Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
19/15.7PHGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
PRISÃO POR DIAS LIVRES
Nº do Documento: RP2015091619/15.7PHGDM.P1
Data do Acordão: 09/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Numa situação de concorrência entre as penas de substituição dos artºs 45º e 58º CP, os critérios legais de adequação e suficiência, de acordo com as necessidades de prevenção especial positiva, impõem, face ao principio da proporcionalidade, que o tribunal escolha a pena de substituição menos grave.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo sumário 19/15.7PHGDM da Comarca do Porto Gondomar Instância Local Secção Criminal- Juiz 1

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – Artur Oliveira

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Foi o arguido B… condenado pela prática de um crime de condução sem de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º/1 e 2 do Decreto Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses prisão que se substituiu pela prestação de 240 horas de trabalho a favor da comunidade.

I. 2. Inconformado, com o assim decidido, recorreu o Magistrado do MP – pugnando pela revogação da sentença no segmento em que decretou a substituição da pena de 8 meses prisão pela prestação de 240 horas de trabalho a favor da comunidade, devendo, antes ser decretada a substituição por prisão por dias livres, traduzida no cumprimento de 48 períodos de prisão – apresentando as conclusões que se passam a transcrever:
1. a escolha e a graduação das penas faz-se atendendo aos critérios fornecidos pelos artigos 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal;
2. tratando-se de crime punível, em alternativa, com pena de prisão e pena de multa, impõe o artigo 70º do Código Penal a prevalência da medida não detentiva sempre que esta realize, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição, finalidades essas que dizem respeito à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, conforme se alcança da leitura do artigo 40º do Código Penal;
3. o arguido já sofreu cinco condenações pela prática da infracção criminal de condução de veículo sem habilitação legal, duas das quais em pena de prisão suspensa na sua execução, sendo que a última condenação sofrida pelo arguido pela prática de tal crime diz respeito ao ano de 2009, ou seja, a um passado que pode e deve considerar-se recente;
4. as cinco condenações sofridas pelo arguido impõem que se conclua que aquele não foi capaz de deixar de praticar factos de natureza criminal idênticos, incorrendo uma vez mais na prática da mesma infracção criminal, o que demonstra que as exigências de prevenção especial são altíssimas;
5. atenta a frequência com que crimes como o crime de condução de veículo sem habilitação legal são praticados na área de todas as comarcas do país, não se pode ignorar que, na situação vertente, as exigência de prevenção geral também se mostram muitíssimo elevadas;
6. só o cumprimento de uma pena privativa da liberdade terá o efeito necessário de fazer com que o arguido reflicta séria e conscientemente sobre as consequências que para si segura e certamente terá a persistência na prática da infracção criminal de condução de veículo sem habilitação legal;
7. conforme resulta expressamente do teor do artigo 58º, n.º 1 do Código Penal, “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substituía-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”;
8. considerando as necessidades de prevenção especial e geral sentidas na situação em apreço, não se pode, de forma alguma, considerar que a substituição da pena de prisão aplicada pela prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58º do Código Penal, satisfaz as finalidades da punição;
9. os juízos de prognose futura favorável que foram feitos em relação ao arguido no âmbito dos processos em que lhe foi aplicada pena de prisão suspensa na sua execução, com particular destaque para a última condenação sofrida em tal pena no âmbito do processo n.º 1053/09.1SJPRT, do 3.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, mostraram-se errados face ao cometimento por parte do arguido de novas infracções criminais de condução de veículo em estado de embriaguez;
10. a mera ameaça de cumprimento de prisão, bem como a solene advertência que resultava das cinco condenações pelo mesmo sofridas pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, não foi suficiente para impedir o arguido de voltar, uma vez mais, a incorrer na prática daquela infracção criminal, resultando claro que as cinco condenações sofridas pelo arguido pela prática desta infracção não contribuíram para que o mesmo tenha interiorizado o desvalor da sua conduta delituosa;
11. a substituição da pena de prisão aplicada ao condenado pela pena de prisão por dias livres, de acordo com o disposto no artigo 45º do Código Penal, pode realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, permitindo, também a necessária ressocialização do arguido, pena substitutiva que, atendendo à pena de prisão de 8 meses fixada, e com a qual se concorda, se cifrará no cumprimento de 48 períodos de prisão (cf. artigo 45º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal);
12. decidindo aplicar ao arguido a pena de 8 meses prisão substituída pela prestação de 240 horas de trabalho a favor da comunidade, violou o Tribunal a quo, na sentença ora posta em crise, o disposto nos artigos 40º, 58º e 70º, todos do Código Penal.

I. 3. Não foi apresentada resposta.

II. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, no seu parecer, defende, igualmente, o provimento do recurso.

Seguiram-se os vistos legais.
Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.

III. Fundamentação.

III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, a questão suscitada no presente é, tão só, a de saber se, se

ao aplicar ao arguido a pena de substituição de prestação de 240 horas de trabalho a favor da comunidade, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 40.°, 58.º e 70.° Código Penal e, se
então, a substituição da pena de 8 meses de prisão aplicada ao arguido, deve ser substituída, sim, por prisão por dias livres, que se cifrará no cumprimento de 48 períodos de prisão, nos termos do artigo 45.º/2 e 3 C Penal.

III. 2. Vamos começar por conferir, a matéria de facto definida pela decisão recorrida:

o arguido foi já julgado e condenado,
- pela prática, a 11.12.2002, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 2,00;
- pela prática, a 1.7.2002, de um crime de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5,00;
- pela prática, a 30.3.2005, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 2,00;
- pela prática, a 18.3.2008, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por um ano;
- pela prática, a 9.11.2009, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão, suspensa por 1 ano.

Não se poderá, ainda, ignorar que, no decurso da audiência de discussão e julgamento, o arguido referiu ter sido, no passado dia 17 de Fevereiro de 2015 (ou seja, menos de um mês antes da prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal pelo qual veio a ser condenado nestes autos, por factos praticados a 4 de Março de 2015), interceptado pelas autoridades policiais a conduzir um veículo, novamente sem habilitação legal, situação que gerou o processo nº. 57/15.0PDMAI, que correu os seus termos na Instância Local Criminal de Valongo- J2, tendo ali sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, muito embora a sentença condenatória ainda não tenha transitado em julgado.

III. 3. Vejamos, então.

III. 3. 1. Fundamentos do recurso.

Recorre o MP pretendendo, a revogação da decisão no segmento em que decretou a substituição da pena de 8 meses de prisão por trabalho a favor da comunidade pugnando que, deve, antes, ser operada a sua substituição por prisão por dias livres, defendendo que,
o arguido já sofreu cinco condenações pela prática da infracção criminal de condução de veículo sem habilitação legal, duas das quais em pena de prisão suspensa na sua execução, sendo que a última condenação sofrida pelo arguido pela prática de tal crime diz respeito ao ano de 2009, ou seja, a um passado que pode e deve considerar-se recente;
estas condenações impõem que se conclua que o arguido não foi capaz de deixar de praticar factos de natureza criminal idênticos, incorrendo uma vez mais na prática da mesma infracção criminal, o que demonstra que as exigências de prevenção especial são altíssimas;
adicionalmente, atenta a frequência com que crimes como aquele que se encontra em causa nos autos são praticados na área de todas as comarcas do país, não se pode ignorar que, na situação vertente, as exigências de prevenção geral também se mostram muitíssimo elevadas;
donde, além da pena de multa não assegurar de forma eficiente as finalidades da punição na situação em apreço, também o não fará qualquer outra pena substitutiva que não seja detentiva da liberdade, impondo-se com grande premência a aplicação ao arguido de uma pena com força suficiente para o afastar da prática de novos crimes;
não se pode, de forma alguma, considerar que a substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade satisfaça as finalidades da punição;
de facto, os juízos de prognose futura favorável que foram feitos em relação ao arguido no âmbito dos processos em que lhe foi aplicada pena de prisão suspensa na sua execução, com particular destaque para a última condenação, mostraram-se errados face ao cometimento, posterior, por parte do arguido de novas infracções criminais da mesma natureza;
por outras palavras, a mera ameaça de cumprimento de prisão, bem como a solene advertência que resultava das cinco condenações pelo mesmo sofridas pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, não foram suficiente para impedir o arguido de voltar, uma vez mais, a incorrer na prática daquela infracção criminal, resultando assim claro que as cinco condenações sofridas pelo arguido pela prática desta infracção não contribuíram para que o mesmo tenha interiorizado o desvalor da sua conduta delituosa;
assim, tendo-se gorado em absoluto os juízos de prognose futura favorável efectuados e mostrando-se que o arguido se revelou absolutamente indiferente à mera ameaça de cumprimento de pena de prisão, não se vê como pode uma pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade ter a virtualidade de satisfazer as finalidades da punição sentidas na situação em apreço;
só o cumprimento de uma pena privativa da liberdade terá o efeito necessário de fazer com que o arguido reflicta séria e conscientemente sobre as consequências que para si segura e certamente terá a persistência na prática da infracção criminal de condução de veículo sem habilitação legal;
efeito, que contudo, poderá, da mesma forma, ser atingido com a substituição da pena de prisão por prisão por dias livres, que poderá realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, permitindo, também, a necessária ressocialização do arguido, já que não se deve ignorar a sua aparente integração social e familiar.

III. 3. 2. Apreciando.

III. 3. 2. 1. As finalidades da punição, cujo respeito a lei exige, “(…) são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral e não finalidades de compensação de culpa, que justificam e impõem, a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A medida da pena há-de ser dada pela tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz nas expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada”.
“A culpa, cuja função em todo o processo de determinação da pena, consiste em estabelecer o limite inultrapassável do quantum da pena, artigo 40º/2, nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena, exercício, este, que antecede, aquele.
A função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão – necessária como pressuposto da substituição – quer da pena alternativa ou de substituição: ela é eminentemente estranha, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.
Afastada a relevância da culpa no problema da escolha da pena, importa, então determinar como se comportam, neste âmbito, as exigências de prevenção geral e de prevenção especial.
É inteiramente distinta a função que umas e outras exercem neste contexto.
A prevalência deve ser concedida a considerações de prevenção especial de socialização, por serem elas que justificam, sobretudo, numa perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Prevalência a 2 níveis diversos:
em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição, quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização necessária, ou em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração;
em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição, designadamente a suspensão da execução da pena de prisão, são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita.
As considerações de prevenção geral surgem, unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização.
O que quer dizer que, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada”[1].
Determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta. Só caso a caso se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas, pelo que competirá em última instância aos tribunais a selecção rigorosa e, sempre fundamentada, dos delinquentes que hão-de ser sujeitos a umas e a outras[2].
Com a determinação de que sejam tomadas em consideração as exigências de prevenção geral, procura dar-se satisfação à necessidade da comunidade, de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos e com o recurso à vertente da prevenção especial, procura satisfazer-se as exigências de socialização do agente com vista à sua integração na comunidade.

III. 3. 2. 2. No caso concreto, estará afastada a possibilidade de opção, ao abrigo do disposto no artigo 70º C Penal, por pena não detentiva, pois que desde logo, o recorrente – apesar de invocar a violação de tal norma legal, o certo é que concorda expressamente com a opção pela pena detentiva em detrimento da não detentiva.
O que nos remete, então, para a questão das penas de substituição, matéria estranha ao artigo 70º C Penal, que trata das penas alternativas – questão que se coloca, em termos cronológicos, primeiramente que aquela, de resto.
Grosseiro, pois, é o equívoco do recorrente.
Com efeito, a violação do artigo 70º C Penal apenas pode surgir se o tribunal na alternativa entre uma pena detentiva e outra não detentiva, não der preferência a esta, desde que seja adequada e suficiente a realizar as finalidades da punição.
E já não, como pretende o recorrente, se optando pela pena privativa da liberdade, a vier – depois - a substituir pela PTFC e, não como defense, por prisão por dias livres.
Donde não se mostra violado, o artigo 70º C Penal.

Vejamos agora se se verificam os pressupostos de que depende a substituição da pena de 8 meses de prisão – já não pela PTFC, mas – pela prisão por dias livres – como pretende o recorrente.

Isto é, estamos, aqui perante a questão de saber se existe ordem ou preferência, a que o tribunal deva obediência, aquando da ponderação da substituição de uma pena de prisão.

III. 3. 2. 3. O actual regime legal das penas de substituição.

Como é sabido, no tocante às penas de prisão não superiores a 1 ano, a substituição só deverá ser afastada quando a execução da prisão se mostre necessária face às exigências de prevenção especial de socialização, cabendo, ao julgador optar pela pena de substituição que julgue mais adequada à realização, no caso, das finalidades preventivas da punição ou que mais se aproxime dessa realização, tendo em vista os critérios legalmente estabelecidos para cada pena.
Com a reforma operada em 2007 ao C Penal, o legislador manteve e desenvolveu estes princípios e opções fundamentais da política criminal, reforçando a preferência por pena não privativa da liberdade na punição da pequena e média criminalidade, donde resulta, de forma inequívoca:
a restrição do âmbito e frequência de aplicação das medidas privativas da liberdade;
o aumento da previsão e do âmbito de aplicação das penas não detentivas;
a limitação do efeito estigmatizante e criminógeno, das reacções criminais, sem frustrar as expectativas sociais que subjazem às norma violadas.
Como penas de substituição - entendidas como aquelas que podem substituir qualquer um das penas principais concretamente determinadas, de prisão ou de multa - que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal, surgem, hoje, as penas de substituição em sentido próprio ou estrito não detentivas - e a penas de substituição em sentido impróprio ou amplo detentivas, por cumpridas com privação, restrição da liberdade.
Dentro daquela 1ª espécie surgem a multa de substituição; a pena de proibição do exercício de profissão, função ou actividade; a prestação de trabalho a favor da comunidade; a suspensão da execução da pena e a admoestação.
Na 2ª categoria, enquadram-se, o regime de permanência na habitação, a prisão por dias livres e a semidetenção.
Uma das questões mais importantes no âmbito das penas substituição, é a do critério, ou critérios, que devem presidir à escolha entre prisão e uma pena de substituição.
Esta decisão deve ser tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção.
Se é certo que o legislador não hierarquiza entre si, cada uma das diversas penas de substituição, atentas a finalidades da punição, contidas nos artigos 40º e 42º C Penal, será em função do critério legal da adequação e suficiência, de acordo com as necessidades de prevenção especial positiva presentes em cada caso, que o tribunal deve escolher entre elas, sem esquecer que de acordo com o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18º/1 da CRP a suficiência significará que se deve optar pela pena de substituição menos grave.
A única gradação expressamente assumida pelo legislador, é feita em função da medida da pena a substituir:
Assim:
a admoestação pode ser aplicada em substituição de penas de multa não superior a 240 dias;
quer a multa, quer o regime de permanência na habitação, (podendo o limite ser elevado para 2 anos, excepcionalmente dependente de circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado), a prisão por dias livres, o regime de semidetenção, podem ser aplicadas em substituição de penas de prisão não superiores a 1 ano;
por seu lado,
a prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser aplicada em substituição de penas de prisão não superiores a 2 anos;
a proibição do exercício de profissão, função ou actividade, pelo período de 2 a 5 anos, pode ser aplicada, em substituição de penas de prisão não superior a 3 anos e,
finalmente a suspensão da execução da pena pode ser aplicada em substituição de penas de prisão não superiores a 5 anos.

De qualquer forma, o legislador, de forma clara e inequívoca, fornece a indicação, cfr. artigo 43º/1 C Penal, de que pretende se dê primazia a que a pena de prisão - de medida não superior a 1 ano a aplicada no caso concreto, seja substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, ao caso, ié, por uma das referidas penas de substituição em sentido próprio ou estrito.
Donde ficam de fora, numa 1ª abordagem da questão - apenas se aplicando subsidiariamente, se a previsão desta norma, se não adequar ao caso concreto as penas de substituição detentivas, em sentido impróprio ou amplo: o regime de permanência na habitação, artigo 44º; a prisão por dias livres, artigo 45º e o regime de semidetenção, artigo 46º, todos do C Penal.
E dentro desta última categoria, o legislador pretende que a opção se faça primeiramente entre a prisão por dias livres e a semidetenção, já no confronto com o regime de permanência na habitação que carece de consentimento do arguido deve-se dar preferência ao meio não prisional, cfr. nº. 1 dos artigos 45º e 46º C Penal.

III. 3. 2. 4. A pena de substituição aplicada na decisão recorrida.
Nos termos do artigo 58º/1 C Penal, na redacção dada pela reforma operada com Lei 59/2007 de 4SET, “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 2 anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição”.
Já no longínquo, início da vigência deste C Penal, quando o limite da pena, pressuposto, para aplicação desta norma, era então de 3 meses, se decidiu no Ac. RE de 24.5.83, in CJ, III, 337, que “a pena de trabalho a favor da comunidade só deve ser aplicada, não só quando estiverem criadas as necessárias condições externas de apoio social ao infractor, como quando este não revele ter, pelo seu comportamento anterior recidivo e pelas manifestações anti-sociais da sua conduta actual, uma nítida falta de preparação da sua personalidade para se comportar licitamente”.
Considerações, que ao fim de mais de 20 anos, se mantém perfeitamente actuais.
“Pressuposto material de aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é, que ela se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição, que ela se revele, susceptível de, no caso, facilitar e, no limite, alcançar, a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico. A prestação de trabalho a favor da comunidade deverá ter lugar, desde que verificados os pressupostos formais da sai aplicação, sempre que se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição, às finalidades de prevenção de socialização, posto que a ela se não oponham razões de salvaguarda do mínimo de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico.
Sempre que o Tribunal tiver à sua disposição, no caso concreto, várias penas de substituição, trabalho a favor da comunidade, multa, admoestação, suspensão da execução da pena de prisão, designadamente, deverá escolher a primeira sempre que ela se revele preferível do ponto de vista da socialização e ainda compatível com a tutela do ordenamento jurídico”, Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Notícias Editorial, Lisboa, 1993, 378.

Sem dúvida que no confronto entre por um lado a pena de substituição aplicada – trabalho a favor da comunidade - e, por outro aquela por cuja aplicação o MP pugna – prisão por dias livres - se deve dar preferência àquela.
Da mesma forma, que entre a suspensão da execução da pena de prisão e a PTFC se deve dar preferência a esta última - sendo no entanto, comum que os arguidos interiorizem ser-lhes mais favorável a aplicação da suspensão da execução da pena – mesmo em relação à pena de multa - sendo, por isso, a pena de substituição, por cuja aplicação pugnam, invariavelmente, em primeira linha, em sede de recurso.
A questão reside agora em saber se no caso concreto a aplicação de uma pena de substituição em sentido próprio se basta ou se é necessário recorrer a uma pena de substituição em sentido impróprio, como forma de se tentar atingir as finalidades da punição.
Não vem colocado em causa que a substituição deva ser afastada. O que aconteceria se se concluísse que a execução da prisão se mostrava necessária, em face, desde logo, das exigências de prevenção especial de socialização.
Assim a questão centra-se, tão só – e já não será pouco – em saber qual a pena de substituição que no caso concreto será mais adequada à realização das finalidades preventivas da punição - ou que mais se aproxime dessa realização - tendo em vista os critérios legalmente estabelecidos para cada pena.

III. 3. 2. 6. Donde, se em abstracto, numa situação de concorrência ou de concurso, entre as penas de substituição dos artigos 45.º e 58.º C Penal e, tendo presente que nos termos dos artigos 40ºe 42º C Penal, a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que a sua execução, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, se deve orientar no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, será em função do critério legal da adequação e suficiência, de acordo com as necessidades de prevenção especial positiva, presentes no caso concreto, que o tribunal deve escolher entre elas - sem esquecer que de acordo com o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18º/1 da CRP a suficiência significará que se deve optar pela pena de substituição menos grave.
Assim, haverá que apreciar se no caso, a prestação de trabalho a favor da comunidade, aplicada na decisão recorrida, é de molde a satisfazer de forma suficiente e adequada as finalidades da punição.
Será que a PTFC terá a virtualidade de, de forma suficiente e adequada, contribuir para fazer o arguido inflectir no seu padronizado comportamento ilícito, assumido desde há cerca de 13 anos?
Se se concluir afirmativamente, será ela que se aplicará, por prevalecer em relação à de prisão por dias livres e, se se concluir, negativamente, passar-se-á a fazer igual apreciação em relação à segunda, que se aplicará, se o juízo for afirmativo.
Não olvidemos que nem a suspensão da execução da pena de prisão, aplicada por 2 vezes, com base num necessário juízo de prognose favorável, teve força dissuasora suficiente para o inibir de voltar a delinquir.
Como vimos, para o trabalho a favor da comunidade, importam considerações, exclusivas, de prevenção geral e especial, cfr. artigos 40.º/1 e 58º/1C Penal.
O arguido integrado em termos familiares e sócio-profissionais, vem condenado, agora pela 6.ª vez, tanto quanto consta do crc - em relação a decisões, naturalmente, transitadas em julgado – desde o ano de 2002, sempre pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.
Foi assim, já condenado, em penas de multa, as 3 primeiras vezes e, e em pena de prisão cuja execução foi suspensa, nas 2 derradeiras ocasiões.
Penas que, o arguido ignorou por completo e que não foram de molde a evitar praticar os factos deste processo – e, já agora os de um outro, cerca de 1 mês antes, não tendo ainda transitado em julgado a condenação - a permitir, a exigir, a conclusão de que as anteriores condenações não foram adequadas a afastá-lo da criminalidade, a reclamar por isso, especiais necessidades no plano da prevenção especial, mas também, da prevenção geral.
“Deste ponto de vista, o que interessará é considerar a personalidade consoante ela se apresente mais ou menos respeitadora das normas jurídico-penais, sendo certo que o abalo sofrido na confiança comunitária na validade das referidas normas e as necessidades de estabilização da confiança nessa validade serão avaliadas (…) consoante aquela personalidade é captada positiva, negativa ou indiferentemente pela comunidade, tendo em vista o que ela representa quanto ao respeito pelas normas jurídico-penais”. [3]
Ora a personalidade do arguido manifestada numa já não desprezível, se bem que, homogénea, actividade criminosa, não pode deixar de ser captada pela sociedade de uma forma negativa.
Por isso, a justificar acrescidas cautelas e cuidados, em sede de substituição da pena de prisão, de forma a evitar perniciosos sentimentos de insegurança, derivados da possibilidade de aquela substituição se traduzir numa incompreensível indulgência, afectando a confiança da comunidade na validade do direito e na administração da Justiça.
Além da circunstâncias das apontadas condenações, temos que,
o arguido vem condenado por um crime de perigo abstracto, sem que conste que em concreto haja resultado qualquer dano ou sequer concreto perigo de lesão, de bens jurídicos que a incriminação vise acautela e,
é casado; vive em casa própria; paga cerca de € 400,00 por mês de amortização de crédito de aquisição de máquinas para a actividade de alfaiate e confecções que exerce por conta própria; retira em média € 700,00 da sua actividade. A esposa é doméstica e tem o 4º ano de escolaridade.

O indesmentível valor do trabalho a favor da comunidade, no quadro das penas de substituição, está ligado, por um lado, à perda de uma parte substancial dos tempos livres do agente e, por outro e, essencialmente, ao conteúdo socialmente positivo derivado da prestação activa, voluntária e altruísta, a favor da sociedade, estruturalmente ligado, ao estímulo pela criação/sedimentação de hábitos de trabalho.
Esta pena estará, assim, mais ligada, vocacionalmente, para a pequena criminalidade, no âmbito de crimes de dano e de resultado, mormente, atentados contra o património e contra as pessoas, em que concretas necessidades de prevenção especial positiva apontem para a adequação de medidas que exijam a participação do agente sob a forma de prestação de trabalho, desde logo, assumindo como resposta e contrapartida, à recomposição dos interesses e direitos lesados.
Donde, no caso concreto – alguém, que pela 6.ª vez é condenado pela prática do crime de condução sem habilitação legal - a inerente realização da finalidade de prevenção de socialização não merecerá particular enfoque, em sede de participação activa na vida da comunidade, através da prestação de trabalho - mormente, por parte de quem, exerce a actividade profissional de alfaiate por conta própria.
O arguido vem-se encarregando de demonstrar, o que é ilustrado pelo seu crc., que os sucessivos juízos de prognose favorável que vêm sendo efectuados ao longo dos últimos 13 anos, estão errados, fazendo evidenciar que nada fez por merecer os votos de confiança que nele foram sendo depositados.

Afastada fica assim a pertinência ao caso concreto da pena de trabalho a favor da comunidade, que manifesta e decisivamente não tem a virtualidade de acautelar, nem de forma suficiente, nem adequada, a satisfação das necessidades, prementes, de prevenção especial de socialização, nem as de prevenção geral.

Nada nos autos existe, nenhum sinal foi dado, que nos permita acreditar que a PTFC seja suficiente para contribuir para que o arguido se predisponha a mudar de comportamento, no que ao caso interessa, a abandonar o hábito, já sedimentado, já, por si interiorizado, de conduzir, mesmo sem para tal estar habilitado, assumindo o risco e o preço que por tal facto tem que pagar e, que até ao presente é o de ir de pena de substituição em pena de substituição.
A metódica persistência da sua actuação criminosa com maior vigor e, tendencialmente com maior grau de eficácia terá que ser combatida, por forma a serem satisfeitos os apontados fins das penas.
E, por aqui somos chegados à prisão por dias livres – cujo acento tónico, se centrará na advertência, na chamada de atenção do arguido, para o episódico e intermitente contacto com o meio prisional, por isso ainda assim, a permitir a manutenção, sem quebra com significado, dos laços da sua aparente integração familiar e social – que terá maior virtualidade e potencialidade a atingir uma necessária reformulação de critérios de vontade de teor negativo, por parte do arguido, renegando a prática de actos ilícitos desta natureza e de, assim realizar, de forma adequada e suficiente uma clara e eficaz sensibilização para a problemática envolvente à sua apontada personalidade e de combate às causas que estão na origem deste tipo de criminalidade.

Uma pena de substituição - porventura numa derradeira ocasião – desta natureza e com as estas características, é susceptível de promover uma reflexão crítica deste seu arreigado, persistente, inusitado e assustador - pela frequência - comportamento desviante e, da mesma forma, uma alteração do seu padrão comportamental, neste segmento, ainda assim, sem o conhecido efeito criminógeno das curtas penas de prisão de execução contínua.

Assim, perante o exposto, há que concluir por que o recurso merece provimento.
Assim, nos termos do disposto no artigo 45.º C Penal,
n.º 2. a prisão por dias livres consiste na privação da liberdade por períodos correspondentes a fins de semana, não podendo exceder 72 períodos;
n.º 3. cada período tem a duração mínima de 36 horas e a máxima de 48, equivalendo a 5 dias de prisão contínua.
Donde, no caso, considerando a pena de prisão de 8 meses de prisão, que correspondem a 240 dias, a pena de prisão por dias livres será de 48 períodos.
Fixa-se o seu início aos sábados pelas 9 horas e o fim aos domingos pelas 21 horas.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso interposto pelo Magistrado do MP, decretando-se a substituição da pena de prisão de 8 meses, por prisão por dias livres, no equivalente a 48 períodos, com início pelas 9 horas de sábado e fim pelas 21 horas de domingo.

Sem tributação.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2015.setembro.16
Ernesto Nascimento
Artur Oliveira
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[1] Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 227 e ss.
[2] Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, in Jornadas de Direito Criminal, 237
[3] Cfr. Prof. Anabela Rodrigues, in A Determinação da medida da pena privativa da liberdade, 674.