, relatado pelo Sr. Desembargador António Valente, no processo nº 725/06.7TBTVD-I.L1-8 e de 09 de Março de 2010, relatado pelo Sr. Desembargador Pires Robalo, no processo nº 520/06.3TBLNH-F.L1-7, ambos acessíveis no site da DGSI.
[19] Veja-se, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina 2008, Fernando de Gravato Morais, página 167, que começa por referir, de forma correta, a nosso ver, que cabe ao impugnante o encargo de provar todos os factos extintivos do direito de resolução invocado, para depois afirmar, inexplicavelmente e em contradição com o que anteriormente afirmara na página 54, que compete ao impugnante a demonstração de que o ato não foi prejudicial à massa insolvente.
[20] No caso em apreço a impugnante estava onerada com a alegação e prova da inexistência de má-fé da sua parte, em virtude de sobre ela recair uma presunção legal juris tantum de má-fé.
[21] Esta qualificação pressupõe obviamente que a resolução impugnada não beneficia da presunção juris et de jure de prejudicialidade prevista no artigo 120º, nº 3, do CIRE.
[22] Sobre a distinção da defesa por impugnação da defesa por excepção, veja-se, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, Manuel A. Domingues de Andrade, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, páginas 127 a 132.
[23] Assim seria o caso se fosse invocada a falta de observância da forma legal na resolução declarada pelo administrador da insolvência.
[24] No sentido que nos parece correcto em termos de repartição do ónus da prova, veja-se, ainda que de forma assertiva, o acórdão do Tribunal de Guimarães de 05 de Novembro de 2009, relatado pela Sra. Desembargadora Conceição Bucho, no processo nº 5583/05.6TBBCL.G1, acessível no site da DGSI.
[25] Mas logo as partes acordaram antecipadamente pela renovação do arrendamento por mais dois períodos de cinco anos, pelo que a vigência inicial do contrato, face ao que foi acordado entre as partes, era na prática de vinte anos (veja-se o ponto 3.1.2 dos factos provados).