Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2625/12.2TBPNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: ERRO NA DECLARAÇÃO
ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO
INEFICÁCIA DO REGISTO DA HIPOTECA
REGISTO
Nº do Documento: RP201711232625/12.2TBPNF-A.P1
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 112, FLS 196-206)
Área Temática: .
Sumário: I - O negócio jurídico só é anulável por erro sobre o objecto se esse erro for tal que sem ele a parte não teria celebrado o negócio, ou não o teria celebrado com aquele conteúdo, importando que se se concluir que a parte teria celebrado o negócio do mesmo modo, ainda que não tivesse incorrido em erro, não haverá já fundamento para o anular. É este o sentido da essencialidade a que se refere o artº 247º do Código Civil
II - Ainda que necessária, a essencialidade não é, todavia, suficiente para fazer desencadear o efeito anulatório. Para além da essencialidade é também necessário que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu erro
III - Devendo a hipoteca, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes, ser registada, não há fundamento, para que o registo não seja eficaz pelo facto de dele não constar o registo do usufruto. É que, não oferecendo dúvida que tanto o usufrutuário como o nu-proprietário só podem transmitir o que têm, ambos os proprietários (a embargante como usufrutuária e o co-executado como nu-proprietário), como únicos titulares da propriedade plena, intervieram conjuntamente na oneração da propriedade plena do imóvel. Daí que não haja motivo para declarar ineficaz o registo da hipoteca, pelo facto de do mesmo constar o registo da hipoteca sobre a propriedade plena, e não o registo sobre a nua propriedade e sobre o usufruto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: TRPorto.
Apelação nº 2625/12.2TBPNF-A.P1 - 2017.
Relator: Amaral Ferreira (1126).
1º Adj.: Des. Deolinda Varão.
1º Adj.: Des. Freitas Vieira.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

1. Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que, contra ela e outro, moveuB..., S.A.”, pretendendo obter o pagamento da quantia de € 324.152,52 de capital e juros vencidos, acrescida de juros vincendos, em que o título executivo são duas escrituras pública de mútuo com hipoteca, deduziu a executada C..., representada pelo curador D..., oposição à execução, por cuja procedência pugna, com a consequente improcedência da acção executiva.
Alega para tanto, e em resumo, que não prestou qualquer garantia real sobre o imóvel de que é usufrutuária para garantia de bom e integral pagamento ao exequente da dívida contraída, e confessada, pelo co-executado E..., nem outorgou qualquer mútuo com a exequente, estando convicta de que a sua presença nas escrituras era necessária apenas para autorizar que o nu proprietário pudesse dar de hipoteca a raiz, motivo pelo qual não se recusou a comparecer nas escrituras, e que não prestou qualquer declaração negocial no sentido de dar de hipoteca o usufruto, como resulta da análise das escrituras, mais aduzindo que, mesmo a considerar-se que nelas emitiu a tal declaração negocial, nunca teve consciência de emitir uma qualquer declaração negocial no sentido de dar de garantia o usufruto, hipoteca que é ineficaz por não se mostrar registada.

2. Recebidos os embargos e notificada para o efeito, contestou a exequente que, impugnando a totalidade da alegação da embargante, termina a pugnar pela improcedência dos embargos, com o consequente prosseguimento da execução.

3. Proferido despacho saneador, que, declarando a validade e regularidade da instância e fixando o valor da causa, identificou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova, procedeu-se a julgamento com gravação da prova produzida e observância do formalismo legal, após o que foi proferida sentença que, declarando os factos provados e os não provados, contendo a respectiva motivação, decidiu nos seguintes termos:
Nestes termos, decide-se julgar a presente oposição à execução deduzida pela embargante/executada C... totalmente procedente, determinando-se, em consequência, a extinção da instância executiva, relativamente à executada C..., prosseguindo os autos no que concerne ao executado E...”.

4. Inconformada, apelou a exequente/embargada que, nas respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª. A referida sentença merece censura, carecendo de qualquer fundamento, de facto ou de Direito.
2ª. Não pode o Recorrente concordar com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que se não encontra demonstrado devidamente que a Executada tivesse comparecido nas escrituras com a convicção de que apenas estivesse a autorizar a hipoteca do imóvel no tocante à sua raiz.
3ª. Considera o Recorrente existirem razões para alteração da decisão sobre o ponto 3 da matéria de facto, tendo em atenção a análise dos meios de prova, os princípios processuais e as regras de repartição do ónus da prova, o que, conjugado com a restante factualidade dada como provada na sentença, haveria de levar à improcedência dos embargos deduzidos pela Executada, C....
4ª. Relativamente à testemunha F..., afigura-se incompreensível que o Tribunal a quo pudesse considerar o depoimento daquele congruente e verosímil, uma vez que, embora referisse que a Executada, C..., sua avó, discutia habitualmente todos os assuntos bancários consigo mesmo, com seu pai, D... (Curador da Executada), e com seu tio, o Executado E..., acabou por admitir desconhecimento da existência da escritura outorgada entre a Executada C..., o Executado E... e o Banco H..., S.A.
5ª. É, para além disso, inverosímil que a testemunha almoçasse durante 5 anos (período que medeia a ocorrência da celebração das escrituras de mútuo com hipoteca com o I..., S.A e o B...), ininterruptamente, com sua avó, pai e tio, de forma a poder garantir que aquela só tivesse comparecido no dia das escrituras e que nunca tivesse sido informada pelo Executado, E..., dos detalhes dos negócios.
6ª. Acresce que o Tribunal a quo desconsiderou em absoluto as declarações da testemunha J..., que referiu de forma peremptória que o crédito concedido pelo B... teve como finalidade a transferência da hipoteca sobre a propriedade plena incidente sobre o imóvel sub judice então registada a favor do I..., S.A.,
7ª. Sendo isto corroborado pelo próprio teor das escrituras [doc.(s) 1 e 2 do requerimento executivo], que referem não apenas que o crédito concedido pelo B... se destinava à liquidação de empréstimo contraído junto da I..., S.A. (fazendo menção à existência de duas hipotecas, registadas a favor do I..., S.A. e a favor do H..., S.A.).
8ª. Recorde-se que a Executada outorgou juntamente com o Executado, pelo menos quatro escrituras de mútuo com hipoteca, onde declarou hipotecar o seu direito de usufruto, designadamente uma com o I..., S.A em 1999, outra com o H..., S.A. em 2003 e duas outras com o B... em 2004.
9ª. Identifica-se, por conseguinte, manifesta contradição entre o depoimento da testemunha F... e o teor do depoimento da testemunha J..., o que impede o Tribunal de valorar apenas o primeiro destes depoimentos sem a devida fundamentação, omitindo por completo, e de forma insustentável, o segundo.
10ª. Por outro lado, é reprovável que o Tribunal a quo tenha considerado que os segmentos da declaração da testemunha F..., onde considerava que a Executada «sempre tinha comunicado que pretendia um sítio e nunca ser encaminhada para o lar», eram reveladores de que esta jamais hipotecaria o seu direito de usufruto sobre o imóvel dado em garantia ao B..., encontrando-se esta conclusão claramente contraditada pelo facto de a Executada C... possuir o usufruto de dois imóveis desde 1999, a saber: o prédio urbano sito na Rua ... e o prédio urbano sito Rua ..., conforme cadernetas prediais juntas aos autos principais.
11ª. Ademais, em sede de alegações finais, o Exequente chamou à atenção do douto Tribunal a quo que, ao contrário da informação carreada para os autos de que a Executada, C..., vivia no imóvel sub judice, se encontrava a menção na caderneta predial do outro imóvel (prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o número 1938 da freguesia ...) de que era este a habitação permanente da Executada, fazendo com que estivesse isento de IMI.
12ª. Do mesmo modo, realçou o Exequente, em sede de alegações finais, que aquele facto, constante da referida caderneta predial, teria sido comunicado em 2009, data em que a Executada tinha 80% de incapacidade, o que nos levaria à conclusão de que tivesse sido comunicado por um dos filhos da Executada, pelo seu Curador ou pelo Executado E...,
13ª. Resultando, assim, do exposto que, ou os filhos da Executada tivessem mentido à Autoridade Tributária (o que deveria, por seu lado, suscitar por parte do Tribunal a quo uma remissão para a Autoridade Tributária da situação), ou estariam a mentir ao Tribunal a quo.
14ª. Portanto, contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, este ignorou o interesse da testemunha F... no desfecho dos autos, não logrando, por isso, «erradicar o apelo ao sangue» e escolhendo replicar as informações enganosas prestadas pelo seu tio, Executado E..., a prejudicar este e a sua avó.
15ª. Ademais, note-se que o Tribunal a quo ignorou as contradições existentes entre o depoimento desta testemunha e os elementos constantes nos autos, uma vez que é dito pela testemunha que apenas tiveram conhecimento da existência desta execução meses antes da realização da audiência de julgamento, quando, na verdade, já a 24 de Janeiro de 2013, o seu pai, Curador da Executada (à data ainda sem esta função), apresentara um requerimento nos presentes autos a requerer que a citação fosse declarada nula por falta de conhecimento desta por parte da Executada incapaz.
16ª. Concluímos, pois, que, no que à testemunha F... concerne, não existe imparcialidade subjectiva, mas antes notório interesse em relação às partes que são executadas nestes autos.
17ª. Ora, se, relativamente à testemunha F..., não é certo que tudo o que disse correspondesse integralmente à realidade, devendo a sua perspectiva ser suplantada por outros meios de prova mais sólidos, quanto à testemunha E... é inevitável concluir-se que faltou à verdade numerosas vezes, face à conveniência das suas declarações para si e para a Executada, prestando declarações marcadas por inúmeras confusões, contradições, e havendo indícios de preparação do depoimento.
18ª. Com efeito, o Tribunal a quo ignorou que as declarações do Executado E... e aquelas prestadas pela testemunha F... apresentavam contradições, pois o primeiro, com receio de que o Tribunal a quo se apercebesse de que tinha as escrituras consigo e de que já as lera, e que isso de algum modo o prejudicasse, afirmou que as escrituras foram lidas pelo sobrinho F..., que as tinha em casa do irmão, D..., contradizendo o que fora já declarado pelo segundo.
19ª. Em segundo lugar, refira-se que o facto de este não ter especificado os bens partilhados aquando a morte do seu pai tem como fundamento o facto de querer ocultar que a sua mãe, C..., detinha o usufruto de dois imóveis, o que iria prejudicar a versão carreada para os autos de que a Executada jamais hipotecaria o seu direito de usufruto por recear ficar sem casa.
20ª. Mais: note-se que o Executado E... apenas recorda em detalhe factos e circunstâncias favoráveis à versão da Executada carreada para estes autos, em contraste com uma patente falta de memória sobre tudo o que pudesse prejudicá-la, como a data em que o seu próprio pai faleceu e em que foi realizada a partilha da herança, na qual se incluíam dois imóveis sobre os quais a Executada detém direito de usufruto.
21ª. Acresce que não é de todo plausível que o Executado E... tivesse por hábito ler as escrituras que celebrava e não tivesse lido as escrituras celebradas com o B... por confiar neste.
22ª. De igual modo, também não se afigura congruente com a ideia de família unida transmitida pela testemunha F... e pelo Executado E... que este tivesse ocultado a carta de citação da presente execução do seu irmão e do seu sobrinho e não tivesse mostrado os documentos que tinha consigo com interesse para a causa.
23ª. Não deveria o Tribunal a quo ter olvidado que, in casu, o Executado tem total interesse em que os embargos sejam procedentes, pois, de outro modo, veria a sua habitação adjudicada no âmbito da presente execução, sendo inclusivamente expectável que as declarações de parte primem pela coerência, podendo mesmo ter sido preparadas.
24ª. Atente-se ainda que, conforme já referido, a testemunha J... não foi objecto de valoração própria, não tendo o Tribunal a quo feito qualquer conclusão pela sua atendibilidade total ou parcial.
25ª. O Tribunal a quo não enunciou os concretos factos para cuja prova ou não prova contribuiu o depoimento desta testemunha, não procedendo, por conseguinte, a uma análise crítica de todas as provas, como impõe o art.º 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
26ª. Por último, a testemunha K..., funcionária pública que presidiu à outorga das escrituras controvertidas, esclareceu que lera e explicara o conteúdo das referidas escrituras, e que questionara se haveria necessidade de algum esclarecimento adicionou.
27ª. Clarificou, ainda, que jamais lavraria uma escritura onde um outorgante declarasse pelo outro sem lhe apresentar procuração para o efeito,
28ª. Pelo que, perante a sólida razão de ciência da testemunha K..., que, sem interesse ou relação pessoal com qualquer das partes, respondeu de forma inequívoca a todas as questões que lhe foram colocadas, e atendendo ainda ao facto de se tratar de uma funcionária especializada que goza de fé pública, é forçoso considerar que esta não teve dúvidas acerca da vontade declarada e a vontade real da Executada C....
29ª. Destarte, não se aceita que o Tribunal a quo não tenha valorado a contradição entre o depoimento desta testemunha e o depoimento do Executado E..., relativamente ao modo como se processaram as escrituras, designadamente quanto ao questionamento de dúvidas por parte da Senhora Notária aos outorgantes,
30ª. E não tenha valorado a coerência entre o depoimento da testemunha J... e o depoimento da testemunha K..., que confirmou que não é prática, no âmbito do crédito hipotecário, os bancos concederem mútuos aceitando somente como garantia a hipoteca da nua propriedade do imóvel, sabendo que sobre o imóvel existe um direito de usufruto a favor de terceiro.
31ª. Por conseguinte, a sentença recorrida padece de erro de julgamento no concerne à matéria do ponto 3 dos factos assentes, que deverá ser dada por não provada.
32ª. Ora, o Tribunal a quo considerou que, na Primeira Escritura, é feita menção a hipoteca sem discriminar a que direito se refere, pelo que teríamos de contemplar que aí não houve vontade por parte da Executada C... de onerar o seu direito de usufruto.
33ª. Contudo, tal interpretação carece de fundamentação lógica, pois implicaria total ilegitimidade da Executada para estar na escritura, uma vez que a sua declaração em nada releva para a constituição do direito de hipoteca; ora, o direito de propriedade (nua-propriedade) só pode ser alienado pelo seu titular - no caso, o Executado E... -, não sendo necessária a intervenção de usufrutuários.
34ª. Como poderia a Terceira Outorgante constituir uma hipoteca sobre um direito que não lhe pertencia?
35ª. Poderemos, é certo, considerar que está imperfeitamente expressa a vontade de constituir uma hipoteca sobre o usufruto, mas tal imperfeição é admissível à luz do artigo 238.º do C.C.
36ª. Para além disso, sempre seria aquela informada pela Notária de que não seria necessário que assinasse para efeitos de constituição de hipoteca sobre a nua propriedade, excluindo-a como outorgante: só faz sentido que alguém conste como outorgante numa escritura quando o seu consentimento é necessário.
37ª. Ademais, as Partes celebraram no mesmo dia a Segunda Escritura [doc. 2 do requerimento executivo], sob a qual o Tribunal a quo já reconhece que houve lugar a uma declaração por parte da Executada, ainda que imperfeita.
38ª. Contudo, o Tribunal a quo considerou ter havido, mais do que uma falta de declaração por parte da Executada, verdadeira falta de vontade, com um erro por parte da Executada sobre os termos das escrituras.
39ª. Conforme é citado pelo Tribunal a quo, o art.º 247.º C.C. estatui que: «Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.».
40ª. Por sua vez, o art.º 342.º do CC estatui que «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.»
41ª. Com efeito, das citadas normas resulta um putativo erro na declaração da Executada no momento da constituição da(s) hipoteca(s) teria de ser provado por ela, bem como que lhe competia demonstrar que a essencialidade sobre o erro não poderia deixar de ser conhecida pela Exequente.
42ª. Com o devido respeito, contrariamente ao que decorre da douta Sentença recorrida, tal não se verificou nos presentes autos.
43ª. Em primeiro lugar, ficou por demonstrar objectivamente que a Executada nunca constituiria uma hipoteca no seu direito de usufruto.
44ª. Em segundo, tal arguição cai, perante o facto de, já anteriormente, a Executada ter visto o seu direito objecto de duas hipotecas, sendo que nos presentes autos, fê-lo, não uma, mas duas vezes! E, no caso da Segunda Escritura, com a menção expressa e inequívoca de que constitui uma hipoteca sobre o seu direito.
45ª. Por último, a suposta prova nos autos é produzida através do testemunho não da própria interessada - que já não se encontra capaz de testemunhar - mas do seu filho e principal Executado e do seu outro filho e neto (ou seja, irmão e sobrinho do Executado).
46ª. Não obstante o já exposto, o Tribunal a quo produz ainda um juízo que, claramente, é abusivo e desconexo, ao afirmar que «a exequente não podia ignorar de que se a embargante não estivesse apenas a autorizar a hipoteca do imóvel no tocante à sua raiz, não faria a aludida declaração».
47ª. Aqui, indaga-se, como deveria a Exequente saber a alegada indisponibilidade da Executada em hipotecar o seu usufruto? Não tinha conhecimento directo do seu pensamento, fora do plano das escrituras, nem se admite que lhe fosse exigível presumir que os usufrutuários não aceitam ser hipotecados - porque tal não é a posição normal consagrada no art.º 688.º, n.º 1, al. e) do C.C.
48ª. Assim, e sendo este um ponto essencial para a aplicação do art.º 247.º C.C., exige-se uma prova - o que não ocorreu (ou melhor, sequer foi alegado) nos presentes autos - vide factualidade assente na sentença recorrida.
49ª. Nem, quer pela prática do tráfego jurídico, nem pela máxima boa-fé, se pode exigir que a Exequente pudesse saber que a Executada estava em erro no momento da escritura - prova disso é que a Notária tenha outorgado as mencionadas escrituras sem qualquer reserva ou suspeita de erro.
50ª. Por conseguinte, a sentença está viciada de uma total e abusiva falta de fundamentação, porque a mera menção de doutrina e de alegações parcas por parte dos herdeiros da executada não permitem demonstrar o erro e, sobretudo, que o mesmo fosse do conhecimento da Exequente ou por ela não pudesse ser ignorado, não havendo qualquer fundamento para a anulação dos actos de constituição de hipoteca por parte da Executada.
Nestes termos e nos melhores de Direito, impetrando o douto suprimento de V.as Ex.as, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença da 1ª Instância, substituindo-se por Acórdão que julgue totalmente improcedente a oposição à execução, ordenando o seu prosseguimento também contra a Executada C....
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

5. Contra-alegou a executada/embargante a sustentar a improcedência da apelação e, subsidiariamente, requer a ampliação do objecto do recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.ª A escritura é um documento autêntico, redigida pelo Notário, que tem a obrigação de individualizar as declarações de vontade que recolhe, de as redigir de modo claro, expresso, inequívoco, nos termos do artigo 42.º do Código Notariado, e de acordo com a doutrina, mormente a sufragada pelo Dr. Manuel de Andrade, pelo que, se tal redacção não constar da escritura, é porque a Notária não recolheu essa declaração da Executada, ou seja, a Executada nada declarou em relação ao usufruto.
2.ª Da referida escritura consta apenas a seguinte declaração proferida pela Executada, ali terceira outorgante, emitida em conjunto com os outros dois outorgantes - “Que o presente mútuo e hipoteca se regulam pelas disposições legais aplicáveis e pelas condições constantes do documento complementar anexo cujo conteúdo conhecem e inteiramente aceitam, elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, do qual dispensam a leitura”.
3.ª Desta única declaração proferida pela Executada, e que consideramos é a única que existe, como aliás declarou o Tribunal, e o Exequente não impugnou, salvo o devido respeito, não se pode concluir de forma alguma, que existe uma qualquer declaração de vontade, ainda que imperfeitamente expressa da Executada a dar de hipoteca o seu usufruto, tanto mais que, nos termos do artigo 238.º C.C “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento”.
4.ª Estabelece a jurisprudência mormente a proclamada pelo Supremo Tribunal de Justiça que “nos negócios formais, se o sentido da declaração não tiver reflexo ou expressão no texto do documento, ele não pode ser deduzido pelo declaratário”.
5.ª A teoria da impressão do declaratário só é aplicável quando há declaração, e se se desconhece o alcance do seu conteúdo, isto é, aquela teoria serve para ampliar ou reduzir o conteúdo de uma declaração imperfeitamente expressa, já não para uma total ausência de declaração, ou para uma qualquer dedução, ou inferição que o declaratário pretenda alcançar.
6.ª Pelo que discordamos, que o Tribunal possa inferir das declarações do primeiro outorgante, em que este declara que o próprio - primeiro outorgante e a terceira, aqui Executada “constitui hipoteca voluntária sobre a raiz ou nua propriedade do prédio urbano” e que, (continuando nas declarações do primeiro outorgante), “a terceira outorgante [embargante] constitui hipoteca voluntária sobre o usufruto”, que a terceira esta a declarar ainda que de modo imperfeitamente expresso hipotecar o usufruto.
7.ª Da escritura aqui em crise não consta que o primeiro outorgante, tenha poderes de representação da terceira, para declarar em seu nome, o que quer que seja, se tivesse poderes de representação, dispensar-se-ia a presença da Executada na escritura.
8.ª As declarações do primeiro outorgante não vinculam a primeira outorgante, na medida em que, a Executada em momento algum declara que as aceita, que as ratifica.
9.ª A Executada apenas declara “Que o presente mútuo e hipoteca se regulam pelas disposições legais aplicáveis”.
10.ª Não diz que aceita as declarações proferidas na escritura, que as ratifica, ou coisa que se pareça.
11.ª Declara sim, que para além do presente mútuo se regular pelas disposições legais aplicáveis, regula-se ainda, pelas condições constantes do documento complementar anexo cujo conteúdo (do documento complementar) conhecem e inteiramente aceitam, e do qual dispensam a leitura.
12.ª Poder-se-á dizer que declarou conhecer e aceitar as condições constantes do documento complementar anexo, apesar de como ficou provado, nunca ter participado nas negociações ou sequer ter conhecimento dele, mas desta declaração, não se pode extrair uma qualquer declaração ainda que imperfeitamente expressa em que a Executada dê de hipoteca o seu usufruto, ou sequer, que aceita as declarações proferidas pelo primeiro outorgante na escritura.
13.ª Não vemos como se pode considerar que na escritura em análise está vertida uma qualquer declaração de vontade da Executada ainda que imperfeitamente expressa, consideramos sim, que há falta de declaração no que se refere a dar o usufruto de hipoteca.
14.ª A teoria da impressão do declaratário só vigora, só é aplicável, se houver uma qualquer declaração de vontade redigida, pois que estamos perante negócio formal, só é que, o seu conteúdo está imperfeitamente expresso, ou seja, a amplitude, o alcance dessa declaração, está imperfeitamente expresso, pelo que, salvo o devido respeito, a considerar-se que da escritura em análise consta uma qualquer declaração de vontade imperfeitamente expressa, tal declaração será a do primeiro outorgante e já não a da terceira, porque inexiste, a Executada não refere em momento algum, não faz em momento algum, qualquer declaração em que dá o usufruto de hipoteca.
15.ª As declarações do primeiro outorgante é que eventualmente estarão imperfeitamente expressas, este declara que ele e a terceira “constitui hipoteca voluntária sobre a raiz ou nua propriedade do prédio urbano”, e que “a terceira outorgante constitui hipoteca voluntária sobre o usufruto”, o conteúdo destas declarações é que tem que ser eventualmente alvo de restrição, na primeira porque o seu conteúdo vai além do necessário, e na segunda, porque falta poderes de representação.
16.ªA hipoteca a considerar-se que existe sempre carece de forma legal, escritura pública, nos termos do artigo 714.º do CC em conjugação com o artigo 220.º do mesmo diploma legal, pelo que será procedente a nulidade na vertente do registo alegada em sede de embargos.
DA QUESTÃO PREJUDICADA
Conforme consta da douta sentença ora em crise, resulta que ficou prejudicada a questão de saber se a hipoteca do usufruto é ineficaz dado que inexiste registo da mesma, pelo que, procedendo o recurso do Exequente, caberá ordenar a pronúncia quanto a esta questão ou em alternativa caberá pronuncia pelos Venerandos Desembargadores em substituição do tribunal recorrido nos termos do já enunciado artigo 665.º n.º 2 CPC.
Nestes termos e sempre com o douto suprimento de V. Ex.ª deve ser julgado totalmente improcedente o presente recurso, e assim, ser confirmada a decisão do digníssimo Tribunal a quo.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que nelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas são a alteração da matéria de facto, a improcedência dos embargos e a ineficácia da hipoteca.

2.1. Alteração da matéria de facto.
Provado que teve o tribunal recorrido queA embargante compareceu nas escrituras levadas a cabo em 1. e 2. convicta de que apenas estaria a autorizar a hipoteca do imóvel no tocante à sua raiz”, sustenta a recorrente/embargada que não devia tal factualidade ser considerada não provada, pelos fundamentos que invoca nas conclusões recursórias.
Motivou o tribunal recorrido a factualidade em causa, do seguinte modo:
Sobre o referido no ponto 3. o Tribunal formou a sua convicção considerando a prova testemunhal e documental junta aos autos alicerçada nas regras da experiência comum.
Vejamos.
Desde logo, analisando a escritura referida em 1. verificamos que a declaração de que a embargante constituiu uma hipoteca não se encontra exarada na escritura, nem de modo imperfeitamente expresso (matéria que por ser de direito será analisada infra).
Assim, a posição assumida pela embargante no sentido de que estava convicta de que apenas estaria a autorizar a hipoteca do imóvel no tocante à sua raiz, é consistente e está de acordo com as regras da normalidade. Insistimos, desde logo, que não resulta da análise da escritura referida em 1. que a embargante, com 72 anos de idade à data (a qual se encontra neste momento incapacitada - cf. despacho datado de 6 de Junho de 2014), declarasse constituir hipoteca sobre o seu usufruto.
F... (não tendo o Tribunal ignorado que o mesmo é parte interessada no desfecho dos autos (neto da embargante) referiu que a ideia da família era que a embargante apenas ia conceder uma autorização. Aliás, referiu que a embargante nunca participou nas negociações. E questionado referiu que a mesma sempre tinha comunicado que pretendia um sítio e nunca ser encaminhada para um lar.
E... (filho da executada e executado nos autos - com interesse no desfecho da causa -) o qual prestou um depoimento congruente, referiu que a ida da sua mãe à escritura foi só no sentido de autorizar que o banco hipotecasse a propriedade, mas que tal não iria afectar o seu usufruto.
Não se poderá olvidar o interesse das testemunhas no desfecho da causa, porém o certo é que foram congruentes e da própria análise da escritura referida em 1. não resulta a declaração (ainda que imperfeitamente expressa) de que a embargante estivesse a constituir uma hipoteca.
Acresce que da escritura referida em 2., conseguindo-se alcançar uma declaração imperfeitamente expressa, no sentido de ter sido emitida, o certo é que tal resulta da conjugação da observação do clausulado (em suma da conjugação de na escritura se reportar a uma hipoteca sobre o usufruto e de constar na escritura que a embargante conhece e inteiramente aceita o complementar anexo, “do qual dispensa a leitura”).
É certo que na escritura - doc. 2 - é mencionado que todos os outorgantes, mormente a ora embargante, conhecem e inteiramente aceitam o conteúdo do documento complementar anexo, porém o mesmo não foi lido. E as testemunhas referem que a embargante (com uma idade avançada) apenas se deslocou convicta de que apenas iria autorizar a hipoteca sobre a propriedade, o que não afectaria o seu usufruto.
Ora, considerando o facto de na escritura (doc. 2) não resultar que a embargante expressamente declara que constituiu hipoteca sobre o usufruto (apenas se concluindo por tal mediante um sentido imperfeitamente expresso) a posição da embargante no sentido de que apenas estaria a autorizar a hipoteca da propriedade (e não do seu usufruto) ganha foros de seriedade, o qual é comprovado pela prova testemunhal (que apesar de interessados no desfecho da causa, prestaram um depoimento congruente, e compreendendo-se que sejam familiares pois são assuntos discutidos no seio familiar).
A embargante não participou nas negociações e nunca declara em viva voz perante a notória que constitui hipoteca sobre o usufruto pelo que não se podendo ignorar a idade avançada da mesma (e com apenas o 3º ano incompleto) e valorando a prova testemunhal produzida (a qual foi congruente e está de acordo com as regras da normalidade, considerando o teor da escritura), o Tribunal conclui pelo exarado em 3.
Realçaremos que a Ex.mª Notária que presidiu às escrituras prestou declarações, em sede de audiência final, tendo acabado por realçar o constante nos autos, não se recordando, obviamente, do mencionado pelos outorgantes na altura. Pelo que o seu depoimento apenas corrobora o constante nas escrituras (as quais têm de ser analisadas).
Pelo exposto, o Tribunal formou a sua convicção.”.
Como se retira das conclusões das alegações de recurso, a recorrente não questiona que as testemunhas F... e E..., respectivamente, neto e filho da embargante, não tenham prestado depoimento de que fosse possível retirar a factualidade questionada, mas antes que não lhes devia, como entendeu o tribunal recorrido, ser atribuída credibilidade, pelas razões de parentesco que os une à embargante, mas ainda por alegadas incongruências/contradições dos respectivas depoimentos, por um lado, e, por outro lado, porque a mesma teria sido infirmada pelos depoimentos das testemunhas J... e K....
Analisada a prova documental oferecida e ouvida que foi a prova testemunhal produzida, não obstante, no que se refere à prova testemunhal, a falta de imediação e oralidade de que, ao contrário do que sucedeu com o tribunal recorrido, não beneficiou este Tribunal, a convicção formada é idêntica à vertida na transcrita fundamentação da matéria de facto no que se refere à prova dos factos questionados, não se vendo fundamento para descredibilizar os depoimentos prestados, quer dada a relação de parentesco com a embargante, que, aliás, foi sublinhada na decisão recorrida, quer porque os mesmos, do que foi dado ouvir da gravação, nos pareceram sinceros e verosímeis e sem que entre eles se vislumbrem contradições que os abalem.
Efectivamente, a testemunha F..., neto da embargante, dando conta de que teve conhecimento da hipoteca em consequência do recebimento, pelo pai, de uma carta do tribunal ou do solicitador de execução, afirmou que nunca (ele e o pai) tiveram conhecimento de que a hipoteca abrangia o usufruto do imóvel, e que uma das coisas que a avó disse quando fez a partilha é que «queria ter um sítio para acabar os dias dela, que não queria ir para um lar» e, por isso o tio arranjou a casa.
O próprio tio, o executado E..., sempre disse que a avó só iria às escrituras dar autorização para poder contrair o empréstimo, o que reafirmou quando confrontado com o teor da referida carta, dizendo que tinha recebido uma idêntica.
Disse não ter conhecimento de que a avó tivesse participado em quaisquer negociações, porque se isso tivesse acontecido ela diria (“Qualquer situação que se passava com ela, ela falava com os filhos”), e que ela, que não acabou a 3ª classe e que então lia muito devagar, referiu que só ia à escritura para dar autorização.
Acrescentou que o conhecimento que tinha lhe advinha de almoçar quase todos os dias com a avó, o tio e o pai, e que conversavam sobre isso, nomeadamente aquando da contracção dos empréstimos pelo tio.
Por sua vez, a testemunha E..., co-executado e filho da embargante, disse terem estado presentes nas escrituras ele, duas senhoras do banco, a senhora que leu as escrituras e a mãe, que na altura estava debilitada com a morte do pai e de uma irmã, percebeu, tal como ele, que só ia dar autorização para ele hipotecar a casa para conseguir o empréstimo.
Mais disse não ter ideia de conhecer J..., e que nunca foi ao banco e que tudo foi tratado entre ele e o sr. L... da empresa “M...”, mas que ele (J...) não esteve presente nas escrituras.
À semelhança do que foi dito pelo sobrinho, confirmou que, depois do pai morrer, passou a ir almoçar todos os dias a casa da mãe, assim como o irmão, o sobrinho F... e um filho do depoente.
Relativamente ao que se passou nas escrituras, disse que a mãe não perguntou, nem a notária, que entrou «muda e saiu calada» e leu apressadamente as escrituras, lhe disse, porque é que ela estava lá, ou explicou que ela podia perder o usufruto.
Disse que, apesar de tal constar das escrituras, nem ele nem a mãe, que mal sabia ler, leram os documentos complementares.
Estes depoimentos, em nada foram contrariados pelas restantes testemunhas inquiridas, que se limitaram a prestar sobre o que é normal (uma delas) e a remeter para o que consta das escrituras (a outra).
Na verdade, a testemunha J..., gerente bancário do exequente da agência da ..., Porto, desde 1998, começou por dizer que não conhecia nem a embargante nem o executado E..., mas que assinou a escritura (veja-se que o nome dele delas não consta, já que o exequente estava representado por duas outras pessoas nelas identificadas).
Referiu também que não se recordava se os empréstimos foram negociados com ele ou com um promotor do banco, assim como não se recordava de o executado E... ter dito que não queria hipotecar o usufruto, mas que não iam prescindir da garantia que existia no banco a que um dos empréstimos se destinava a transferir.
E K..., notária perante quem foram outorgadas as escrituras, que tinha com ela e para cujo conteúdo remeteu, e que prestou depoimento através de videoconferência, em condições nem sempre totalmente audíveis, limitou-se a fazer uma interpretação do que delas consta, designadamente referindo, quando perguntada, que não fazia sentido a embargante estar presente para autorizar o filho a constituir hipoteca sobre a nua propriedade, e afirmando que lê sempre as escrituras em voz alta e explica o respectivo conteúdo, que, da sua prática no 9º Cartório Notarial do Porto, não era costume o banco aceitar que fosse constituída hipoteca apenas sobre a nua propriedade.
Acresce que, como salientado, pertinentemente, na motivação da matéria de facto, do teor das escrituras não resulta infirmação do que foi dito pelas testemunhas F... e E..., e designadamente que a embargante soubesse que nelas constituiu hipoteca sobre o direito que possuía no imóvel, antes estando convicta que só ia autorizar o filho a constituir a hipoteca.
Finalmente, não constam dos autos os documentos a que o apelante alude para sustentar que a embargante já anteriormente havia dado de hipoteca o direito de usufruto.
Por quanto se deixa exposto, improcede a questão da alteração da matéria de facto.

2.2. Factos provados:
1. No dia 30 de Setembro de 2004 exequente e executados outorgaram no Nono Cartório Notarial do Porto, a fls. 14 e ss. do Livro de Notas nº 119-B, a escritura, a qual se intitulava de mútuo com hipoteca, sendo o valor mutuado o de 92.608,05€ (noventa e dois mil seiscentos e oito euros e cinco cêntimos) junto aos autos de execução como doc. 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. No mesmo dia (30 de Setembro de 2004) a exequente e os executados outorgaram no Nono Cartório Notarial do Porto, a fls. 17 e ss., do Livro de Notas n.º 119º-B, a escritura, a qual se intitulava de mútuo com hipoteca, sendo o valor mutuado o de 282.391,95€ (duzentos e oitenta e dois mil trezentos e noventa e um euros e noventa e cinco cêntimos) junto aos autos de execução como doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. A embargante compareceu nas escrituras levadas a cabo em 1. e 2., convicta de que apenas estaria a autorizar a hipoteca do imóvel no tocante à sua raiz.

2.3. Improcedência dos embargos.
Ainda que com manutenção da matéria de facto, insurge-se a apelante contra a decisão recorrida de julgar procedentes os embargos, por entender que os factos provados não permitem concluir pela existência de erro na declaração por parte da embargante ao outorgar as escrituras referidas em 1. e 2. dos factos provados.
Para julgar procedentes os embargos, é, essencialmente, do seguinte teor a fundamentação da decisão recorrida:
“Alega a embargante que não teve consciência de que estava a constituir uma hipoteca sobre o usufruto que detém.
Decidindo.
Tal matéria constitui uma excepção peremptória impeditiva pois remete-nos para o instituto jurídico da falta e vícios da vontade.
Cumpre atender ao disposto no artº 247º do CC:
«Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro».
A demonstração dos factos integradores da essencialidade e respectiva cognoscibilidade, por constituírem requisitos de relevância do erro e fundamento da anulabilidade do negócio (arts. 251º e 247º, ambos do CC), constitui ónus de quem invoca o erro (artº 342º, nº 1, do CC).

Ora, provou-se que a embargante compareceu nas escrituras levadas a cabo convicta de que apenas estaria a autorizar a hipoteca do imóvel no tocante à sua raiz.
Pelo que sem dúvida que se demonstra a existência de um erro na declaração pois a vontade imperfeitamente expressa não corresponde à vontade real da embargante, sendo que a exequente não podia ignorar de que se a embargante não estivesse apenas a autorizar a hipoteca do imóvel no tocante à sua raiz, não faria a aludida declaração.
Pelo que a declaração negocial exarada na escritura por parte da embargante C... referenciada no item 2. é anulável, não podendo ser tomada em consideração.
As demais questões suscitadas ficam prejudicadas.
Procede, pois, in totum, os presentes embargos”.
Apreciemos.

O erro que atinja os motivos determinantes da vontade referido à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio torna este anulável nos termos do artigo 247º do Código Civil” - artº 251º do Código Civil (CC), diploma a que pertencerão os demais preceitos legais que vierem a ser citados nesta questão, sem outra indicação de origem.
Trata-se de situações de conformidade entre a vontade negocial real e a declarada, mas em que a mesma se formou sob erro do declarante, por exemplo relativamente ao objecto mediato do contrato outorgado.
Em virtude da similitude do erro na declaração e do erro sobre o objecto mediato do negócio, a lei faz coincidir o regime deste com o daquele a que se reporta o artº 247º.
Decorre deste último preceito que se em virtude de erro a vontade declarada não corresponder à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro (artº 247º).
Ou seja, o contrato é anulável se a pessoa a quem a declaração é dirigida - o declaratário - estiver ciente da essencialidade para o declarante do elemento sobre que o erro incidiu.
Como escreveu o Prof. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág 505, “Erro vício - traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância, se tivesse exacto conhecimento da realidade, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou. Trata-se de um erro nos motivos determinantes da vontade”.
Afigurando-se estar-se, no caso, perante uma situação do denominado erro-obstáculo, utilizada nos casos de divergência entre a vontade declarada e a vontade real, prevista no artº 247º, e não do denominado erro-vício, em que o que sucede é que a vontade se encontra mal formada ou viciada na sua formação, por erro, em qualquer das referidas situações, na medida em que o artº 251º remete para o artº 247º, são requisitos para a relevância anulatória, nos termos do último dos citados preceitos, a essencialidade e a cognoscibilidade.
Resulta dos citados preceitos que o negócio jurídico só é anulável por erro sobre o objecto se esse erro for tal que sem ele a parte não teria celebrado o negócio, ou não o teria celebrado com aquele conteúdo.
É esse o sentido da essencialidade a que se refere o artº 247º e, concluindo-se que a parte teria celebrado o negócio do mesmo modo, ainda que não tivesse incorrido em erro, não haverá já fundamento para o anular.
Ainda que necessária, a essencialidade não é, todavia, suficiente para fazer desencadear o efeito anulatório. Para além da essencialidade é também necessário que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
A parte que errou tem, pois, para obter a anulação do negócio «o ónus de demonstrar este duplo requisito: que se não tivesse ocorrido o erro, não o teria celebrado ou não o teria celebrado desse modo, e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era». De outro modo, se o negócio jurídico pudesse ser anulado por erro sobre uma qualquer qualidade do objecto, que fosse essencial para a parte que errou, mas cuja essencialidade fosse surpreendente ou imprevisível, a contraparte no negócio ficaria injusta e excessivamente desprotegida e daí que o artº 247º imponha à parte que invoca o erro o ónus de alegar e demonstrar que, nas circunstâncias do negócio, a outra parte conhecia, ou não devia ignorar, que o quid sobre o qual o erro incidiu era para ela essencial» (cfr., neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6ª edição, págs. 660/661.
Aplicando o que se deixou exposto para o caso dos autos, em que a recorrida sustenta a anulação das escrituras, sobre ela impendia o ónus de alegar e demonstrar, não só a essencialidade, para ela, do erro, mas que o mesmo era conhecido ou não devia ser ignorado pela recorrente.
Ora, percorrendo os factos provados, não logrou a embargante provar que a embargada conhecesse a essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro, o que implica o inêxito da pretensão anulatória (artº 342º, nº 1).
Procede, deste modo, a questão, com a consequente improcedência dos embargos.

2.4. Ineficácia da hipoteca.
Em sede de ampliação do objecto do recurso interposto pela embargada, sustenta a embargante a ineficácia da hipoteca sobre o usufruto, por não resultar das escrituras que constituem os títulos executivos a declaração de constituição da hipoteca e, por isso, não poder com base nelas ser efectuado o registo e por inexistência de registo da hipoteca sobre o usufruto.
Constando dos autos - fls. 309 e seguintes - as escrituras a que se referem os factos provados de 1. e 2., e mostrando-se da certidão do registo predial relativa ao imóvel sobre o qual foram registadas as hipotecas (fls. 28 e seguintes), imóvel de que a embargante é usufrutuária, apreciemos.

Figurando em ambas as escrituras como terceira outorgante, delas consta, como declarações atribuídas a todos os outorgantes, que “Que o presente mutuo e hipoteca se regulam pelas disposições legais aplicáveis e pelas condições constantes do documento complementar, que fica a fazer parte integrante desta escritura, elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, cujo conteúdo declararam conhecer e inteiramente aceitam, pelo que é dispensada a sua leitura”.
Por sua vez, no documento complementar a ambas as escrituras, consta da cláusula 10ª que “Em caução do bom e integral cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo MUTUÁRIO no presente contrato, este e a HIPOTECANTE obtêm a favor do BANCO as seguintes garantias: HIPOTECA sobre o(s) imóvel(veis) identificado(s) na presente escritura de que este documento complementar faz parte integrante, abrangendo, nomeadamente, todas as construções, benfeitorias, acessões presentes e futuras do(s) imóvel(veis)”.
Delas consta ainda que o primeiro outorgante, o co-executado E... declarou que “… a terceira outorgante é usufrutuária do mesmo prédio …”.
Na escritura de 1., inserido nas declarações do primeiro outorgante, consta “… Que em caução e garantia do bom e integral pagamento da quantia mutuada … pela presente escritura o primeiro e terceira outorgantes constituem uma hipoteca voluntária a favor do Banco mutuante …”.
E na escritura de 2., consta “… Que em caução e garantia do bom e integral pagamento da quantia mutuada, …, pela presente escritura o primeiro e terceira outorgantes constitui uma hipoteca voluntária sobre a raiz ou nua propriedade do prédio … … e a terceira outorgante constitui hipoteca voluntária sobre o usufruto do mencionado prédio … ”.
A sentença recorrida, recorrendo à teoria da impressão do destinatário, considerou, face ao teor das escrituras, que, relativamente àquela a que se reportam os factos provados de 1., inexistia declaração expressa da embargante no sentido de que pretendia constituir hipoteca sobre o usufruto.
Já relativamente à escritura a que aludem os factos provados de 2. entendeu que era feita referência expressa à constituição da hipoteca sobre o usufruto.
Impõe-se, pois, recorrer, aos critérios de interpretação dos negócios jurídicos, consagrados nos artºs 236º e segs. do CC.
Segundo o Prof. Mota Pinto, obra citada, pág. 421, “O nº1 do art. 236º do CC representa a consagração da chamada «teoria da impressão do declaratário», teoria que entende que a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente, a interpretaria, colocado na posição concreta do declaratário”, acrescentando, a págs. 447, que: “A prevalência do sentido correspondente à impressão do destinatário tem a limitação inserta no nº1, in fine, do art. - para que tal sentido possa relevar torna-se necessário que seja possível a sua imputação ao declarante, i. é, que este pudesse razoavelmente contar com ele. No caso previsto no nº2 do art. (conhecimento da vontade real), a vontade real, podendo não coincidir com o sentido objectivo normal, correspondeu à impressão real do destinatário concreto, seja qual for a causa da descoberta da real intenção do declarante, há o limite do art. 238º, nº2” (Nos negócios formais, em aplicação do princípio “falsa demonstratio non nocet”, o sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, não podendo, em princípio, valer como tal, pode, porém, valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade).
O CC não se pronuncia sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação, defendendo o referido autor que «se deverá operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta» (autor obra e local citados), o que, segundo Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 313, nota 1, a título exemplificativo, faz coincidir com «os termos do negócio», «os usos da prática, em matéria terminológica ou de outra natureza que possa interessar», «a finalidade prosseguida pelo declarante», «os interesses (…) em jogo no negócio».
Por outro lado, como expendeu, a propósito, o Prof. Vaz Serra, RLJ, Ano 110º, pág. 351, “…O declaratário não pode interpretar, sem mais, a declaração pelo seu sentido literal, devendo ter em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou reconhecíveis por um declaratário normal colocado na sua posição que possam esclarecê-lo sobre o que o declarante pretendeu significar. O declaratário deve procurar determinar o que o declarante quis significar com ela; nessa indagação não é obrigado a toda e qualquer diligência, mas à que teria um declaratário normal, colocado na posição concreta em que ele real declaratário se encontra, devendo ter, assim, em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis por um declaratário normal”.
E a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se, de acordo Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª Ed., pág. 223, “não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”.
Para L. A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral, 1983, 2º, pág. 465, “Para a interpretação é lícito recorrer, entre outros, aos seguintes elementos: a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar, etc., que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, o tipo negocial, a lei e os usos e costumes por ela recebidos”.
Por seu turno, sobre a teoria da impressão do declaratário razoável, consagrada no artº 236º, nº1, do CC, escreve o Calvão da Silva, Estudos de Direito Comercial, 1996, págs. 102 e segs, e 217: “O alcance decisivo da declaração será aquele que em abstracto lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente e sagaz, colocado na posição concreta do declaratário real, em face das circunstâncias que este efectivamente conheceu e das outras que podia ter conhecido, maxime dos termos da declaração, dos interesses em jogo e seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, das circunstâncias concomitantes, dos usos da prática e da lei”.
Transpondo o que se deixa dito para o caso dos autos, entendemos, face aos termos das escrituras, ainda que de forma mais clara na escritura de 2., mas também na escritura de 1., na medida em que nela é declarado, em consonância com o que consta do registo sobre o imóvel, as qualidades que os 1º e 3ª outorgantes nele detêm, e dos documentos complementares que delas fazem parte integrante, como nelas é mencionado, que é possível extrair a declaração da embargante de que constituía hipoteca sobre o imóvel de que é usufrutuária.
E, devendo a hipoteca, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes, ser registada (artº 687º do CC), não vemos fundamento, para que o registo não seja eficaz pelo facto de dele não constar o registo do usufruto.
É que, não oferecendo dúvida que tanto o usufrutuário como o nu-proprietário só podem transmitir o que têm, ambos os proprietários (a embargante como usufrutuária e o co-executado como nu-proprietário), como únicos titulares da propriedade plena, intervieram conjuntamente na oneração da propriedade plena do imóvel.
Daí que não se veja motivo para declarar ineficaz o registo da hipoteca, pelo facto de do mesmo constar o registo da hipoteca sobre a propriedade plena, e não, como sustenta a apelante, o registo sobre a nua propriedade e sobre o usufruto, improcedendo a questão.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, que substituem por outra a julgar improcedentes os embargos.
*
Custas pela apelada.
*
Porto, 23/11/2017
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
Freitas Vieira