Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
928/17.9TXPRT-F.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR MORGADO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
ADAPTAÇÃO À LIBERDADE CONDICIONAL
RECURSO
Nº do Documento: RP20181207928/17.9TXPRT-F.P1
Data do Acordão: 12/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 52/2018, FLS.223-230)
Área Temática: .
Sumário: I - O procedimento relativo à concessão, ou não, de liberdade condicional por referência ao cumprimento de metade da pena e o incidente para adaptação à liberdade condicional aos dois terços da pena não são processados e decididos conjuntamente dado que se trata de ocorrências processuais com pressupostos materiais diversos e instrução distinta.
II - A autonomia procedimental è também pela diversidade de regimes, estando excluída a possibilidade de recurso nos casos de adaptação à liberdade condicional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso 928/17.9TXPRT-F.P1
Tribunal de Execução de Penas do Porto, Unidade de Processos 3- Juiz 3
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Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

I – B…, atualmente detido em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional C…, encontrando-se a cumprir a pena única de 5 anos e 4 meses de prisão à ordem do Processo nº 95/14.0T9STS da Comarca do Porto- Vila Nova de Gaia- Juízo Central Criminal- J3 – veio interpor o presente recurso do despacho proferido pelo Ex.mo Juiz do Tribunal de Competência Territorial Alargada de Execução de Penas do Porto, Unidade de Processos 3, que não lhe concedeu a liberdade condicional, por ocasião da verificação do atingimento do cumprimento de metade da referida pena de prisão (que ocorreu em 29/3/2018).
As respetivas alegações de recurso foram sintetizadas, pelo recorrente, através das seguintes conclusões:
«1. O recluso, no âmbito do Processo n° 95/14.0T9STS (Cúmulo Jurídico) do Juízo Central Criminal do Porto - Juiz 9, foi condenado em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão.
2. O recluso atingiu o meio da pena em 29.03.2018, os dois terços serão atingidos em 18.02.2019, estando o termo previsto para 29.11.2020.
3. Por requerimento remetido 2 de outubro de 2017 (20:53h), ao Estabelecimento Prisional do Porto e dirigido ao Tribunal de Execução de Penas competente e reiterado em 19/05/2018 por requerimento com a Ref. Citius 714733, que aqui se tem por integralmente reproduzido, o Recluso B…, fundamentando o seu pedido conforme consta do doc. que se anexa sob o n° 1 (não acessível no CITIUS) e que igualmente aqui se tem por reproduzido, requereu lhe fosse concedida:
a. A Liberdade Condicional, nos termos do ad° 61° do C.P.
Ou, em alternativa,
b. O regime de Adaptação à Liberdade Condicional, previsto no art° 62° do Código Penal.
4. Considerando para o efeito, no essencial, estar a menos de um ano de cumprir os 2/3 da pena em que foi condenado (29/7/2018), tendo já cumprido mais de 6 meses de prisão efetiva e, por isso, em condições de cumprir o período em falta, correspondente ao período de antecipação da liberdade condicional, em regime de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, para além das demais condições que razoavelmente lhe fossem impostas.
5. Em momento algum o douto despacho de que se recorre, ou qualquer outro, conheceu ou se pronunciou sobre este último pedido, devendo e podendo fazê-lo.
6. O que determina, sem mais, a nulidade da Decisão, nos termos do previsto no artigo 379°, n°2 do C.P.
Sem prescindir,
7. Face à lei, o Recluso pode desde já beneficiar do regime da liberdade condicional, porquanto:
8. O Recluso cumpre todos os requisitos de natureza formal previstos no art° 61° do Código Penal, conforme alias se retira do Douta decisão de que se recorre — SIC: “Perante a factualidade apurada com relevo para a decisão a proferir, no que se reporta aos pressupostos formais da concessão da liberdade condicional, podemos concluir pelo seu preenchimento, porquanto o recluso cumpriu 1/2 da pena de prisão em que se mostra condenado e declarou aceitar a aplicação da liberdade condicional”.
9. Igualmente preenche todos os requisitos de natureza material estabelecidos no artigo 61°, n°2, alíneas a) e b), do Código Penal.
10. Dos elementos disponíveis em análise, para o efeito, é possível concluir com elevado grau de probabilidade que que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e que a sua liberdade não porá em crise a ordem e da paz social.
11. Quanto a condenações anteriores, não querendo branquear um percurso que, sendo censurável, a verdade é que o mesmo já foi assumido como tal pelo recluso que dele sinceramente se arrepende.
12. Nenhuma das condenações anteriores respeita a tráfico de estupefacientes.
13. Nenhuma se traduziu em prisão efetiva, pelo que é de concluir pelo reduzido grau de gravidade das infrações cometidas e da culpa do agente.
14. As últimas 3 condenações imediatamente anteriores a este processo são por crimes de condução em estado de embriaguez (2) e violação de proibição (de conduzir -1), praticados respetivamente em 11/1/2011, 21/1/2012 e 17/11/2012 — crimes cuja natureza nada tem a ver com o que agora determinou a sua detenção.
15. Divergindo, na essência, quanto aos bens jurídicos a proteger.
16. As restantes condenações têm mais de 10 anos.
17. Pelo que resulta manifestamente excessivo, quer pela natureza dos crimes, quer pelo tempo já decorrido, manter tais condenações como fundamento relevante para a presente decisão.
18. O Arguido não pode permanecer eternamente condenado pelos mesmos crimes e duplamente penalizado por práticas passadas, cujas penas já cumpriu e das quais já se penalizou.
19. O Recorrente não tem qualquer processo pendente.
20. Em meio prisional, o Recluso tem mantido um comportamento irrepreensível.
21. Em 23.03.2017 inscreveu-se na escola no 3° ciclo, sendo que, em Abril de 2017 foi mudado para o ensino secundário.
22. Continuou no ano letivo de 2017-2018, sendo assíduo e interessado.
23. Encontra-se em RAI desde 18.06.2018, sem quaisquer incidentes ou reparos,
24. O Recluso já beneficiou de uma saída jurisdicional e de uma saída de curta duração, as quais só são concedidas quando haja: i) Fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; ii) Compatibilidade da saída com a defesa da ordem e paz social; iii) Fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena.
25. Tais saídas decorreram sem quaisquer incidentes, constituindo por isso forte indício de que, em liberdade, o recluso conduzirá o seu comportamento de acordo com aqueles pressupostos.
26. Está já está autorizada outra LSJ para o período compreendido entre 23 e 30 de Agosto próximo.
27. O Arguido identifica e reconhece a ilicitude dos seus comportamentos.
28. E está manifestamente arrependido da sua prática.
29. Não é legitimo afirmar, ao contrário do que sugere a Decisão recorrida, que se desculpabiliza e que responsabiliza terceiros pela sua situação jurídico-penal, conforme se retira das suas declarações em sede de audiência de fis. 181., que aqui se têm por integralmente reproduzidas
30. O recorrente reconheceu os erros que cometeu, demonstrou arrependimento e vontade de mudar - e disso deu conta em audiência;
31. O Recluso, nas suas declarações, demonstra ter interiorizado a sua culpa pelos factos praticados, tendo noção exata do desvalor da sua conduta.
32. As suas declarações denotam uma clara evolução na sua postura e uma firme vontade de alterar o seu percurso de vida.
33. O recorrente dispõe de um núcleo familiar que o apoia e que está apto para o receber logo que fique em liberdade.
34. Reunindo condições físicas e materiais para o assegurar.
35. O recorrente tem um projeto de vida, sério e credível (“A família exige-lhe isso. Quer vir a ser um exemplo, quer para a família, quer para quem o conhece. Quando sair, vai viver com os pais. Quando foi preso trabalhava em biscates. Logo que saia, vai agarrar com unhas e dentes a primeira oportunidade de trabalho que aparecer”).
36. Por outro lado, em concreto, não resulta da decisão proferida que sejam conhecidas quaisquer reações negativas à sua reinserção, social e familiar;
37. Não consta da Douta Decisão, nada que ponha em crise uma fundada e forte convicção de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, sendo certo que a sua libertação em regime condicional se mostra perfeitamente compatível com a defesa da ordem e da paz social.
38. Sendo estes, especificamente, os requisitos que a lei impõe para a concessão da liberdade condicional.
39. O processo de ressocialização deste recluso e a sua reintegração nomeadamente no mundo laborai, só é possível se lhe for agora concedida a liberdade condicional.
40. Não sendo de esperar que a sua manutenção em reclusão lhe traga qualquer benefício, nem na área profissional nem em qualquer outra dimensão.
41. O recorrente manifesta firme vontade de trabalhar, de forma legal, conduzindo a sua vida de forma socialmente adequada (não sendo requisito legal que tenha um emprego assegurado, como parece decorrer da decisão recorrida).
42. Acresce que o recorrente constitui um apoio para os seus pais, atentos os problemas de saúde de que ambos padecem e a idade que já contam, o que não foi considerado em momento algum.
43. O recorrente reúne todos os pressupostos formais para a concessão da LC — artigo 61.º do Código Penal.
44. E reúne igualmente os requisitas substanciais aí previstos, ou seja, atenta a circunstância dos crimes que cometeu, a vida anterior que levava antes de ser preso, a sua personalidade e sobretudo a evolução desta durante o tempo de reclusão, traduzem-se num prognóstico positivo, favorável, sobre a possibilidade de uma vida sem crimes em liberdade;
45. Não há, em concreto, nenhum fundamento com base nos requisitos previstos no artigo 61.° do Código Penal, que permita indeferir a Liberdade Condicional deste Recluso.
46. O despacho recorrido violou e/ou interpretou erradamente o art° 379º, n°2, do C.P. [sic] e os artigos 61.° e 62° do mesmo diploma.»
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o despacho recorrido, sendo o mesmo substituído por outro que conheça dos pedidos formulados nestes autos pelo Recluso:
a. Ordenando-se a concessão da liberdade condicional ao recorrente, fazendo-se dessa forma uma mais correta interpretação de lei e, concomitantemente, decidindo-se de forma mais justa,
Ou em alternativa
b. Ordenando-se a aplicação ao Recluso do regime de Adaptação à Liberdade Condicional, nos termos e com as condições previstas no art. 62º do C.P. – em regime de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, para além das demais condições que razoavelmente lhe sejam impostas.
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Respondendo ao recurso do condenado, o Ministério Público condensou a sua posição nos seguintes termos:
«1. Por decisão de 25/07/2018, não foi concedida a liberdade condicional ao ora recorrente por referência a 1/2 a pena, atingida em 29/03/20 18, estando em causa o cumprimento de uma pena única de 5 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e outro de detenção de arma proibida.
2. Inconformado com esta decisão, dela veio o recluso interpor recurso, argumentando que a liberdade condicional devia ter sido concedida, porquanto, no seu entender, estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 61.° do Código Penal.
3. Verificados que estão os pressupostos de natureza formal da apreciação do instituto da liberdade condicional ao meio da pena, o cerne da questão incide apenas em saber se estão preenchidos os pressupostos de natureza material.
4. O Tribunal a quo teve em consideração a natureza do crime (tráfico de estupefacientes) praticado pelo condenado, as circunstâncias que rodearem o mesmo e a sua gravidade para efeitos de prevenção geral e especial, pois é necessário aferir se o condenado é capaz de interiorizar o valor da norma violada e se revela verdadeira consciência da gravidade dos seus atos.
5. Confrontado com a gravidade dos factos o condenado, mantém postura ambivalente, ora assumindo-o, como fez em sede de inquirição após Conselho Técnico, mas desculpabilizando-se, ora alegando que “a droga não era sua” como fez perante os técnicos de educação.
6. Revela, assim, ambivalente e desajustado sentido crítico face à sua conduta e insuficiente interiorização do desvalor da sua atuação e das consequências geradas para as vítimas.
7. O facto de beneficiar das mesmas condições no exterior que detinha aquando da prática do crime representam um risco acrescido para o êxito da sua reinserção, pelo que se torna necessário que através da manutenção da reclusão o mesmo consolide a noção da gravidade do crime em causa e consiga apreender estratégias diferentes para fazer face às dificuldades que encontrará no regresso à liberdade.
8. Estas circunstâncias, aliadas ás elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crime em abstrato e, em concreto no modo como foi perpetrado pelo arguido e nas circunstâncias que o envolveram, quer pelos seus efeitos catastróficos na sociedade, quer pela dissuasão da sua prática, atentos os elevados proventos económicos que podem ser obtidos, impedem que, nesta fase de execução da pena seja concedida a liberdade condicional ao recorrente.
9. Efetivamente, não podemos esquecer que, pese embora tenha comportamento normativo e esteja a evoluir positivamente, necessita de consolidação e o tempo de reclusão ainda não é suficiente para que se possa concluir com um mínimo de segurança que não voltará a delinquir.
10. Assim, no caso concreto, para além das exigências de prevenção especial, a prevenção geral não está assegurada, em termos de neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, da dissuasão e do fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade da norma violada, considerando a natureza e gravidade do crime praticado.
11. Face ao exposto, as respetivas exigências de prevenção especial e geral, muito fortes no caso em apreço, impedem a libertação antecipada do condenado, pelo que é manifesto que a pretensão do recorrente carece de fundamento e é de rejeitar, não se vislumbrando a violação do artigo 61.°, n.° 2, als. a) e b), do Código Penal.
12. A decisão recorrida não padece de qualquer nulidade ao não se pronunciar sobre a requerida adaptação à liberdade condicional por referência ao cumprimento dos 2/3 da pena, uma vez que, só depois de definitivamente decidida a concessão ou não da liberdade condicional ao meio da pena, se poderá ponderar essa questão, após solicitação dos elementos a que alude o art. 188°, n°s 4 e 5 do CEP.
13. Não faria qualquer sentido que num mesmo momento se apreciassem duas questões - liberdade condicional e adaptação à mesma - com pressupostos materiais diferentes e instrução diversa, ainda que os requisitos formais estivessem verificados.
14. Nos termos do art. 179º do CEP, o recurso é apenas limitado à questão da concessão ou recusa de liberdade condicional, sendo jurisprudência pacífica que está excluída a possibilidade de recurso nos casos de adaptação à liberdade condicional.»
Finaliza a sua resposta pedindo a improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
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Já nesta 2ª instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
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Cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
As principais questões suscitadas no recurso consistem em saber:
- se o Tribunal recorrido incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, ao não ter apreciado e decidido o pedido de colocação do recorrente em regime de adaptação à liberdade condicional, quando apreciou e negou a liberdade condicional ao meio da pena;
- se é adequado fazer um juízo de prognose positiva sobre o comportamento do condenado se colocado em liberdade na presente fase de cumprimento da pena e, concomitantemente, se a libertação se revela, neste momento, compatível com a defesa da ordem e da paz social (artigo 61º/2/a/b/ do Código Penal).
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Previamente à análise das questões postas, importa conhecer-se a factualidade que, espelhando a concreta situação do condenado, serviu de base à decisão recorrida.
Fundamentação de facto da decisão recorrida (transcrição):
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Efetivamente, afigura-se-nos que não teriam que ser decididos conjuntamente o procedimento atinente à concessão ou não da liberdade condicional por referência ao cumprimento de metade da pena e o incidente tendente à apreciação da requerida adaptação à liberdade condicional para os 2/3 da pena, até porque se trata de ocorrências processuais com pressupostos materiais diversos e instrução distinta.
Se é certo que a decisão de concessão da liberdade condicional ao meio da pena precludiria ou tornaria inútil qualquer decisão sobre a antecipação de medidas de liberdade condicional por referência ao atingimento dos 2/3 da mesma pena, também não deve deixar de considerar-se que, ainda quando possa inexistir tal preclusão – se negada aquela concessão – se mantém a autonomia dos procedimentos e carecem de averiguação específica alguns dos requisitos técnicos exigidos pelo regime da adaptação antecipatória.
É o que sucede com a solicitação dos relatórios a que aludem os nºs 4 e 5 do artigo 188° do Código de Execução das Penas.
Acresce que a referida autonomia procedimental é também evidenciada pela diversidade de regimes decorrente do disposto no artigo 179° do CEP e da sua inaplicabilidade ao incidente de adaptação, como resulta da remissão meramente parcial constante do nº 6 do artigo 188º do mesmo diploma, constituindo jurisprudência pacífica a de que está excluída a possibilidade de recurso nos casos de adaptação à liberdade condicional [2].
Face ao exposto, julga-se improcedente a nulidade invocada.
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B) Os aspetos substantivos do recurso
No que respeita à liberdade condicional facultativa – única que aqui nos interessa e relativamente à qual desapareceu, com as alterações introduzidas no Código Penal pela Lei nº 59/2007 de 4/9, a anterior restrição, que impedia a sua aplicação a condenados em pena superior a 5 anos de prisão pela prática de crime contra as pessoas ou de crime de perigo comum – a sua aplicação vem regulada nos três primeiros números do artigo 61º do referido Código, com a especificação dos diversos requisitos de que depende, desde os mais gerais (como o consentimento do condenado e o atingimento das diversas fases do cumprimento da pena) aos mais específicos e diferenciadores, ligados à prognose sobre a reinserção do condenado na comunidade e, eventualmente, à compatibilidade com a defesa da ordem e da paz social.
Com vista a fazer valer a sua pretensão revogatória, esforça-se o recorrente, sobretudo, por minimizar o seu passado criminal e por salientar a importância das circunstâncias de, em meio prisional, ter vindo a manter “um comportamento irrepreensível” e de ter interiorizado devidamente o desvalor dos factos pelos quais está a cumprir pena.
Na decisão recorrida, expenderam-se, com maior atinência para a concretização da opção tomada, as seguintes considerações:
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Embora o tribunal de recurso não tenha, em relação ao recluso, uma imediação semelhante à do juiz de execução de penas, estaríamos tentados a admitir que as considerações acima citadas teriam um teor demasiado cauteloso, ao dar como adquirida uma assinalável dessintonia entre o praticado e o efetivamente interiorizado pelo recorrente.
Compreende-se, de certo modo, que este sinta algum transtorno por, perante um seu comportamento prisional sem exteriorização de falhas [3], o Conselho Técnico tenha dado parecer unanimemente desfavorável à concessão da liberdade condicional.
Não dar qualquer importância ao comportamento cordato, sem problemas disciplinares e com atingimento pleno de metas ao nível da consolidação de competências académicas/profissionais seria dar um sinal errado ao recluso.
Mas também não pode esquecer-se que a não assunção global da responsabilidade pelos factos cometidos e pelas suas consequências denuncia que os objetivos ressocializadores não foram ainda plenamente atingidos – no que estamos em sintonia com a decisão recorrida.
Além disso, importa, sobretudo, recordar que, nesta fase do cumprimento da pena, não são as necessidades de prevenção especial as únicas que contam, diversamente do que sucederá em fases mais avançadas, com o atingimento do cumprimento dos seus 2/3 (cfr. nº 3 do artigo 61º do Código Penal).
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
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Em todo o caso, mesmo que já não obstassem à concessão da liberdade condicional quaisquer razões de prevenção especial, a gravidade abstrata e concreta do crime cometido e as consequentes necessidades de reafirmação da validade e vigência da norma penal violada obstariam à requerida modificação do seu cumprimento.
Com efeito, nesta fase do cumprimento da pena, não são ainda descuráveis as exigências de prevenção geral, pois a libertação condicional se deve revelar “compatível com a defesa da ordem e da paz social”.
O recorrente cometeu um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 20/1, relativamente ao qual são bastante relevantes as especiais necessidades de afirmação da validade ou efetividade da norma penal repressora.
Neste específico aspeto, mostram-se particularmente ajustadas as considerações a propósito tecidas na decisão recorrida.
Estes conceitos de “defesa da ordem jurídica” e de “paz social” encontram-se associados às exigências da prevenção geral positiva.
Não se pode afirmar que as exigências de prevenção geral foram já integralmente tidas em conta em sede de determinação da medida concreta da pena e que, ao serem novamente valoradas nesta sede, se estaria a promover uma ‘dupla punição’ do condenado e, simultaneamente, a constituir-se um obstáculo ao fim que o cumprimento da pena em regime de liberdade condicional visa precisamente atingir.
Com efeito, se assim fosse, isto é, se as exigências de prevenção geral apenas pudessem manifestar-se em sede de audiência de julgamento, no momento de determinação da medida concreta da pena, mal se compreenderia que o legislador consagrasse exatamente o contrário na alínea b) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal.
Embora, legalmente, em abstrato, não haja crimes relativamente aos quais não possa ser concedida a liberdade condicional a meio da pena, há que reconhecer que são elevadas as exigências de prevenção geral relativas ao crime de tráfico de estupefacientes.
Nestas circunstâncias, a decisão de concessão de liberdade condicional quando se mostra cumprida apenas metade do tempo total da pena de prisão corre o risco de ser interpretada pela consciência comunitária como uma forma de depreciação do bem jurídico protegido. Na verdade, não obstante a liberdade condicional ser ainda cumprimento da pena, não é como tal que se apresenta aos olhos do cidadão médio.
Como impressivamente pondera o acórdão da Relação do Porto de 10/10/2012, proferido no processo nº 1796/10.7TXCBR-H.P1 [4], “(…) não está em causa apenas a paz social, no sentido da ausência de tumultos. Está em causa a perceção por parte da comunidade da mensagem que representa essa libertação e do que tal possa representar quanto ao papel pedagógico do sistema penal na perspetiva da defesa dos bens jurídicos de maior importância. Esta circunstância também leva a afirmar que a concessão de liberdade condicional num momento ainda distante do termo da pena será interpretada pela comunidade em geral como sinal de inaceitável laxismo e indiferença perante a necessidade de tutela dos bens jurídicos em jogo.”
No acórdão da Relação do Porto de 15/9/2010, proferido no processo nº 2085/10.2TXPRT-C.P1 [5], afirma - se mesmo que “na concessão da liberdade condicional, cumprida metade da pena, exige-se, na atenção ao tipo e modo como o crime ou crimes foram praticados, a formulação de um juízo sobre as repercussões que a libertação terá na sociedade em geral, sendo aqui irrelevante o comportamento prisional”.
Entende-se, assim, que não merece censura o acórdão recorrido, ao negar a liberdade condicional nesta fase do processo.
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III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal em julgarem não provido o recurso interposto pelo condenado B…, confirmando a decisão do TEP do Porto que não lhe concedeu liberdade condicional no atingimento de metade do cumprimento da pena em que foi condenado.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 U.C.s.
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Porto, 7 de dezembro de 2018
Vítor Morgado
Maria Joana Grácio
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[1] Ver, nomeadamente: os artigos 412º/1 e 417º/3 do Código de Processo Penal; Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição, página 347; jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos do S.T.J. de 28.04.99, CJ/S.T.J., ano de 1999, tomo II, página 196 e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[2] Neste sentido, vejam-se os acórdãos do TRE de 21/10/2010, proc. 883/10.6TXEVR-CE1 e do TRC de 5/2/2014, proc. 917/11.7TXCBR-H.C1 (irrecorribilidade da decisão que recuse a colocação em regime de adaptação à liberdade condicional), bem como os acórdãos do Trib. Const. nºs 150/2013 e 332/2016, em que se não julgou a norma do artigo 179, nº 1, do CEP, na interpretação segundo a qual é irrecorrível a decisão que conheça do pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional.
[3] Embora, como refere Figueiredo Dias, na obra e no local citados na nota 2, reportando-se ao “bom comportamento prisional” referido no nº 1 do artigo 61º do Código Penal, na redação anterior à que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15/3, «decisivo devia ser, na verdade, não o ‘bom’ comportamento prisional ‘em si’ – no sentido da obediência aos (e do conformismo com os) regulamentos prisionais – mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade».
[4] Relatado por Pedro Vaz Pato, acedido em www.dgsi.pt.
[5] Relatado por Élia São Pedro, acedido em www.dgsi.pt.