Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
24579/16.6T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
INOMINADO
REQUISITOS
PRESTAÇÃO COMPLEMENTAR
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
PREJUÍZO GRAVE
Nº do Documento: RP2018022124579/16.6T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO - 2ª
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º270, FLS.84-100)
Área Temática: .
Sumário: I - Constituem requisitos, de verificação cumulativa, das providências cautelares inominadas, os seguintes: (i) o fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação ao direito do requerente; (ii) a probabilidade séria da existência do direito ameaçado e (iii) a adequação da providência solicitada para evitar a lesão.
II - O complemento de 47% do salário, pago ao trabalhador pelo empregador, mensal e ininterruptamente, durante 23 anos e 6 meses, tem natureza retributiva.
III - A retirada unilateral, pelo empregador, do complemento de 47% do salário, decorrido o tempo referido em II., viola o princípio da irredutibilidade da retribuição, constituindo prejuízo grave para o trabalhador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 24579/2016.6T8PRT-A.P1
Origem: Comarca do Porto Porto Juízo Trabalho J3
Relator - Domingos Morais – registo 658
Adjuntos – Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
IRelatório
1. – B… instaurou procedimento cautelar, não especificado, na Comarca do Porto-Porto-Juízo Trabalho-J3, nos termos do artigo 362.º do CPC e do artigo 32.º, do Código do Trabalho, contra Banco C.., S.A., alegando, em síntese, que:
- Foi admitido ao serviço da ré, em 01 de Fevereiro de 1992, mediante uma retribuição mensal efectiva, constituída pelas rubricas seguintes: a) Vencimento base - Nível 4 (Esc. 80.050$00\ €399,29); b) Complemento de 47%, sob a rubrica de IHT (Esc. 37.623$00\€187,66); c) Subsídio de função (Esc. 2.237$00\ €11,61);
- Em Julho de 2015 o Requerente, colocado na Direcção de Recuperação de Baixos Montantes, auferia a remuneração global efectiva seguinte: a) Vencimento base (nível 13) - €2.227,06; b) IHT (46,5%) - €1.131.12; c) Complemento venc. (0,5%) - €48,51; d) Diuturnidades – 205,45.
- Essa remuneração viria a sofrer uma redução, unilateral (e ilegal), por iniciativa do Requerido com efeitos a partir de Julho de 2015, de 46,5%.
Termina, pedindo:
Termos em que deverá V. Exª. d. e a., julgar provado, por procedente o presente pedido, e, consequentemente, se digne decretar a presente providência, Condenando o Requerido Banco a proceder ao
a) Pagamento ao Requerente, com efeitos imediatos e com retroactividade a 1.7.2015, da verba mensal de €1.131,12, que perfaz já o montante de €15.859,68, devida a título de isenção de horário integrada na rubrica complemento previsto no contrato individual de trabalho;
Assim se não entendendo,
b) Pagamento ao Requerente, da verba de €1.131.12 a título de vencimento complementar, também com efeitos retroactivos a 1 de Julho de 2015, devido nos termos das cl. 1ª do seu CIT;
Sem prescindir
Condenar o Requerido a pagar ao Requerente juros à taxa legal, vencidos sobre as quantias em devidas, desde as datas dos respectivos incumprimentos, até à data do seu efectivo pagamento, contado sobre o valor de €1.13,12/mês, em valor que se computa, por ora, não inferior a €636,00, nesta data.
Ainda sem prescindir,
Requer-se ainda que o Banco Requerido sendo condenado ao pagamento do ora reclamado, e, por cada dia de atraso em fazê-lo, seja condenado no pagamento d numa cominação a aplicar por V. Exª. mas que não deverá ser inferior a €131,00 por cada dia de atraso no cumprimento da sentença e sem prejuízo de serem assacados outros danos em sede própria devidos pelo atraso no cumprimento.
Finalmente, requer-se a V. Exª. que advirta sob cominação legal o C… de que o incumprimento da sentença proferida a favor do Requerente, configurará crime de desobediência com as cominações legais.”.
2. – O Banco requerido deduziu oposição, alegando, em síntese, que “O Requerente carece de razão quer nos pressupostos necessários ao recurso processual de uma providência cautelar, quer substantivamente, por falta da existência do direito de que o Requerente alega ser titular.”.
3. - Realizada a audiência final, o Mmo Juiz proferiu decisão:
“Nestes termos, julgo a presente providência cautelar totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Condeno a Requerida a pagar ao Requerente, desde 1 de julho de 2015 e de hoje em diante, a quantia mensal de €1.131,12 (mil cento e trinta e um euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efetivo e integral pagamento;
b) Fixo à Requerida, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação aludida em a), a quantia peticionada de €131 (cento e trinta e um euros);
c) Indefiro a Requerida inversão do contencioso;
d) Condeno a Requerida nas custas, a atender na ação principal.”.
4. – O Banco requerido, inconformado, interpôs recurso de apelação, concluindo:
“1. No aresto recorrido julgou-se a providência cautelar procedente por se ter entendido que a remuneração paga ao Requerente a título de isenção de horário de trabalho não lhe poderia ser retirada,
2. Uma vez que a mesma, no entender do Julgador, integrava o núcleo remuneratório sujeito ao principio da irredutibilidade da retribuição,
3. E a retirada de tal parcela remuneratória colocou o Requerente da providência e sua família, numa posição económica difícil,
4. O que foi entendido como fundamento e integrador dos requisitos legalmente consignados para recurso a um procedimento cautelar.
5. É contra esta Fundamentação, e decisão, que o Recorrente, e Requerido, se insurge, por crer que a parcela remuneratória paga a título de isenção de horário de trabalho não integra o núcleo retributivo sujeito à irredutibilidade,
6. Não existindo o direito alegado àquela retribuição fora do contexto de maior esforço prestado que a justifica.
7. Nem que à sua retirada possa ser imputável o prejuízo grave invocado pelo Recorrido.
8. Com efeito, o Requerente celebrou com o Requerido um contrato de trabalho que se regeu até 1.7.2015 por um regime de isenção de horário de trabalho.
9. Que esse regime foi acordado antes mesmo da formação do contrato de trabalhos e que se manteve vigentes através do maior esforço pedido ao Requerente, e do pagamento da correspondente retribuição,
10. E posteriormente ratificado, ratificação feita através de acordos de instituição de isenção de horário de trabalho (cfr. docs, 3. 4 e 5 juntos com a contestação) que sempre teriam a virtualidade de, como se refere nos arestos juntos aos autos, caracterizar de então em diante a relação laboral como sendo de isenção de horário de trabalho.
11. O Requerente sempre disso teve perceção, e declarou a sua concordância quer na formação do contrato, quer em posteriores acordos de ratificação dessa dimensão jurídica do contrato (cfr. docs, 3,4 e 5 juntos com a contestação, e que a inteligiu sempre como uma parcela da sua retribuição suscetível de ser retirada aquando do término da maior penosidade emergente da vivência da relação laboral nesse regime.
12. Por outro lado, e resumidamente não se verificam os pressupostos de uma providência cautelar porque o direito alegado pelo Requerente não existe, como não existem prejuízos graves ou de difícil reparação, quer por que os prejuízos decorrentes da retirada de uma parcela retributiva, sem conceder a ilicitude, sempre estariam circunscritos ao valor da mesma, sobe pena de não se cumprirem o parâmetros jurídicos da causalidade adequada, e nos lançarmos na especulação de danos,
13. Mas também por que mesmo que assim não fosse, o Requerente não só tem como fonte de rendimento outros meios para além da sua retribuição, designadamente o arrendamento de um (T2)T3 em Matosinhos, como se os conjugasse com as prerrogativas legais de que dispõe, poderia reduzir os encargos imediatos com habitação a um valor muito inferior ao valor líquido da retribuição de isenção de horário de trabalho, sendo que esse valor - 190.14 euros - poderia o Requerente obter facilmente com o arrendamento do imóvel de que é proprietário em Matosinhos.
14. Ou seja, o Requerente quer com o recurso à exceção de não cumprimento, quer com recurso ao direito que tem adveniente do artigo 279° do CT. Conjugados com o direito ao arrendamento do imóvel sua propriedade poderia evitar qualquer dos prejuízos que alega, e porventura até melhorara situação financeira anterior, sem conceder que o Requerido seja o seu causador.
15. Não há pois qualquer direito, nem qualquer prejuízo, ou prejuízo grave, e muito menos de difícil reparação.
16. Não estão pois preenchidos os pressupostos da providência cautelar, razão pela qual deverá a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por que julgue improcedente a providência cautelar deduzida contra o Requerido.
17. Desta sorte o aresto em crise violou o disposto na cláusula 55° n.º 4 do ACT aplicável, e no artigo 218° do Código do Trabalho.
18. Acresce ainda que se do ponto vista jurídico e face à configuração da matéria provada, existe já razão suficiente para se requerer a revisão da decisão recorrida,
19. Contudo tal ganha vinco se for alterada a matéria provada, o que no entender do Recorrente deve ser feito nos termos supra alegados, constitui também fundamento de recorribilidade, e que em síntese se conclui da seguinte forma:
20. DA REVISÃO DA MATERIA DE FACTO
21. Devem ser levados à matéria assente factos que não constam nem desta nem da matéria não provada, e que são:
22. Os alegados nos artigos 68 e 69 da oposição por imposição do documento n.° 1 junto com esta.
“68.º - O Requerido no âmbito das negociações ocorridas dirigiu ao Requerente uma missiva, doc. 1 no qual se propunha contratá-lo entre outras, com as seguintes condições:
“Classificação na categoria profissional correspondente ao Grupo 1, com o Nível 04 do A.C.T.V. do Sector Bancário, sentiu a respetiva remuneração acrescida de 30%, a título de isenção de horário de trabalho e de subsídio de dedicação exclusiva”.
69° - ‘Posteriormente aquando da passagem do seu contrato de trabalho a termo para contrato de trabalho sem termo, o Requerido viu essa percentagem sobre o nível 4 dos empregados bancários, aumentar para 47 %, conforme consta do contrato de trabalho, cfr. doc. 1 junto com a d.p.i..
23.0 alegado pelo Requerido no artigo 11 da oposição que tem a seguinte redação:
“Salvas raras exceções, nunca por tais trabalhadores, muitos já não ao serviço do Requerido, foi questionada a abolição desse regime.” Ampliando-se para o efeito o facto 24, que deverá passar a ter a seguinte redacção: “Aquando da outorgo do acordo referido em 3., a Requerida estava a iniciar a atividade e necessitava de incrementar a sua penetração no mercado, tendo para o efeito recorrido à contratação de milhares de trabalhadores, em condições análogas às do Requerente, e aos quais, por vicissitudes atinentes ao poder de direção e a regras e iniciativas de gestão dos seus recursos humanos, retirou ao longo dos anos o regime de isenção de horário de trabalho e, consequentemente, a respetiva retribuição, por não necessitar mais de fizer face ao esforço acrescido que o justificava, e salvas raras exceções, nunca por tais trabalhadores, muitos já não ao serviço do Requerido, foi questionada a abolição desse regime.
24. E tal sucede por que a testemunha D… o referiu assertivamente no seu depoimento, cfr. gravação 11 - Proc. 17958-16 OT8PRT-…. [localização: 0:02:40.11] a [localização: 0:04:41.8], que não foi posto em causa por qualquer outra testemunha ou meio de prova.
25. Devem ser levados à matéria assente os seguintes factos da matéria considerada não provada: “(..)d,) A percentagem referenciada em 5. haja sido fixada e atribuída, total ou parcialmente, a título de isenção de horário; e) O regime de isenção de horário de trabalho tenha sido, quanto ao acordo referenciado em 3., acordado pelas em momento prévio à celebração daquele; f) O Requerente soubesse, desde o início, que a isenção de horário de trabalho se aplicava à relação laboral em apreço e que se regeria por o que a lei e o ACT sobre a mesma estipulasse em cada momento,’(..)
26. E tal deve suceder quer por tal resulta inequívoco por um lado da conjugação dos factos provados 5. 6 e 8. de onde resulta não existir espaço aritmético para que assim não seja, e por outro Indo, por que são absolutamente inequívocas as palavras da testemunha D…, vide gravação 09 Proc 17958-16-OT8PRT …., localizável entre 0:06:19.0 com as intermitências supra assinaladas até 0:15:21
27. Continuando a testemunha a explicar, a agora na gravação 11-Proc. 17958-16-OT8PRT, …., também de 14. 10.2016. com as localizações temporais inseridas na transcrição que se segue com a localização 0:02:40.1 a 1:12:29.6 com os intervalos supra assinaladas na transcrição.
28. E ainda por que o Requerente o alega nos artigos 44 a 49 da d.p.i. onde refere expressamente que: “44,) Por carta de 9/4/ 2015, o C… comunicou Requerente que lhe ia retirar, com efeitos a 1/7/2015, a verba paga sobre a rúbrica de IHT- vd. Doc. 6 45) Verba essa que ascendia ao valor mensal de €1.131, 12 e fazia – e faz — parte integrante da remuneração devida e acordada com O Requerente. 46.) E paga quase sempre pelo banco sob a rúbrica de “isenção de horário, mas integrada no pack remuneratório negociado no contrato de trabalho celebrado (...) 48,) E que o Banco Requerido, com caracter regular e de forma frequente e ininterrupta liquidou a este seu colaborador, aqui Requerente, desde a sua admissão - 1992. 49.) Pois o C… procurava diferenciar, positivamente, os seus Colaboradores pagando mais pelo maior empenho e tempo dedicados face ao padrão normal da banca.”
29. E com estes fundamentos devem passar a integrar a matéria assente os factos supra referidos.
30. Devem ainda integrar a matéria assente os factos vertidos nos artigos 13° e 14° da oposição,
31. Devem ser retirados da matéria assente os seguintes factos:
32. (14) e (15) Este facto deve ser retirado da matéria assente por inexistência total de prova válida de que o Requerente seja casado, e lenha dois filhos. O Requerente não identificou nem a alegada esposa, nem qualquer dos filhos, nem fez prova do seu estado civil, nem paternidade.
33. Mas se assim não se entender, deverá o facto 15 ser valorado de forma diferente da efectuada, e eventualmente passar a ter a seguinte redacção, que se requer: ”A esposa do Requerente, desempregada de longa duração, não consegue obter colocação profissional por força da idade, sendo agora doméstica, mas não se encontra atualmente inscrita no Centro de Emprego”.
34. (16) Este facto deve ser suprimido da matéria assente, o que se requer, porquanto o Requerente não identifica quem são os seus filhos, e não faz prova da sua filiação/paternidade.
35. (37) Este facto deve ser suprimido da matéria assente, o que se requer, por quanto não é feita prova da existência do agregado familiar alegado pelo Requerente. Mas se assim não se entender, deverá passar a ler a seguinte redação: “O salário auferido pelo Requerente constitui uma das fontes de rendimentos do respetivo agregado familiar”, porquanto supra se referiu o Requerente tem um imóvel para habitação devoluto que poderia arrendar, e que por isso constitui uma fonte de rendimento, cft. o depoimento de E…, com a referência 05 Proc 17958 16 OT8PRT, localização 0:14:15 a [localização: O:14:48.1], que se transcreveu supra na parte relevante.
36. (18) Este facto deve ser parcialmente suprimido da matéria assente, o que se requer, por quanto não é feita prova da existência do agregado familiar alegado pelo Requerente, designadamente, e ao que importa da filiação alegada, pelo que se requer passe a ter a seguinte redacção: “O Requerente suporta os seguintes encargos mensais: €130 de electricidade, €51 de água, £64 de comunicações, €1.400 de crédito à habitação. €100 de alimentação.”
37. (19) Este facto deve ser suprimido da matéria assente, o que se requer, por quanto, e em primeiro lugar constitui uma conclusão, e em segundo lugar, salvo o devido respeito, uma conclusão errada uma vez que o aludido no facto provado reflete o valor bruto de retribuição por IHT, o que significa, atento o documento 5 junto com a d.p.i., que o valor liquido é de 891.32 euros (1.131,12 euros x 21.20% - - taxa de retenção relevada no recibo), o que significa um valor perfeitamente suportável tendo em consideração o arrendamento do segundo imóvel, um emprego para a testemunha ainda que não na área da sua especialidade, e essencialmente o direito a que o Requerente tem nos termos do artigo 279° do CT, de que o Requerido não possa proceder à compensação de créditos em mais de 233,33 euros (1/6 de 1.131,32 euros), ou 148,55 euros se relevado o valor líquido de IHT.
38. Em síntese, bastaria que o Requente arrendasse a segunda casa que tem, um (T2) T3 em Matosinhos, por valor superior a 148.55 euros, para que a sua situação financeira passasse da alegada insolvência para uma situação estável, para não dizer melhorada já que a experiência vinca que um (T2) T3 em Matozinhos valerá para arrendamento um valor superior a 128% (para relevar a taxa dc IRS para o arrendamento sobre imóveis em regime não consolidado, sendo que a taxa de retenção do A. é até inferior, o que concederia um melhoria se fosse este rendimento consolidado) de 148,55 curas, ou seja 190,14 euros.
39. Se o A. tem algum prejuízo só de si se pode queixar.
40. (20) Este facto deve ser suprimido da matéria assente com os mesmos fundamentos do facto 19, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. o que se requer, ou se assim não se entender passar a ter a seguinte redação: ‘E deixou de conseguir liquidar despesas, como as de condomínio de um T2 T3 que tem em Matosinhos, destinado à venda (mas que até agora não tem interessados) ou arrendamento, devendo €2.736,18, tendo-lhe sido instaurada, para cobrança da dívida em questão, a competente ação executiva (cfr. depoimento de E…, gravação 05 Proc 17958 16 0T8PRT, localizável [0:24:01.4 a 0:24:14.O], e [0:14:15 a 0:14:48.1] respectivamente.
41 (21) Este artigo deve ser suprimido da matéria assente, por que o Requerente não fez prova da existência do seu agregado familiar, como supra se mencionou, e a existência deste é pressuposto do relevos dos restantes factos aí constantes.
42. (22) Este “facto” deve ser retirado da matéria assente, por que consubstancia uma conclusão, e uma conclusão errada, pois não existe qualquer risco como se acaba dc demonstrar. De qualquer modo se assim não se entender, sempre veria ser retinido, por que o Requerente não identifica qualquer dos filhos que alega ter, e não prova sequer a sua existência.
43. (23) Este facto deve ser retirado da matéria assente, porquanto o que poderia ficar provado é que a testemunha F…, sofre de síndrome vertiginoso, mas não foi feita qualquer alegação pelo Requerente que esta testemunha é sua filha, e menos ainda prova de tal facto não alegado.
44. Face ao exposto a matéria assente deve passar a ter a seguinte configuração:
45. Pelo que se requer que a matéria assente passe a ter a seguinte configuração.
46. O Requerente. enquanto bancário, encontra-se filiado no Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB) com o n°. ….;
47. A Requerida dedica-se à atividade bancária e celebrou em 1999, com o Sindicato em que se encontra filiado o Requerente, um Acordo de Empresa, acordo esse ainda em vigor e cuja última versão se encontra publicada no B.T.E. 12/2014 de 29/3:
48, Por acordo escrito firmado entre o Requerente e o então 8CR, datado de 1 de fevereiro de 1992, o primeiro foi admitido ao serviço do segundo por tempo indeterminado, tendo sido enquadrado no Grupo 1, Nível 04, sem indicação de categoria;
49. O Requerente encontra-se atualmente colocado na Direção de Recuperação de Baixos Montantes, tendo rejeitado a rescisão por mútuo acordo proposta pela Requerida;
50. A O Requerido enviou ao Requerente a curta que constitui o documento n.° 1 junto com a oposição na qual se refere que o valor do complemento é constituído também por urna retribuição relativa a isenção de horário de trabalho. Por ter recebido esta carta e por com ela concordar, o Requerente seguiu a sua instrução de se dirigir à Divisão dc Recurso humanos para celebrar o contrato de trabalho a termo.
51. Não obstante a ausência a de referência expressa a ….’ nos contratos de trabalhado celebrados, o Requerente sabia que a retribuição neles descrita como complemento era relativa em parte a isenção de horário dc trabalho, uma hora no primeiro, e duas horas no segundo.
52. No acordo a que se aludiu em 3. foi feita constar uma cláusula 3.’. com a seguinte redação: “A retribuição mensal do segundo outorgante será igual à que, em cada momento, será fixada no Acordo Coletivo de Trabalho Vertical do Sector Bancário para os empregados do Nível 04, acrescida de 47%”;
53. O Requerente auferiu, em fevereiro de 1992, uma retribuição mensal constituída pelas rúbricas seguintes: a) Vencimento base - Nível 4 (Esc. 80.050S00\€399,29): b) Complemento dc 47%. sob a rúbrica de IHT (Esc. 37.623500\€187,66); e) Subsídio de função (Esc. 2 327S00\€11.61);
54. No mês de Abril de 2015 a remuneração mensal do Requerente era constituída pelas rúbricas seguintes: a) Vencimento base - Nível 13 (€2.227,06); b) Complemento de 46,5%, sob a rúbrica de IHT (€1.131.12); e) Complemento de vencimento (€58,45); d) Diuturnidades (€205.25);
55. A. No caso do Requerente sempre houve, até à data em que lhe foi comunicada a retirada de IHT, que abaixo se justificará, necessidade de prestação de trabalho nesse registo,
56. E por isso, foram sempre celebrados ao longo dos anos acordos dc isenção de horário de Trabalho. cfr. docs. 3, 4 e 5.
57. Em Julho de 2015 o Requerente, colocado na Direção de Recuperação de Baixos Montantes, auferia a remuneração mensal seguinte: a) Vencimento base (nível 13) - €2.227,06; b) IHT (46.5%) - €1.131,12 ilíquido; c) Complemento venc. (0,5%) - €58,45; d) Diuturnidades - €205,45;
58. A Requerida, todos os meses e de forma ininterrupta, liquidou ao Requerente, desde a admissão deste até 1 de julho de 2015, a verba paga sob a rúbrica isenção de horário de trabalho;
59. O que fazia por forma a diferenciar, positivamente, os seus colaboradores, pagando mais pelo maior empenho e tempo dedicados face ao padrão normal da banca;
60. Por carta de 9 de abril de 2015, a Requerida comunicou ao Requerente que lhe iria retirar, com efeitos a 1 de julho de 2015, a verba paga sob a rúbrica isenção de horário de trabalho, o que concretizou, não tendo substituído tal verba por outra;
61. Por força de acordo entre a Requerida e os sindicatos, datado de julho de 2014 e em vigor até 2017, o Requerente viu o seu salário reduzido no montante mensal de €289,77;
62. Não obstante o descrito em 11., a Requerida continuou a cobrar no Requerente, por compensação direta no ato de liquidação do respetivo vencimento, as prestações devidas a titulo de crédito à habitação concedido;
63. O agregado familiar do Requerente é composto pela respetiva esposa e por dois filhos do casal, um menor de idade e outra maior, ambos estudantes.
64. A testemunha E… esposa do Requerente, desempregada de longa duração, não consegue obter colocação profissional por força da idade, não estando atualmente inscrita no Centro de Emprego, sendo agora doméstica;
65. O filho mais novo do Requerente frequenta o ensino público, sendo que a mais velha está numa universidade privada.
66. 0 salário auferido pelo Requerente constitui a única Fonte de rendimentos do respetivo agregado familiar;
67.0 Requerente suporta os seguintes encargos mensais: €130 de eletricidade, €51 de água, €64 de comunicações, €1.400 de créditos à habitação, €100 de alimentação, €240 de propinas, €22.10 de passe para a utilização dc transportes públicos por parte da filha mais velha;
68. Atento o aludido em 11, o Requerente deixou de conseguir liquidar a totalidade (€443.70) das propinas mensais da universidade frequentada pela filha, encontrando-se em dívida a tal tíitulo, bem como de multas aplicadas pela não liquidação atempada daquelas, o montante global de €2.557,55:
69. E deixou de conseguir liquidar despesas, como as de condomínio de um T2 T3 que tem em Matosinhos. destinado à venda (mas que até agora não tem interessados) ou arrendamento, devendo €2.736,18, tendo-lhe sido instaurada, para cobrança da divida em questão, a competente ação executiva.
70. Tendo deixado, assim como o respetivo agregado familiar, de fazer refeições fora, de passar férias, de convidar amigos e família para irem a sua casa, de fazer festas de aniversários para os filhos, de aceitar convites para convívios, por forma a reduzir custos com deslocações e prendas, de ir ao cinema ou ao teatro;
71. 0 Requerente, fruto do descrito em 11., está em risco de não conseguir liquidar as propinas da universidade frequentada pela filha;
72. A testemunha F… filha mais velha do Requerente sofre dc síndrome vertiginoso;
73. Aquando da outorga do acordo referido em 3., a Requerida estava a iniciar a atividade e necessitava de incrementar a sua penetração no mercado, lendo para o efeito recorrido à contratação de milhares de trabalhadores, em condições análogas às do Requerente e aos quais, por vicissitudes atinentes ao poder de direção e a regras e iniciativas dc gestão dos seus recursos humanos, retirou ao longo dos anos o regime de isenção de horário de trabalho e, consequentemente, a respetiva retribuição, por não necessitar mais de fazer face ao esforço acrescido que o justificava, e salvas raras exceções, nunca por tais trabalhadores, muitos já não ao serviço do Requerido, foi questionada a abolição desse regime”;
74. A Requerida sentiu nos últimos anos dificuldades económicas que chegaram a comprometer os rácios de solvabilidade exigidos pelas entidades supervisoras e implicaram a intervenção do Estado;
75. 0 Estado, a troco da dita intervenção, impôs à Requerida o cumprimento de critérios de dimensão dos seus recursos humanos face ao seu negócio, de modo a ser possível com o conjunto de medidas tomadas integrar os rácios exigidos por lei e pelas autoridades supervisoras;
76. Na decorrência, a Requerida propôs aos trabalhadores excedentários rescisões por mútuo acordo, teve de proceder ao encerramento dc agências/sucursais, de fundir ou encerrar departamentos, sob pena de ter de promover um despedimento coletivo;
77. Os trabalhadores que não aceitaram as rescisões por mútuo acordo foram colocados em diversos sectores da Requerida, não havendo a possibilidade de os colocar todos na disponibilidade da atividade;
78. A Requerida extinguiu em parte contratos que havia celebrado com empresas exteriores (oulsoursing) para cobrança de créditos, passando esta tarefa a ser exercida em regime de insourxing por trabalhadores excedentários que não aceitaram as rescisões por mútuo acordo propostas e que não puderam ser colocados noutros departamentos, tendo criado para o efeito uma Direção de Recuperação de Crédito de Baixo Valor;
79. A Requerida não tem necessidade que os trabalhadores a que se aludiu em 29. exerçam o seu labor com isenção de horário de trabalho;
80. O Requerente prolongava quase sempre o seu tempo de trabalho para além do horário de trabalho bancário, que terminava às l6h30min;
81. 0 Requerente, no ano de 2001, viu a sua retribuição base, do nível, aumentada;
82. Para o Requerente, a percentagem a que se aludiu em 5. foi condição essencial para aceder a trabalhar para a Requerida.
83. A percentagem referenciada em 5. haja sido fixada e atribuída total ou parcialmente, a título de isenção de horário;
84. O regime de isenção de horário de trabalho tenha sido, quanto ao acordo referenciado em 3.,acordado pelas partes em momento prévio à celebração daquele.
85. O Requerente soubesse, desde o início, que a isenção de horário dc trabalho se aplicava á relação laboral em apreço e que se regeria por o que a lei e o ACT sobre a mesma estipulasse em cada momento;
86. II - Configuração que se requer seja dada aos factos não provados:
87. a) A Requerida soubesse que o aludido em II. tenha tomado o Requerente incapaz dc liquidar outras dividas essenciais;
88. b) A Requerida tivesse conhecimento do descrito em 22.;
89. e) O Requerente, na sequência do referido em II, tenha passado a sofrer de insónias graves, dificuldades respiratórias e dores musculares;
90. d) O aumento referido em 32. tivesse sido feito por forma a batizar a retribuição do Requerente com as auferidas pelos trabalhadores dc outras entidades bancárias entretanto incorporadas na Requerida.
91. Assim, e por tudo se considera ter sido violado o artigo 405° do Código Civil, a cláusula 55°, n.° 4 do ACT aplicável, e o artigo 218° do Código Trabalho,
92. Razões pelas quais se entende haver fundamento para recorrer da decisão proferida em Primeira instância em sede cautelar, e requerer a sua revogação e substituição por outra que julgue improcedente a providência cautelar instaurada contra o Recorrente e determine validamente cessada a isenção de horário de trabalho em que o Requerente e ora Recorrido, por acordo como Recorrente e ora Recorrido vinham a registar a prestação de trabalho que os une juridicamente.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogada a decisão recorrida, e substituída por outra que declare a improcedência da pretensão do Requerente.”.
5. - O requerente contra-alegou, concluindo:
1 - A Douta Sentença de que ora recorre o Banco considerou devidamente preenchidos todos os requisitos legais melhor previstos nos artsº. 362º e ss do CPC.
2 - A fundamentação da referida sentença é adequada e correcta face à prova testemunhal e documental produzida em audiência e aos documentos juntos aos autos,
3 - Verificando-se que o Tribunal a quo ponderou, de forma coerente e na medida do que lhe competia, e é exigível num procedimento desta natureza, as provas apresentadas,
4 - Provas que foram enquadradas num contexto específico de celeridade, e emergência, e, daí, o não deferimento do pedido de inversão do contencioso deduzido, o que se aceitou.
Sem prescindir
5 - O Recorrido efectuou prova bastante e suficiente exigida pelo artº 362º do CPC, no que respeita à probabilidade séria da existência do direito,
6 - E à lesão grave e dificilmente reparável do mesmo, designadamente pela conjugação da prova prestada pelos documentos juntos ao RI, a saber:
a) Docs. 1,2,5,5B com declarações do Recorrido;
b) Docs. 2, 4, 5, 7, 12 A), e anexos doc. 13 com declarações do Recorrido e depoimentos de E… e F…;
7 - Está evidenciado nos autos que a remuneração do Recorrido foi diminuída em 46,5% com efeitos a partir de 1/7/2016, verba essa retirada unilateralmente pelo Recorrente,
8 - Que essa a remuneração de 47% acima do nível e que era colocado sempre foi liquidada pelo Recorrente ao Recorrido desde 1/2/1992, até 1/7/2015 – doc. 1 e doc. 6;
9 - E que esta diminuição só ocorreu após a rejeição pelo Recorrente do RMA – que incluía esta verba como base de cálculo de compensação (vd doc. 16,págs. 3 – rem efectiva bruta – e 16-recibo, junto ao RI)
10 - Que a perda daqueles 46,5% de remuneração desequilibrou financeiramente o Recorrido e seu agregado, o qual que deixou de poder solver todas as suas responsabilidades (doc. 13-RI).
11 - Para determinação de agregado familiar não é necessária existência formal de um casamento – de papel passado – podendo resultar da mera convivência me união de facto;
12 - Sintoma dessa convivência e cumplicidade são as expressões “marido” e “esposa” que tanto definem cônjuges tradicionais, como meros companheiros.
13 - Nesse sentido, ficou claro para o Tribunal e para todos, que o Recorrido B…, e a testemunha e…, comungam:
a) Os apelidos;
b) A residência – Rua …, .., …;
c) As dívidas – os empréstimos à habitação, e faculdade da testemunha F…;
d) As receitas – rendimentos do trabalho de B…;
e) Dois filhos
14 - Neste sentido, ouçam-se as declarações prestadas pela testemunha F…, faixa 8, em resposta ao Meritíssimo Juiz a quo:
a)Identifica o Recorrido, então requerente, como o sendo seu pai;
b) Identifica a sua residência como sendo aquela em que reside também o Recorrido;
c)Identifica, ao min 19 do seu depoimento, também em resposta ao Meritíssimo Juiz que questiona “lá em casa vive a F…, a sua mãe, o seu pai, e o irmão mais novo?”, resposta “sim!”
13 - Sendo a família o conjunto a instituição responsável por promover a educação dos filhos e influenciar o comportamento dos mesmos no meio social. O papel da família no desenvolvimento de cada indivíduo é de fundamental importância.
14 - A testemunha F… depôs sobre a sua vida, enquanto membro da família do Recorrido, a quem refere sempre como pai.
15 - Ora, em nenhum momento as declarações das testemunhas, quanto ao Recorrido ter um agregado familiar constituído por 4 elementos, foram objecto de qualquer reparo, oposição,
16 - Ou dedução de qualquer incidente pelo Recorrente ou acusação de perjúrio aqueles que o declararam, até porque, nesta matéria de nome, residência, parentesco com as partes, estavam obrigados a responder com verdade.
17 - E facto é que, da análise da prova, e dos factos declarados nas audiências de julgamento, resulta a existência de um agregado familiar constituído por quatro elementos.
18 - Três adultos e uma criança - de que é polo fulcral, e única fonte de rendimento o Recorrido, como resulta também dos documentos emitidos pelo Recorrente – ver infra conclusão 54. (neste sentido, vd depoimentos da testemunha F…, faixa 8, e da testemunha E…, faixa 9.
19 - O Recorrido sempre se opôs à retirada unilateral de tal verba, comunicando ao banco que a mesma era complemento (doc. 7, junto ao RI).
20 - Que o recurso à presente providência é o meio adequado considerando o risco de lesão grave e de difícil reparação em que se encontra – Ac. REL GMR junto como doc. 1, junto ao RI;”.
6. - O M.º Público emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.
7. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. - Na primeira instância, foi proferida a seguinte decisão de facto:
“A) OS FACTOS:
I – Provados:
Com relevo para a decisão da causa e face à prova produzida, considero assente a facticidade seguinte:
1. O Requerente, enquanto bancário, encontra-se filiado no Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB) com o nº. ….;
2. A Requerida dedica-se à atividade bancária e celebrou em 1999, com o Sindicato em que se encontra filiado o Requerente, um Acordo de Empresa, acordo esse ainda em vigor e cuja última versão se encontra publicada no B.T.E. 12/2014 de 29/3;
3. Por acordo escrito firmado entre o Requerente e o então C…, datado de 1 de fevereiro de 1992, o primeiro foi admitido ao serviço do segundo por tempo indeterminado, tendo sido enquadrado no Grupo I, Nível 04, sem indicação de categoria;
4. O Requerente encontra-se atualmente colocado na Direção de Recuperação de Baixos Montantes, tendo rejeitado a rescisão por mútuo acordo proposta pela Requerida;
5. No acordo a que se aludiu em 3. foi feita constar uma cláusula 3.ª, com a seguinte redação: “A retribuição mensal do segundo outorgante será igual à que, em cada momento, será fixada no Acordo Coletivo de Trabalho Vertical do Sector Bancário para os empregados do Nível 04, acrescida de 47%”;
6. O Requerente auferiu, em fevereiro de 1992, uma retribuição mensal constituída pelas rúbricas seguintes: a) Vencimento base - Nível 4 (Esc. 80.050$00\€399,29); b) Complemento de 47%, sob a rúbrica de IHT (Esc.37.623$00\€187,66); c) Subsídio de função (Esc. 2.327$00\€11,61);
7. No mês de Abril de 2015 a remuneração mensal do Requerente era constituída pelas rúbricas seguintes: a) Vencimento base - Nível 13 (€2.227,06); b) Complemento de 46,5%, sob a rúbrica de IHT (€1.131,12); c) Complemento de vencimento (€58,45); d) Diuturnidades (€205,25);
8. Em Julho de 2015 o Requerente, colocado na Direção de Recuperação de Baixos Montantes, auferia a remuneração mensal seguinte: a) Vencimento base (nível 13) - €2.227,06; b) IHT (46,5%) - €1.131,12; c) Complemento venc. (0,5%) - € 58,45; d) Diuturnidades - €205,45;
9. A Requerida, todos os meses e de forma ininterrupta, liquidou ao Requerente, desde a admissão deste até 1 de julho de 2015, a verba paga sob a rúbrica isenção de horário de trabalho;
10. O que fazia por forma a diferenciar, positivamente, os seus colaboradores, pagando mais pelo maior empenho e tempo dedicados face ao padrão normal da banca;
11. Por carta de 9 de abril de 2015, a Requerida comunicou ao Requerente que lhe iria retirar, com efeitos a 1 de julho de 2015, a verba paga sob a rúbrica isenção de horário de trabalho, o que concretizou, não tendo substituído tal verba por outra;
12. Por força de acordo entre a Requerida e os sindicatos, datado de julho de 2014 e em vigor até 2017, o Requerente viu o seu salário reduzido no montante mensal de €289,77;
13. Não obstante o descrito em 11., a Requerida continuou a cobrar ao Requerente, por compensação direta no ato de liquidação do respetivo vencimento, as prestações devidas a título de crédito à habitação concedido;
14. O agregado familiar do Requerente é composto pela respetiva esposa e por dois filhos do casal, um menor de idade e outra maior, ambos estudantes;
15. A esposa do Requerente, desempregada de longa duração, não consegue obter colocação profissional por força da idade, sendo agora doméstica;
16. O filho mais novo do Requerente frequenta o ensino público, sendo que a mais velha está numa universidade privada;
17. O salário auferido pelo Requerente constitui a única fonte de rendimentos do respectivo agregado familiar;
18. O Requerente suporta os seguintes encargos mensais: € 130 de eletricidade, € 51 de água, € 64 de comunicações, €1.400 de créditos à habitação, €100 de alimentação, €240 de propinas, €22,40 de passe para a utilização de transportes públicos por parte da filha mais velha;
19. Atento o aludido em 11., o Requerente deixou de conseguir liquidar a totalidade (€443,70) das propinas mensais da universidade frequentada pela filha, encontrando-se em dívida a tal título, bem como de multas aplicadas pela não liquidação atempada daquelas, o montante global de €2.557,55;
20. E deixou de conseguir liquidar despesas, como as de condomínio de um T2 que tem em Matosinhos, destinado à venda (mas que até agora não tem interessados), devendo €2.736,18, tendo-lhe sido instaurada, para cobrança da dívida em questão, a competente ação executiva;
21. Tendo deixado, assim como o respetivo agregado familiar, de fazer refeições fora, de passar férias, de convidar amigos e família para irem a sua casa, de fazer festas de aniversários para os filhos, de aceitar convites para convívios, por forma a reduzir custos com deslocações e prendas, de ir ao cinema ou ao teatro;
22. O Requerente, fruto do descrito em 11., está em risco de não conseguir liquidar as propinas da universidade frequentada pela filha;
23. A filha mais velha do Requerente sofre de síndrome vertiginoso;
24. Aquando da outorga do acordo referido em 3., a Requerida estava a iniciar a actividade e necessitava de incrementar a sua penetração no mercado, tendo para o efeito recorrido à contratação de milhares de trabalhadores, em condições análogas às do Requerente, e aos quais, por vicissitudes atinentes ao poder de direção e a regras e iniciativas de gestão dos seus recursos humanos, retirou ao longo do anos o regime de isenção de horário de trabalho e, consequentemente, a respetiva retribuição, por não necessitar mais de fazer face ao esforço acrescido que o justificava;
25. A Requerida sentiu nos últimos anos dificuldades económicas que chegaram a comprometer os rácios de solvabilidade exigidos pelas entidades supervisoras e implicaram a intervenção do Estado;
26. O Estado, a troco da dita intervenção, impôs à Requerida o cumprimento de critérios de dimensão dos seus recursos humanos face ao seu negócio, de modo a ser possível com o conjunto de medidas tomadas integrar os rácios exigidos por lei e pelas autoridades supervisoras;
27. Na decorrência, a Requerida propôs aos trabalhadores excedentários rescisões por mútuo acordo, teve de proceder ao encerramento de agências/sucursais, de fundir ou encerrar departamentos, sob pena de ter de promover um despedimento coletivo;
28. Os trabalhadores que não aceitaram as rescisões por mútuo acordo foram colocados em diversos sectores da Requerida, não havendo a possibilidade de os colocar todos na disponibilidade da atividade;
29. A Requerida extinguiu em parte contratos que havia celebrado com empresas exteriores (outsoursing) para cobrança de créditos, passando esta tarefa a ser exercida em regime de insoursing por trabalhadores excedentários que não aceitaram as rescisões por mútuo acordo propostas e que não puderam ser colocados noutros departamentos, tendo criado para o efeito uma Direção de Recuperação de Crédito de Baixo Valor;
30. A Requerida não tem necessidade que os trabalhadores a que se aludiu em 29. exerçam o seu labor com isenção de horário de trabalho;
31. O Requerente prolongava quase sempre o seu tempo de trabalho para além do horário de trabalho bancário, que terminava às 16h30min;
32. O Requerente, no ano de 2001, viu a sua retribuição base, do nível, aumentada;
33. Para o Requerente, a percentagem a que se aludiu em 5. foi condição essencial para aceder a trabalhar para a Requerida.
II – Não provados:
Nada mais foi dado como provado com relevância para a decisão da causa, designadamente, que:
a) A Requerida soubesse que o aludido em 11. tenha tornado o Requerente incapaz de liquidar outras dívidas essenciais;
b) A Requerida tivesse conhecimento do descrito em 22.;
c) O Requerente, na sequência do referido em 11., tenha passado a sofrer de insónias graves, dificuldades respiratórias e dores musculares;
d) A percentagem referenciada em 5. haja sido fixada e atribuída, total ou parcialmente, a título de isenção de horário;
e) O regime de isenção de horário de trabalho tenha sido, quanto ao acordo referenciado em 3., acordado pelas partes em momento prévio à celebração daquele;
f) O Requerente soubesse, desde o início, que a isenção de horário de trabalho se aplicava à relação laboral em apreço e que se regeria por o que a lei e o ACT sobre a mesma estipulasse em cada momento;
g) O aumento referido em 32. tivesse sido feito por forma a balizar a retribuição do Requerente com as auferidas pelos trabalhadores de outras entidades bancárias entretanto incorporadas na Requerida.”.
III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do CPT, e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2. – O objecto do recurso:
- A alteração da matéria de facto;
- A natureza retributiva do “complemento de 47%”.
- A irredutibilidade da retribuição.
- A (in)existência dos pressupostos de um procedimento cautelar.
3.Questão prévia: Regime jurídico a atender nos presentes autos.
Atendendo a que estão em causa factos ocorridos nos anos de 1992 a 2015, e que de acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27/08 (CT 2008) - em vigor desde 2003.12.01 -: “sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”, e do disposto no artigo 7.º, n.1, da Lei n.º 7/2009, de 12/02 (CT 2009) - vigente desde 2009.02.17 -: “1 – Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento” -, haverá que atender ao disposto na Lei n.º 49 408, de 24-11-1969 (doravante LCT), quanto aos factos praticados até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003;
Sobre os factos praticados entre 2003.12.01 e 2009.02.16, rege o regime do CT 2003, e, posteriormente, o regime do CT 2009.
4.A alteração da matéria de facto
4.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
Nada obsta ao conhecimento da impugnação da decisão de facto.
4.2.Eliminação
4.2.1. - O recorrente pretende que seja retirada da matéria de facto provada, a factualidade inserida nos pontos 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 23, “por inexistência total de prova válida de que o Requerente seja casado, e tenha dois filhos. O Requerente não identificou nem a alegada esposa, nem qualquer dos filhos, nem fez prova do seu estado civil, nem paternidade.”.
Por sua vez, o recorrido alegou:
11- Para determinação de agregado familiar não é necessária existência formal de um casamento – de papel passado – podendo resultar da mera convivência em união de facto;
12 – Sintoma dessa convivência e cumplicidade são as expressões “marido” e “esposa” que tanto definem cônjuges tradicionais, como meros companheiros.
13 – Nesse sentido, ficou claro para o Tribunal e para todos, que o Recorrido B…, e a testemunha E…, comungam:
a) Os apelidos;
b) A residência – Rua …, .., …;
c) As dívidas – os empréstimos à habitação, e faculdade da testemunha F…;
d) As receitas – rendimentos do trabalho de B…;
e) Dois filhos
14 – Neste sentido, ouçam-se as declarações prestadas pela testemunha F…, faixa 8, em resposta ao Meritíssimo Juiz a quo:
a)Identifica o Recorrido, então requerente, como o sendo seu pai;
b) Identifica a sua residência como sendo aquela em que reside também o Recorrido;
c)Identifica, ao min 19 do seu depoimento, também em resposta ao Meritíssimo Juiz que questiona “lá em casa vive a F…, a sua mãe, o seu pai, e o irmão mais novo?”, resposta “sim!”.
Neste particular, o Mmo Juiz consignou na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
No que concerne aos factos vertidos nos art.ºs 14. a 17., o tribunal atendeu aos depoimentos coincidentes das testemunhas F… e E…, as quais coincidiram com o declarado pelo Requerente em audiência final.
Em relação aos encargos mensais suportados pelo Requerente, considerou-se, quanto à eletricidade, os documentos de fls. 186 e 186 v.º, quanto à água os de fls. 188 a 190 v.º, quanto às comunicações os de fls. 191 a 196 v.º, quanto aos créditos à habitação os de fls. 176 a 182 v.º, a que acresceram os depoimentos das duas referidas testemunhas, as quais, com conhecimento de causa, descreveram os encargos mensais do agregado familiar em que se inserem, bem como a impossibilidade prática de liquidar a totalidade das propinas mensais da universidade frequentada pela filha, estando a este nível em débito a quantia de €2.557,55, conforme, de resto, também resulta do documento de fls. 71 e 72.
Do mesmo passo, as mesmas testemunhas aludiram ao facto de o Requerente não conseguir liquidar as despesas de condomínio de um apartamento que possui em Matosinhos, tendo aquele sujeito processual ativo reconhecido o valor em débito a tal título e que se encontra espelhado no documento de fls. 46.
A facticidade dos art.ºs 21. a 23. dos factos provados também foi trazida aos autos pelas identificadas testemunhas.”. (negrito nosso).
Por despacho do relator – vide fls. 731-732 – foi solicitado à 1.ª instância o envio de certidões relativas ao estado civil do requerente/recorrido e respectiva filiação, que, eventualmente, constassem do processo principal.
O Tribunal da 1.ª instância informou que “dos autos não consta qualquer certidão da Conservatória do Registo Civil, mas apenas o Atestado da Junta de Freguesia de …”, cuja cópia foi remetida.
Por despacho do relator – vide fls. 758 – foi ordenada a notificação do requerente nos termos dos artigos 662.º, n.º 2, alínea b), e 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC, para juntar certidões de nascimento dos seus filhos, que constam de fls. 747 a 751 dos autos.
Notificada, a recorrente nada disse.
Assim, atento o teor das referidas certidões de nascimento, que atestam a filiação e o estado civil do requerente/recorrido – cf. artigo 662.º, n.º 1, do CPC -, improcede, quanto aos pontos 14 e 16 -, a pretensão do requerido/recorrente.
4.2.2. - Em relação aos encargos mensais suportados pelo requerente – factos 18. e 19. - e à factualidade inserida nos artigos 21. a 23. dos factos provados, o tribunal da 1.ª instância fundamentou a sua decisão na prova documental e testemunhal que indicou no despacho de fundamentação supra transcrito e, em sede de recurso, o recorrente também não indicou que haja no processo um meio de prova plena, resultante de documento, confissão ou acordo das partes, que possa contrariar o decidido na 1.ª instância sobre essa matéria, razão pela qual, também nesta parte, improcede a pretensão do recorrente.
Deste modo, improcede a pretendida modificação da redacção dos pontos 15., 17., 18., 19., 20., 21. a 23. dos factos provados, por falta de indicação de prova concreta e consistente para esse efeito.
4.3.Aditamento
Nas suas alegações de recurso, o recorrente pretende que seja aditada à matéria de facto provada, a factualidade descrita nos artigos 68, 69, 11, 13 e 14 da oposição apresentada.
O recorrente alegou e fundamentou nos artigos 68.º - “O Requerido no âmbito das negociações ocorridas dirigiu ao Requerente uma missiva, doc.1 no qual se propunha contratá-lo entre outras, com as seguintes condições: “Classificação na categoria profissional correspondente ao Grupo I, com o Nível 04 do A.C.T.V. do Sector Bancário, sendo a respetiva remuneração acrescida de 30%, a título de isenção de horário de trabalho e de subsídio de dedicação exclusiva” – e 69.º - “Posteriormente aquando da passagem do seu contrato de trabalho a termo para contrato de trabalho sem termo, o Requerido viu essa percentagem sobre o nível 4 dos empregados bancários, aumentar para 47%, conforme consta do contrato de trabalho, cfr. doc. 1 junto com a d.p.i..
O fundamento da integração destas alegações na matéria de facto advém da imposição do documento n.º 1 junto com a oposição, que consubstancia uma missiva de onde decorrem três elementos essenciais para a formação da vontade do Requerente:
1. A existência da mesma, como dela resulta, pressupõe a existência de uma reunião prévia, na sequência da qual esta é enviada ao Requerente;
2. A celebração do contrato de trabalho a termo certo, implica que o Requerente conheceu a carta e aceitou as suas condições, por isso seguiu as instruções nela apostas. Com efeito, refere aquela missiva no seu último parágrafo, e na sequência da comunicação das condições: “A fim de concretizar o início de funções no Banco, solicitamos o favor de contactar com: Divisão de Recursos Humanos (…)”.
O “documento n.º 1 junto com a oposição”, datado de 24 de Julho de 1991, informa o requerente/recorrido “que o Conselho de Administração do Banco C… aprovou a sua admissão para o quadro de pessoal deste Banco, nas seguintes condições:
- (…);
- Contrato de trabalho a termo certo pelo período experimental de 6 meses;
- Classificação na categoria profissional (…), sendo a respectiva remuneração acrescida de 30%, a título de “Isenção de Horário de Trabalho” e de “Subsídio de Dedicação Exclusiva”;
- (…).
A fim de concretizar o início de funções no Banco, solicitamos o favor de contactar com: Divisão de Recursos Humanos (…).”.
Ora, o recorrente não só não provou que o recorrido tenha recebido o “documento n.º 1 junto com a oposição”, ou tenha tido conhecimento do seu teor, como também não provou a celebração do “Contrato de trabalho a termo certo pelo período experimental de 6 meses”.
Da matéria de facto dada como provada na 1.ª instância, apenas consta a celebração do contrato de trabalho, datado de 1 de fevereiro de 1992 – cf. ponto 3. Da matéria de facto provada -, isto é, o mesmo contrato de trabalho referido no artigo 69.º da oposição.
No artigo 11.º da oposição foi alegado: “Salvas raras exceções, nunca por tais trabalhadores, muitos já não ao serviço do Requerido, foi questionada a abolição desse regime.”.
O teor deste artigo é meramente conclusivo, já que não identifica qualquer um dos trabalhadores que questionou, ou não, “a abolição desse regime”.
Nos artigos 13 e 14 da oposição, a recorrente alegou: “No caso do Requerente sempre houve, até à data em que lhe foi comunicada a retirada de IHT, que abaixo se justificará, necessidade de prestação de trabalho nesse registo” – artigo 13.º -, “E por isso, foram sempre celebrados ao longo dos anos acordos de Isenção de Horário de Trabalho, cfr. docs, 3, 4 e 5”. – artigo 14.º -.
O teor do artigo 13 é meramente conclusivo.
E o teor do artigo 14.º remete para três documentos – um dirigido pelo recorrente ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, datado de 14 de Março de 2000, e os outros dois são duas “Declarações”, não datadas, assinadas pelo recorrido, dirigidas à Inspecção das Condições de Trabalho.
Estes quatro documentos particulares foram impugnados pelo recorrido, dizendo que “tais documentos, designadamente no âmbito da contratação a termo deste Requerente (doc. 1) – cujo conteúdo contratual foi alterado pelo contrato definitivo já junto aos autos pelo Requerente, e não impugnado - está desconexo, quer da declaração dirigida ao IDICT que o Requerente desconhece, e declarações anexas. De facto, nem o conteúdo de tais documentos se relaciona entre si, nem se relaciona com o vertido na douta oposição, e por isso se impugna, mas sobretudo, em momento algum põem em causa os factos ou o direito e documentos juntos pelo Requerente.”.
Além disso, ouvido o depoimento da testemunha indicada pela recorrente, D…, em nada altera a nossa convicção, dado que para além de ter afirmado não ter estado presente aquando da proposta e assinatura do contrato de trabalho celebrado em 01 de Fevereiro de 1992, o seu teor é genérico e condicional, ao não identificar qualquer trabalhador “dos 150 que estariam colocados em unidades em que já não prestariam, já não havia necessidade de prestar laboração para além da hora normal de trabalho, que são as 7 horas.”.
Assim, nesta parte, improcede também a pretensão do recorrente.
Em resumo: atento o exposto, improcede a impugnação da matéria de facto, nos termos pretendidos pelo recorrente.
5. - A natureza retributiva do “complemento de 47%”.
5.1. - Está dado como provado que:
3. Por acordo escrito firmado entre o Requerente e o então C…, datado de 1 de fevereiro de 1992, o primeiro foi admitido ao serviço do segundo por tempo indeterminado, tendo sido enquadrado no Grupo I, Nível 04, sem indicação de categoria”;
“5. No acordo a que se aludiu em 3. foi feita constar uma cláusula 3.ª, com a seguinte redação: “A retribuição mensal do segundo outorgante será igual à que, em cada momento, será fixada no Acordo Coletivo de Trabalho Vertical do Sector Bancário para os empregados do Nível 04, acrescida de 47%”;
6. O Requerente auferiu, em fevereiro de 1992, uma retribuição mensal constituída pelas rúbricas seguintes: a) Vencimento base - Nível 4 (Esc. 80 050$00\€399,29); b) Complemento de 47%, sob a rúbrica de IHT (Esc. 37 623$00\€187,66); c) Subsídio de função (Esc. 2.327$00\€11,61);
7. No mês de Abril de 2015 a remuneração mensal do Requerente era constituída pelas rúbricas seguintes: a) Vencimento base - Nível 13 (€2.227,06); b) Complemento de 46,5%, sob a rúbrica de IHT (€1.131,12); c) Complemento de vencimento (€58,45); d) Diuturnidades (€205,25);
8. Em Julho de 2015 o Requerente, colocado na Direção de Recuperação de Baixos Montantes, auferia a remuneração mensal seguinte: a) Vencimento base (nível 13) - €2.227,06; b) IHT (46,5%) - €1.131,12; c) Complemento venc. (0,5%) - €58,45; d) Diuturnidades - €205,45”.
5.2. - Sobre a natureza (não) retributiva de prestações complementares, já, por bastas vezes, se pronunciou a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto no mesmo sentido.
Em termos gerais, é nosso entendimento:
“Nos termos do artigo 82.º, n.º 1 da LCT os elementos constitutivos da definição legal de retribuição eram:
a) a retribuição corresponde à contrapartida da actividade do trabalhador;
b) a retribuição tem como pressuposto o pagamento de prestações de forma regular e periódica;
c) a prestação tem que ter um valor patrimonial (em dinheiro ou em espécie). E “Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador” – artigo 82.º, n.º 3 da LCT.
Para além da retribuição base, outras prestações existem que são pagas ao trabalhador, e a que se chamam “prestações salariais suplementares”.
Quanto a estas Motta Veiga escreveu: (…) “As remunerações complementares somente podem fazer parte da retribuição “stricto sensu”, ficando sujeitas à respectiva disciplina legal se, nos termos do contrato de trabalho ou dos usos, assumirem carácter regular ou habitual, e deverem portanto considerar-se como elemento integrante da remuneração do trabalhador, sobretudo se forem pagos por forma a criar no espírito deste a convicção de que constituem complemento normal do seu salário” – Lições de Direito do Trabalho, 6.ª edição, página 471. (negrito nosso).
Do mesmo modo, Bernardo da Gama Lobo Xavier, com a colaboração de P. Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, defendem que “As ideias de regularidade e periodicidade estão também inspiradas na necessidade de calcular uma retribuição-tipo, global e abstracta, ordinária, de carácter normal, porque esse cálculo é indispensável para certas aferições no plano do Direito do Trabalho e em que, portanto, deve ser excluído tudo o que for esporádico ou atípico. Excluem-se assim do conceito de retribuição certas atribuições anormais e problemáticas, que por isso mesmo não devem ser computadas num rendimento com que se pode seguramente contar. Essas exclusões são compensadas pela abrangência de prestações, que muito embora não sejam à partida retribuição, nela acabam por ser integradas dado o seu carácter regular e permanente, que faz com que o trabalhador as preveja como normais no seu orçamento, isto é, conte com elas” – Iniciação ao Direito do Trabalho, 3.ª edição, página 331.
A mesma definição legal de retribuição constou no artigo 249.º, do CT/2003, e consta no actual artigo 258.º do CT/2009.”.
[Transcrevemos a fundamentação exposta no Proc. n.º 2509/2015.2T8AVR.P1, por nós relatado].
Ora, o “complemento de 47%”, previsto no contrato de trabalho subscrito pelas partes em 01 de Fevereiro de 1992, foi pago pelo recorrente, todos os meses do ano, incluindo no subsídio de natal (cf. recibo de vencimento de novembro de 1993, junto a fls. 92 dos autos) até junho de 2015 (cf. ponto 11. dos factos provados), ou seja, durante 23 anos e 6 meses, ininterruptamente.
O recorrente alega que tal “complemento de 47%” mais não era do que “retribuição por isenção de horário de trabalho”, como consta dos recibos de vencimento entregues ao recorrido.
Acontece que à data em que o contrato de trabalho foi celebrado, sobre a duração e organização temporal do trabalho, vigorava o regime publicado pelo DL n.º 409/71, de 27.09, cujo artigo 13.º - isenção do horário de trabalho – dispunha:
“1. Podem ser isentos de horário de trabalho, mediante requerimento das entidades empregadoras, os trabalhadores que se encontrem nas seguintes situações:
a) Exercício de cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização;
b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que pela sua natureza só possam ser efectuados fora dos limites dos horários normais de trabalho;
c) Exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia.
2. Os requerimentos de isenção de horário de trabalho, dirigidos ao INTP, serão acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos documentos que sejam necessários para comprovar os factos alegados.”
E o artigo 14.º acrescentava:
1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho fixarão as retribuições mínimas a que, no caso de serem isentos, terão direito os trabalhadores por eles abrangidos.
2. Na falta de disposições incluídas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição especial, que não será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia.
3. Podem renunciar à retribuição referida no número anterior os trabalhadores que exerçam funções de direcção na empresa.”.
Assim, no âmbito deste regime, eram “requisitos indispensáveis da isenção do horário de trabalho o requerimento do empregador, o consentimento expresso do trabalhador e a autorização da I.G.T.. Sem esta autorização não havia isenção de horário de trabalho, com o especial regime do DL n.º 409/71”, como decidiu o acórdão do TRCoimbra, de 07.03.1996, Col. Jur., 1996, 2.º-64. (negrito nosso).
Ora, o recorrente não alegou, nem muito menos provou, que tenha dado cumprimento ao disposto no artigo 13.º, n.º 2, do DL n.º 409/71, de 27.09, e consequente autorização da I.G.T. (Inspecção Geral do Trabalho, actual A.C.T.).
O recorrente alegou no ponto 10. das conclusões de recurso que o regime de isenção de horário de trabalho foi ratificado, através de acordos, conforme os documentos 3, 4 e 5 juntos com a contestação.
Ora, para além do teor destes documentos não ter sido considerado na decisão recorrida, o doc. n.º 3, datado de 14.03.2000, dirigido ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições do Trabalho, é subscrito por G…, S.A. e não pelo requerido/recorrente. Além disso, as Declarações – docs, 4 e 5 - subscritas pelo requerente/recorrido não estão datadas e referem-se a pedidos de H…, S.A., e de Banco I….
Mas mais importante: nenhum desses documentos comprova a necessária autorização de isenção de horário de trabalho pela I.G.T, com o especial regime do DL n.º 409/71. [cf. o artigo 218.º do CT/2009, sobre a falta, no caso em apreço, dos requisitos para a isenção de horário de trabalho].
Deste modo, não há elementos de facto nos autos que permitam concluir que o requerente/recorrido estivesse isento de horário de trabalho, ao serviço do recorrente/requerido, e, consequentemente, beneficiasse da retribuição especial prevista no artigo 14.º, n.º 2, do citado DL n.º 409/71, de 27.09.
Na falta desses elementos de facto, outra solução não resta do que avaliar a natureza do “complemento de 47%” à luz do critério definido no artigo 82.º da LCT e artigo 258.º do CT/2009.
E, como supra referido, tendo tal complemento sido pago ao requerente, mensal e ininterruptamente, durante 23 anos e 6 meses, tem natureza retributiva, tanto mais que, constituindo quase metade do valor monetário auferido mensalmente pelo requerente, criou “no espírito deste a convicção” de que constituía um complemento normal do seu salário.
Além disso, o recorrente também não ilidiu a presunção estabelecida no artigo 82.º, n.º 3, da LCT, e no artigo 258.º, n.º 3, do CT/2009.
Diga-se, a propósito, que a noção de retribuição do artigo 82.º da LCT consta, actualmente, no artigo 258.º - Princípios gerais sobre a retribuição – do Código do Trabalho (CT), que dispõe:
1 – Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 – A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3 – Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 – À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.”.
Em conclusão: o “complemento de 47%”, previsto no contrato de trabalho subscrito pelas partes em 01 de Fevereiro de 1992, e pago ao requerente, mensal e ininterruptamente, durante 23 anos e 6 meses, tem natureza retributiva.
6. - A irredutibilidade da retribuição.
O princípio da irredutibilidade da retribuição está consagrado no artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do CT/2009 (normativo vigente à data da supressão do “complemento de 47%”, ocorrida em julho de 2015), que prescreve: “É proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.
[O artigo 129.º do CT/2009, corresponde ao artigo 122.º do CT/2003].
Tal imposição assenta na dependência económica a que está sujeito o trabalhador, dado que, na maioria dos casos, a retribuição constitui o seu único meio de subsistência.
A proibição de diminuir a retribuição do trabalhador contemplada na alínea d) do n.º 1 do artigo 129.º não implica, sem mais, uma proibição do empregador alterar unilateralmente o conteúdo de uma retribuição, dita mista, do trabalhador.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender, nos casos em que a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos, que é lícito ao empregador não só alterar o quantitativo de alguma delas, como proceder à sua eliminação, desde que o quantitativo da retribuição global (apurado pelo somatório das parcelas retributivas), resultante da alteração, não se mostre inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração.
[Cf. acórdãos do STJ, de 16.01.2008, de 26.03.2008 e de 4.06.2008, in www.dgsi.pt.].
No caso em apreço, trata-se da diminuição, indevida, da retribuição mensal em “47%”, mais concretamente, 46,5%, em julho de 2015, o equivalente ao valor mensal de €1.131,22.
7.A (in)existência dos pressupostos de um procedimento cautelar.
7.1. - Nas suas conclusões de recurso, o recorrente alega que “15. Não há pois qualquer direito, nem qualquer prejuízo, ou prejuízo grave, e muito menos de difícil reparação; 16. Não estão pois preenchidos os pressupostos da providência cautelar, razão pela qual deverá a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por que julgue improcedente a providência cautelar deduzida contra o Requerido.”.
Por sua vez, a sentença recorrida considerou verificados os três requisitos essenciais ao decretamento deste procedimento cautelar inominado: (i) “a existência de outra acção, já instaurada ou a instaurar (exceto, repete-se, se estiver em causa a inversão do contencioso)”; (ii) “o «periculum in mora»”; e (iii) “o «fumus bonni iuris»”.
7.2.Quid iuris?
7.2.1. - O artigo 362.º - Âmbito das providências cautelares não especificadas -, do CPC, dispõe:
1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2 - O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3 - Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.”.
Constituem, pois, requisitos, de verificação cumulativa, das providências cautelares inominadas, os seguintes: (i) o fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação ao direito do requerente; (ii) a probabilidade séria da existência do direito ameaçado e (iii) a adequação da providência solicitada para evitar a lesão.
No caso em apreço, o requerido procedimento situa-se no espaço das providências cautelares não especificadas, uma vez que não se subsume a nenhuma das providências cautelares tipificadas no Capítulo II, do Titulo IV, do Código de Processo Civil – cf. artigo 362.º n.º 3 do CPC).
7.2.2. - Sobre a “existência do direito ameaçado”, já nos pronunciámos no ponto III.5., reconhecendo que o “complemento de 47%”, previsto no contrato de trabalho subscrito pelas partes em 01 de Fevereiro de 1992, tem natureza retributiva.
7.2.3. - No que reporta ao “prejuízo grave”, está provado que:
- a requerida retirou, unilateralmente, ao requerente, a partir de 1 de julho de 2015, o valor de € 1 131,12 da retribuição mensal total de €3.622,08;
- o agregado familiar do requerente é constituído por quatro pessoas: a esposa, doméstica, desempregada de longa duração (e que não consegue, fruto da idade, obter colocação profissional), e dois filhos, um menor de idade e outra maior, ambos estudantes;
- a única fonte de rendimentos deste agregado familiar é constituída pelo salário auferido pelo requerente ao serviço da requerida;
- os encargos mensais do requerente, e do respectivo agregado familiar, são no montante global de €2.007,40, acrescido das despesas com a educação do filho menor – não obstante o mesmo frequentar o ensino público –, com o vestuário e com o calçado.
- o requerente não consegue já liquidar a totalidade da propina mensal devida pela frequência da universidade por banda da filha – encontrando-se em débito, a tal título, bem como de multas aplicadas pelo não pagamento atempado das ditas propinas, o montante de €2.557,55;
- foi instaurada uma ação executiva contra o requerente, com vista à cobrança do montante de €2.736,18, pelo não pagamento, durante vários meses, das despesas de condomínio de um apartamento T2 que possui em Matosinhos e para a venda do qual não tem até à data interessados;
- o requerido deixou, assim como o respetivo agregado familiar, de fazer refeições fora, de passar férias, de convidar amigos e família para irem a sua casa, de fazer festas de aniversários para os filhos, de aceitar convites para convívios, por forma a reduzir custos com deslocações e prendas, de ir ao cinema ou ao teatro;
Ora, tal factualidade permite sustentar que a demora na decisão a proferir na acção principal acarrete um prejuízo grave ao requerente, atenta a retirada de uma parte substancial da sua retribuição mensal.
Em conclusão: face à factualidade provada, consideramos verificados os requisitos essenciais ao decretamento deste procedimento cautelar inominado, supra enunciados, e reconhecidos na sentença recorrida.
Assim, ainda que por fundamentação não totalmente coincidente, confirma-se a decisão recorrida.
IV.A decisão
Atento o exposto, decide-se julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
As custas do recurso de apelação são a cargo da requerida/recorrente.

Porto, 2018.02.21
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas