Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
721/12.5TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE DA SENTENÇA
DECISÃO SURPRESA
Nº do Documento: RP20181008721/12.5TVPRT.P1
Data do Acordão: 10/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: BAIXA DOS AUTOS À 1ª INSTÂNCIA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 681-A, FLS 81-97)
Área Temática: .
Sumário: I - Suscitada a título oficioso a apreciação de uma questão de direito, o exercício do contraditório, nos termos do art. 3º/3 CPC dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão perante o objeto do litígio, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida.
II - A omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar “decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º/1 d) CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Contraditório-Nulidade-721/12.5TVPRT.P1
Comarca do Porto
Juizo Central Cv Porto-Juiz 4
Proc. 721/12.5TVPRT
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação declarativa instaurada sob a forma de processo civil experimental em que figuram como:
- AUTOR: B... casado com C..., respetivamente com o NIF ......... e ........., ambos com domicílio profissional na Rua ... n.º ... no Porto; e
- RÉUS: D... e esposa E..., respetivamente com os NIF ......... e ........., ambos residentes na Rua ..., nº ... – ....-... Gondomar;
F..., viúva, com o NIF ......... e residente na Rua ..., nº ..., Hab. .. – ....-... Porto
pede o autor a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 4.500.000,00, por violação da obrigação de não concorrência contratualmente assumida, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Alegou o Autor, em síntese, que celebrou com os 1ºs Réus e a 2ª Ré, em 28/06/2011, o «Acordo» plasmado no documento junto a fls. 25 a 73 dos autos (incluindo anexos), pelo qual e no que aqui releva: (i) os 1ºs Réus obrigaram-se a ceder ao Autor ou à sociedade G..., Lda., as quotas desta sociedade que detinham (uma no valor de € 62.500,00 e outra no valor de € 31.250,00, representativas, no seu conjunto, de 37,5% do capital social) e (ii) a 2ª Ré obrigou-se a ceder ao Autor ou à sociedade G..., Lda., a quota desta sociedade que detinha (no valor de € 62.500,00, representativas de 25% do capital social); sendo certo que o Autor marido era detentor de duas quotas daquela sociedade (uma no valor de € 62.500,00 e outra no valor de € 31.250,00, representativas, no seu conjunto, de 37,5% do capital social).
Mais alegou que as cessões de quotas atrás referidas vieram a ser realizadas e inscritas no registo comercial.
Entre as inúmeras obrigações a que as partes se vincularam no mencionado «Acordo» avulta a “obrigação de não concorrência”, prevista na cláusula 5ª, tendo as partes estabelecido uma cláusula penal (no montante de € 4.500,00, cujo pagamento foi solidariamente assumido por todos os Réus) para o caso de incumprimento de tal obrigação.
Mais alegou que o 1º Réu, em clara violação daquela obrigação de não concorrência, constituiu com os seus filhos uma sociedade H..., Lda., com sede na ...) cujo objecto social é o comércio por grosso de produtos alimentares e bebidas, importação e exportação de produtos alimentares e bebidas, concorrendo de forma direta com a sociedade de que o Autor é sócio.
Acresce que o 1º Réu comercializa bacalhau e peixe congelado fora do distrito de Aveiro (único onde lhe era permitido fazê-lo), fazendo-o também a clientes da sociedade G..., Lda., violando igualmente, deste modo, a referida obrigação de não concorrência.
Considera que mostram-se os Réus, todos eles, solidariamente responsáveis pelo pagamento da quantia peticionada nos autos pelo Autor, correspondente ao montante da mencionada cláusula penal.
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Regularmente citados, os Réus contestaram a ação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Começaram por invocar a ilegitimidade do Autor, da 1ª Ré e da 2ª Ré.
Em sede de impugnação, os réus refutaram a ocorrência de qualquer violação da obrigação de não concorrência, alegando, em síntese, que a constituição, pelo 1º Réu e pelos seus filhos, da sociedade H..., Lda., tendo presente a sede, o capital e o objeto desta sociedade, não consubstancia infração à obrigação de não concorrência, nem aquela constituição causou qualquer dano à sociedade G..., Lda., nem, reflexamente, ao Autor. Por outro lado, o fornecimento de 30 Kg de bacalhau, pelo preço de € 214,65, a uma pessoa residente em ..., reconduziu-se a um ato isolado, sem qualquer afetação da carteira de clientes da sociedade G..., Lda..
A título subsidiário, para o caso de se entender que existiu violação da obrigação de não concorrência, peticionaram os Réus a redução equitativa da cláusula penal (para o valor de € 214,65), alegando, em síntese, que apenas é apontado pelo Autor à sociedade H..., Lda. a prática de um fornecimento de bacalhau, no valor de € 214,65, a comercialização de bacalhau representa menos de 5% do volume global das vendas anuais da sociedade G..., Lda. (sendo certo que as margens de lucro geradas com o comércio de bacalhau são de cerca de 15% do proveito bruto), atingindo o volume de negócios desta sociedade o valor anual de € 90.891.361,74, pelo que aquele ato isolado constitui um ato irrelevante, seja em termos de danos provocados à sociedade G..., Lda. ou, reflexamente, ao Autor, seja como manifestação de vontade em contrariar a obrigação estabelecida de não concorrência.
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O Autor apresentou resposta à matéria da exceção deduzida na contestação, mantendo a posição inicial.
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Estando marcada data para a realização de audiência preliminar, o Autor apresentou nos autos um articulado superveniente, no qual, em síntese, alegou novos factos, praticados pelos Réus, em violação da referida obrigação de não concorrência, concretizados no exercício de atividade concorrencial através da sociedade I..., Lda. (incluindo o registo de marcas e logótipo, apuramento de imagem comercial e patrocínio de eventos) e também no exercício de atividade concorrencial através da sociedade J..., S.A. (esta sociedade é formalmente gerida/administrada por um ex-funcionário da sociedade H..., Lda., cabendo aos Réus o exercício efetivo da atividade da sociedade e a obtenção do respetivo benefício, numa clara atuação em abuso de direito ou abuso de instituto, simulação e fraude à lei).
Terminou o articulado superveniente pedindo a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.
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Os Réus apresentaram resposta ao articulado superveniente, na qual refutaram a existência de qualquer (nova) violação à obrigação de não concorrência, bem como a existência de qualquer litigância de má fé.
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O articulado superveniente foi admitido.
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Foi realizada a audiência prévia, com elaboração de despacho saneador, que julgou improcedente as exceções de ilegitimidade suscitadas na contestação.
Proferiu-se despacho que indicou o objeto do litígio e procedeu-se à seleção dos temas da prova.
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Realizou-se o julgamento, com gravação da prova e observando-se o formalismo legal.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelos fundamentos de facto e de direito atrás expostos, julga-se a ação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvem-se os réus D..., E... e F... do pedido.
Julga-se igualmente improcedente o pedido, formulado pelo Autor, de condenação dos Réus como litigantes de má-fé.
Custas a cargo do Autor”.
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O Autor veio a fls. 2484 (referência 26755894 – requerimento de 14 de setembro de 2017) arguir a nulidade da sentença, com fundamento nos art. 195º, 197º e 199º CPC e juntou documentos.
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Os réus não responderam à reclamação.
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O Autor veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
Primeira: A sentença proferida abstém-se de conhecer do mérito da causa declarando uma nulidade sem que às partes tenha sido dada a oportunidade de debater essa questão e sem que a mesma tenha sido discutida nos articulados ou sequer aflorada na Audiência Prévia que se realizou.
Segunda: Esta decisão não era, não podia, nem devia ser previsível para qualquer dos pleiteantes, nomeadamente porque se baseia numa errada presunção do Senhor juiz a quo, sem qualquer fundamento material, ao arrepio dos documentos que nos autos constam, do expressamente alegado e do pacificamente aceite pelas partes.
Terceira: A decisão proferida, além de não ser processualmente admissível, está em total desacordo com a realidade objetiva e é portanto juridicamente errada.
Quarta: A omissão do convite às partes para tomarem posição sobre questão oficiosamente levantada gera nulidade processual suscetível de influir no exame e decisão da causa.
Quinta: A decisão em crise, da forma como foi proferida, sem conhecimento prévio das partes, constitui uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório.
Sexta: Decidindo como decidiu o senhor juiz a quo fez má interpretação do Direito, violando, nomeadamente os artigos 3.º, n.º 3 e 195º do Código Processo Civil e o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
Termina por pedir a revogação da decisão recorrida, declarando-se a sentença nula e, em consequência a devolução dos autos à 1ª instância.
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Os réus vieram responder ao recurso concluindo que a decisão não merece censura, por não se verificar a apontada nulidade e a decisão não constituir uma decisão surpresa, porque a questão colocada está contida no pedido e causa de pedir.
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A fls. 2547, em 20 de novembro de 2017, proferiu-se o seguinte despacho:
Requerimento / Alegações apresentado pelo Autor (refª 26936900) e resposta / alegações apresentado pelos Réus (refª 27173828):
Admitindo-se que a nulidade processual invocada pelo Autor nas alegações de recurso da sentença (de mérito) proferida nos autos é suscetível de arguição pela via do recurso, na medida em que tal nulidade ficou implicitamente coberta ou sancionada por aquela sentença (questão que se admite não ser líquida), importa declarar que tal nulidade não integra o elenco das nulidades da sentença previstas no art. 615º do CPC, pelo que não há lugar à apreciação da mesma nos termos do disposto no art. 617º do CPC.
É o que se decide”.
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A fls. 2548 proferiram-se os seguintes despachos:
“Considerando que o senhor juiz auxiliar que prolatou a sentença já se pronunciou a fls. 2547 sobre a arguição da nulidade processual, prosseguem os autos.
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Nos termos e para os efeitos do artº 641º nº 1, 615º nº 4 e 617º nº 1 do CPC, redação aqui aplicável, entendo inexistir qualquer nulidade de que devesse ter conhecido, designadamente por omissão de pronúncia, tendo a douta sentença conhecido das questões relevantes que precludiram o conhecimento de hipotéticas outras face à solução dada àquelas (artº 608º nº 2 do CPC), efetuando as diligências probatórias necessárias e suficientes à boa decisão da causa.
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Por ter legitimidade e estar em tempo, admito o recurso interposto da douta sentença, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – artºs 629º, nº1, 631º, nº1, 637º, 638º, nº1, 641º, nº1, 644º, nº1, a), 645º, nº1, a), 647º, nº1 do CPC.
Notifique.
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Junte cópia da gravação da audiência e subam os autos ao Tribunal da Relação do Porto”.
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No Tribunal da Relação proferiu o juiz relator despacho a ordenar a remessa dos autos à 1ª instância para apreciação do requerimento no qual se suscitou a nulidade processual, com os fundamentos que se transcrevem:
“[…]Contudo, o despacho transcrito não se pronunciou sobre a nulidade suscitada no requerimento com referência 26755894 – requerimento de 14 de setembro de 2017 -, [sublinhado nosso] mas apenas sobre os fundamentos das alegações de recurso.
A nulidade da sentença suscitada no requerimento com referência 26755894 – requerimento de 14 de setembro de 2017 – e a fls. 2484, constitui questão prévia e prejudicial em relação ao objeto do recurso.
Como observa LEBRE DE FREITAS[2]: “[o]corrida a nulidade de ato processual que [nos termos do art. 195º/2 CPC] deva acarretar a nulidade da sentença, não são invocáveis o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 613º/1) nem o trânsito em julgado da sentença (art. 628º), que não se dão enquanto a arguição estiver pendente, para entender que o juiz deixa de poder conhecer da nulidade oportunamente arguida ou que esta se sana pelo facto de contra a decisão final não ser interposto recurso, não podendo a sentença subsistir[…]”.
Neste contexto devem os autos baixar à 1ª instância para apreciação da nulidade suscitada a fls. 2484 (referência 26755894 – requerimento de 14 de setembro de 2017), por ser competente para a sua apreciação o juiz do tribunal “a quo”, junto de quem a mesma foi suscitada.
Notifique e oportunamente, a título devolutivo, remeta os autos ao tribunal de 1ª instância”.
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Após baixa dos autos proferiu-se despacho a fls. 2568, com o teor que se transcreve:
“A nulidade suscitada pelo autor (nos termos e para os efeitos dos art. 195º, 197º e 199º CPC) no requerimento agora em análise é a mesma que foi invocada pelo autor nas alegações de recurso da sentença (de mérito) proferida nos autos.
E tal nulidade, enquanto nulidade invocada nas alegações de recurso da sentença, já foi apreciada pelo tribunal (despacho de fls. 2547 dos autos, de 20/11/2017).
Como refere Lebre de Freitas (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume II, 3ª edição, 2018, pag. 739) interpretando o art. 615ºº/4 do CPC no caso da invocação de nulidade por existência de “decisão-surpresa” e citando Ac Rel. Évora de 25.09.2014 (relator Francisco Xavier, in www.dgsi.pt), “revelando-se a nulidade em causa na sentença, é no recurso desta decisão que deve ser invocada a nulidade, não fazendo sentido a arguição de tal nulidade autonomamente perante o tribunal recorrido, quando o interessado tem que recorrer da sentença, sob pena de esta transitar em julgado”.
Ora, no caso dos autos, independentemente da existência ou inexistência da invocada nulidade por verificação de decisão-surpresa, o certo é que tal nulidade foi apreciada pelo tribunal no já referido despacho de fls. 2547 dos autos (datado de 20/11/2017), mostrando-se, assim, prejudicada a apreciação da mesma nulidade, enquanto invocada no despacho com a referência 26755894 (de 14/09/2017), o que se decide.
Notifique.
Após subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto”.
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Notificadas as partes conformaram-se com o decidido.
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Remetidos os autos de novo ao Tribunal da Relação e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
A questão a decidir consiste em saber se a sentença é nula porque foi omitido o exercício do contraditório e proferida decisão surpresa.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1.O Autor é irmão do 1º Réu e ambos são filhos da 2ª Ré.
2. Em vinte e oito de Junho de 2011, o Autor, o 1º Réu e a 2ª Ré eram titulares das seguintes participações sociais na sociedade G..., Lda., com sede na Rua ..., nº ..., no Porto, com o capital social de 250.000,00 €, matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o número único de matrícula e de pessoa coletiva .........:
- O Autor era titular de duas quotas, uma no valor nominal de € 62.500,00 e outra no valor nominal de € 31.250.00, correspondentes, no seu conjunto, a uma percentagem de 37,5% do capital social;
- O 1º Réu era titular de duas quotas, uma no valor nominal de € 62.500,00 e outra no valor nominal de € 31.250.00, correspondentes, no seu conjunto, a uma percentagem de 37,5% do capital social;
- A 2ª Ré era titular de uma quota no valor nominal de € 62.500,00, correspondente a uma percentagem de 25% do capital social.
3. No dia vinte e oito de Junho de 2011, o Autor (e a sua mulher) [Terceiros Contraentes], os 1ºs Réus [Primeiros Contraentes] e a 2ª Ré [Segunda Contraente] celebraram o contrato denominado «Acordo», plasmado no documento junto a fls. 25 a 73 dos autos (incluindo 15 anexos), cujo teor aqui é dado como reproduzido.
4. A cláusula primeira do referido contrato regula o «objecto» do mesmo, nos seguintes termos (no que agora releva):
“CLÁUSULA PRIMEIRA (Objecto):
1.Pelo presente ACORDO, os Primeiros Contraentes comprometem-se a ceder ao Terceiro e/ou a G..., LDA., e o Terceiro compromete-se a comprar ou compromete-se a que a referida sociedade compre, observado o disposto no nº 2 da Cláusula Quarta, livre de quaisquer ónus ou encargos, os seguintes bens de que é titular o cônjuge marido:
a) Uma quota no valor de € 62.500,00 (sessenta e dois mil e quinhentos euros), e
b) Uma quota no valor de € 31.250,00 (trinta e um mil duzentos e cinquenta euros), ambas da Sociedade G..., LDA., representando 37,5% do capital social da mesma.
(…)
2. Pelo presente ACORDO, a Segunda Contraente compromete-se a ceder, livre de quaisquer ónus ou encargos, ao Terceiro e/ou a G..., LDA., e o Terceiro compromete-se a comprar ou compromete-se a que a referida sociedade, observado o disposto no nº 2 da Cláusula Quarta, compre os seguintes bens:
a) Uma quota no valor de € 62.500,00 (sessenta e dois mil e quinhentos euros), correspondente a 25º do capital social da Sociedade G..., LDA.; (…).”.
5. A cláusula segunda do referido contrato regula a matéria do «preço e condições de pagamento», nos seguintes termos (no que agora releva):
“CLÁUSULA SEGUNDA (Preço e Condições de Pagamento):
1. Entre todos os Contraentes é estipulado e aceite, para as cessões de quotas e vendas das ações das referidas sociedades G..., LDA. e L..., S.A., o preço global de € 4.500.000,00 (quatro milhões de euros), o qual será pago aos Primeiros e Segunda Contraentes da seguinte forma:
a) Pagamento através de cheque visado no montante de € 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil euros) em duas prestações:
i) A primeira prestação, no valor de € 2.250.000,00 (dois milhões e duzentos e cinquenta mil euros), será paga com a assinatura dos contratos definitivos;
ii) A segunda prestação, no valor de € 1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), será paga em 31 de Dezembro de 2012;
b) O remanescente, no valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) será pago, na data da outorga dos contratos definitivos, mediante a transmissão para os Primeiros e Segunda Contraentes dos seguintes bens: (…).”.
6. A cláusula terceira do referido contrato regula a matéria da «celebração do contrato definitivo de cessão de quotas», nos seguintes termos (no que agora releva):
“CLÁUSULA TERCEIRA (Celebração do Contrato Definitivo de Cessão de Quotas):
1. Os Contratos Definitivos de cessão de quotas e das compras e vendas aqui acordados serão celebrados o mais brevemente possível, conquanto sejam obtidos todos os documentos necessários para o efeito.
2. A outorga dos Contratos Definitivos será realizada em hora, data e local a indicar pelo Terceiro Outorgante.
3. Acordam todos os Contraentes que, para a celebração do Contrato definitivo referido no nº 1 da presente cláusula, torna-se necessário que, previamente, as partes efetuem uma transação judicial nos processos (…).”.
7. A cláusula quarta do referido contrato regula a matéria das «obrigações da partes», nos seguintes termos (no que agora releva):
“CLÁUSULA QUARTA (Obrigações das partes):
1. Acordam e aceitam todos os Contraentes, para a celebração do presente acordo, a essencialidade e cumprimento das seguintes obrigações:
(…)
2. Os Primeiros e a Segunda Contraentes obrigam-se ainda a assinar tudo o que seja necessário, nomeadamente as deliberações que autorizem as transações a efetuar nos processos (…), conforme minutas que constam dos Anexos n.ºs 10 e 11 respetivamente, bem como assinar atas, alterações estatutárias de quaisquer uma das sociedades supra identificadas e quaisquer outros documentos que se mostrem necessários para a concretização do presente acordo, nomeadamente Ata habilitadora para efeitos de aquisição de quotas próprias e ações (…), tudo conforme Anexo n.º 12.”.
8. A cláusula quinta do referido contrato regula a matéria da «obrigação de não concorrência», nos seguintes termos:
“CLÁUSULA QUINTA (Obrigação de não concorrência):
1.Durante o período de quarenta meses a contar da data em que forem celebrados os contratos definitivos, os Primeiros Contraentes e a Segunda Contraente obrigam-se, cada um por si e ambos solidariamente a não concorrer, direta ou indiretamente, com a Sociedade G..., LDA., em território dos Distritos de Viana do Castelo, Braga, Porto, Aveiro e Viseu.
2. Acordam todos os Contraentes que o disposto no número anterior não se aplicará à comercialização de bacalhau e peixe congelado, exclusivamente, no Distrito de Aveiro.
3. Em conformidade com as obrigações de não concorrência ora assumidas, os Primeiros e Segunda Contraentes obrigam-se a não deter, gerir, operar, cooperar, trabalhar, participar, na qualidade de investidor, administrador, prestar serviços de consultoria ou outros (incluindo nomeadamente referir clientes e contactos, incentivar pessoas ou promover oportunidades que favoreçam o desenvolvimento de clientela, meios humanos e técnicos ou fornecedores, desviar negócios ou potenciar oportunidades a favor de interesses alheios à Sociedade G..., LDA), seja direta e/ou indiretamente, em quaisquer empresas ou entidades cuja atividade seja concorrente com a Sociedade G..., LDA, e em especial exercer a atividade de comércio por grosso e distribuição de produtos alimentares e outras mercadorias, e bem assim Cash & Carry.
4. Os Primeiros e Segunda Contraentes obrigam-se também a não utilizar ou tentar utilizar informações confidenciais relativas à Sociedade G..., LDA, incluindo, sem limitação, informações confidenciais financeiras, de marketing, de métodos de gestão, de técnicas operacionais, de procedimentos e métodos, listas de clientes, detalhes de clientes, negociações passadas ou correntes ou transações relativas a clientes ou ao negócio, presente ou futuro, listas de empregados, manuais de treino e procedimentos, procedimentos para avaliação de pessoal, compilação de procedimentos e relatórios financeiros do negócio.
5. Os Primeiros e Segunda Contraentes reconhecem que o Terceiro Contraente celebrou o presente contrato, confiando (inter alia) nas garantias e obrigações constantes deste contrato e que os compromissos de não concorrência aqui assumidos pelos Primeiros e Segunda Contraentes foram determinantes na fixação do preço de aquisição das Quotas e Ações.
6. Por essa razão, e atendendo ao facto de o preço oferecido no presente contrato contemplar o cumprimento desta disposição de não concorrência, os Contraentes acordam que, verificando-se o incumprimento, por parte dos Primeiros e Segunda Contraentes, das respetivas obrigações de não concorrência, nos termos previstos neste Acordo, ficarão os mesmos obrigados a indemnizar o Terceiro Contraente, pela quantia de € 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil euros), a qual se fixa, nos termos dos artigos 810º e 811º do Código Civil, a título de cláusula penal, sem prejuízo das demais sanções legais aplicáveis.
7. Os Primeiros e Segunda Contraentes reconhecem e acordam expressamente que, em caso de a violação da presente cláusula de não concorrência pelos seus ascendentes, descendentes e cônjuges, será aplicada a sanção prevista no número anterior.
8. Esta disposição não prejudica o direito do Terceiro Contraente de reclamar dos Primeiros e Segunda Contraentes o pagamento de quaisquer indemnizações que lhe sejam devidas em resultado de qualquer outra falta ou incumprimento do presente contrato, bem como a aplicação de quaisquer outras sanções legais.”.
9. A cláusula sexta do referido contrato regula a matéria da «renúncia», nos seguintes termos (no que agora releva):
“CLÁUSULA SEXTA (Renúncia):
1.Os Primeiros e Segunda Contraentes renunciam, de forma definitiva e irrevogável, a quaisquer distribuições de lucros, dividendos ou reservas que não tenham sido efetuadas nas sociedades G..., LDA. (…).
2. Os Primeiros e Segunda Contraentes declaram expressamente que renunciam, com efeitos à data da celebração dos contratos definitivos, a quaisquer cargos de administração que exerciam nas sociedades G..., LDA. (…).”.
10. A cláusula décima do referido contrato regula a matéria da «Execução específica», nos seguintes termos:
“CLÁUSULA DÉCIMA (Execução específica):
Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, qualquer um dos Contraentes poderá recorrer à execução específica nos termos do artigo 830.º do Código Civil Português.”.
11. As cessões de quotas concretizaram-se.
12. Em 28/06/2011, foi levado ao registo (por depósito - Menção Dep. 278) da sociedade G..., Lda. o seguinte facto: transmissão da quota titulada pelo 1º Réu (D...), no valor de € 62.500,00, a favor da sociedade G..., Lda..
13. Em 28/06/2011, foi levado ao registo (por depósito - Menção Dep. 279) da sociedade G..., Lda. o seguinte facto: transmissão da quota titulada pelo 1º Réu (D...), no valor de € 31.250,00, a favor da sociedade G..., Lda..
14. Em 28/06/2011, foi levado ao registo (por depósito - Menção Dep. 280) da sociedade G..., Lda. o seguinte facto: transmissão da quota titulada pelo 2ª Ré (F...), no valor de € 62.500,00, a favor do Autor (B...).
15. A sociedade G..., Lda. tem inscrito no registo comercial o seguinte objeto social: “Importação, exportação, comércio por grosso e a retalho de grande variedade de mercadorias: Cash & Carry.”.
16. A sociedade «H..., Lda.» encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial, estando aí identificada com o NIPC ........., com a sede em Avenida ..., nº ..., R/c, freguesia ..., concelho de Ílhavo, distrito de Aveiro, com o capital social de € 50.000,00 e tendo como objeto social o “Comércio por grosso de produtos alimentares e bebidas” e a “Importação e exportação de produtos alimentares e bebidas”.
17. A constituição desta sociedade foi inscrita no registo em 21/11/2011 (Insc. 1 AP 119), constando como sócios o 1º Réu [D...] (com uma quota inicial no valor de € 20.000,00) e os seus filhos M... (com uma quota inicial no valor de € 15.000,00) e N... (com uma quota inicial no valor de € 15.000,00), cabendo a gerência a todos os mencionados sócios.
18. Não obstante a inscrição registral de algumas transmissões, divisões e unificação das quotas da mencionada sociedade, aqueles sócios mantiveram esta qualidade e a de gerentes.
19. A sociedade H..., Lda. dispõe de uma pequena estrutura de pessoal e dedica-se exclusivamente à comercialização de bacalhau e derivados, fazendo-o, no entanto, para clientes residentes dentro e fora do distrito de Aveiro, incluindo a clientes da sociedade G..., Lda..
20. A sociedade H..., Lda. publicita a atividade comercial que exerce, quer entregando tabelas de preços a diversos clientes, quer através da criação de uma página na internet, tendo mencionado nessa página, por lapso, uma morada situada no Porto e tendo indicado o contacto do sócio N..., filho do 1º Réu, como pessoa responsável.
21. A sociedade H..., Lda. vendeu a O..., cliente da sociedade G..., Lda., com domicílio em ..., Paredes, 30 Kg de bacalhau, pelo preço de € 214,65.
22. A sociedade G..., Lda. constitui uma das grandes empresas do ramo de atividade de “cash & carry”, situada junto ao P..., apresentando um montante global de vendas que, no exercício de 2011, atingiu o montante de € 90.891.361,74, apresentando ainda, no mesmo exercício, um resultado líquido de € 798.963,46.
23. A sociedade G..., Lda. tem uma estrutura de pessoal afeto à sua atividade comercial de cerca de 180 trabalhadores.
24. No universo da atividade comercial da sociedade G..., Lda., a comercialização de bacalhau representa cerca de 6% do volume global das vendas anuais.
25. A comercialização de bacalhau pela sociedade G..., Lda. gerou margens brutas de 4,10% e 3,14% sobre o preço de venda, nos exercícios de 2011 e 2012, respetivamente.
26. A sociedade “I..., Lda.” tem sede na Avenida ..., ..., ..., Ílhavo, Aveiro.
27. A sociedade H..., Lda. adquiriu a Q... uma quota no capital social da “I..., Lda.”, no valor nominal de € 3.117,49, que registou a seu favor em 20 de Janeiro de 2012 (Ap. 30).
28. Na mesma data (Ap. 32), S..., solteiro, maior, residente na Alemanha, cedeu à sociedade H..., Lda., uma quota no valor nominal de € 623,50, resultante de anterior divisão.
29. Na mesma data, (Aps. 33 e 34), S... unificou as duas quotas que detinha no capital social em uma única no valor nominal de € 8.728,97 e a sociedade H..., Lda. unificou as duas quotas que detinha no capital social em uma única no valor nominal de € 3.740,99.
30. Ainda na mesma data, foi inscrita no registo comercial a nomeação do 1º Réu (D...) como gerente único da sociedade I..., Lda. (Ap. 57), sendo que a sociedade fica obrigada em todos os atos e contratos com a assinatura desse gerente único.
31. S... já havia sido nomeado gerente desta sociedade, em 24 de Março de 2011, qualidade a que veio a renunciar no dia 8 de Julho de 2011.
32. Em 26 de Janeiro de 2012, os sócios e gerentes da sociedade H..., Lda. procedem ao registo comercial dos seguintes atos:
- O sócio D... (1º Réu), dividiu a quota que possuía na identificada sociedade em duas, uma no valor nominal de € 14.000.00, que reservou para si, e outra, no valor nominal de € 6.000,00, que cedeu à sociedade I..., Lda.;
- O sócio N... (filho do 1º Réu), dividiu a quota que possuía na identificada sociedade em duas, uma no valor nominal de € 10.500.00, que reservou para si, e outra, no valor nominal de € 4.500,00, que cedeu à sociedade I..., Lda.;
- A sócia M... (filha do 1º Réu), dividiu a quota que possuía na identificada sociedade em duas, uma no valor nominal de € 10.500.00, que reservou para si, e outra, no valor nominal de € 4.500,00, que cedeu à sociedade I..., Lda.;
- A sociedade I..., Lda., unificou as três quotas adquiridas numa única, no valor nominal de € 15.000,00€.
33. A sociedade I..., Lda. não apresentou atividade no ano de 2010, no ano de 2011 apresentou vendas que atingiram o valor global (sem IVA) de € 1.632.059,92 e no ano de 2012 apresentou vendas que atingiram o valor global (sem IVA) de € 2.372.255,09.
34. Em 29/02/2012, a sociedade I..., Lda. solicitou ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) o registo de uma marca nacional, de natureza mista, constituída por uma combinação de elementos figurativos (um peixe) e nominativos, no qual se destacam as palavras “T...”, destinada a identificar produtos da classe “alimentos à base de peixe; peixe não vivo”.
35. Tal pedido obteve deferimento, tendo a marca em causa sido registada, com as características pretendidas, em 11/05/2012, sob o nº .......
36. Em 22/05/2012, a sociedade I..., Lda. solicitou ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) o registo de uma marca nacional, de natureza mista, constituída por uma combinação de elementos figurativos (um bacalhau) e nominativos, no qual se destacam as palavras “I1...”, destinado a identificar produtos da classe “peixe não vivo”.
37. Tal pedido obteve deferimento, tendo a marca em causa sido registada, com as características pretendidas, em 20/08/2012, sob o nº .......
38. Em 02/02/2012, a sociedade H..., Lda. solicitou ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) o registo de uma marca nacional – “U...” –, de conteúdo meramente nominativo, destinada a identificar “peixe não vivo”, o qual veio a ser recusado com fundamento no disposto nos artigos 223º, nº 1, alínea c) e 238º, nº 1, alínea c) do Código da Propriedade Industrial.
39. Em 02/03/2012, N... (filho dos 1ªs Réus e sócio e gerente da sociedade H..., Lda.) solicitou ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) o registo de um logotipo de natureza mista, constituído por uma combinação de elementos figurativos (um lombo de bacalhau) e nominativos, no qual se destacam as palavras “U...”, destinado a identificar produtos alimentares.
40. Tal pedido obteve deferimento, tendo o logotipo em causa sido registado, com as características pretendidas, em 29/06/2012, sob o nº ......
41. A sociedade H..., Lda., numa estratégia comercial e de marketing dirigida à criação de uma identidade corporativa e de design para os seus negócios, contratou a empresa “V...” (que se apresenta como “uma empresa multidisciplinar que procura a excelência nas soluções de comunicação e desafia a indiferença através de um conceito inovador de comunicação nas propostas aos seus clientes”), a qual desenhou a cuidadosa imagem gráfica dos cartões de visita, do papel de correspondência, dos competentes envelopes e até procedeu à “criação de caixa para Bacalhau salgado seco da marca U1...”.
42. A sociedade I..., Lda. evidencia cuidado comercial e de imagem na apresentação dos produtos, nomeadamente no catálogo on-line que é disponibilizado e na utilização das marcas e logotipos registados.
43. A sociedade «J..., S.A.», constituída e registada em 27/07/2012, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial, estando aí identificada com o NIPC ........., com a sede na Avenida ..., ..., Loja ., freguesia ..., concelho de Anadia, distrito de Aveiro e tendo como objeto social o “Comércio por grosso de produtos alimentares e bebidas. Importação e exportação de produtos alimentares e bebidas.”.
44. O capital social é de € 50.000,00, dividido em 10.000 ações de valor nominal de € 5,00, sendo que tais ações são nominativas ou ao portador e reciprocamente convertíveis.
45. Do contrato de sociedade resulta que as 10.000 ações pertencem a:
a) 9996 ações pertencem a W...;
b) 1 ação pertence a X..., casado com Y...;
c) 1 ação pertence a Y..., casada com X...;
d) 1 ação pertence a Z... e e) 1 ação pertence a AB..., casado com AC....
46. A sociedade J..., S.A. tem como administrador único (e titular de 99,96% do seu capital social) W....
47. W... foi funcionário da sociedade H..., Lda. até 31/07/2012 (data em que cessaram os descontos para a Segurança Social com trabalhador por conta daquela sociedade).
48. Entre Agosto e Dezembro de 2012 (primeiros cinco meses de atividade), a sociedade J..., S.A. efetuou vendas no montante de, pelo menos, € 147.754,65.
49. A atividade comercial da sociedade J..., S.A. é levada a cabo a partir de um armazém sito na ..., nº ..., ..., Vila Nova de Gaia.
50. A sociedade J..., S.A. usa, na publicidade institucional que leva a cabo, o logotipo de natureza mista, constituído por uma combinação de elementos figurativos (um lombo de bacalhau) e nominativos, no qual se destacam as palavras “U...”, que foi registado, em 29/06/2012, a favor de N..., conforme atrás referido, recorrendo ainda à imagem gráfica criada pela empresa “V...” para a sociedade H..., Lda..
51. As sociedades H..., Lda. e I..., Lda. são os fornecedores de bacalhau à sociedade J..., S.A., pelo que o 1º Réu e o seu filho N... frequentam as instalações desta sociedade, o mesmo acontecendo com o veículo automóvel Volkswagen ..., propriedade da sociedade H..., Lda., que aí descarrega com regularidade caixas de bacalhau.
-
- Factos não provados:
1. A venda da H..., Lda. a O... constituiu um ato isolado e foi efetuado a contrário das instruções da administração e com contornos que indiciam que se tratou de um ardil.
2. A sociedade H..., Lda. não faz prospeção física de mercado fora do distrito de Aveiro.
3. Através da marca “U1...”, os Réus patrocinam ou apoiam uma equipa de ciclismo, supostamente amadora.
4. Participando, como patrocinadores, no Festival do Bacalhau, promovido no âmbito do festival gastronómico “...”, realizado na ... de 26 de Agosto a 1 de Setembro de 2013.
5. A atividade da sociedade J..., S.A., e respetivo benefício, é levada a cabo pelos Réus, através de um seu funcionário (W...), tendo os Réus dotado aquela sociedade dos meios materiais para o exercício da atividade, indicado ao seu funcionário os clientes finais e aparecendo, a estes clientes, como interlocutores no negócio em causa, com o propósito de desviar clientela da sociedade G..., Lda..
6. O 1º Réu e o seu filho N... são presença diária nas instalações da sociedade J..., S.A., em ..., aí recebendo clientes, dando ordens e instruções a funcionários, supervisionando a carga e descarga de viaturas de transporte.
-
3. O direito
- Da nulidade da sentença -
A apelante insurge-se contra a sentença, porque sem prévio exercício do contraditório, decidiu de mérito com base em questão suscitada oficiosamente: a nulidade do ato de cessão de quotas, por inobservância de forma legal. Entende que a omissão do contraditório constitui uma nulidade que interfere na boa decisão da causa e determina a nulidade da sentença.
A apelada considera, por sua vez, que a decisão em recurso conheceu do mérito da causa, declarando uma nulidade substancial que fere a subsistência do contrato de cessão de quotas, por via da qual, a não observância dos pressupostos formais para a sua transmissão, a lei comina a nulidade, declaração que acabou por ser proferida nestes autos.
Considera, atento o disposto no art. 220º CSC, que a aquisição de quotas próprias para ser válida obedece à observância de vários requisitos, qualificando-se como nulidade absoluta a aquisição à margem dessas imposições legais.
O apelante instaurou a ação no pressuposto da “...a existência de uma cessão de quotas válida e eficaz”, mas que não se verifica. Carece e depende à legalidade da aquisição, que alegasse e provasse quais as reservas livres da sociedade que existiam no momento da aquisição, o que não foi efetuado, o que não foi demonstrado nos autos e que a lei qualifica de nulidade absoluta.
Mais alega que ainda que tenha formalizado o registo comercial da aquisição das quotas, o mesmo não é constitutivo de direitos, não supre o regime das nulidades ad substantiam. Nesta parte, o recorrente não deu cumprimento ao seu ónus de alegação e prova do cumprimento do estabelecido naquele normativo pelo que a ação jamais deveria proceder.
Refere, ainda, que a apelada não defendeu na instância exceção perentória, a nulidade da cessão de quotas e o tribunal apreciou oficiosamente e declarou a nulidade das cessões e tal decisão podia ser proferida porque se conteve dentro limites do pedido formulado e da respetiva causa de pedir.
Está em causa reapreciar o segmento da fundamentação da sentença que determinou a improcedência da ação e se passa a transcrever:
2. Estando assente que a matéria da obrigação de não concorrência e a matéria da cessão de quotas da sociedade G..., Lda. estão reguladas de forma diferente no mencionado «Acordo» (a primeira a título definitivo e a segunda como mero contrato promessa de cessão de quotas), importa analisar a questão da concordância prática entre tais matérias ou, dito doutro modo, importa averiguar o modo de aplicação conjunta das referidas vinculações contratuais.
A resposta à questão agora enunciada encontra resposta no teor literal do mencionado «Acordo».
Efetivamente, o nº 1 da Cláusula Quinta (Obrigação de não concorrência) do «Acordo» estabelece que: “Durante o período de quarenta meses a contar da data em que forem celebrados os contratos definitivos [sublinhado nosso], os Primeiros Contraentes e a Segunda Contraente obrigam-se, cada um por si e ambos solidariamente a não concorrer, por ter direta ou indiretamente, com a Sociedade G..., LDA., em território dos Distritos de Viana do Castelo, Braga, Porto, Aveiro e Viseu.”.
Resulta evidente, portanto, que a obrigação de não concorrência só vigora a partir da data em que forem celebrados os contratos definitivos de cessão de quotas.
Quer dizer, a ocorrência de uma situação de violação da obrigação de não concorrência impõe, desde logo, a existência de uma cessão de quotas válida e eficaz.
Ora, é aqui que a presente ação tem de improceder, na medida em que o Autor não logrou demonstrar, como lhe competia (cfr. art. 342º, nº 1, do CC), a existência de uma cessão de quotas válida e eficaz.
Vejamos.
Como é sabido, quota é a designação legal da participação social de uma sociedade por quotas (art. 197º, nº 1, do CSC), correspondendo ao «conjunto unitário de direitos e obrigações atuais e potenciais do sócio enquanto tal».
Não obstante a controvérsia em torno da natureza jurídica do referido conjunto de direitos e obrigações (nomeadamente, a sua qualificação como coisa em sentido restrito, i.e., como objecto de direito de propriedade), é incontroverso que a quota pode ser objeto de negócios jurídicos, designadamente, translativos, ou seja, cujo principal efeito prático-jurídico querido pelas partes é, justamente, a transmissão da titularidade (propriedade) respetiva (por ex., compra e venda, doação, dação pró soluto).
O cariz personalístico da sociedade por quotas (resultante do regime legal estabelecido para esta forma societária) conduz a uma menor aptidão de circulação das quotas relativamente às ações.
Nas sociedades por quotas, os sócios são solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato social (art. 197º, nº 1, do CSC), os direitos e obrigações que compõem cada quota podem ser «personalizados», mormente através da criação de direitos especiais, que, inclusivamente, podem ser nominais e intransmissíveis (art. 24º, nº 3), os gerentes devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios (art. 259º), a cessão de quotas depende do consentimento da sociedade (art. 228º) e não podem ser emitidos títulos representativos de quotas (art. 219º, nº 7), sujeitando a cessão, circunstâncias que, sem dúvida, limitam a referida aptidão de circulação.
Ao contrário do que sucede com a transmissão das ações (subordinada à disciplina da circulação dos títulos de crédito), a transmissão (voluntária) de quotas está sujeita ao regime da cessão de direitos, que se pauta pelos princípios da causalidade (e da aquisição derivada) e da consensualidade (sistema do título) ou, para quem as qualifique como coisas, ao regime da transmissão das coisas móveis (sujeitas a registo) que, entre nós, permanece dominado por aqueles mesmos princípios, a que se soma o princípio da publicidade.
Quer dizer, a transmissão (voluntária) da titularidade das quotas supõe (i) a existência e (ii) a validade de um contrato-título, por ex., a compra e venda, doação, como causa da mesma.
Ora, tal contrato-título ou negócio-causa, deve constar de documento escrito (art. 228º, nº 1, do CSC).
Desde a entrada em vigor do DL nº 76-A/2006, de 29-03, é suficiente um documento particular. Até então, os negócios sobre quotas (designadamente, a sua cessão) estavam sujeitos à forma de escritura pública.
Importa não esquecer que, nos termos do disposto no art. 4º-A do CSC (também ele introduzido pelo DL nº 76-A/2006, de 29-03), “a exigência ou a previsão de forma escrita, de documento escrito ou de documento assinado, feita no presente Código em relação a qualquer ato jurídico, considera-se cumprida ou verificada ainda que o suporte em papel ou a assinatura sejam substituídos por outro suporte ou por outro meio de identificação que assegurem níveis pelo menos equivalentes de inteligibilidade, de durabilidade e de autenticidade”.
Este novo preceito teve em vista, tão só, a possibilidade de substituição da “forma escrita” por “outro suporte” (concretamente, os denominados documentos eletrónicos, autenticados com assinatura digital) e não a pura e simples supressão da exigência de forma para os negócios sobre quotas, mantendo-se a qualificação da forma legalmente prescrita para o ato em causa como formalidade ad substanciam (e não como mera formalidade ad probationem) – cfr. arts. 219º, 220º e 364º, nº 1, do CC.
O art. 228º do CSC estabelece requisitos adicionais para a transmissão (voluntária) da titularidade das quotas (consentimento, publicidade e/ou comunicação), mas estes requisitos não se prendem com a existência e/ou validade do ato, mas sim com a respetiva eficácia.
No entanto, quando está em causa a aquisição de quotas próprias (e, nos factos provados, consta a inscrição da cessão de quotas a favor da sociedade G..., Lda.), o art. 220º do CSC estabelece requisitos apertados para esta forma de aquisição (voluntária) de quotas, sendo certo que a sua inobservância é cominada com a nulidade da aquisição (nº 4 do referido artigo).
No caso dos autos, resultou provada a realização da cessão de quotas da sociedade G..., Lda.. Contudo, não resultou provado que tal cessão tenha observado a forma legal, sendo, por isso, nula, não produzindo os respetivos efeitos (tendo igualmente ficado por demonstrar outros requisitos de eficácia de tal cessão).
A consequência da ausência de produção de efeitos da cessão de quotas é, inevitavelmente, a ausência de vigência ou de produção de efeitos da «obrigação de não concorrência» acordada entre as partes.
Em suma, a presente ação tem de improceder, ficando prejudicada a apreciação das demais questões colocadas pelas partes”.
Antes de avançar na análise da questão colocada no recurso, cumpre ter presente que a sentença apreciou da falta de forma legal para a cessão de quotas próprias e foi com tal fundamento, que se considerou que o ato de cessão não produziu efeitos e consequentemente se deu sem efeito a cláusula de não concorrência.
Nos termos do art. 220º/3 CSC “são nulas as aquisições de quotas próprias com infração do disposto neste artigo”. Trata-se de um nulidade absoluta por contraposição à anulabilidade[3], sendo por isso de conhecimento oficioso ( art. 286º CC ).
O tribunal pode conhecer independentemente de as partes terem suscitado o vício, sem prejuízo dos factos serem trazidos ao processo de acordo com as regras do princípio do dispositivo.
A questão que se coloca consiste, assim, em saber se estando em causa matéria de conhecimento oficioso e como referem os apelados compreendida, ainda, na causa de pedir e no pedido, porque o apelante instaurou a ação no pressuposto da validade e eficácia do ato – cessão de quotas -, se mesmo assim, devia ser cumprido o contraditório.
Nos termos do art. 3º/3 CPC “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Dispõe, por sua vez, o artigo 4.º do mesmo diploma legal: “[o] tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.
Como observa LEBRE DE FREITAS[4] a consagração do princípio da proibição das decisões surpresa, resulta de uma conceção moderna e mais ampla do princípio do contraditório,“[…]com origem na garantia constitucional do Rechtiches Gehör germânico, entendido com uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.
O princípio do contraditório no plano das questões de direito exige que antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie[5].
Conforme resulta do regime legal o juiz deve fazer cumprir o princípio do contraditório em relação às questões de direito, mesmo de conhecimento oficioso, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.
Pretende-se, por esta via, evitar a formação de “decisões-surpresa”, ou seja, decisões sobre questões de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente sem que tenham sido previamente consideradas pelas partes.
Dispensa-se a audição da parte contrária em casos de manifesta desnecessidade, o que pode ocorrer quando:
- “as partes embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação;
- quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida; ou
- quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar a irregularidade ou uma insuficiência expositiva”[6].
Na interpretação do conceito de “decisão-surpresa” o Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que “o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efetuada (Ac. STJ 11 de fevereiro de 2015, Proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, www.dgsi.pt).
Por outro lado, considera-se que o cumprimento do contraditório não significa “que o tribunal «discuta com as partes o que quer que seja» e que alivie as mesmas «de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão»”(Ac. STJ 09 novembro de 2017, Proc. 26399/09.5T2SNT.L1.S1, Ac STJ 17 de junho de 2014, Proc. 233/2000.C2.S1 www.dgsi.pt).
Considera-se, ainda, que: “[h]á decisão surpresa se o Juiz, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio. Ou seja, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever” (Ac. STJ 19 de maio de 2016, Proc. 6473/03.2TVPRT.P1.S1, www.dgsi.pt ).
LOPES DO REGO defende que “[…]na audição excecional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela”[7].
O exercício do contraditório dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida.
No caso presente o autor através da presente ação visa obter a indemnização, previamente estabelecida em cláusula penal, pelo exercício de atividade concorrente por parte dos réus. A cláusula de não concorrência ficou estabelecida em contrato subscrito pelo autor e réus (cláusula 5ª) e na posição defendida pelo autor existe uma relação entre a convenção de cessão de quotas e a cláusula de não concorrência (art. 21º da petição- A vontade negocial das partes assentou no facto do A. ter aceite celebrar os contratos de cessão de quotas, confiando nas garantias e na obrigação e compromisso de não concorrência, tendo estas sido determinantes na fixação do preço de aquisição das quotas e ações – cfr. n.º 5 da cláusula quinta do acordo).
Na contestação os réus para além de considerarem que as partes são ilegítimas (autores e réus), em sede de impugnação entendem que não existiu qualquer prática concorrencial e terminam por pedir a redução equitativa da cláusula penal que fixou a indemnização devida pelo exercício de prática concorrencial.
Em sede de saneador ficou definido como objeto do litígio a “responsabilidade Civil dos Réus emergente da violação da obrigação de não concorrência contratualmente assumida pelo acordo escrito celebrado a 28-06-2011 entre as partes”.
Os temas de prova resumiram-se às seguintes matérias:
1-Apurar se os Réus incorreram no incumprimento da obrigação de não concorrência contratualmente assumida nos nºs 1, 2, 3º da cláusula quinta do acordo escrito celebrado a 28-06-2011 entre as partes.
2- Apurar se a constituição da sociedade H... não causou prejuízos à sociedade G..., Lda” nem ao autor.
3 - Apurar se o autor não cumpriu a obrigação contratualmente por este assumida de “no prazo de 12 meses, diligenciar junto da AD... e do AE... pela libertação das garantias pessoais prestadas pelos primeiros e segunda outorgantes junto daquelas instituições bancárias”.
4- Apurar se a cláusula penal fixada na cláusula quinta do acordo celebrado entre as partes é manifestamente excessiva.
Os autos prosseguiram os seus termos, sem que fosse suscitada a título oficioso ou pelas partes, a validade e eficácia do contrato de cessão de quotas, a que se reporta o acordo celebrado em 28 de junho de 2011.
Na sentença, em sede de fundamentação de facto, faz-se a primeira abordagem da questão, na segunda questão factual e passa a transcrever-se:
B) Como segunda questão factual temos a matéria relativa à cessão definitiva das quotas e da respetiva inscrição no registo, bem como a matéria do objeto social da sociedade G..., Lda..
Estão em causa os factos provados sob os nºs 11 a 15.
Também estes factos foram admitidos por acordo.
Cumpre referir, no entanto, que a admissão pelos Réus dos factos alegados no art. 6º da petição inicial corresponde a uma admissão da concretização factual da cessão de quotas (e da respectiva inscrição no registo – facto demonstrado pela junção aos autos da matrícula e respetivas inscrições da sociedade atrás identificada).
Questão diferente, reservada para a análise jurídica da causa, é a que respeita aos requisitos de validade e eficácia da mencionada cessão de quotas”.
Contudo, não resulta de tais observações que em sede de produção de prova ou julgamento, as partes tenham sido confrontadas com a questão – validade e eficácia da cessão de quotas. A própria apelada, na resposta ao recurso não o refere.
A análise desta questão em sede de sentença, a título oficioso, não foi precedida do contraditório, pois as partes não foram convidadas a pronunciar-se sobre esta nova perspetiva de abordagem da questão em litígio, ou seja, a validade da causa ou fonte da obrigação de não concorrência, pois na sentença considerou-se que a cessão de quotas e a cláusula de não concorrência estavam interligadas, com o sentido de não sendo valida a cessão de igual forma não se pode considerar válida a cláusula de não concorrência.
Os réus na resposta ao recurso admitem que não suscitaram a exceção.
Perante os elementos que constam dos autos, não se pode considerar que fosse exigível que tivessem suscitado tal exceção ou que o apelante não ignorasse que a questão podia ser conhecida a título oficioso pelo tribunal.
Estamos perante um acordo complexo, que visa a regulamentação de várias questões que opunham as partes, todos familiares. A alegada cessão foi objeto de registo na competente conservatória do registo comercial, o que desde logo transmite uma presunção de validade do ato de cessão levado ao registo, através do competente ato onde foi formalizada.
Ainda que se admita que a questão da validade da cessão de quotas constitui matéria de conhecimento oficioso, não se pode considerar que mesmo implicitamente decorria dos factos dados como assentes e alegados pelas partes, que era expetável que a mesma poderia ser apreciada oficiosamente em virtude do tribunal não estar vinculado ás alegações de direito das partes (art. 5º CPC).
Todo o litígio foi conduzido no sentido de se apurar se existia ou não atividade concorrente. Não se discutia a cessão de quotas, matéria que as partes dão como assente, nem a validade do acordo celebrado em 28 de junho de 2011.
Somos pois levados a considerar que não seria expetável que no contexto definido como objeto do litígio se abordasse a validade da cláusula de não concorrência tal como ficou decidido na sentença.
A decisão não se mostra favorável à parte não ouvida, pois o autor viu denegada a sua pretensão à indemnização com fundamento em exercício de atividade concorrente por parte dos réus. As partes nunca foram convidadas a formalizar o aperfeiçoamento dos articulados no pressuposto de se discutir a validade da cessão de quotas. Não se revela ser desnecessário o exercício do contraditório.
Ainda que a apreciação da validade da cessão de quotas possa constituir matéria de conhecimento oficioso, tal circunstância não dispensava o Tribunal do exercício do prévio contraditório, ao abrigo do art.3º/3 CPC.
A omissão do exercício do contraditório constitui uma nulidade processual.
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais“[8].
Atento o disposto nos art. 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como referia o Professor ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[9].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º CPC.
A omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art. 199º CPC.
Neste sentido se pronunciaram, entre outros, o Ac. STJ 02 de julho de 2015, Proc. 2641/13.7TTLSB.L1.S1, Ac. STJ 29 de janeiro de 2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt).
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa.
No sentido de interpretar o conceito o Professor ALBERTO DOS REIS tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela“[10].
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC, ou seja, a partir da data em que as partes foram notificadas da sentença.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196º a 199º CPC.
Contudo, no caso concreto, o apelante apesar de nas conclusões de recurso fazer expressa alusão ao regime das nulidades processuais, termina por pedir a declaração de nulidade da sentença.
A nulidade processual é distinta da nulidade da sentença, uma vez que a nulidade por falta de pronúncia, a que alude o art. 615º/1 d) CPC está diretamente relacionada com o comando do art. 608º/2 do mesmo Código, reportando-se ao não conhecimento das questões (que não meros argumentos ou razões) relativas à consubstanciação da causa de pedir e do pedido[11].
Nos termos do art. 615º 1 / d) CPC a sentença é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” – art. 608º/2 CPC.
Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença: deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Não ignoramos que dentro de certa linha de entendimento[12] se tem considerado que a “omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia. Nestas circunstâncias o juiz está a tomar conhecimento de questão não suscitada pelas partes, sem prévio exercício do contraditório.
Esta interpretação revela-se coerente com a atual conceção do principio do contraditório, entendido como “garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”[13]. O direito de influir no êxito da ação, mais não será do que mais uma emanação do principio da tutela jurisdicional efetiva previsto no art. 20º CRP.
No caso presente verificando-se a omissão do prévio exercício do contraditório, perante uma questão de direito, suscitada oficiosamente e que ditou o fim da ação, a sentença é nula, nos termos do art. 615º/1 d) CPC.
As circunstâncias que determinam a nulidade da sentença impedem que no caso o tribunal de recurso faça uso da regra da substituição, prevista no art. 665º CPC.
Declarando-se a nulidade da sentença devem os autos baixar ao tribunal de 1ª instância, para se cumprir o contraditório em relação à concreta questão da validade da cessão de quotas, face ao critério do art. 220º CSC, após o que será proferida nova sentença.
Procedem, desta forma, as conclusões de recurso.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela parte vencida a final.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, declarar nula a sentença e sem efeito, com fundamento no art. 615º/1 d) CPC, determinar a baixa dos autos à 1ª instância para exercício do contraditório em relação à concreta questão da validade da cessão de quotas, à luz do art. 220º do Código das Sociedades Comerciais, após o que se decidirá.
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Custas pela parte vencida a final.
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Porto, 08 de outubro 2018
(processei e revi – art.131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico
[2] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, Setembro de 2014, pag. 385
[3] RAUL VENTURA Sociedade por Quotas, Vol. I, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 1989, pag. 460
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, Outubro de 2013, pag. 124
[5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, ob. cit., pag. 133
[6] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 10
[7] CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, pag.25
[8] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156
[9] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357
[10] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, ob. cit., pag. 486
[11] Neste sentido Ac. STJ 30.09.2010 – Proc. 3860/05.5 TBPTM.E1.S1 – www.dgsi.pt.
[12] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pág. 21 a 23
[13] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, ob. cit., pag. 125