Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5333/17.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
TERMO INCERTO
CONTRATO DE EMPREGO-INSERÇÃO
CONTRATO DE ESTÁGIO EM CONTEXTO DE TRABALHO
PERÍODO EXPERIMENTAL
ELIMINAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP201806135333/17.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL(2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º277, FLS.294-318)
Área Temática: .
Sumário: I - Não cumpre adequadamente o ónus estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil a mera referência pelo recorrente nas alegações “conforme documentos anexos, com as transcrições”.
II - Sendo a trabalhadora contratada a termo incerto, depois de ter realizado anteriormente, até cerca de quatro meses antes, funções no âmbito de contrato de emprego - inserção que se sucedeu a contrato de estágio em contexto de trabalho, por um período que totalizou cerca de dois anos, tal facto permitiu suficientemente às partes verificarem a conveniência da manutenção da sua vinculação laboral, determinando assim a eliminação do período experimental estabelecido no contrato, por força do disposto no artigo 112.º, n.º 4, do Código do Trabalho.
III - Estabelecendo o artigo 496.º do Código Civil que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, a gravidade do dano, pressuposta pela citada norma, deve medir-se, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto face ao que se mostrou provado, por um padrão objetivo e não em função de fatores subjetivos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 5333/17.4T8PRT.P1
Autora: B…
: Instituto C…, EPE
_______
Relator: Nélson Fernandes
1.ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2.ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. B… instaurou contra Instituto C…, EPE, ação de processo comum emergente de contrato de trabalho, pedindo seja declarada a ilicitude do despedimento da Autora e condenado o Réu no pagamento da quantia de €15.000,00 a título de danos não patrimoniais, bem como na reintegração no respetivo posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou condenar-se o Réu no pagamento da indemnização por antiguidade, conforme opção da Autora, e condenação no pagamento das retribuições deixadas de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, tudo acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Fundamentando o pedido, alega, em síntese: que tendo exercido funções nas instalações do Réu, nomeadamente, na área C5… – C1…, ao abrigo de um contrato de estágio, no período compreendido entre 16 de janeiro de 2014 e 15 de fevereiro de 2015, e contrato de emprego-inserção, no período compreendido entre 2 de março de 2015 e 1 de março de 2016, veio posteriormente, em 30 de junho de 2016, a ser contactada pelo Réu a fim de preencher uma vaga para técnico superior de saúde, do ramo de farmácia e na área C1…, numa altura em que se encontrava grávida, o que era notório, pois estava com 29 semanas e meia de gravidez, sendo que, na sequência desse contacto, veio a celebrar com o Réu um contrato de trabalho a termo incerto, com início em 4 de julho de 2016, com a categoria “Técnico Superior de Saúde”, ramo de farmácia, com horário de 40 horas semanais, vencimento de €1.201,48 e local de trabalho nas instalações da sede do Réu; no dia 20 de julho de 2016, os serviços do Réu solicitaram-lhe o envio de uma confirmação de gravidez, sendo que no dia 22 de julho de 2016 foi convocada para ir ao Departamento de Recursos Humanos do C…, tendo-lhe sido comunicada a decisão de denúncia do contrato a termo incerto assinado em 4 de julho de 2016; como já tinha reconhecida experiência no exercício das funções para as quais tinha sido contratada, tal justificaria o afastamento do período experimental no âmbito do contrato celebrado a 4 de julho de 2016, não sendo ainda a sua gravidez fator impeditivo ou limitativo para a prestação de trabalho, nomeadamente na área C1…, tendo ela também um percurso profissional imaculado, conforme foi reconhecido pelo Réu junto do Ministério da Saúde; ainda que se entenda que o Réu tinha, em tese, o direito de denunciar ou fazer cessar unilateralmente o contrato de trabalho celebrado no período experimental, no caso excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé e sobretudo pelo fim social e económico do contrato de trabalho, sendo que a denúncia do contrato durante o período experimental não teve por base a insatisfação com o seu desempenho profissional ou com as suas faltas de qualidades ou aptidões profissionais, resultando antes da circunstância de estar grávida, o que configura uma atuação com abuso de direito. Mais alega que, estando em situação idêntica em relação a outra trabalhadora, o Réu optou por tomar duas decisões diferentes, optando por despedi-la fazendo uso do mecanismo do período experimental e manter a trabalhar a sua colega D…, em situações profissionais idênticas, pelo que considera ter sido vítima de discriminação e assédio moral por parte do Réu, peticionando, pelos motivos invocados, a condenação daquele no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais.

1.1. Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, apresentou-se o Réu a contestar, sustentando, também em síntese, que a Autora estava a ser recrutada para trabalhar na Unidade C1…, na qual não podem, com segurança, trabalhar mulheres grávidas ou em idade fértil, tendo sido essa a razão por que denunciou o contrato no período experimental, sendo que, diz ainda, apresentava então uma necessidade urgente de recursos para fazer face ao acréscimo de trabalho com C1… e a Autora iria estar ausente ou indisponível por mais de um ano, no em que a necessidade era mais premente. Refere, ainda, que a formalização do contrato de trabalho ocorreu à margem do Conselho de Administração, tendo a Autora condicionado a vontade das suas colegas da C1…, designadamente da farmacêutica com quem iria articular a sua atividade, quando se apresentou em avançado estado de gravidez, procurando delas, à revelia do Conselho de Administração, a aceitação para a condicionalidade que apresentava. Termina impugnando os danos de natureza patrimonial e a existência de um despedimento ilícito, pedindo a sua absolvição do pedido.

1.2 Foi proferido despacho saneador, tendo ainda sido fixado o valor da ação em €10.000,00 e dispensada a indicação do objeto do litígio e a seleção dos temas de prova.

1.3 Realizada a audiência de discussão e julgamento, na qual se retificou o valor da ação para €15.000, foi, por fim, proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, vistas as normas e os princípios jurídicos enunciados, decide-se julgar procedente a presente ação e, em consequência:
1. Declarar a ilicitude do despedimento da Autora B…;
2. Condenar o Réu Instituto C…, EPE:
a. A reintegrar a Autora B… no posto de trabalho e no desempenho das funções para as quais havia sido contratada, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b. A pagar à Autora todas as retribuições que deixou de auferir desde o 30º dia anterior à instauração da acção (ou seja, de 15/02/2017) até à presente data, bem como as que se vencerem até à data do trânsito em julgado desta decisão, deduzindo-se ao montante obtido o valor que a trabalhadora tenha recebido com a cessação do contrato de trabalho e que não teria recebido se não fosse o despedimento – montante a liquidar em incidente processual próprio;
c. A pagar à Autora €2.500,00 a título de danos não patrimoniais;
d. A pagar à Autora juros sobre a quantia descrita em b) à taxa de 4%, a contar da citação até integral pagamento;
e. A pagar à Autora juros sobre a quantia descrita em c) à taxa de 4% a contar da data do trânsito em julgado da sentença.
Custas por Autora e Réu na proporção do respetivo decaimento.
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apelou o Réu, apresentando, no final das suas alegações as seguintes conclusões:
“1ª À matéria de facto, com base nos extractos indicados e na aceitação implícita parcial que a douta sentença faz da matéria, importa, em reapreciação, aditar que «O C… contratou aquelas trabalhadoras, identificadas nos nºs 103, 104 e 105 da ‘matéria assente’, no estado de gravidez integrando-as em diversos Serviços hospitalares que não apresentavam particulares riscos para a saúde associados à gravidez, os Serviços respectivos de Medicina Piso 3, Serviço C2…, C6…»;
2ª Um contrato de estágio e um contrato de emprego-inserção não são assimiláveis a contratos de trabalho a termo, nem a contratos de trabalho temporário, nem a contratos de prestação de serviço com identidade de posto de trabalho, consubstanciando a previsão de relações de trabalho precedentes a contrato de trabalho para relevarem como tempo de trabalho e dispensa ou afastamento do período experimental a que se refere a norma do artigo 112º/4 do Código do Trabalho;
3ª Com efeito, tanto o estágio como o emprego-inserção, sendo este uma formação em contexto de trabalho, em ambiente de trabalho, como mecanismo até de socialização, não correspondem à previsão literal da norma daquele art 112º/4 e, por outro lado, são a diversos níveis distintos do contrato de trabalho a termo incerto sub judice, seja quanto ao objecto da vinculação seja quanto ao regime legal aplicável;
4ª Acresce que o hiato temporal entre aquele contrato de emprego-inserção e o contrato de trabalho a termo incerto sub judice, mesmo num quadro de sucessão de contratos, sempre consagraria a autonomia entre contratações;
5ª Não há identidade de postos de trabalho, nem material nem no plano do objecto contratual, entre o contra emprego-inserção e o contrato de trabalho a termo incerto sub judice; sendo que a autora ficava obrigada a um objecto, além do título distinto, mais amplo do que o desempenhara ao longo das duas contratações, de estágio e de emprego-inserção anteriores;
6ª Não pode afirmar-se procedentemente que o desempenho numa vinculação de estágio e de emprego-inserção consomem e esgotam a substância que o empregador poder, para os efeitos do artigo 111º do Código do Trabalho, aferir pela realização de um período experimental em contrato de trabalho com um objecto como o do contrato sub judice;
7ª Não se verificam elementos seguros literais, nem outros, para interpretar extensivamente a norma do artigo 112º/4 do Código do Trabalho por forma a abarcar as situações de contratos emprego-inserção no âmbito de previsão da norma;
8ª É plenamente válida a estipulação de uma cláusula de fixação de período experimental em contrato de trabalho a termo incerto que se siga a um contrato emprego-inserção, por ser então inaplicável a norma do artigo 112º/4 do Código do Trabalho;
9ª Com efeito, não existe imperatividade na locução «é reduzido ou excluído» da norma do art 112º/4 referida, por relação ao período experimental, nem no quadro da contratação aí prevista como precedente, e seguramente não ocorre essa aplicação quando fora desse tipo de vinculação, não se estando, portanto, perante normas inderrogáveis;
10ª As normas em matéria de saúde e segurança no trabalho, pela sua natureza de normas de interesse e ordem pública, em relevo aos valores subjacentes não projectam deveres nem ónus apenas para o empregador antes são bireccionais, vinculando igualmente o trabalhador e o empregador;
11ª Ao decidir como o fez, violou a douta sentença recorrida a cláusula 19ª do contrato de trabalho a termo incerto sub judice, as normas dos artigos 111º, 112º/4/5 e ainda 113º todos do Código do Trabalho e ainda o teor da cláusula 1ª do contrato emprego-inserção.
Termos em que, e nos melhores da douta ponderação de V. Exªs,
E na atendibilidade das precedentes conclusões, deve proferir-se acórdão que revogue a decisão recorrida, com as legais consequências,
Bem como admitir a prestação da caução e o consequente efeito suspensivo,
Assim se fazendo JUSTIÇA!
Junta: (…) Extractos da prova gravada contendo os depoimentos das testemunhas a que se refere a conclusão 1ª (nove - 9 - folhas)”

2.1. Apresentou a Autora requerimento em que manifesta as seguintes pretensões: a intenção de contra-alegar; subsidiariamente, para a hipótese de acórdão revogatório, requerendo a ampliação do recurso para apreciação dos fundamentos e questões de direito que não foram apreciadas em 1.ª Instância; apresentar recurso subordinado; arguir a nulidade da sentença.
Formula no final das suas contra-alegações as conclusões seguintes:
“I – DAS CONTRA-ALEGAÇÕES.
a) Da impugnação/reapreciação da matéria de facto:
I. Ora, analisadas as conclusões do recurso apresentado pela ré/apelante e no que reporta à prova pessoal gravada, a mesma limitou-se a transcrever parte do depoimento de algumas testemunhas, sem indicar em que sessões as mesmas prestaram depoimento e qual a exacta passagem da gravação dos depoimentos a que se refere.
II. Daqui resulta, salvo melhor opinião, que a ré/apelante não cumpriu, como devia, o determinado na al. a) do n.º 2, do citado artigo 640.º do CPC.
III. Mais, a referida matéria de facto que a apelante pretende aditar, não consta dos seus articulados, não foram alegados e como tal não foram submetidos a julgamento, cfr. artigos 3º a 6º da douta contestação.
IV. Tendo o Tribunal A quo dado como provado nos artigos 103 a 105 da matéria de facto dada como provada exactamente o que o Réu/apelante havia alegado nos artigos 3º a 6º da sua douta contestação.
V. Pelo exposto, e ao abrigo do previsto no n.º 1, alínea b) – prova pessoal gravada – e na al. a) do n.º 2 do 640.º do CPC, deverá rejeitar-se a apreciação do recurso de apelação sobre a matéria de facto, o que desde já se alega e se requer.
VI. Por outro lado, a requerida alteração da matéria de facto não é efectuada em moldes que permitam apreciar o seu mérito pois a apelante não retira qualquer conclusão, ou seja, qualquer consequência jurídica da requerida alteração da matéria de facto por si pugnada pelo que, também por estes motivos, deverá ser objecto de rejeição, o que desde já se alega e se requer.
Caso assim não se entenda, o que não se receia mas por mero dever de patrocínio se acautela,
VII. Com base no depoimento parcial transcrito de algumas testemunhas a ré/apelante alega que a actividade desenvolvida por estas profissionais não contendia com o estado de gravidez em termos de segurança e saúde no trabalho.
VIII. No entanto, percorrido todo o depoimento das referidas testemunhas, verifica-se que o alegado pelo Réu/apelante não corresponde à verdade.
IX. Efectivamente, a testemunha E… (inquirida a 26/09/2017 - 20170926142627_14881511_2871474 – minuto 00:00 até entre as 14:57), esclareceu, aos 09m35s do seu aludido depoimento os riscos a que estava exposta e que existiam no seu serviço e o cuidado do serviço de a proteger de determinados riscos atenta a sua condição de grávida.
X. Igualmente, a testemunha F… (inquirida a 26/09/2017 - 20170926144227_14881511_2871474 – minuto 00:00 até entre as 14:32), esclareceu, aos 07m55s do seu aludido depoimento os riscos a que estava exposta e que existiam no seu serviço nomeadamente a agressividade dos doentes com agressões físicas e verbais e ainda os riscos inerentes ao isolamento por bactérias multi resistentes, com vários fluídos que tinha de contactar inevitavelmente, cfr. transcrição feita pelo Réu a fls. 35 do recurso apresentado.
XI. Mais esclareceu aos 12m54s do seu aludido depoimento que o serviço onde trabalhava – serviços C2… – não era uma área limpa, é uma área com riscos, com muito sangue, muita hemorragia, muitas bactérias – não tendo esta testemunha deixado de trabalhar nestes serviços tendo apenas o cuidado de usar os equipamentos de protecção existentes no serviço.
XII. Acresce que, a incompatibilidade com a actividade e funções desenvolvida pelo trabalhador em termos de segurança e saúde no trabalho é um acto médico, que é obrigatoriamente precedido de um exame médico efectuado por médico especialista em medicina do trabalho, nos termos do Regime Jurídico da segurança e saúde no trabalho (Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro).
XIII. Sendo que nenhuma demonstração foi efectuada pela apelante quanto à ausência de riscos a que foram submetidas estas trabalhadoras grávidas em termos de segurança e saúde no trabalho, nem foram juntos aos autos o resultantes dos exames de medicina do trabalho (fichas de aptidão) realizados a estas trabalhadoras tendo em conta o estado de gravidez, nos termos do artigo 110º do Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho (Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro).
XIV. Concluindo, nenhum erro de julgamento se detecta no que concerne à factualidade dada por provada e não provada, sendo que a fundamentação que relativamente às mesmas constam da sentença recorrida é clara, devendo, em consequência, ser julgada improcedente a requerida alteração da matéria de facto.
b) Da (in)validade da estipulação do período experimental:
XV. Como resulta da factualidade apurada, a A. foi admitida ao serviço do R. em 16-01-2014 no âmbito de um contrato de estágio em contexto real de trabalho, na área de C1…, tendo obtido a classificação de “Muito Bom”, cfr. pontos 1 a 4 da matéria de facto dada como provada e docs. a fls. 51.
XVI. Posteriormente celebrou com o Réu, em 02-03-2015, um contrato de emprego de inserção em contexto real como técnica superior de saúde na área de C1…, igualmente na área C5… – C1…., tendo tida a avaliação de serviço constante de fls. 59, cfr. pontos 5 a 7 da matéria de facto dada como provada e docs. a fls. 59.
XVII. Por fim, e por indicação expressa e por iniciativa do próprio Réu, foi solicitado ao Ministério da Saúde a contratação da A. indicando-a como pessoa com experiência adquirida e profissionalismo demonstrado nos C1…, cfr. ponto 9 da matéria de facto dada como provada e docs. a fls. 159 e fls. 165 e ss.
XVIII. Que levou à celebração do contrato de trabalho a termo incerto, novamente com a categoria de técnica superior de saúde, tendo a A. retomado as suas funções, cfr. pontos 13 a 18 da matéria de facto dada como provada e docs. a fls 60 e ss.
XIX. Ora, as funções que a A. prestou ao Réu desde Janeiro de 2014 a Julho de 2016, no âmbito dos contractos celebrados são idênticas, cfr. ponto 18 da matéria de facto dada como provada e motivação constante de fls. 16 da douta sentença.
XX. Assim, a A. manteve essa actividade e funções para e ao serviço do Réu, quer sob a capa de contrato de estágio em contexto de trabalho, quer sob a capa de contrato de emprego de inserção em contexto real como técnica superior de saúde, quer sob a capa de contrato a termo incerto, cfr. ponto 18 da matéria de facto dada como provada.
XXI. Não se vê, portanto, que o Réu não pudesse avaliar o desempenho da A. e tanto assim fez que veio a indicar a A. junto do Ministério da Saúde como sendo a profissional indicada para ser contratada como técnica superior de saúde, para os C1…, como é expressamente reconhecido pelo Réu a fls. 239 e ss.
XXII. Sendo, por isso, inconcebível que o Réu no âmbito de um período diminuto de dias pudesse ter usado da faculdade que a lei confere para o caso de a experiência não satisfazer a entidade empregadora, por contraponto a um período de 24 meses de exercício das mesmas funções e responsabilidades em que a experiência e o trabalho prestado, segundo o próprio Réu, foram altamente satisfatórias.
XXIII. O conhecimento recíproco alcançado pelas partes, bem como a afirmação do interesse na persistência de relacionamento contratual entre ambas que está subjacente à celebração de novo contrato, esvaziam a finalidade do período de experiência, tornando quase óbvia a ilegitimidade da denúncia contratual operada pelo Réu.
XXIV. Verifica-se que inexiste, no caso, necessidade de novo período experimental, pois, como se disse, as partes já tinham tido tempo em demasia para saberem e apreciarem o seu interesse na manutenção do contrato de trabalho – tanto assim que se o não tivessem, não teria o réu indicado a A. como pessoa habilitada e experiente para preencher a vaga mediante a celebração de um novo contrato, cfr. fls. 239 e ss.
XXV. Sendo assim, a denúncia contratual efectuada pelo Réu, em 22-07-2016, é ilegítima, à luz do nº 4 do artigo 112º do Código do Trabalho, tendo em conta que a prestação da (mesma) actividade executada ao abrigo dos anteriores contractos de trabalho, nomeadamente do contrato de emprego de inserção em contexto real como técnico superior de saúde, cuja duração foi superior à duração do período experimental clausulado no novo contrato de trabalho.
XXVI. Então, dever-se-á ter por excluído o período experimental como doutamente se concluiu na douta sentença proferida.
XXVII. Quanto ao mais acompanha quer a motivação, quer as conclusões de direito alcançadas na douta sentença que considerou excluído o período experimental.
XXVIII. Devendo, em consequência, ser julgado improcedente o recurso apresentado e manter-se a douta sentença proferida.
c) Da Aplicação das normas em matéria de Saúde e Segurança no Trabalho:
XXIX. Nos termos da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, o empregador deve promover a realização de exames de saúde adequados a comprovar e avaliar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da atividade, bem como a repercussão desta e das condições em que é prestada na saúde do mesmo.
XXX. Os exames de medicina do trabalho não são meros exames de saúde global, mas são exames de contexto laboral em que o objecto de estudo é o binómio homem/trabalho.
XXXI. Assim, cabe ao médico do trabalho, de acordo com o estado de saúde do trabalhador, do resultado da avaliação e dos eventuais riscos profissionais do posto de trabalho cabe ao médico do trabalho face ao resultado da vigilância de saúde pode propor ao empregador que adopte eventuais medidas de prevenção geral e/ou de protecção individual do trabalhador mediante recomendações inseridas na ficha de aptidão e no campo próprio para esse efeito designado por: “Outras recomendações”.
Isto Posto,
XXXII. No caso em concreto a trabalhadora informou as suas superioras hierárquicas previamente à assinatura do contrato da sua condição de grávida, estado que era notório nessa data e na data de assinatura do contrato, cfr. pontos 10 a 13 da matéria de facto dada como provada.
XXXIII. Tal facto não impediu a autora de “retomar” e exercer normalmente as funções principais que lhe foram atribuídas, sem qualquer condicionalismo, impedimento ou reparo, cfr. pontos 13 a 18 da matéria de facto dada como provada.
XXXIV. Neste contexto, incumbiria à ré/apelante submeter a A. ao exame de medicina no trabalho – obrigatório por lei e antes mesmo de a A. assumir funções – para o médico do trabalho verificar se existia algum condicionalismo ou impedimento para o exercício das funções que foram atribuídas à A, o que não fez, cfr. ponto 106 da matéria dada como provada.
XXXV. Saliente-se o contexto, a apelante pretende defender que a A., enquanto grávida não poderia trabalhar nos C1… sob pena de incompatibilidade para a própria e para o feto.
XXXVI. Isto, quando o próprio Réu colocou funcionárias grávidas a trabalhar nos C1… e chegou, inclusivamente, a transferir funcionárias da C3… (C3…), atendendo aos riscos apresentados nesta unidade, para os C1…, pelo facto de pretenderem engravidar, cfr. pontos 98 a 102 da matéria de facto dada como provada.
XXXVII. Em suma, o Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho está erigido para protecção do trabalhador impondo ao Empregador/apelante o dever de assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.
XXXVIII. Sendo que o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador, cfr. artigo 5.º do referido Regime.
XXXIX. Assim, incumbiria ao apelante a indagação sobre a existência de condicionalismos de saúde e ainda assegurar a realização do competente exame de medicina no trabalho para o efeito.
XL. Não recaindo esse ónus sobre a trabalhadora que sempre conviveu e acompanhou outras trabalhadoras grávidas a laborar na mesma unidade nomeadamente, a testemunha D…, que foi contratada ao mesmo tempo que a A., e se encontrava no decurso do julgamento grávida e a trabalhar na unidade de C1…, como técnica superiora de saúde, pontos 56 a 65 da matéria de facto dada como provada e motivação de douta sentença expressa a fls. 16, 17 e 20.
XLI. Pelo que, em consequência, ser julgado improcedente o recurso apresentado e manter-se a douta sentença proferida.
II - Subsidiariamente, requer a AMPLIAÇÃO DE RECURSO, para apreciação dos fundamentos e questões de direito que não foram apreciadas em 1ª instância em face da douta decisão proferida e que, em humilde opinião, constituem fundamento para manutenção da douta decisão, nos termos e com os seguintes fundamentos:
a) Da nulidade da Sentença
XLII. O Tribunal A Quo julgou concluir que o contrato de trabalho a termo pelas partes não estava sujeito a qualquer período experimental pelo que, concluindo ainda que não seria necessária a análise dos restantes fundamentos da acção, designadamente, da invocada excepção de abuso de direito na denúncia do contrato no período experimental.
XLIII. Pelo exposto, a douta sentença em crise omitiu a pronúncia quanto as questões de discriminação e Assédio Moral de que a A. foi vítima bem como da invocada excepção de abuso de direito na denúncia do contrato no período experimental, por se entenderem prejudicadas face à solução encontrada.
XLIV. Assim, a douta sentença em crise é nula por omissão de pronúncia – artigo 615º, n.º1, d) do CPC, o que desde já se alega e se requer.
b) Do objecto da ampliação.
XLV. Tendo em conta que a matéria de facto dada como provado pelo Tribunal A Quo se mantém incólume haverá que fazer a apreciação concreta se a A. foi vítima de discriminação e Assédio Moral bem como da invocada excepção de abuso de direito na denúncia do contrato no período experimental que sempre justificariam a manutenção da ilicitude do despedimento.
XLVI. Conforme resulta da matéria de facto dada como provada a A. tinha já experiência nas funções e com base nessa experiência foi expressamente indica pelo próprio Réu para a vaga por este criada e apresentou-se no posto de trabalho tendo “retomado as funções”, cfr. ponto 18 da matéria de facto dada como provada.
XLVII. Ora, o período experimental consagrado no artigo 111.º do Código do Trabalho consubstancia uma fase inicial da execução do contrato de trabalho no decurso do qual cada uma das partes – empregador e trabalhador – afere, reciprocamente, da viabilidade de manutenção do vínculo.
XLVIII. A denúncia do contrato durante esta fase inicial decorre da faculdade reconhecida pela lei às partes de procederem à avaliação da respectiva experiência de execução, em ordem a criar condições para uma consolidação efectiva da relação emergente do contrato, em nome do princípio da estabilidade no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição da República.
XLIX. A denúncia não carece de ser motivada na invocação de qualquer justa causa, pelo que o denunciante tem o “direito ao silêncio” sobre os motivos subjacentes à sua decisão de denunciar.
L. Contudo, tratando-se de um direito cujo exercício não carece da demonstração de um fundamento específico, a denúncia do contrato de trabalho neste período tem motivado uma particular reflexão da Doutrina no sentido de encontrar resposta para os abusos no exercício daquele direito, no fundo para a denúncia fora «dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
LI. PEDRO ROMANO MARTINEZ refere que «a liberdade de desvinculação está relacionada com a razão de ser do período experimental, daí que poderá não ser lícita a denúncia motivada por causas estranhas ao contrato de trabalho. Assim, estar-se-á perante uma hipótese de abuso do direito, se, por exemplo, o empregador denunciar o contrato durante o período experimental pelo facto de a trabalhadora ter, entretanto, engravidado», cfr. Direito do Trabalho, 2010, 5.ª Edição, Almedina, p. 493.
LII. No mesmo plano de preocupações se encontra MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, quando afirma que «evidentemente, caberá assegurar que o direito de pôr fim ao contrato ao abrigo do período experimental não é exercido em moldes abusivos, nos termos acima indicados, ou seja para disfarçar uma motivação ilícita para a cessação do contrato ou com um intuito sancionatório sobre o trabalhador. Em suma, impõe-se o exercício do direito dentro dos limites da boa-fé».
LIII. Igualmente, JOÃO LEAL AMADO conclui que “Esta ampla liberdade patronal de denúncia não poderá, porém, redundar em prácticas discriminatórias: assim, se o empregador «aproveita» o período experimental para se «desembaraçar» de um trabalhador em virtude das suas convicções ideológicas ou religiosas, da sua orientação sexual, do seu estado de gravidez, da sua filiação sindical, etc. – aí teremos outras tantas práticas abusivas e discriminatórias, sindicáveis judicialmente através da figura do abuso do direito (…)” cfr. Contrato de Trabalho, Noções básicas, Almedina, 2016, pág. 158. (sublinhado nosso).
LIV. Ainda na busca de resposta às mesmas preocupações, TATIANA GUERRA DE ALMEIDA, refere que «salientando uma vez mais a circunstância de tal modelo se achar fundamentado numa lógica específica, que procura atender ao que poderíamos chamar margem de risco contratual inerente ao reconhecimento e tutela de interesse experimental na contratação laboral – será porventura mais evidente a natureza de instrumento jurídico adequado à reacção contra actuações que, sobrelevando os limites de tal permissão para o exercício de faculdades extintivas, consubstanciam manifestações disfuncionais do instituto. Assim, a consideração de tais hipóteses deverá situar-se, justamente, no âmbito do abuso de direito, considerando-as, consequentemente, como hipóteses de denúncia abusiva e sujeitando-as desse modo ao regime que decorrerá dessa qualificação», cfr. Obra citada, p. 166.
LV. A figura do abuso de direito assume, deste modo, uma particular importância no controlo das situações de denúncia abusiva do contrato de trabalho no período experimental.
LVI. Resulta do artigo 334.º do Código Civil, que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
LVII. Deste modo, «o exercício do direito não deve exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, por a todos se impor uma conduta de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis no comércio jurídico», pelo que «os sujeitos de determinada relação jurídica devem agir como pessoas de bem, com correcção e probidade, de modo a contribuírem, de acordo com o critério normativo do comportamento, para a realização dos interesses legítimos que se pretendam atingir com a mesma relação jurídica», cfr. Acórdão da 4ª Secção do STJ, de 15 de Dezembro de 2011, proferido na revista n.º 2/08.9TTLMG.P1.S1, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
LVIII. Assim, «serão excedidos limites impostos pela boa-fé, designadamente, quando alguém pretenda fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, quando tal conduta objectivamente interpretada, de harmonia com a lei, justificava a convicção de que se não faria valer o mesmo direito», e «outro tanto se poderá dizer dos limites impostos pelos bons costumes, ou seja, pelo conjunto de regras éticas de que costumam usar as pessoas sérias, honestas e de boa conduta no meio social onde se mostram integradas», cfr. Acórdão da 4ª Secção do STJ, de 15 de Dezembro de 2011, proferido na revista n.º 2/08.9TTLMG.P1.S1, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
LIX. De acordo com VAZ SERRA, «há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a do titular do direito ser tratado como se não tivesse direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito contratual», e de acordo com o mesmo autor, quanto a saber quando haveria «ofensa clamorosa do sentimento jurídico», existiriam duas orientações fundamentais: «a subjectiva, segundo a qual há abuso quando o direito é utilizado com o propósito exclusivo de prejudicar outrem (ato emulativo); a objectiva, segundo a qual o abuso se manifesta, objectivamente, na grave oposição à função social do direito, no facto de se exceder o uso normal do direito ou em circunstâncias mais ou menos equivalentes», cfr.“Abuso do Direito (em Matéria de Responsabilidade Civil)”, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 85, Abril de 1959, p. 253.
LX. De acordo com PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, «a nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito o do contexto em que ele deve ser exercido», cfr. Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1982, p. 297.
LXI. Na síntese do acórdão da 4ª Secção do STJ, de 15 de Dezembro de 2011, proferido na revista n.º 2/08.9TTLMG.P1S1 disponível in www.dgsi.pt, poderá dizer-se que:
«existirá abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodÍcticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado».
LXII. O abuso de direito enquanto parâmetro genérico de aferição do respeito pelos limites no exercício do direito de denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental motivou já algumas tomadas de posição do STJ:
LXIII. Referiu-se com efeito no acórdão de 26 de Setembro de 2012, proferido na revista n.º 889/03.1TTLSB.L1.S1, o seguinte: «Durante o período experimental qualquer das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art. 55.º, n.º 1 da LCCT), mas esta ampla liberdade do empregador denunciar o contrato não pode redundar em práticas discriminatórias: assim se o mesmo se “aproveita” do período experimental para se desvincular de um trabalhador, devido às suas convicções ideológicas ou religiosas, orientação sexual ou filiação sindical - aí teremos práticas abusivas e discriminatórias, sindicáveis judicialmente através da figura do abuso de direito (muito embora a prova da real motivação do empregador constitua, em muitos desses casos, uma dificuldade insuperável, uma vez que não existe obrigação de revelar a motivação que esteve subjacente a essa denúncia).
LXIV. Impõe-se, assim, na apreciação desta questão ter bem presentes os motivos que estão subjacentes ao período experimental e verificar se a rescisão do contrato da A., no decurso desse período, se ficou a dever ou não à falta de algum desses motivos.
LXV. Ora, sendo assim, e caso o período experimental aposto no contracto de trabalho celebrado entre A. e R. fosse válido, o Réu tinha, em tese, o direito de denunciar ou fazer cessar unilateralmente o contrato de trabalho celebrado com a Autora no período experimental, mas, no caso presente, excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé e sobretudo pelo fim social e económico do contrato de trabalho.
LXVI. Isto não só porque, a Autora tinha já experiência relevante nas funções para as quais foi contratada, fruto dos anteriores vínculos com o Réu e das avaliações a que foi submetida ao serviço deste, cfr. pontos 2 a 7 e 18 da matéria de facto dada como provada e docs. a fls. 45 a 59.
LXVII. Mas igualmente porque foi expressamente indicada pela Ré como pessoa com experiência e capacidade para preencher o lugar e cuja capacidade profissional já tinha sido apreciada pelo Réu, cfr. pontos 9 e 18 da matéria de facto dada como provada e docs. a fls. 165 e ss e 239 e ss.
LXVIII. Vide, motivação relativamente ao facto provado descrito em 18º, 2ª parte da fls. 16 constante da douta sentença proferida.
LXIX. Sendo por isso, inconcebível que o Réu no âmbito de um período de dias, pudesse ter usado da faculdade que a lei confere para o caso de a experiência não satisfazer por contraponto a um período de 24 meses de exercício das mesmas funções e responsabilidades em que a experiência, segundo o próprio Réu, foi altamente satisfatória.
LXX. Tal faculdade foi utilizada apenas e tão só pelo facto de a A. estar grávida, cfr. ponto 51 da matéria de facto dada como provada.
LXXI. Isto apesar de o próprio Réu ter colocado várias funcionárias grávidas a trabalhar nos C1… e ter, inclusivamente, efectuado a transferência de funcionárias da C3…), atendendo aos riscos apresentados nesta unidade, para os C1…, pelo facto de pretenderem engravidar, cfr. pontos 98 a 102 da matéria de facto dada como provada.
LXXII. Pelo que a denúncia efectuada nada teve a ver com o desempenho das funções da A., para as quais tinha reconhecida experiência, mas sim com a sua condição de grávida, o que por si só justificaria a verificação de que o exercício da denúncia no período experimental foi efectuado com abuso de direito.
LXXIII. Por outro lado, a A. tinha uma colega de trabalho que realizou o mesmo percurso profissional realizado pela A. no C…, a D….
LXXIV. Nomeadamente, efectuou no Réu, ao mesmo tempo da A., um estágio em contexto real de trabalho, na função/área de Pessoal como Técnico Superior de Saúde, na área de C1…, cfr. doc. a fls. 294.
LXXV. Posteriormente, veio igualmente a celebrar com o Réu (conforme o fez a A.) um contrato de emprego de inserção em contexto real, na função/área de pessoal como Técnico Superior de Saúde, onde, a par da A., exerceu funções nas instalações do Réu, nomeadamente, na área C5… – C1…, cfr. fls. 298.
LXXVI. Após, foi igualmente admitida pelo Réu, através de um contrato de trabalho a termo incerto e com a categoria de “Técnica Superior de Saúde”, ramo de Farmácia, conforme foi a A., cfr. fls. 263 a 266.
LXXVII. Exercendo ambas as mesmas funções, no mesmo local de trabalho, com o mesmo horário de trabalho, com as mesmas responsabilidades, no mesmo departamento e sob a mesma chefia, e tendo um percurso idêntico, quer na antiguidade, quer na experiência, quer nas funções, dentro do C….
LXXVIII. Como tal, foram funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador, que são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade.
LXXIX. Sendo que à data de denúncia efectuada, a A. encontrava-se grávida e a sua colega de trabalho D…, não, vide a única explicação encontrada pela referida testemunha para a diferença de tratamento entre esta e a A. constante da motivação de douta sentença a fls. 20.
LXXX. Assim, perante uma situação idêntica e objectivamente comparável entre duas trabalhadoras, o C… optou por tomar duas decisões diferentes, optando por adoptar dois comportamentos distintos, ou seja, optou por despedir a A. fazendo uso do mecanismo do período experimental e manteve a trabalhar a sua colega D…, em situações profissionais equivalentes/idênticas.
LXXXI. Conforme se pode verificar pelos pontos 56 a 65 da matéria de facto dada como provado e pela motivação de douta sentença constante de fls. 20 que aqui se subscreve.
LXXXII. Este comportamento do Réu foi praticado enquanto a A. se encontrava a trabalhar e baseado no facto de a A. estar grávida e a sua colega não, nada tendo a ver com o mérito das funções desempenhadas pela A.
LXXXIII. Esclarecedor quanto a esta matéria é a motivação de douta sentença constante de fls. 19, que aqui se subscreve e se reproduz:
“Tais declarações vêm confirmar o depoimento prestado pela testemunha G…, que referiu que o resultado da avaliação não se mostra concordante com as observações por si efetuadas acerca do resultado do trabalho da Autora, referindo que atribuiria o mesmo grau de pontuação à Autora e à funcionária D… (em ambos os casos, uma avaliação positiva).”
LXXXIV. Mais, a colega de trabalho da A. e testemunha – D…, que foi contratada ao mesmo tempo que a A., encontrava-se no decurso do julgamento grávida e a trabalhar na unidade de C1…, como técnica superiora de saúde, cfr. pontos 56 a 65 da matéria de facto dada como provado.
LXXXV. Ora, as exigências do princípio da igualdade reconduzem-se à proibição do arbítrio, impedindo, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional, como são as baseadas nos motivos indicados no artigo 59.º n.º 1 da CRP, com reflexo, no âmbito laboral, nos artigos 24.º e 25.º do Código de Trabalho de 2009.
LXXXVI. O Réu, tendo agido, como agiu, teve um comportamento que só aparentemente era o exercício de um direito, pelo que exerceu esse direito de maneira a constituir clamorosa ofensa de sentimento jurídico socialmente dominante.
LXXXVII. E tanto assim é, ou seja que o Réu não obstante denunciar o contrato da Autora durante o período experimental, voltou a contactar a mesma, após o nascimento do seu filho, para que fosse preencher a vaga originada pelo seu despedimento, cfr. pontos 76 e 77 da matéria de facto dada como provada.
LXXXVIII. Facilmente se conclui que a denúncia do contrato da Autora durante o período experimental não teve por base a insatisfação com o desempenho profissional da Autora ou com a sua falta de qualidades ou aptidões profissionais mas resultou da circunstância de a mesma estar grávida.
LXXXIX. Estamos assim em face de um caso de abuso de direito por parte do Réu, tal como o configura o artigo 334° do Código Civil.
XC. Cuja consequência jurídica deste comportamento abusivo reconduz à situação a um despedimento ilícito com todas as consequências laborais daí decorrentes, neste sentido Júlio Vieira Gomes, Do uso e abuso do Período Experimental, Revista de Direito e de Estudos Sociais, 2000, ano XLI, págs. 268 e ss e Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, obra cit., pág. 194, nota 369.
XCI. Pois, tendo-se fundando a cessação laboral durante o período experimental em motivos alheios ao desempenho, aptidões e qualidades para as quais o trabalhador foi contratado, estamos perante uma conduta ilícita que deve ter a sua cobertura no âmbito da aplicação das regras específicas aplicáveis ao despedimento ilícito.
XCII. Assim, o Réu ao pôr termo ao contrato de trabalho da A. procedeu ao seu despedimento de forma ilícita, à luz do disposto na alínea c) do artigo 381.º do Código do Trabalho, o que acarreta a manutenção da decisão da ilicitude do despedimento com todas as consequências decretadas pelo Tribunal A Quo.
XCIII. Motivo pelo qual, caso não seja aceite o fundamento com base no qual foi tomada a douta decisão do Tribunal A quo, sempre deve a decisão de ilicitude de despedimento manter-se face aos outros fundamentos constantes da petição inicial e ora alegados e que não foram considerados na douta decisão proferida.
Termos em que deve a requerida reapreciação da matéria de facto ser rejeitada.
Ainda que assim não se entenda, sempre deve ser o presente recurso julgado improcedente por total ausência de sustentação.
Subsidiariamente, para a hipótese de acórdão revogatório requer a ampliação de recurso, para apreciação da nulidade arguida e dos fundamentos e questões de direito que não foram apreciadas em 1ª instância e que, em humilde opinião, constituem igualmente fundamento válido para manutenção da douta decisão de ilicitude de despedimento que se deve manter, como é de inteira JUSTIÇA!
Do recurso subordinado:
I. A única questão a abordar no presente recurso subordinado, prende-se com a compensação por danos morais tendo em conta os factos considerados provados pelo Tribunal A Quo e que não foram postos em causa no recurso apresentado pelo Réu.
II. Assim, o Réu emprega mais de 250 trabalhadores, sendo uma grande empresa o que é público e notório e, no que respeita à A., poderá considerar-se que tinha uma condição económica débil, dado os contractos de trabalho celebrados com o Réu cfr. pontos 1 a 13 dos factos provados.
III. Finalmente, no que respeita à gravidade do dano, deverá ponderar-se que na data do despedimento a A. foi constrangida e humilhada perante os outros funcionários do Réu, tendo inclusive necessidade de ser assistida nas urgências cfr, pontos 40 e 41 dos factos provados.
IV. O seu despedimento foi comentado e observado quer por colegas de trabalho quer por familiares e amigos, o que deverá levar a considerar esse facto como causador de um assinalável desgaste psicológico, vide motivação da douta sentença quanto ao depoimento prestado pela testemunha G… – superior hierárquico da A. – a fls 17.
V. Sendo certo que a A. estava ciente que tinha cumprido com as obrigações que lhe foram exigidas, cfr. ponto 53 da matéria de facto provada.
VI. Já no que tange ao despedimento e à fase posterior, em que a A. ficou consternada e os seus planos de vida (e do seu agregado familiar) sofreram um considerável revés, tendo inclusivamente o seu companheiro a necessidade de trabalhar sete dias por semana para sustentar a família (cumulando dois empregos), cfr. motivação Constante de douta sentença a fls. 20.
VII. Maior gravidade deve reconhecer-se ao dano resultante da desestabilização da saúde provocada pela comunicação de despedimento quando estava notoriamente grávida, o que se encontra comprovada não só pelas testemunhas mas igualmente documentalmente, cfr. ponto 11, 12, 19 a 21 e 55 da matéria de facto dada como provada.
VIII. Por outro lado, a A. tinha uma colega de trabalho que efectuou o mesmo percurso profissional, exercendo ambas as mesmas funções, com as mesmas responsabilidades, no mesmo departamento e sob a mesma chefia, e tendo um percurso idêntico, quer na antiguidade, quer na experiência, quer nas funções, dentro do C…, cfr. pontos 56 a 63 da matéria de facto dada como provada.
IX. Sendo que à data da comunicação da cessação do contrato a termo, a Autora encontrava-se grávida e a sua colega de trabalho D… não, cfr. pontos 56 a 63 da matéria de facto dada como provada.
X. Pelo que a A. foi igualmente vítima de discriminação e assédio moral por parte do Réu.
XI. Mais, o Réu não obstante denunciar o contrato da Autora durante o período experimental (Julho), voltou a contactar a mesma em Novembro para que fosse preencher a vaga originada pelo seu despedimento, cfr pontos 43, 44 e 75 da matéria de facto dada como provada.
XII. O que, como é obvio, aumentou o sentimento de revolta e injustiça vivenciado pela A., que sempre devotou à sua entidade empregadora, aqui Réu, enorme dedicação e apreço, tendo grande orgulho no trabalho que para esta desempenhou, cfr. pontos 73 a 77 da matéria de facto dada como provada.
XIII. Sendo que a A., na sequência deste contacto ainda tentou agendar uma reunião nos serviços do Réu, nunca mais tendo obtido resposta por parte deste, cfr. pontos 79 e 80 da matéria de facto dada como provada.
XIV. O que só demonstra o enorme desrespeito do Réu pela pessoa da A.
XV. A compensação com a quantia de 15.000,00 euros, mostra-se adequada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pela A., tendo em conta o grau de culpa do réu, a reputação social e profissional da autora, a intensa gravidade e grande difusão das ofensas perpetradas contra a sua honra e bom nome, a necessidade de alguma penalização civil pelo comportamento do Réu.
XVI. Por conseguinte, nessa parte deve ser alterada a sentença, substituindo-se o valor da indemnização por danos não patrimoniais nela fixado, pelo valor acima mencionado, isto é, €15.000,00.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, com as legais consequências, como é de inteira JUSTIÇA!”
2.3 Respondeu o Réu ao recurso subordinado e ampliação do recurso, concluindo do seguinte modo:
“QUANTO AO RECURSO SUBORDINADO:
1ª A situação dos autos evidencia que a autora contribuiu para a exacerbação do efeito, na sua pessoa e no seu círculo, do impacto da denúncia do contrato de trabalho a termo incerto em período experimental;
2ª Não pode afirmar-se que o réu não pôs em causa os factos, mas antes é certo que o réu os enfrenta, recusando-os, na sua completude e unidade intrínseca, incluindo os aqui sublinhados, que a autora ignora pura e simplesmente;
3ª Constitui verdadeiro “venire contra factum proprium” propalar um facto e depois reclamar vantagem pelo atingimento dessa propalação;
4ª A autora, após a denúncia pelo réu do contrato de trabalho a termo incerto em período experimental, decidiu ser assistida «nas urgências» mas daí não resultou qualquer dano que ultrapasse o impacto emocional da situação;
QUANTO À AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
4ª Inexiste nulidade da sentença por omissão de pronúncia por estar legalmente fundada – ainda que com a oposição jurídica do réu quanto aos fundamentos – a sentença recorrida quanto à não reflexão e conhecimento da matéria relativa à alegada ilicitude da denúncia do contrato em período experimental por «discriminação e assédio»;
E inexiste qualquer discriminação, nos termos expostos, porquanto: i) a gravidez da autora constituída um fator obrigatório à luz da prudência e da boa gestão sendo inimaginável que pudesse ser admitida no estado adiantado de gravidez em que se encontrava para desempenhar tarefas que punham em risco o feto! ii) a contratação da autora foi para aquele período histórico conjuntural e não para adiar aguardando por toda a condicionalidade de uma gravidez! iii) E ao nível em que se gera o acto discriminatório, o réu não tem qualquer margem de liberdade decisória e OBVIAMENTE não pode interferir com a execução dos contratos antigos, afetando-os na sua vigência própria! iv) a contratação da autora era para aquele período histórico conjuntural e não para adiar aguardando por toda a condicionalidade de uma gravidez!
6ª Acresce não poder comparar-se uma decisão aqui e ali tomada, errada, de colocar uma farmacêutica grávida, exposta a um risco indevido, ao nível da gestão corrente de recursos humanos, e QUE O CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DESCONHECE e que caso seja gerador de responsabilidade a implicará para os seus agentes, com uma deliberação tomada de denunciar um contrato a termo em período experimental, como uma linha de orientação correcta, não contaminada por decisões casuísticas passadas e erradas!
7ª Ou seja, existe uma dimensão da gestão de recursos do dia-a-dia, mesmo que da semana a semana em que conjunturalmente uma dirigente intermédia do Serviço C5… «coloca» uma grávida na Unidade C1…, NÃO PODE TIRAR-SE DAÍ UMA REGRA, UM PRECEDENTE para validar esse tipo de gestão!
8ª A Autora foi admitida para funções específicas, urgentes e conexas à conjuntura que implicavam necessariamente o manuseamento de citotóxicos: não seria uma discriminação positiva, mesmo em relação à colega não grávida, adaptar as suas funções para funções meramente administrativas, fora do conteúdo e do fundamento do motivo justificativo da contratação a termo e com um grau de complexidade muito menor, apenas para manter o contrato?
9ª E uma frustração e frontal deslealdade perante a tutela autorizadora da contratação? E como iria o réu durante o período de licença parental, assegurar o cumprimento desta tarefa urgente, conexa à conjuntura?
10ª Inexiste discriminação quando exista um fundamento leal e razoável de respeito pelo conteúdo do despacho autorizador da tutela, proferido com uma determinada fundamentação específica (em síntese, para aquele período concreto e para trabalhar na Unidade C1… e para operar nos próprios ensaios), como sucedeu n caso dos autos;
11ª Porque o contrário seria fraude à própria tutela, desvio por relação ao sentido e conteúdo do despacho autorizador e ao objectivo da contratação a termo!
12ª O C… contratou aquelas trabalhadoras, identificadas nos nºs 103, 104 e 105 da ‘matéria assente’, no estado de gravidez integrando-as em diversos Serviços hospitalares que não apresentavam particulares riscos para a saúde associados à gravidez, os Serviços respectivos de Medicina Piso …, Serviço C2…, C6…;
Termos em que, e nos melhores da douta ponderação de V. Exªs,
Deve julgar-se no sentido das conclusões aqui apresentadas, da plena licitude da denúncia do contrato de trabalho em período experimental, por completa inverificação de quaisquer indícios de discriminação e de assédio!
Assim se fazendo JUSTIÇA!”

2.4 O Tribunal a quo, sustentando ainda que não ocorre a nulidade invocada pela Autora, admitiu o recurso interposto pelo Réu, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e, após prestação de caução, efeito suspensivo. Mais admitiu o recurso subordinado apresentado pela Autora.

3. A Exma. Procuradora-Geral Adjunto no seu parecer (fls. 572 a 575), em síntese, sustentou: quanto ao recurso da Ré, a sua rejeição no que incide sobre a matéria de facto (sendo ainda conclusivo o que se pretende aditar) e a sua improcedência no mais, daí decorrendo ficar prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pela Autora em sede de ampliação do âmbito do recurso; quanto ao recurso subordinado, a sua improcedência.
3.1 Respondeu o Réu ao referido parecer, no sentido de defender que o nesse sustentado quanto ao recurso que apresentou carece de fundamento.

4. Por despacho do ora relator, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do CPC, foi formulado convite à Recorrente para aperfeiçoamento das conclusões que apresentara.
4.1. Respondendo ao convite, apresentou a Recorrente novas conclusões, que foram já incluídas supra em 2.1.
*
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) recurso do Réu/principal: (1.1) recurso sobre a matéria de facto/juízo sobre admissibilidade; (1.2) dizendo o direito: do período experimental/contratos de estágio e de emprego-inserção; (1.3) da ampliação do recurso/Autora; (2) recurso subordinado/Autora/indemnização por danos não patrimoniais.
*
III – Fundamentação
A) De facto
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“1. A Autora B… é farmacêutica.
2. Em 15 de janeiro de 2014, a Autora celebrou com o Réu um acordo intitulado “contrato de estágio”, nos termos do qual este se obrigou a proporcionar àquela um estágio em contexto de trabalho, na área C1…, com a duração de 12 meses.
3. O estágio decorreu nas instalações do Réu na Unidade C1…, dos Serviços Farmacêuticos do Instituto C…, no período compreendido entre 16.01.2014 e 15.02.2015.
4. No termo do estágio, foi atribuída à Autora, numa escala de 1 a 5, a classificação de nível 5 em matéria de “assiduidade”, “pontualidade”, “interesse”, “progressão da aprendizagem” e “relacionamento” e de nível 4 ao “conhecimento da profissão”.
5. Posteriormente, veio a Autora a celebrar com o Réu um acordo intitulado “contrato de emprego de inserção” como Técnico Superior de Saúde, nos termos que constam a fls. 53 a 55, cujo teor se dá por reproduzido.
6. No âmbito deste contrato, a Autora exerceu funções nas instalações do Réu, na área C5… – C1… no período compreendido entre 02-03-2015 a 01-03-2016.
7. 11. Tendo obtido pelo trajecto profissional no Réu, entre 16 de Janeiro de 2014 a 01 de Março de 2016, a seguinte avaliação de serviço: A quantidade e qualidade de trabalho satisfizeram plenamente, dado que foram executados com rigor, rapidez e oportunidade de execução.
Responsabilidade foi revelada um elevado nível de ponderação nos actos praticados. Boa integração na equipa farmacêutica de forma a permitir a manutenção de níveis de eficácia e qualidade de serviço, consentâneos com os padrões exigíveis e os meios disponíveis.” “O seu trajeto profissional é reflexo das suas características pessoais, aliadas a grande capacidade de trabalho e rigor”.
8. Após o termo do contrato referido em 5.º, a Autora ficou desempregada entre 02-03-2016 a 03-07-2016.
9. Em maio de 2016, e a fim de fazer face ao número de C1…, o Réu procedeu nos termos do despacho n.º 5911-C/2016, de Sua Excelência o Secretário de Estado da Saúde, publicado no Diário da República, 2ª Série, n.º 85, de 03 de Maio de 2016 à formalização do pedido de contratação de dois Técnicos Superiores de Saúde, ramo Farmácia, indicando o nome da Autora B… e de D… como sendo pessoas com experiência adquirida e profissionalismo demonstrado nos C1….
10. Na sequência deste procedimento a Autora veio a ser contactada telefonicamente, em finais de Junho de 2016, pelo Réu para preencher a indicada vaga.
11. Após o contacto, a Autora dirigiu-se pessoalmente ao C… e mediante contacto pessoal com a Responsável da Unidade C1… e a Diretora de Serviço C4… expressou o seu contentamento e agradeceu a confiança nela depositada.
12. Nesta data a Autora encontrava-se grávida, o que era notório, pois estava com 29 semanas e meia.
13. A Autora foi admitida pela Réu, através de um acordo designado “contrato de trabalho a termo incerto”, com início em 04 de Julho de 2016, nos termos que constam a fls. 60 e ss, cujo teor se dá por reproduzido.
14. Com a categoria de “Técnica Superior de Saúde”, ramo de Farmácia.
15. E com “um horário de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais”.
16. O local de trabalho era nas instalações da sede do Réu, sitas na Rua …, …. – … Porto.
17. A retribuição mensal ilíquida da A. era constituída por €1.201,48, acrescido de subsídio de alimentação no montante de 4,27€ por cada dia completo e efetivo de trabalho.
18. Em 04 de Julho de 2016 a Autora retomou as suas funções de técnica superior de saúde, ramo de farmácia e na área de C1…, sob autoridade e direção do Réu, desempenhando idênticas funções às exercidas no âmbito do contrato de estágio e de inserção.
19. No dia 19 de Julho de 2016 a A. teve necessidade de ir a um consulta no centro de saúde, onde era acompanhada na gravidez, tendo apresentado o respectivo comprovativo nos recursos humanos do Réu.
20. Nessa data, foi-lhe sugerido que formalizasse nos recursos humanos a confirmação da gravidez.
21. O que a A. veio a fazer no dia seguinte, 20 de Julho de 2016.
22. No dia 22 de Julho de 2016, a A. foi convocada para ir ao departamento de Recursos Humanos do C….
23. No referido departamento a Autora foi informada por funcionária que tinha uma carta para lhe entregar a comunicar a decisão de denúncia do contrato a termo incerto assinado a 04/07/2016.
24. A Autora ficou surpreendida, pois não lhe tinha sido efetuado qualquer reparo ou reclamação ao trabalho por esta efectuado.
25. Porque não tinha ainda naquela data em seu poder o referido contrato de trabalho assinado pela Administração do C…, informou que não assinava qualquer carta ou outro documento enquanto não lhe fosse entregue cópia do referido contrato de trabalho.
26. Assim, regressou ao seu serviço e efetuou o pedido de envio do contrato de trabalho por e-mail.
27. Momentos depois a Sub-diretora dos Serviços C5…, Dr.ª H…, dirigiu-se à Autora e entregou-lhe um envelope de correio interno que continha o contrato assinado em 04 de Julho de 2016, que se encontrava em cima da secretária da Diretora de Serviço.
28. Mais tarde, a Autora regressou ao departamento dos recursos humanos onde entregou os seus cartões de identificação e do parque de estacionamento.
29. Após, voltou a ler a carta de denúncia, tendo verificado que a mesma fazia referência a uma avaliação negativa realizada pelos serviços C5….
30. A Autora questionou de que se tratava e foi-lhe transmitido que a haviam avaliado negativamente durante o período de tempo entre 04-07-2016 e 22-07-2016.
31. A Autora solicitou cópia da avaliação, uma vez que não lhe haviam comunicado a realização de qualquer avaliação.
32. A funcionária então ausentou-se da sala de recursos humanos, tendo regressado à mesma acompanhada da jurista do Réu, a Dr.ª I….
33. A qual interpelou a Autora, questionando qual a razão pela qual a A. não assinava a carta.
34. A A. informou que não tinha conhecimento de qualquer avaliação e de que queria tomar conhecimento da mesma.
35. Foi-lhe então transmitido, pela Dr.ª I…, que se a queria ver, teria de o solicitar por escrito.
36. A A. requisitou então imediatamente uma folha para elaborar o pedido naquele instante, o que fez.
37. A Dr.ª I…a continuou a insistir com a A. para assinar a carta e referiu que se recusasse assinar iria elaborar um auto a descrever que a A. se estava a recusar a assinar, ficando ela e a funcionária J… como testemunhas.
38. Face a esta postura, a A. explicou que não assinava a carta e que a mesma podia ser enviada para a sua morada e nessa sequência solicitou a restituição dos cartões e que as folhas de entrega dos mesmos fossem rasgadas uma vez que necessitava dos mesmos para voltar ao seu serviço e sair do parque de estacionamento.
39. A Dr.ª I… recusou-se a devolver-lhe os mesmos, retirando-os de cima da mesa, bem como todos os documentos que se encontravam na mesma e comunicou à A. que tinha que ir embora do C… naquele mesmo dia e que não precisava dos cartões porque na segunda-feira seguinte já não era funcionária do C….
40. Em virtude do supra sucedido, além do mal-estar físico, sentiu-se a A. constrangida e humilhada perante os funcionários do Réu.
41. No final do dia, a Autora, que estava grávida de 33 semanas, acabou por sentir-se mal, de tal forma que teve necessidade de ser assistida nas urgências.
42. Não obstante, conforme lhe foi solicitado antes de sair do C… assinou a carta de denúncia e solicitou a avaliação referida na carta e que motivou a denúncia do seu contrato ao Conselho de Administração.
43. Por carta datada de 22 de Julho de 2016, entregue em mão, o Réu comunicou à A. que a avaliação realizada pelos serviços próprios do C… não foi positiva.
44. E, que deste modo e no âmbito do decurso do período experimental procedia à cessação do respectivo contrato de trabalho.
45. E, emitiu uma declaração, a pedido da A., atestando que a A. trabalhou como “Técnica Superior de Saúde, ramo de Farmácia” entre 04 de Julho a 22 de Julho de 2016.
46. Alguns dias depois, foi entregue à A. a avaliação realizada pelos serviços do C….
47. A qual foi realizada pela Sub-diretora dos Serviços C5…, a Dr.ª H…, e não pela responsável pela C1…, G….
48. A sub-diretora dos Serviços C5…, a Dr.ª H…, nunca trabalhou directamente com a Autora.
49. No âmbito do Avaliação realizada, constam como fundamentação do parecer do Director do serviço o seguinte: “O colaborador não está a desempenhar todas as funções do posto de trabalho de forma adequada, apresentando limitações ao exercício de funções”.
50. Na referida avaliação, foram atribuídas as seguintes classificações numa escala de 1 a 5: “competências técnicas – 3; rigor na execução das tarefas – 3; atitude/comportamento em grupo – 3; envolvimento do colaborador em actividades de melhoria do serviço – 2; proactividade – 2; assiduidade – 4; pontualidade – 4; sentido de humanidade na relação com o outro – 3; adequação às funções correspondentes ao posto de trabalho – 1.
51. O resultado da avaliação foi determinado pela circunstância de a Autora se encontrar grávida e não poder realizar todas as tarefas próprias da unidade de C1….
52. Face ao sucedido, a Autora entrou numa situação de desemprego em 23 de Julho de 2016.
53. O que provocou um natural desgaste na A., pois estava ciente que tinha cumprido com as obrigações que lhe eram exigidas.
54. Sentindo-se discriminada e injustiçada.
55. Com a comunicação da cessação do contrato, a Autora entrou num estado elevado de ansiedade, passou a dormir mal e a sentir-se insegura, com a agravante de não poder contribuir economicamente para o seu agregado familiar e de ter consciência que o mercado de trabalho, no ramo das farmácias, está numa situação muito difícil.
56. A Autora tinha uma colega de trabalho que realizou o mesmo percurso profissional realizado pela A. no C…, a D….
57. Efetuou na Ré, ao mesmo tempo da A., um estágio em contexto real de trabalho, na função/área de Pessoal como Técnico Superior de Saúde, na área C1….
58. Posteriormente, à semelhança da Autora, veio igualmente a celebrar com a Ré um contrato de emprego de inserção em contexto real, na função/área de Pessoal como Técnico Superior de Saúde.
59. Onde, a par da Autora, exerceu funções nas instalações da Ré, nomeadamente, na área C5… – C1….
60. Posteriormente, foi igualmente admitida pelo Réu, através de um contrato de trabalho a termo incerto e com a categoria de “Técnica Superior de Saúde”, ramo de Farmácia.
61. O local de trabalho era nas instalações da sede do Réu, sitas na Rua …, …. – … Porto e o horário de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais, conforme foi acordado com a Autora.
62. Exercendo ambas as mesmas funções, com as mesmas responsabilidades, no mesmo departamento e sob a mesma chefia, e tendo um percurso idêntico, quer na antiguidade, quer na experiência, quer nas funções, dentro do C….
63. À data da comunicação da cessação do contrato a termo, a Autora encontrava-se grávida e a sua colega de trabalho D…, não.
64. D… obteve uma classificação muito positiva no “período experimental” e continua a exercer funções como farmacêutica no C… até à data de hoje, ao abrigo do referido contrato.
65. Presentemente, D… encontra-se grávida de cerca de 6 meses.
66. A Autora teve o parto no dia 09 de Setembro de 2016, tendo nascido o K….
67. O nascimento trouxe-lhe grande alegria e felicidade.
68. Em consequência da cessação do contrato, a Autora viu degradar-se a sua qualidade de vida, bem como da sua família, com consequências nefastas para a sua saúde quer na altura em que se encontrava grávida, quer posteriormente.
69. Pese embora o nascimento do filho tenha provocado um sentimento de grande felicidade na Autora, certo é que a ocorrência dos factos supra descritos provocou uma destabilização na saúde da A.
70. Numa altura em que deveria usufruir em plenitude da maternidade, o que não conseguiu.
71. Passou a dormir mal pois esta situação provocou-lhe insónias e uma intranquilidade permanente.
72. Gerando nesta um sentimento de desgaste, nervosismo, ansiedade e receio pelo futuro.
73. A Autora sempre devotou à sua entidade empregadora, aqui Réu, enorme dedicação e apreço, tendo grande orgulho no trabalho que para esta desempenhou.
74. Pelo que, foi com grande mágoa e preocupação que viveu e vive a situação de denúncia efectuada pelo Réu
75. Sentimentos esses que perduram até aos dias de hoje.
76. Posteriormente à denúncia efectuada e apesar desta foi a A. contactada em Novembro de 2016, pelos serviços do Ré para preencher uma vaga na área C5… – C1….
77. O que aumentou o sentimento de revolta e injustiça sentido pela A.
78. E o reforço do reconhecimento da experiência já detida pela A. ao serviço do Réu.
79. A A. ainda tentou agendar uma reunião com os serviços do Réu.
80. Porém, nunca mais tendo obtido qualquer resposta por parte deste.
81. A Unidade C1… é uma unidade de acesso reservado a profissionais farmacêuticos, a que se acede mediante um cartão magnético próprio.
82. Onde existe em permanência um Kit de enfrentamento de situações de emergência para derrames de citotóxicos, que já foi activado.
83. As actividades desenvolvidas na Unidade C1… (C1…) caracterizam-se pela manipulação de medicamentos citotóxicos, incluindo manuseio de medicamentos em fase de estudo, de natureza experimental (C1…), de C3…, implicando ainda a recepção e manuseamento de medicamentos citotóxicos.
84. Alguns medicamentos experimentais apresentam elevado grau de toxicidade, não sendo os respetivos riscos ainda totalmente conhecidos.
85. Tais medicamentos importam virtuais e reais perigos para a jovem grávida, puérpera, lactante e ainda homens e mulheres em idade de procriar.
86. Na C1… gere-se também a "revertência" da medicação, que à data dos factos estava atrasada, e a qual consiste em conferir e organizar (abrir e contar) a medicação antes prescrita e não utilizada e devolvida pelos doentes.
87. A contagem da medicação devolvida à C1… provém do domicílio do doente, não se sabendo nunca em que condições se encontra, e é composta por C3… e medicamentos citotóxicos experimentais.
88. Os profissionais afetos à Unidade C1… têm as seguintes tarefas a seu cargo: participar em visitas de monitorização; validação da prescrição médica de C1…; gestão de medicamento no que concerne a: recepção e verificação; armazenamento e conservação e manuseamento de citotóxicos; dispensa e informação ao doente; devolução (compliance medicação oral); controlo do inventário; colaborar com monitores na recolha de dados; registos associados aos C1… tratamento e arquivo de correspondência; esclarecimento de dúvidas aos diferentes elementos da equipa; recepção dos registos (enviados pelo C5…); apoiar no agendamento; correspondência; manutenção e organização de documentação essencial aos C1…;
89. A Autora esteve sempre afeta desde o estágio à "medida emprego inserção" à "medida contrato emprego" à Unidade C1…, para o que recebeu formação, incluindo para a natureza e implicações próprias do manuseamento e contacto com os medicamentos citotóxicos e presença naquelas áreas de trabalho.
90. A unidade do Serviço C5… de maior risco para a saúde e para a afectação de grávidas mulheres e homens em idade fértil é a Unidade C3… (…).
91. A Unidade C1… comporta um risco minimizado para a saúde das grávidas e dos fetos, o qual se poderá verificar em caso de manuseamento de medicamentos sem equipamento de proteção ou em caso de acidente com derrame de citotóxico.
92. Além da C1… e da C3… existem no Serviço C5… as Unidades de Distribuição (dose unitária/tradicional)/ambulatório/unidade de preparação de estéreis/ unidade de preparação de não estéreis mais um posto de trabalho no Hospital de dia de adultos).
93. À data da contratação da Autora, o C… apresentava uma necessidade urgente de recursos para fazer face ao acréscimo de C1…, cuja fonte e ritmo de ocorrência emanam dos Laboratórios e da indústria farmacêutica, sendo portanto exterior ao C….
94. O que ocorria naquela época, à volta do verão de 2016 e se projectava para os três anos seguintes, na projeção dos C1… estimados.
95. Os C1… no C… representam enorme importância por darem oportunidade aos doentes a serem tratados precocemente com medicamentos inovadores.
96. No âmbito das tarefas desenvolvidas pelos Serviços C5…, na área C1…, verifica-se que na comparação dos trimestres de 2013 para 2016, ocorreu um aumento de número de receções de medicação de 92%, o que se traduziu num aumento de 153% do número de embalagens a verificar.
97. A formalização da contratação da autora não foi presencial, desconhecendo o Conselho de Administração C… a situação de gravidez da Autora.
98. O C… colocou funcionárias grávidas a trabalhar na Unidade C1….
99. A funcionária M… encontrava-se na Unidade C3… desde agosto de 2014 e, pretendendo engravidar, foi transferida para a Unidade C1… em novembro de 2015.
100. Tendo tomado constatado a sua gravidez em novembro de 2015, manteve-se nesta unidade até maio de 2016.
101. N…, O… e P… também trabalharam na Unidade C1… no decurso da sua gravidez.
102. A funcionária Q…, administrativa a exercer funções na Unidade C1… do C…, manteve-se a trabalhar na unidade no decurso da sua gravidez.
103. O C… recrutou a funcionária E…, Enfermeira, mediante contrato de trabalho a tempo indeterminado, celebrado em 19 de dezembro de 2016, iniciando esta uma ausência por gravidez de risco em 29.03.2017.
104. E recrutou a funcionária F…, Enfermeira, mediante contrato de trabalho a tempo indeterminado, celebrado em 25 de maio de 2017, iniciando esta uma ausência por gravidez de risco em 02.07.2017.
105. E recrutou a assistente técnica S…, através da conversão de contrato de trabalho a termo incerto para contrato de trabalho por tempo indeterminado em 13 de março de 2017, numa altura em que se encontrava grávida de 3 meses.
106. O C… não promoveu a realização de exame médico à Autora com vista à avaliação do risco inerente à pessoa da Autora e ao trabalho por esta desenvolvido pelo Réu, no âmbito do contrato celebrado a 4 de julho de 2016.”
Considerou-se por sua vez como não provado:
“1. A Dr.ª I… dirigiu-se à Autora de forma agressiva e intimidatória.
2. A Dr.ª I… constrangeu a Autora para que assinasse a documentação que lhe foi apresentada.
3. A Autora e terá condicionado a vontade das suas colegas da C1…, designadamente a farmacêutica com iria articular a sua actividade, quando se apresentou em adiantado estado de gravidez, procurando delas, à revelia do Conselho de Administração, a aceitação para a condicionalidade que apresentava, e para um período de tempo em que logo projectou esses impedimentos, precisamente porque sabia e tinha plena consciência da condicionalidade e que se encontrava.
4. A condição física de gravidez era e é um impedimento que obstava de forma absoluta que pudesse realizar as funções para as quais se destinava a contratação, sob pena de colocar em causa a sua saúde e a do feto
5. A contratação da Autora no estado de gravidez, dadas as necessidades do serviço, frustrava o objectivo da contratação.
6. No mapa de pessoal do Serviço C5…, os farmacêuticos livres de condicionalidades ligadas à maternidade ou paternidade são dez farmacêuticos.
7. Há sete farmacêuticos impedidos de manusear citotóxicos por força de maternidade, amamentação, doença oncológica ou período de descanso até engravidar.”
*
B) Discussão
1. Recurso principal
1.1 Recurso sobre a matéria de facto/juízo sobre a sua admissibilidade
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, desde logo, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Nestes casos deve porém o recorrente observar os ónus de impugnação previstos no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[1]. Contudo, como também sublinha o mesmo autor, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[2].
Tendo por base o regime legal citado, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[3] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[4].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação estabelecido legalmente, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe que esse concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Como se observa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de julho de 2016[5], “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c)”[6]. Daí que, não sendo cumpridos os ónus estabelecidos, como se afirma também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016[7], tal “implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”
Voltando ao caso, por referência ao afirmado regime, constata-se que o Recorrente pretende que, em reapreciação, se proceda ao aditamento de um novo facto ao elenco factual provado, com a redação seguinte: “O C… contratou aquelas trabalhadoras, identificadas nos nºs …, … e … da ‘matéria assente’, no estado de gravidez integrando-as em diversos Serviços hospitalares que não apresentavam particulares riscos para a saúde associados à gravidez, os Serviços respectivos de Medicina Piso …, Serviço C2…, C6…”.
Pronunciando-se sobre tal pretensão, nas contra-alegações, considera a Autora que não foi cumprido no caso o determinado no artigo 640.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC, tratando-se ainda, diz, de matéria de facto não alegada pela Ré e que por isso não foi submetida a julgamento. Considera, em conformidade, que deverá rejeitar-se a apreciação do recurso de apelação sobre a matéria de facto.
Também a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, sustenta a rejeição do recurso nesta parte, por falta de cumprimento dos ónus legais, mais acrescentando que é conclusivo o que se pretende aditar.
Ora, cumprindo apreciar, e em primeiro lugar, sem dúvidas que só com muita dificuldade se pode dizer que o Réu cumpriu, no caso, o ónus estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º, pois que quer nas conclusões quer ainda nas alegações que apresentou não faz as indicações aí previstas, ao ter-se limitado, nestas últimas, a referir (citando), entre parênteses, “conforme documentos anexos, com as transcrições”. É que, verdadeiramente, apesar de nesses anexos constarem transcrições de declarações de testemunhas, como ainda indicações que porventura permitam a respetiva localização – assim: “S… - 20171003150204_14881511_2871474 (minuto 00:00 até 04:24)”;“F… - 20170926144227_ 14881511_2871474 (minuto 00:00 até 11:29)”; “E… - 20170926142627_14881511_2871474 (minuto 00:00 até ao minuto 6:21)” –, tal não invalida que tenha de constar tal indicação, pelo menos, das alegações apresentadas, pois que dessas devem constar, expressamente, os argumentos das partes, incluindo pois sobre meios de prova quando se pretender impugnar a matéria de facto, dirigidos à decisão recorrida, sem prejuízo da necessária formulação, posterior, das conclusões que desses se retirem.
Mas não é só essa a razão para, no caso, se não poder proceder à requerida alteração da matéria de facto.
É que, tratando-se ainda em parte (como refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta) de menção conclusiva – se envolvem ou não riscos… –, como aliás também o sustenta a Autora, não refere o Réu onde foi alegado o facto que agora pretende aditar.
Ora, porque assim é, não obstante os poderes atribuídos ao juiz no processo laboral, face ao que resulta do artigo 72.º do CPT – que incluem os emergentes da regra geral do aludido artigo 5.º do CPC e permitem ao juiz atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultam da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados –, não fazendo a Recorrente apelo, como se disse, a factos que diga ter alegado nos articulados, enquanto factos novos, para poderem ser atendidos seria necessário que o Tribunal a quo tivesse usado da faculdade prevista no citado n.º 1 do artigo 72.º do CPT, se porventura os considerasse relevantes para a boa decisão da causa. E não foi esse o caso, como decorre dos autos, não tendo pois o Tribunal a quo feito uso do citado preceito legal, não competindo a este Tribunal, aqui e agora, em sede de recurso, tomar esse facto em consideração, e desse modo, dar o mesmo por provado, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do citado artigo) – só ao Tribunal a quo, no uso do poder/dever conferido pelo aludido artigo 72º do CPT, tendo ocorrido discussão sobre a mesma, se fosse esse o caso, competia considerar provada tal factualidade[8]. O mesmo foi afirmado, entre outros, no Acórdão desta Secção de 16 de Janeiro de 2017, cujo sumário, nesta parte é o seguinte: “Os poderes atribuídos no n.º 1 do artigo 72.º do CPT quanto à consideração dos factos não alegados pelas partes são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, tendo ocorrido discussão sobre esses factos, não competindo ao tribunal de recurso tomar esses em consideração, e deste modo, dar os mesmos por provados, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do mesmo artigo).”[9]
Do exposto resulta, em conformidade, a exclusão da apreciação, nesta sede, do supra indicado aditamento à matéria de facto.
1.2 Dizendo de direito: do período experimental/contratos de estágio e de emprego-inserção
Nas suas conclusões 2.ª a 11.ª o Réu sustenta, diversamente do decidido na sentença – que diz ter por essa razão violado a cláusula 19.ª do contrato de trabalho a termo incerto e os artigos 111.º, 112.º, n.ºs 4 e 5, e 113.º do Código do Trabalho e ainda o teor da cláusula 1.ª do contrato emprego-inserção – que é plenamente válida a estipulação de uma cláusula de fixação de período experimental no contrato de trabalho a termo incerto, ainda que anteriormente o trabalhador tenha celebrado contratos de estágio e de emprego-inserção, pois que, diz, não é neste caso aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 112.º do Código do Trabalho – por não serem aqueles contratos assimiláveis aos casos aí previstos, por não correspondem à previsão literal da norma, sendo também distintos os níveis do contrato de trabalho a termo incerto objeto dos autos, seja quanto ao objeto da vinculação seja quanto ao regime legal aplicável, existindo ainda um hiato temporal entre o contrato de emprego-inserção e o contrato de trabalho a termo celebrado que mesmo num quadro de sucessão de contratos sempre consagraria a autonomia entre contratações –, não se verificando sequer elementos seguros literais, nem outros, para interpretar extensivamente tal norma, sendo que, acrescenta, não existe imperatividade na locução «é reduzido ou excluído» da norma por relação ao período experimental, nem no quadro da contratação aí prevista como precedente, e, seguramente, essa não ocorre quando fora desse tipo de vinculação, não se estando, portanto, perante normas inderrogáveis. Por último, refere que as normas em matéria de saúde e segurança no trabalho, pela sua natureza de normas de interesse e ordem pública, em relevo aos valores subjacentes não projetam deveres nem ónus apenas para o empregador, sendo antes bidirecionais, vinculando igualmente o trabalhador e o empregador.
No que é acompanhada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em sentido contrário se pronuncia a Autora, sustentando o acerto do julgado, mais requerendo, a título subsidiário, caso procedam os argumentos do Réu, a ampliação do objeto do recurso de tal modo que se conheçam dos demais argumentos que invocou e que o Tribunal a quo não conheceu por os ter por prejudicados face à solução que afirmou.
Cumprindo apreciar, e porque se concorda com a solução a que aí se chegou, vejamos o que consta da sentença recorrida:
“(…) O carácter intuitu personae do contrato de trabalho e a duração tendencialmente indeterminada do contrato explicam a importância da escolha do contraente trabalhador e a sujeição do contrato de trabalho a uma espécie de “regime de prova” no qual o trabalhador deverá demonstrar que tem as qualidades pretendidas pelo empregador.
De facto, no contrato de trabalho assume significado especial o período experimental, que tem em vista o “conhecimento recíproco das partes” e destina-se a permitir que estas possam avaliar o “interesse na manutenção do contrato de trabalho”, permitindo-lhes a formulação de um “juízo de prognose quanto ao modo como decorrerá a relação laboral” – Pedro Romano Martinez, op. cit., p. 492.
O fundamento do período experimental reside assim, essencialmente, na necessidade de tornar percetível a ambas as partes o modo como se desenrolará a relação laboral, permitindo ao empregador avaliar se “pode confiar no trabalhador e se tem capacidade para executar as tarefas correspondentes ao vínculo ajustado, como igualmente se ele se adapta às condições de execução do trabalho solicitado” e ao trabalhador aferir se “(…) o empregador o trata correctamente e lhe paga a retribuição no vencimento, mas especialmente se está interessado em se adaptar às condições de trabalho que lhe são propostas” –, idem, p. 491-492.
Em suma, o período experimental constitui um mecanismo de aferição das concretas condições em que se processará a execução da atividade laboral e de avaliação do grau de aptidão e adaptação do trabalhador ao trabalho contratado.
Porque se trata de um período de prova destinado a avaliar o interesse na manutenção do contrato, durante o período experimental qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio nem invocação de justa causa e não é devido o pagamento de qualquer indemnização – cfr. art. 114.º do Código do Trabalho.
A faculdade de denúncia do contrato constitui o traço essencial do regime jurídico do período experimental.
Tal denúncia é, em princípio, imotivada – as partes não têm que indicar o motivo da denúncia – desvinculada – não depende da verificação de justa causa – e informal - não está sujeita a qualquer requisito de forma.
Ressalva-se apenas a obrigação de cumprimento do prazo de aviso prévio previsto nos nºs 2 e 3 do art. 114.º do Código do Trabalho (“tendo o período experimental durado mais de 60 dias, a denúncia do contrato por parte do empregador depende de aviso prévio de sete dias”; “tendo o período experimental durado mais de 120 dias, a denúncia do contrato por parte do empregador depende do aviso prévio de 15 dias”), com as consequências previstas no nº 4 do mesmo artigo para o caso de incumprimento.
A faculdade de denúncia do contrato no período experimental sem invocação de justa causa não confere, todavia, ao empregador um qualquer poder arbitrário, abusivo ou discriminatório na cessação do contrato.
A denúncia não poderá configurar abuso de direito (art. 334.º do Código Civil), nem atentar contra direitos ou princípios fundamentais constitucionalmente previstos – maxime, o princípio da igualdade (art. 13.º da CRP). Tem-se entendido que enquadra a exceção de abuso de direito a denúncia do contrato durante o período experimental pelo facto de a trabalhadora, entretanto, ter engravidado no decurso daquele (cfr. Pedro Romano Martinez, op. cit., p. 493).
Por outro lado, deverá considerar-se atentatório de direitos fundamentais a cessação do contrato no período experimental fundada em discriminação em função da religião, convicções políticas ou ideológicas, condição social ou orientação sexual.
O regime especial do período experimental – durante o qual não vigoram as regras gerais relativas à cessação do contrato de trabalho – vigora indistintamente para os contratos de trabalho por tempo indeterminado e para os contratos de trabalho a prazo. Os prazos de vigência do período experimental são, no entanto, consideravelmente reduzidos, sendo de 30 dias para contratos com duração superior a seis meses e de 15 dias para contratos com duração inferior a seis meses ou de contrato a termo incerto cuja duração previsível não ultrapasse aquele limite (art. 112.º, nº 1 e 2, do Código do Trabalho).
O período experimental pode, porém, ser reduzido ou excluído por acordo escrito das partes ou reduzido (mas já não excluído) por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho – cfr. art. 111.º, nº 2 e 112.º, nº 5, do Código do Trabalho.
Além disso, o período experimental não pode ser imposto em caso de prévia celebração de contrato de trabalho a termo ou temporário com duração igual ou superior ao período experimental. Com efeito, conforme decorre do disposto no art. 112.º, nº 4, do Código do Trabalho, “O período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele”.
O elemento literal da norma acentua o carácter imperativo da mesma, entendendo-se que tal norma não pode ser afastada por vontade das partes.
A fórmula legal usada contrasta, efectivamente, com a consagrada no nº 2 do art. 111.º ou do nº 5 do art. 112.º - que se limitam a prever a redução ou exclusão do período experimental como mera faculdade que está na livre disponibilidade das partes – impondo-se a redução ou exclusão do período experimental naquelas circunstâncias.
Tal mecanismo destina-se a evitar situações de fraude na invocação de período experimental, justificando-se porque naquele caso o contrato de trabalho prévio cumpriu a função destinada ao período probatório, tornando injustificável o recurso à denúncia livre e desvinculada do contrato, que é característica deste.
De facto, a fixação de um período experimental nestas circunstâncias representaria, na prática, uma ampliação dos prazos máximos de duração do período experimental previstos no nº 1 (que tem sido perspectivado também como norma imperativa), e uma injustificada ampliação do direito do empregador à denúncia livre e imotivada.
O Código não prevê expressamente a consequência para a previsão de um período experimental em contravenção com o disposto no art. 112.º, nº 4, do Código do Trabalho. Assim sendo, tem aplicação o disposto no art. 294.º do Código Civil, segundo o qual “os negócios celebrado contra disposição legal de carácter imperativo são nulos (…)”, com ressalva do disposto no art. 121.º do Código do Trabalho, nos termos do qual, “1. A nulidade ou a anulação parcial não determina a invalidade de todo o contrato de trabalho, salvo quando se mostre que este não teria sido celebrado sem a parte viciada. 2. A cláusula de contrato de trabalho que viole norma imperativa considera-se substituída por esta”.
Configurado nestes termos o regime jurídico do período experimental, verifica-se que a Autora celebrou um contrato de trabalho a termo incerto no dia 4 de julho de 2016, para exercer, sob autoridade e direcção do Instituto C…, as funções correspondentes às de Técnica Superior de Saúde, ramo de farmácia.
Tal contrato foi celebrado a termo incerto, justificando-se a limitação temporal “pela necessidade urgente de contratação temporária para fazer face ao acréscimo excepcional do número de C1… em que o C… participa e os que, por se encontrarem em fase de negociação, se espera iniciar em 2016.
Estimando-se, pela duração dos ensaios em desenvolvimento que a presente contratação tenha uma duração de cerca de 3 anos”.
De acordo com a cláusula 19ª do contrato (sob a epígrafe “período experimental”, “O presente contrato terá um período probatório de 30 dias, nos termos do art. 112.º, nº 2, alínea a), do Código do Trabalho”.
As partes expressamente subordinaram o contrato ao regime específico do período experimental nos primeiros 30 dias do contrato.
Porém, apurou-se que a Autora já havia desempenhado as mesmas funções para as quais havia sido contratada nos dois anos anteriores à celebração do contrato a termo, ao abrigo de um contrato de estágio e um contrato de emprego inserção.
Efetivamente, o contrato a termo foi celebrado apenas cerca de 4 meses após a vigência de um “contrato de emprego de inserção” como Técnica Superior de Saúde, com a duração de um ano (de 02-03-2015 a 01-03-2016) e de um “contrato de estágio” com a duração de 13 meses (de 16.01.2014 e 15.02.2015).
A Autora havia sido, de resto, especificamente indicada como pessoa idónea e apta as desempenhar as funções pretendidas no procedimento interno de contratação de funcionários para o Serviço C5… do C… – cfr. facto 9.º da matéria de facto provada), constando o seu nome no pedido de contratação dirigido ao Ministério.
O Réu (rectius, as pessoas que corporizam a sua estrutura organizativa) conhecia, pois, a Autora e tinha pleno conhecimento das suas capacidades e aptidões para o cargo, já que a Autora havia desempenhado as mesmas funções para as quais iria ser contratada nos dois anos anteriores e o seu trabalho havia sido objeto de adequado escrutínio e avaliação (aliás notoriamente positiva, conforme se constata dos factos descritos em 4.º e 7.º).
A estipulação de uma cláusula de fixação de período experimental, nestas circunstâncias, é, pois, para além de injustificada, manifestamente nula, violando norma imperativa (art. 112.º, nº 4, do Código do Trabalho).
Estava vedado às partes fixar um período experimental, atenta a duração do contrato previamente celebrado (emprego-inserção) e a identidade de funções a desempenhar.
Considerando-se tal cláusula automaticamente substituída pela norma imperativa aplicável (art. 112.º, nº 4, do CT), impõe-se concluir que o contrato de trabalho a termo pelas partes não estava sujeito a qualquer período experimental.
A exclusão ope legis do período experimental implica o afastamento do regime específico de cessação do contrato previsto no art. 114.º, nº 1, do Código do Trabalho e aplicação das normas gerais de cessação do contrato de trabalho, concretamente do disposto nos arts. 338.º e ss, que exigem, nomeadamente, a instauração de procedimento disciplinar (arts. 352.º e ss) e a verificação de justa causa (art. 351.º do CT), em concretização do comando constitucional do art. 53.º da CRP.
No caso em apreço, a Autora foi dispensada sem invocação de justa causa, nem prévia instauração de procedimento disciplinar, tendo a entidade empregadora invocado a faculdade de livre denúncia do contrato no período experimental.
A denúncia do contrato nestas circunstâncias equivale, pois, a um despedimento ilícito, sem invocação de justa causa e não precedido de procedimento disciplinar.
Refira-se que o facto de o Conselho de Administração do Réu desconhecer que a Autora se encontrava grávida aquando da contratação não é relevante para este efeito, quer porque os procedimentos internos de contratação de novos funcionários (que implicam a assinatura do contrato na ausência do seu legal representante) foram por si instituídos, quer porque a Autora, para além de se encontrar notoriamente grávida, deu conhecimento do seu estado à Diretora do Serviço C5… e à Coordenadora da Unidade C1…, suas superioras hierárquicas, que não colocaram qualquer objeção à sua contratação (cfr. motivação da resposta à matéria de facto), quer porque, finalmente, a Autora não tinha a obrigação de comunicar previamente tal facto à entidade empregadora, conforme resulta expressamente do disposto no art. 17.º do Código do Trabalho: 1. O empregador não pode exigir a candidato a emprego ou a trabalhador que preste informações relativas: a) à sua vida privada (…) b) à sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.
Recaía, pois, sobre o Réu, no caso concreto, o ónus de indagar da existência de condicionalismos de saúde ou do estado de gravidez da Autora, solicitando tal informação por escrito e justificando-a devidamente, o que não foi observado no caso concreto.
Verificando-se a ilicitude do despedimento nos termos sobreditos (que tornam despicienda a análise dos restantes fundamentos da ação, designadamente, da invocada exceção de abuso de direito na denúncia do contrato no período experimental) tem a Autora o direito a ser indemnizada de todos os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e a peticionar a sua reintegração no posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade – art. 389º, n.º 1, al. s a) e b), do C. T. – podendo, todavia, em substituição da reintegração, o trabalhador optar por uma indemnização até ao termo da discussão em audiência final de julgamento – art. 391º, n.º 1, do CT.
No caso sub iudice, a Autora optou pela sua reintegração, pelo que deverá condenar-se o Réu no pedido.
Deverá ainda o Réu ser condenado a pagar à Autora todas as retribuições que deixou de auferir desde o 30º dia anterior à instauração da acção (ou seja, de 15/02/2017) até à presente data, bem como as que se vencerem até à data do trânsito em julgado desta decisão – art. 390º, nº 1 e 2, b), do C. do Trabalho, deduzindo-se ao montante obtido o valor que a trabalhadora tenha recebido com a cessação do contrato de trabalho e que não teria recebido se não fosse o despedimento – art. 390.º, nº 1 e 2, al. a) do Código do Trabalho – montante a liquidar em incidente processual próprio. (…)”

Não obstante serem para nós bastantes as razões avançadas na sentença para fundamentar o seu sentido decisório, que de resto respondem já aos argumentos apresentados pelo Réu/apelante no presente recurso, ainda assim, com o único intuito de melhor esclarecermos a nossa posição, apesar do risco de podermos cair em repetição, sempre diremos o seguinte:
Dada a data da celebração do contrato objeto de análise, a disciplina jus-laboral é a estabelecida no Código de Trabalho de 2009 (CT/2009).
Resulta desde logo do artigo 111.º que “O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção” (n.º 1), sendo que “No decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho” (n.º 2). Por sua vez, ainda com interesse para o caso, dispõe-se no n.º 4 do seu artigo 112.º que “O período experimental, de acordo com os números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual à duração daquele”, resultando ainda do n.º 1 do artigo 113.º que “O período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo acção de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período”.
Seguindo de muito perto o Acórdão desta Secção de 23 de Março de 2015[10], diremos também, acompanhando ainda a doutrina nesse citada, que esta norma, introduzida pelo CT/2009, e portanto inovadora, como refere Pedro Fortunato Martins[11], tem como finalidade o combate a práticas fraudulentas destinadas a tornear diversas limitações que a lei impõe a formas precárias de contratação, radicando a razão de ser do preceito, nas palavras desse Autor, “sobretudo na presumida desnecessidade da sujeição a novo contrato ao norma período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justificará a sua redução ou exclusão”, mais acrescentando que terá de fazer-se necessariamente “uma interpretação alicerçada na teleologia da norma, como de resto sucede com toda a interpretação jurídica”, sendo “em especial decisiva a circunstância de a actividade contratada, ou pelo menos o núcleo essencial das tarefas que a integram, ser idêntico ou equivalente ao trabalho que o trabalhador já prestou na mesma organização”.[12] Por sua vez, Luís Miguel Monteiro[13], depois de evidenciar que que sempre seria muito discutível a admissibilidade de período experimental nestas situações – pois que o “conhecimento recíproco alcançado pelas partes, bem como a afirmação do interesse na persistência de relacionamento contratual entre ambas que está subjacente à celebração de novo contrato, esvaziariam a finalidade do período de experiência, tornando quase óbvia a ilegitimidade da denúncia contratual que por via dele fosse operada” –, pronunciando-se sobre a questão que se coloca sobre o âmbito temporal da aplicação da norma, sustenta que, dada a sua redação, “a duração do período experimental do novo contrato toma em consideração o tempo de vigência de contratos anteriores para o exercício de funções idênticas (se ao abrigo de contrato de trabalho a termo), cumpridos no mesmo posto de trabalho (se por via de trabalho temporário) ou para o mesmo objecto (se em prestação de serviços), independentemente do intervalo temporal verificado entre a cessação de um destes contratos e a celebração do contrato de trabalho cujo período experimental se avalia”. Daí que acrescente que “a extensão significativa deste intervalo pode justificar a necessidade de nova avaliação, por ambas as partes, do interesse na manutenção do contrato (…)”.
Como se conclui no mesmo Acórdão, solução que aqui acompanhamos, “a celebração de um novo contrato de trabalho por um trabalhador que antes esteve ao serviço do mesmo empregador ou da mesma organização onde exerceu a mesma actividade ou pelo menos o núcleo essencial das tarefas que a integram, leva a que o período experimental, no novo contrato de trabalho, seja reduzido ou excluído consoante a duração do anterior contrato”, sendo ainda de “esclarecer que o regime jurídico do período experimental, com algumas excepções, tem natureza imperativa.”
Importa pois perguntar se o caso que se aprecia se insere na previsão da norma citada.
Ora, porque com interesse para a decisão, pois que a Autora esteve inicialmente sujeita a contrato de estágio, incidindo sobre um caso em que estava em causa a frequência anterior pelo trabalhador de estágio realizado em contexto real de trabalho – desenvolvido nas próprias instalações da entidade empregadora onde veio a prestar a sua atividade já ao abrigo de contrato de trabalho –, refere-se no Acórdão desta mesma Secção de 4 de fevereiro de 2013[14], que “o interesse do período experimental é o das partes puderem perceber, na execução concreta do contrato, se a manutenção deste lhes interessa (…) o que é essencial é que o trabalhador, mesmo antes de o ser, já desenvolva, como se o fosse, as funções para as quais poderá vir a ser contratado. É neste sentido que alguma jurisprudência tem vindo a afirmar que as acções de formação que contam para efeitos de período experimental não são só aqueles que se iniciam posteriormente à celebração do contrato – vide Ac. da Relação de Évora sob o nº 832/08.1TTSTB.E1, de 24-11-2009, citado pela recorrente, da qual extractamos o seguinte trecho, com o qual concordamos: “Convenhamos que é ponderoso o argumento aduzido pelo recorrente. Sendo o período experimental destinado a permitir aos contratantes um melhor conhecimento recíproco, e à tanto quanto possível correcta valoração das condições em que será oferecida e recebida a prestação de trabalho, de modo a cada um deles poder aferir do interesse na manutenção do vínculo laboral, essa desejável experiência só poderá naturalmente adquirir-se mediante o início da execução do contrato, e do cumprimento das obrigações dele decorrentes. Mas se assim será na normalidade das coisas, a lei vem introduzir um importante desvio a essa regra, ao determinar, no citado art.º 106º, nº 1, que para efeitos de contagem do período experimental há que atender também às acções de formação ministradas pelo empregador, ou frequentadas por determinação dele. De tal normativo não resulta porém que alguma vez possa prefigurar-se, no mundo do trabalho, um qualquer período experimental à margem da efectiva prestação contratual. O que dessa disposição decorre é, tão só, que o lapso de tempo ocupado com tais acções de formação releva na contagem do período experimental, desde que não exceda metade da duração do mesmo.” Ainda com relevância, mais se acrescenta no mesmo Acórdão resultar do n.º 4 do artigo 112.º que, “ao admitir para a redução ou eliminação do período experimental, a contagem de tempo de serviço prestado ao abrigo de contrato de prestação de serviço, decisivamente o legislador não deixa de vir [[15]] dizer que não é relevante, no período de apreciação das qualidades das partes e do interesse na manutenção do contrato, o exercício dos poderes de subordinação jurídica. Quer dizer, literalmente, o que interessa é saber se o trabalhador tem o potencial de desempenhar satisfatoriamente as funções que concretamente lhe são ou poderão vir a ser cometidas. Se antes da celebração dum contrato de trabalho ele já revelou esse potencial, não se justifica o período experimental, ou justifica-se reduzi-lo. Repare-se que o apuramento das qualidades patronais, por parte do trabalhador é, do ponto de vista do trabalhador, relativamente indiferente, porque a este é possível sempre desvincular-se desde que respeite o pré-aviso correspondente.”[16]
Aplicando tal doutrina ao caso, resultando da factualidade provada (pontos 2 a 4) que a Autora, no âmbito do denominado “contrato de estágio”, nos termos do qual o Réu se obrigou a proporcionar àquela um estágio em contexto de trabalho, na área de C1…, com a duração de 12 meses, estágio esse que decorreu nas instalações daquela na Unidade C1…, no período compreendido entre 16.01.2014 e 15.02.2015, sendo aliás atribuída, no seu termo, numa escala de 1 a 5, a classificação de nível 5 em matéria de “assiduidade”, “pontualidade”, “interesse”, “progressão da aprendizagem” e “relacionamento” e de nível 4 ao “conhecimento da profissão”, de toda essa realidade resultará, como conclusão, que o Réu estaria em condições de aferir, findo esse estágio, do potencial da Autora para desempenhar as funções que concretamente lhe são ou poderão vir a ser cometidas – como se disse, se antes da celebração dum contrato de trabalho o trabalhador já revelou esse potencial, não se justifica o período experimental, ou justifica-se reduzi-lo, não se vendo pois por que razão não seja de aplicar, também a estes casos, a previsão da norma, em contrário do que sustenta a Apelante, assim na sua conclusão 7.ª.
É certo que o aludido estágio não precedeu imediatamente a celebração do contrato de trabalho objeto dos autos, pois que entre aquele e este, mais uma vez como se provou, ocorreu a celebração do denominado “contrato de emprego de inserção” como Técnico Superior de Saúde, o qual vigorou no período compreendido entre 02-03-2015 a 01-03-2016.
Porém, não se negando a natureza deste programa, assim o denominado emprego-inserção, cuja regulamentação constada da Portaria n.º 128/2009, de 30 de janeiro, com a redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 164/2011, de 18 de abril, em que se começa por assinalar a sua natureza de medidas de política legislativa “que visa promover a coesão social através do emprego e da qualificação profissional” – assinalando-se ainda revelar-se “de particular valor estratégico a revisão da regulamentação das medidas activas de emprego que, em complementaridade aos instrumentos de protecção social, procuram melhorar os níveis de empregabilidade e estimular a reinserção no mercado de trabalho dos trabalhadores que se encontram em situação de desemprego” –, diversa sem dúvidas como assinala a Ré/apelante da relação laboral propriamente dita e em particular do regime que regula o contrato de trabalho[17], ainda assim, a atividade desenvolvida pela Autora no âmbito do contrato de emprego-inserção, tanto mais que seguido como se disse a um contrato de estágio, sem esquecermos as funções exercidas – quer no contrato de trabalho celebrado quer nos de estágio e inserção – foram afinal idênticas (ponto 18 da factualidade provada), acaba por acentuar, precisamente, a conclusão a que se chegou anteriormente, assim a de que, de modo a nosso ver claro, até pela avaliação de que aquela foi alvo – como se provou, obteve, “pelo trajecto profissional no Réu, entre 16 de Janeiro de 2014 a 01 de Março de 2016, a seguinte avaliação de serviço: A quantidade e qualidade de trabalho satisfizeram plenamente, dado que foram executados com rigor, rapidez e oportunidade de execução. Responsabilidade foi revelada um elevado nível de ponderação nos actos praticados. Boa integração na equipa farmacêutica de forma a permitir a manutenção de níveis de eficácia e qualidade de serviço, consentâneos com os padrões exigíveis e os meios disponíveis.” “O seu trajeto profissional é reflexo das suas características pessoais, aliadas a grande capacidade de trabalho e rigor” (ponto 7 da factualidade provada) –, que o Réu estava necessariamente em condições de aferir, findo todo esse período, afinal superior a dois anos (contratos de estágio e emprego-inserção), do potencial da Autora para desempenhar as funções que concretamente lhe iriam ser cometidas no âmbito do contrato de trabalho depois celebrado, razão pela qual, concordando-se deste modo com a solução alcançada na sentença, na consideração ainda do curto período que mediou entre o fim do contrato de inserção e a celebração do contrato de trabalho – de quatro meses, entre 02-03-2016 a 03-07-2016 – durante o qual aliás aquela ficou desempregada (ponto 8 da factualidade provada), teremos de ter por excluído no caso, porque sem dúvidas não justificado, o período experimental estipulado.
Daí que, pelo exposto, se torne desnecessária a apreciação das questões levantadas pela Autora na ampliação do recurso que requereu.
Não obstante, permitimo-nos algumas considerações a respeito da motivação para a denúncia, assim para assinalar que a avaliação negativa pelos serviços C5… a que fazia alusão, referente afinal a um período de tempo de pouco mais de 15 dias (entre 04-07-2016 e 22-07-2016), para além de contrariar diretamente as avaliações antes realizadas e sem dúvidas claramente positivas e que abarcavam um período superior a dois anos, foi por um lado realizada por quem nunca trabalhou diretamente com a Autora (pontos 47 e 48 provados) e, por outro, que o seu resultado “foi determinado pela circunstância de a Autora se encontrar grávida e não poder realizar todas as tarefas próprias da unidade C1…” (ponto 51 da factualidade), circunstâncias essas que poderiam legitimar a necessidade de indagar se, como o avança a Autora, até por comparação com outros trabalhadores em situação similar (como resulta da mesma factualidade), não se estaria perante um caso de discriminação, não justificado, em função do seu estado de gravidez.
Seja como for, como se referiu anteriormente, sequer ocorre fundamento para afrontarmos diretamente essa questão, como ainda os demais argumentos apresentados pela Autora, por ser de confirmar, pelas razões anteriormente expostas, nesta parte a decisão recorrida.
É que, reafirma-se em jeito de conclusão, destinando-se o período experimental, na prática, a permitir que ambas as partes afiram do seu interesse na prossecução e manutenção do vínculo contratual, tal não se justifica no caso pois que, tendo a Autora exercido funções idênticas àquelas que são objeto de contratação durante um período superior a dois anos e de forma contínua, aquele desiderato ou conhecimento reciproco que o período experimental teria por finalidade já havia sido antes alcançado, não existindo pois, no caso, necessidade de novo período experimental, razão pela qual é de concluir, como na sentença recorrida, que a denúncia/cessação contratual efetuada pela Ré é ilegítima, à luz do n.º 4 do artigo 112.º do CT/2009, consubstanciando assim um despedimento ilícito da Autora, porque efetuado sem precedência de procedimento disciplinar – artigo 381º, alínea c) do CT/2009. Como na sentença se refere, “verificando-se a ilicitude do despedimento nos termos sobreditos (que tornam despicienda a análise dos restantes fundamentos da ação, designadamente, da invocada exceção de abuso de direito na denúncia do contrato no período experimental) tem a Autora o direito a ser indemnizada de todos os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e a peticionar a sua reintegração no posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade – art. 389º, n.º 1, al. s a) e b), do C. T. – podendo, todavia, em substituição da reintegração, o trabalhador optar por uma indemnização até ao termo da discussão em audiência final de julgamento – art. 391º, n.º 1, do CT.”
Pelo exposto, não invocando ainda o Réu Apelante outros argumentos, assim nas suas conclusões, dirigidos ao mais decidido na sentença, improcede o recurso.
1.3. Ampliação do recurso/Autora
Como resulta da apreciação anterior, pelas razões então referidas, improcedente o recurso da Ré, não há que conhecer da sua ampliação, requerida pela Autora, a título subsidiário, precisamente para a eventualidade de aquele proceder, o que se aplica, pois, à nulidade da sentença e ao conhecimento dos fundamentos e questões de direito que não foram apreciados em 1.ª instância a que alude a Autora na ampliação.
2. Recurso subordinado/Autora
A única questão levantada pela Autora/apelante prende-se com a quantificação da indemnização a título de danos não patrimoniais/morais, por entender que, em vez de €2.500,00 fixados na sentença, aquela deve ser de €15.000,00.
Para tanto, faz apelo ao que considera ser a situação económica das partes envolvidas, gravidade do dano e suas consequências, referindo designadamente o seguinte: que “foi constrangida e humilhada perante os outros funcionários do Réu, tendo inclusive necessidade de ser assistida nas urgências”; o “seu despedimento foi comentado e observado quer por colegas de trabalho quer por familiares e amigos, o que deverá levar a considerar esse facto como causador de um assinalável desgaste psicológico” (fazendo apelo à motivação da sentença quanto ao depoimento prestado pela testemunha G… – superior hierárquico da A. – a fls 17); “no que tange ao despedimento e à fase posterior, em que a A. ficou consternada e os seus planos de vida (e do seu agregado familiar) sofreram um considerável revés, tendo inclusivamente o seu companheiro a necessidade de trabalhar sete dias por semana para sustentar a família (cumulando dois empregos), cfr. motivação Constante de douta sentença a fls. 20”; “maior gravidade deve reconhecer-se ao dano resultante da desestabilização da saúde provocada pela comunicação de despedimento quando estava notoriamente grávida, o que se encontra comprovada não só pelas testemunhas mas igualmente documentalmente, cfr. ponto 11, 12, 19 a 21 e 55 da matéria de facto dada como provada”; “tinha uma colega de trabalho que efectuou o mesmo percurso profissional, exercendo ambas as mesmas funções, com as mesmas responsabilidades, no mesmo departamento e sob a mesma chefia, e tendo um percurso idêntico, quer na antiguidade, quer na experiência, quer nas funções, dentro do C…, cfr. pontos 56 a 63 da matéria de facto dada como provada”, “sendo que à data da comunicação da cessação do contrato a termo, a Autora encontrava-se grávida e a sua colega de trabalho D… não, cfr. pontos 56 a 63 da matéria de facto dada como provada”, “pelo que a A. foi igualmente vítima de discriminação e assédio moral por parte do Réu”; “o Réu não obstante denunciar o contrato da Autora durante o período experimental (Julho), voltou a contactar a mesma em Novembro para que fosse preencher a vaga originada pelo seu despedimento, cfr pontos 43, 44 e 75 da matéria de facto dada como provada”, “o que, como é obvio, aumentou o sentimento de revolta e injustiça vivenciado pela A., que sempre devotou à sua entidade empregadora, aqui Réu, enorme dedicação e apreço, tendo grande orgulho no trabalho que para esta desempenhou, cfr. pontos 73 a 77 da matéria de facto dada como provada”, “sendo que a A., na sequência deste contacto ainda tentou agendar uma reunião nos serviços do Réu, nunca mais tendo obtido resposta por parte deste, cfr. pontos 79 e 80 da matéria de facto dada como provada”, “o que só demonstra o enorme desrespeito do Réu pela pessoa da A.”.
Na sua resposta a Ré pugna pela falta de razão da Autora, no que é acompanhada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer.
Cumprindo decidir, desde já se adianta que não encontramos razões para não acompanharmos, nesta parte, a sentença recorrida, na qual se fez constar, nesta parte, o seguinte:
“No que concerne à indemnização por danos não patrimoniais, o art. 496.º, nº 1, do C. Civil, dispõe que “na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. A gravidade do dano mede-se por um padrão objetivo, e não subjectivo (atendendo à especial sensibilidade do lesado).
A jurisprudência mais recente tem vindo a admitir um alargamento dos danos indemnizáveis em matéria não patrimonial, em áreas em que anteriormente eram excluídos ou dificilmente reconhecidos (designadamente, em matéria contratual) sendo também notória uma tendência progressiva, de atualização, dos valores indemnizatórios de certos danos morais (cfr. relatório do Gabinete dos Juízes Assessores do Supremo Tribunal de Justiça sobre os Danos não patrimoniais na jurisprudência das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça).
No caso concreto entendemos que os danos não patrimoniais invocados assumem gravidade e merecem a tutela do direito, reconhecendo-se ao exercício de uma profissão uma dimensão humana relevante, cuja supressão sem justa causa é susceptível de causar sofrimento, angústia e perturbação, como efectivamente causou no caso concreto. Na verdade, como resulta da matéria de facto provada, a Autora viu degradar a sua qualidade de vida, bem como da sua família, com consequências nefastas para a sua saúde quer na altura em que se encontrava grávida, quer posteriormente. Pese embora o nascimento do filho tenha provocado um sentimento de grande felicidade na Autora, certo é que a ocorrência dos factos supra descritos provocou uma desestabilização na saúde da A, numa altura em que deveria usufruir em plenitude da maternidade, o que não conseguiu. Passou a dormir mal pois esta situação provocou-lhe insónias e uma intranquilidade permanente. Gerando nesta um sentimento de desgaste, nervosismo, ansiedade e receio pelo futuro.
O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º (grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem) – art. 496.º, nº 3, do C. Civil.
Considerando, no caso em apreço, a natureza do dano e afetação do estado de saúde da Autora e o facto de na altura esta se encontrar grávida, entendemos adequado fixar a indemnização em €2.500,00, valor que reputamos equitativo para o ressarcimento dos danos.”.
É que, e desde logo, importa ter presente que só os factos provados e não pois quaisquer considerações porventura constantes da motivação – o que afasta os argumentos da Autora quando baseados em factos que não constam dessa factualidade – aqui podem/devem ser considerados, sendo que, dentro daqueles, retirando menções genéricas naqueles incluídas (assim menções como “provocou uma destabilização na saúde da A” ou “Numa altura em que deveria usufruir em plenitude da maternidade, o que não conseguiu”), ressalta dos factos, com real relevância, o mau estar e constrangimento (a que aludem os pontos 40 e 41), bem como, ainda, necessariamente, que a situação lhe provocou insónias e intranquilidade, sentimento de desgaste, nervosismo, ansiedade e receio pelo futuro. Todos estes factos devem, sem dúvidas, ser valorado nesta sede, sendo que, esclareça-se, na nossa ótica os factos não demonstram cabalmente, diversamente do que aqui invoca a Autora, que tenha sido vítima de descriminação e/ou assédio moral, pois que o caso que refere para o sustentar, por si só, tendo apenas por referência a factualidade provada, tal não permite.
Nos termos expostos, carece de fundamento bastante o recurso subordinado, que assim improcede.
***
Cada uma das partes é responsável pelas custas do recurso que interpôs (artigo 527.º do CPC)
***
IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, não se conhecendo do recurso interposto pela Ré sobre a matéria de facto em declarar esse no mais improcedente, declarando ainda improcedente o recurso subordinado interposto pela Autora.
No que se refere a custas, cada uma das partes é responsável pelas do recurso que interpôs.
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663.º, n.º 7, do CPC.
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Porto, 13 de junho de 2018
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[2] Op. cit., p. 235/236
[3] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[4] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[5] processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, disponível igualmente em www.dgsi.pt
[6] no mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de Outubro de 2016, processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[7] www.dgsi.pt
[8] Neste sentido, Ac. desta Relação e Secção de 11 de Junho de 2012, Relatora Fernanda Soares, processo 2/10.9TTMTS.P1.
[9] Apelação 2311/14.9T8MAI.P1, relatado pelo também aqui relator, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Relator Desembargador António José Ramos, in www.dgsi.pt.
[11] Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª Ed., 2012, pág. 583
[12] Obra cit., pág. 583/584.
[13] E Outros, Código do trabalho Anotado, 2013, 9ª Ed., pág. 302
[14] Desembargador Eduardo Petersen Silva, in www.dgsi.pt.
[15] [2] Com referência aos contratos de prestação de serviços efectivamente dignos desse nome.
[16] Daí que nesse se tenha concluído que, “tendo a recorrente provado que realizou estágio em contexto real de trabalho no mesmo local de trabalho, durante 9 meses, pelo qual foi notada de Muito Bom, e não havendo qualquer hiato temporal entre o fim do seu estágio e o início do contrato de trabalho, consideramos que provou que a recorrida já tinha tido oportunidade mais que suficiente para se aperceber do interesse na manutenção do contrato, pelo que era eliminável o período experimental fixado, ao abrigo do artigo 112º nº 4 do CT”.
[17] Veja-se a esse propósito, sobre o seu regime, de entre outros, o Ac. RE de 4 de Dezembro de 2014, Relator Acácio André Proença, in www.dgsi.pt.