Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
693/10.0TVPRT.C1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: COMPRA E VENDA
MERCADORIAS
LEI APLICÁVEL AO CONTRATO
LEI DO PAÍS EM QUE O VENDEDOR TEM RESIDÊNCIA HABITUAL
PERDA DO DIREITO DE ACÇÃO NO DIREITO ESPANHOL
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
RECLAMAÇÃO EXTRAJUDICIAL DO CREDOR
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
Nº do Documento: RP20140310693/10.0TVPRT.C1.P1
Data do Acordão: 03/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 4º DO REGULAMENTO (CE) Nº 593/2008-ROMA I
Sumário: I - Nos termos a alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008-lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I)-na falta de escolha, a lei aplicável ao contrato de compra e venda de mercadorias é regulado pela lei do país em que o vendedor tem a sua residência habitual, assim como a respectivo ónus probatório-artigo 18.º daquele Regulamento.
II - A idêntica solução se chega se fizermos apelo às regras de conflito portuguesas, embora atendendo a um critério de conexão distinto, o lugar da celebração do contrato- cfr. artigo 42.º, nº 2 do Código Civil.
III - No âmbito do direito civil espanhol a perda do direito à acção por decurso do tempo em todo o tipo de acções não configura uma situação de caducidade (como sucede no direito português- cf. o n.º 2 do artigo 298.º, o artigo 917.º e n.º 4 do artigo 921.º do Código Civil), mas sim de prescrição.
IV - Todavia, nas causas de interrupção da prescrição a lei espanhola vai mais longe, prevendo também, como causa de interrupção, a simples reclamação extrajudicial do credor.
V - Neste ordenamento jurídico também em caso de cumprimento defeituoso da obrigação, o comprador pode apenas optar entre desistir do contrato e ser reembolsado do que pagou ou reduzir proporcionalmente o preço, a determinar por juízo pericial.
VI - A reparação ou eliminação dos defeitos são definidas principalmente pela Sala Civil do Tribunal Supremo a partir de um amplo poder discricionário e com apelo ao princípio da boa-fé a considerar, por essa via, muitas vezes abusiva a resolução do contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 693/10.0TVPRT.C1.P1-Apelação
Origem: Aveiro-2º Juízo de Grande Instância Cível
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
5ª Secção

Sumário:
I- Nos termos a alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008-lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I)-na falta de escolha, a lei aplicável ao contrato de compra e venda de mercadorias é regulado pela lei do país em que o vendedor tem a sua residência habitual, assim como a respectivo ónus probatório-artigo 18.º daquele Regulamento.
II- A idêntica solução se chega se fizermos apelo às regras de conflito portuguesas, embora atendendo a um critério de conexão distinto, o lugar da celebração do contrato-cfr. artigo 42.º, nº 2 do Código Civil.
III- No âmbito do direito civil espanhol a perda do direito à acção por decurso do tempo em todo o tipo de acções não configura uma situação de caducidade (como sucede no direito português-cf. o n.º 2 do artigo 298.º, o artigo 917.º e n.º 4 do artigo 921.º do Código Civil), mas sim de prescrição.
IV- Todavia, nas causas de interrupção da prescrição a lei espanhola vai mais longe, prevendo também, como causa de interrupção, a simples reclamação extrajudicial do credor.
V- Neste ordenamento jurídico também em caso de cumprimento defeituoso da obrigação, o comprador pode apenas optar entre desistir do contrato e ser reembolsado do que pagou ou reduzir proporcionalmente o preço, a determinar por juízo pericial.
VI- A reparação ou eliminação dos defeitos são definidas principalmente pela Sala Civil do Tribunal Supremo a partir de um amplo poder discricionário e com apelo ao princípio da boa-fé a considerar, por essa via, muitas vezes abusiva a resolução do contrato.

I-RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…, Lda., com sede na Estrada Nacional n.º …, Km 30.8, Apartado …, …, Esmoriz, pessoa colectiva n.º ………, intentou a presente ação declarativa comum ordinária contra C…, S.L., com sede em …, .º Izqda. Madrid, pessoa coletiva ………., pedindo que (1) se declare resolvido um contrato de compra e venda de uma máquina celebrado pelas partes e se condene a ré a restituir o preço pago (€125.000,00), acrescido de juros moratórios, ou, em alternativa, se reduza o preço (no mínimo, em €50.000,00) e se condene a ré a reparar a máquina (em prazo não superior a 30 dias) e a restituir à autora a diferença do preço, com juros moratórios, e (2) se condene a ré a indemnizar a autora pelos prejuízos sofridos, em montante a apurar em incidente de liquidação de sentença.
Como fundamento da acção, alegou a autora, em síntese, que comprou à ré uma grua e pagou o respectivo preço, que a ré incumpriu os deveres contratuais atinentes à montagem da grua e à formação a dar ao pessoal da autora, que a grua não possui as características que levaram a autora a realizar o negócio, no que concerne ao ano de fabrico e ao estado de funcionamento; que a ré não reparou a grua, apesar da autora lho haver solicitado; que a autora resolveu o contrato e pediu a devolução do preço e o levantamento da grua; que a ré nem devolveu o preço nem levantou a grua; que a autora sofreu prejuízos por não poder usar a grua e por esta continuar depositada nas suas instalações.
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Citada, a Ré apresentou contestação, defendendo-se por impugnação e por excepção, alegando, entre o mais, que se aplica ao caso a lei espanhola, que a ré não está obrigada a indemnizar a autora, em virtude de os defeitos serem manifestos à data da realização do negócio, que o direito a pedir a indemnização dos danos caducou, que a ré desconhecia sem culpa os defeitos da grua quando a vendeu à autora e que a autora só poderia resolver o contrato se a ré se tivesse recusado a reparar os defeitos ou não os tivesse reparado no prazo fixado (o que não sucede no caso concreto).
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A autora exerceu o contraditório relativamente às excepções arguidas pela ré, pugnando pela sua improcedência.
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O tribunal proferiu despacho saneador, seleccionando os factos assentes e controvertidos.
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Procedeu-se a julgamento, com observância do devido formalismo legal e, respondida a matéria de facto pela forma que dos autos consta que não foi objecto de reclamação, foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente declarou resolvido o contrato de compra e venda celebrado pelas partes em 13.01.2010 e condenou a Ré C…, S.L. a pagar à Autora a quantia de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação, até integral pagamento, à taxa de 5 %, ou outra que, de futuro, venha a vigorar na lei espanhola relativamente aos juros moratórios das dívidas civis.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1.ª O Código de Processo Civil vigente à data da prolação da Douta Sentença (ACPC doravante) determinava, no seu artigo 664.º, que «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º», ou seja, sendo ainda possível ao juiz servir-se dos factos notórios (art.º 514.º) e instrumentais (art.º 264.º, n.º 2); sendo que, neste enquadramento, o n.º 3 do citado art.º 264.º do ACPC apenas permitia, contudo, que a factualidade essencial não alegada fosse considerada «desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório» (sublinhado nosso).
2.ª O NCPC, embora anunciando a alteração do paradigma vigente até Agosto de 2013, dispõe, em sentido não muito divergente, no seu art.º 5.º que «Ás partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas» [n.º 1], sendo que serão [n.º 2] «ainda considerados pelo juiz [a)] Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; [b)] Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar» (sublinhado nosso).
3.ª Neste conspecto, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 19/12/2006, esclareceu que «Aquando das respostas há que lograr que as mesmas sejam claras, coerentes, congruentes, minuciosas e pormenorizadas, para definir com rigor o sentido do perguntado no quesito. Mas, para alcançar esse objectivo, a resposta pode surgir como simples ("está provado" ou "não está provado") que é a meramente afirmativa ou negativa mas pode, ainda, ser restritiva ("está provado apenas que...") ou, até, explicativa ("está provado, com o esclarecimento que..."). Estas ultimas têm que obedecer a dois princípios rigorosos: conterem-se nos factos articulados; a explicação não cair, por exuberância, na criação de um novo facto».
Neste conspecto, mister é notar que
4.º O quesito 1.º tem a sua origem no art.º 3.º da petição inicial, onde a Apelada alegou que «No início de Janeiro de 2010, a ré tinha em exposição para venda, nas instalações comerciais da mesma sitas em Espanha, uma máquina grua da marca “…”, modelo “…”, com o número de série ……………..» (sublinhado nosso);
5.ª Na resposta restritiva ao aludido quesito 1.º (Provado apenas que “No início de Janeiro de 2010, a ré tinha, para venda, uma máquina grua da marca …, modelo …, como o número de série ……….), que redundou na factualidade dada como provada no ponto 8. da Sentença, transmutou-se a factualidade alegada (inclusivamente através da alteração da natureza do verbo ter, que passou de verbo auxiliar a transitivo directo), dando-se como provada factualidade distinta da alegada, manifestamente excessiva, não tendo, quanto a ela, em momento algum, sido cumprido o contraditório agora imposto pelos art.º 3.º, n.º 3 e 5.º, n.º 2, do NCPC – pelo que, nesta parte, a Douta Sentença é nula, devendo ter-se por não escrita, ao abrigo do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), segunda parte, do NCPC [anterior art.º 668.º, n.º 1, al. d)].
6.ª A factualidade constante do quesito 5.º (A autora só adquiriu a sobredita máquina porque ficou convencida da veracidade de toda a informação que lhe foi assegurada pela Ré?) constitui a condensação das alegações desenvolvidas pela Apelada nos art.ºs 7.º e 8.º da sua petição inicial onde, omitindo a factualidade que viria a ser demonstrada na resposta aos quesitos 27. e 28., aduz «A autora como tinha intenções em comprar uma máquina da dita marca, modelo, ano de fabrico e com a qualidade assegurada, como era o caso da que se encontrava em exposição, demonstrou interesse em adquirir à ré tal máquina» e que «Após ter obtido resposta por parte da ré às questões relativas, especialmente, às horas de trabalho, características, ano de fabrico, estado de funcionamento e qualidade da mencionada máquina, decidiu então concretizar a compra».
7.ª Em sede de resposta restritiva ao aludido quesito 5.º, a Mma. Juíza a quo, e omitindo (por completo) o significado do facto quesitado (onde, claro está, é essencial o segmento só adquiriu), dá como provado que «A ré adquiriu a máquina porque, entre o mais, ficou convencida da veracidade das informações dadas pela ré» - factualidade distinta da alegada, manifestamente excessiva, não tendo, quanto a ela, em momento algum, sido cumprido o contraditório agora imposto pelos art.º 3.º, n.º 3 e 5.º, n.º 2, do NCPC – pelo que, também nesta parte, a Douta Sentença é nula, devendo ter-se por não escrita, ao abrigo do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), segunda parte, do NCPC [anterior art.º 668.º, n.º 1, al. d)].
8.ª No quesito 16.º da base instrutória – na senda da versão dos factos trazida a juízo pela Apelante – questionava-se o seguinte: «Facto que deu azo a que a autora perdesse na manutenção do respectivo contrato?», factualidade que proveio dos factos alegados pela Apelada nos artigos 23.º a 26.º da sua petição inicial, nos termos da qual «a 25 de Março de 2010, (…) foi pela autora verificado que a máquina não é do ano de fabrico (…) de 1999», «Mas antes, do ano de 1998, conforme resulta da chapa de características técnicas colocada no chassis da mencionada máquina pelo fabricante da mesma», «Facto que, para além do mais, deixou a autora sobremaneira indignada» «E que deu azo a que a autora perdesse o interesse na manutenção do respectivo contrato».
9.ª A Mma. Juíza a quo dá como resposta a este quesito 16.ª a seguinte: «O facto referido em 15 contribuiu para que a autora perdesse o interesse na manutenção do contrato», resposta esta que, à semelhança das anteriores, constitui factualidade diferente da alegada (a qual se subverte) e, para além de estar em contradição com a motivação apresentada (quando se refere «Pelo contrário, não resulta de forma inequívoca da prova produzida que a circunstância de a grua ter sido fabricada em 1998 e não em 1999 fosse decisiva para a decisão de contratar, em termos tais que, se a autora soubesse que era de 1998, não a compraria ou exigiria uma redução do preço»), constitui nulidade nos termos do disposto nos art.º 3.º, n.º 3 e 5.º, n.º 2, 615.º, n.º 1, al. d), segunda parte, todos do NCPC [anterior art.º 668.º, n.º 1, al. d)].
10.ª No que diz respeito ao ponto 21. (Atento o real estado de funcionamento da máquina, a autora não teria efectuado o negócio e, muito menos, pelo referido valor), a Mma. Juíza a quo altera, de forma injustificada e ilegal, a factualidade que havia sido dada como provada em sede de resposta aos quesitos [resposta ao quesito 18.º da bi: Provado que “Atento o real estado de funcionamento da máquina, a autora não teria efectuado o negócio e, muito menos, pelo referido valor, dado o custo da sua reparação (a substituição da transmissão, caso não seja reparável, custa € 14.500,00 e a reparação dos restantes problemas de funcionamento da máquina custa € 2.298,85, sem considerar a mão de obra e despesas de deslocação/transporte)], omissão que, por acontecer após o momento de reclamação, constitui nulidade nos termos nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b) e d), do NCPC [anterior art.º 668.º, n.º 1, al. b) e d)].
11.ª No quesito 18.º da base instrutória – na senda da versão dos factos trazida a juízo pela Apelante – questionava-se o seguinte: «Atento o real ano de fabrico da máquina, o seu real estado de funcionamento, nunca a autora teria efectuado o negócio e, muito menos, pelo referido valor, dado que o preço de mercado de uma máquina com as características, do ano de fabrico e no estado em que se encontrava a máquina que veio a ser adquirida pela autora ascendia a € 75.000,00?»; matéria de facto que proveio dos factos alegados pela Apelada nos artigos 36.º e 37.º da sua petição inicial, no âmbito dos quais a Recorrida aduzia que nunca teria comprado a máquina em apreço nos presentes autos, pois «pagou em excesso cerca de € 50.000,00».
12.ª À parte do já arguido na conclusão 10.ª, mister é notar que, ao responder restritivamente ao aludido quesito, olvidando que o essencial da alegação da Apelada era a de que a máquina valeria, quando muito, € 75.000,00 (factualidade que foi terminantemente afastada pela prova produzida), a Mma. Juíza a quo não cumpriu o princípio do contraditório agora imposto pelos art.º 3.º, n.º 3 e 5.º, n.º 2, do NCPC, sendo nula, também nesta parte, a Douta Sentença, devendo ter-se por não escrita, ao abrigo do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), segunda parte, do NCPC [anterior art.º 668.º, n.º 1, al. d)].
(Da impugnação da matéria de facto)
13.ª Tendo presente o argumento já apresentado nas conclusões 4.ª e 5.ª, entende a Apelante que, perante o teor da documentação junta à contestação sob os n.ºs 2, 3 e 4 (de onde resultam todos os momentos do processo negocial, iniciado meses antes de Janeiro de 2010), considerando os depoimentos das testemunhas D…, E… e F… (de onde resulta claramente que a máquina nunca este em exposição nas instalações da Apelante, muito menos em Janeiro de 2010) e, ainda, a factualidade dada como provada nos pontos 24. a 31. da decisão sobre a matéria de facto, deve ser dada como não provada a factualidade constante dos quesitos 1.º a 3.º da base e instrutória e, consequentemente, dada como não provados os pontos 8.º a 10.º da decisão sobre a matéria de facto.
14.ª Em sentido convergente, não olvidando a nulidade já arguida nas conclusões 6.ª e 7.ª, cumpre, não obstante, firmar que do teor da documentação junta à contestação sob os n.ºs 2, 3 e 4; do conteúdo dos depoimentos das testemunhas D…, E… e F…; assim como da factualidade dada como provada nos pontos 24. a 31. da decisão sobre a matéria de facto (da qual resulta que a decisão de contratar teve por base o “aval” da testemunha D…), deve ser dada como não provada a factualidade constante do quesito 5.º da base e instrutória e, consequentemente, dada como não provado o ponto 11.º da decisão sobre a matéria de facto.
15.ª No que diz respeito ao quesito 8.ª, 9.ª e 15.ª (ponto 18. da fundamentação de facto da Sentença), tendo em apreço os depoimentos de G…, D… e E… (as testemunhas da A., afirmando recordar-se do momento em que o ano de fabrico da máquina foi conhecido, não conseguem sequer precisar os contornos do alegado momento, não se recordando, sequer, do nome do técnico ou da empresa na sequência de cuja intervenção se teria verificado o questionado no quesito 15.º da base instrutória), para além do teor do documento junto com a petição inicial sob o n.º 10, não tendo a Apelada (como lhe era possível) identificar quem fez a invocada descoberta, quando é inequívoco que a placa técnica sempre acompanhou a máquina (pelo própria prova documental da Apelada), deve ser dada como não provada a materialidade ínsita no ponto 18. da decisão sobre a matéria de facto, devendo o quesito original (15.º) merecido a resposta de não provado.
16.ª No que diz respeito ao quesito 16.ª, dando-se por reproduzida (por relevante) a argumentação aduzida na conclusão 15.ª, cumpre acrescentar que atento o teor dos documentos juntos com a contestação sob os n.ºs 2 e 3 (de onde resulta que a Apelada nunca se interessou por máquinas de 2000 em diante, sendo o negócio feito após vistoria), bem como do teor do depoimento das testemunhas D…, E… e F…, o quesito 16.º deveria ter merecido resposta negativa, pelo que não deveria ter sido julgado provada a factualidade constate do ponto 19. da decisão sobre a matéria de facto.
17.ª Reafirmando a argumentação apresentada nas conclusões 10.ª a 12.ª (que, em sede de impugnação da decisão de facto, permanecem relevantes), cumpre aludir que da análise de toda prova documental apresentada pela Apelante em sede de contestação, tendo em atenção, em especial, o depoimento das testemunhas F…, H… e I…, tendo, para além disso, em atenção a materialidade dada como provada nos pontos 36. e seguintes da decisão da matéria de facto, deveria a Mma. Juíza a quo ter respondido negativamente ao quesito 18. da base instrutória. 18.ª Quanto à matéria questionada no quesito 52.º da base instrutória, não se compreende, sendo, aliás, surpresa para a Apelante, a razão pela qual o quesito foi julgado não provado, quando, para além de tal matéria ser pacífica, resultar da prova documental (doc. 10 da petição inicial) que a placa a que o quesito se refere se encontra cravada ou chumbada na máquina, nenhuma testemunha (nomeadamente D…) tendo negado a sua presença, que, aliás, foi confirmada pelas testemunhas G… e E… – motivo pelo qual deveria ter sido dada como provada.
19.ª No que diz respeito ao quesito 54.º, entende a Apelante que da prova produzida resultou claro que no domínio do comércio de máquinas e equipamentos industriais, o que releva é o ano da entrada dos equipamentos no circuito comercial, pois tal decorre dos depoimentos das testemunhas D… (referiu que o desgaste da máquina é o factor relevante), E… (fez a comparação entre máquina e carros, referindo-se ao ano do livrete – onde se encontra a data da primeira matrícula e não o fabrico), F… (abordou a alta da garantia como ano relevante comercialmente) e, finalmente, H… (afirmou como relevante o ano em que a máquina é colocada em funcionamento).
(Recurso sobre a matéria de Direito)
20.ª À luz do que determina o Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008 – sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), aplica-se, ao caso vertente, a lei espanhola.
21.ª A lei espanhola não reconhece ao comprador qualquer direito ao saneamento em caso de defeitos manifestos (art.º 1484.º, segunda parte, do Código Civil espanhol), pelo que, não tendo a Apelada demonstrado existirem, no caso sub judice, defeitos ocultos, nunca lhe assistiria qualquer direito (incumbindo-lhe o respectivo ónus de prova ao abrigo do disposto no art.º 217.º da Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamiento Civil, ou seja, incumbia à Apelada a prova de que existiam defeitos e de que tais defeitos eram ocultos, factualidade que, porém, não logrou demonstrar em face do vertido nos pontos 15. e 34. da decisão sobre a matéria de facto).
22.ª À luz do que determina o art.º 1490.º do Código Civil espanhol (CCE), os direitos alegados pela Apelada, ainda que existissem (o que por mera cautela de patrocínio se equaciona), ter-se-iam extinguido por caducidade, inexistindo à data da propositura da presente acção.
23.ª A Mma. Juíz a quo considerou, de forma errada, que o prazo de seis meses previsto no art.º 1490.º do CCE era de prescrição, quando, na verdade, à luz da interpretação unânime da doutrina e jurisprudência espanholas, «Não há dúvida de que o invocado artigo 1490 estabelece o prazo de seis meses para exercer, entre outras, acções por vícios ocultos, prazo que tem carácter de "disposição especial", como previsto no artigo 1969 EDL Código Civil 1889/1, com o aviso também que, de acordo com pacífica opinião doutrinal e reiterada jurisprudência deste Tribunal, tal prazo é de caducidade e não de prescrição. O "dies a quo" para o início da contagem do prazo ocorre "a partir da entrega da coisa vendida." A simplicidade da regra não se presta a interpretações complicadas para além da literalidade do mesmo no que diz respeito à extinção prazo e cômputo» (decisão do Tribunal Supremo espanhol datada de 14/10/2003, com a referência Sala 1ª, S 14-10-2003, nº 965/2003, rec. 3948/1997, Pte: Almagro Nosete, José; entre outra jurisprudência citada no corpo das alegações de recurso, págs. 101 e ss.).
24.ª Ainda de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência espanholas, mister é notar que "o prazo referido é um prazo civil, que não pode ser confundido com um prazo processual, não há lugar para duvidar que, nos termos do artigo 5 º do Código Civil EDL 1889/1 e ao tratar-se de um prazo fixado por meses, esse período deve computar-se ininterruptamente, sem se excluir os dias não úteis" (TribunalSupremo aresto datado de 08/07/2010, referência Sala 1ª, S 8-7-2010, nº 478/2010, rec.1348/2006; Pte: O'Callaghan Muñoz, Xavier), ou seja, conforme esclarece FRANCISCORIVERO HERNÁNDEZ os prazos de caducidade «não são susceptível de interrupção: é odado mais significativo da caducidade (em face da prescrição). Porém: caberá admitiralguma excepção? Haverá algum exemplo na jurisprudência, e não só para os casos decaducidade convencional. A minha posição é contrária à interrupção» [VAZ SERRA, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, aduzem «o prazo de caducidade para intentar a acção judicial só éimpedido se o reconhecimento tiver o mesmo efeito da sentença» – tese sufragada por Vaz Serra (BMJ107, 332) e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 296); abraça a mesma teoria ANA FILIPA MORAIS ANTUNES (Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil (“O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas” pág. 178): «O reconhecimento só será impedido se tiver o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito a caducidade (…)»].
Ademais,
25.ª O Direito Civil português estabelece, no art.º 914.º do CCP, que “Sendo possível a eliminação dos defeitos ou a nova realização da prestação, ao comprador ou ao dono da obra só cabe a escolha entre resolver o contrato e reduzir o preço, caso a contraparte tenha recusado qualquer das prestações de cumprimento ou depois de decorrido um prazo suplementar fixado, nos termos do art.º 808.º, para a sua fixação” (27), razão pela qual o Autor tem “o poder-dever de seguir primeiro e preferencialmente a via da reparação ou substituição da coisa sempre que possível e preferencialmente a via da reparação ou substituição da coisa sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço ou resolução do contrato” (28).
26.ª Tal significa que a opção (do comprador) entre a resolução do contrato, a reparação da coisa e a sua substituição não é arbitrária, “deve ser conforme ao (27) Idem, pág. 439. (28) CALVÃO DA SILVA, Compra e venda de coisas defeituosas, Almedina, 2001, págs. 155 e 156, princípio da boa fé, e não cair no puro arbítrio do comprador, sem olhar aos legítimos interesses do vendedor”, ou seja, “a reparação ou substituição da coisa que como dever incumbe ao vendedor (artigo 914.º do Código Civil), pode, no caso concreto, por exigências dos ditames da boa fé, funcionar como (contra-) direito de o alienante rectificar a inexactidão do seu cumprimento, se a reparação oferecida ou a substituição oferecida der satisfação adequada e tempestiva ao interesse do adquirente, com a recusa deste a contrariar a boa fé na medida em que sacrificava injustificadamente os interesses daquele” (29).
27.ª Na verdade e no essencial, a solução vertida no direito civil português não é distinta da do Direito Civil espanhol (tanto mais que radicam nas mesmas acções edilícias do direito romano clássico), pois, conforme tem decidido o Tribunal Supremo de Espanha, o recurso às medidas de tutela do comprador é submetido «a um juízo de razoabilidade, especialmente em sede contrato de empreitada de imóveis, com base na exigência de um exercício dos direitos da boa-fé (art. 7.1 CC) sem injustiça (Art. 7.2 CC».
28.ª Nessa medida, o art.º 7.º do Código Civil Espanhol exige que «Os direitos devem ser exercidos em conformidade com as exigências da boa fé» [1.], determinado que «A lei não protege abuso de direito ou exercício anti-social. Qualquer ato ou omissão que pela intenção de seu autor, pelo seu objecto ou pelas circunstâncias em que se realize, exceda manifestamente os limites normais do exercício de um direito, com danos a terceiros, resultará em compensação adequada e na adopção de medidas judiciais ou administrativas para evitar a persistência de abuso»; perante o que Tribunal Supremo espanhol «[c]om o propósito de conservar o contrato e dar ao vendedor a oportunidade de corrigir o seu incumprimento inicial, a jurisprudência dá preeminência ao cumprimento de forma específica» [veja-se, neste sentido, a jurisprudência citada pelo A. acima aludido, mormente a Sentença do Tribunal Supremo (STS) de 24.04.2000 (RJ 2000\2983), a STS de 10.6.1983 (RJ 1983\3454) e a STS (29) Idem , pág. 80. 20.12.2004 (RJ 2004\8131)]. Tal entendimento chega mesmo ao ponto de admitir que, nos casos em que a reparação se revele demasiado onerosa do ponto de vista do devedor, se opte apenas pela indemnização do dano [neste sentido vide STS 2.7.1998 (1998\5123)].
29.ª Nesse contexto, logrando-se provado nos autos que a reparação é possível, que a Apelante não se recusou a realizar a sobredita reparação, impõe-se concluir que, à luz do disposto nos art.ºs 7.º e 1484.º a 1486.º do CCE, o direito civil espanhol proíbe que, no vertente caso, a Apelada possa lançar mão do direito de resolução previsto na última das normas citadas, por tal se revelar, à luz do princípio da boa fé, um manifesto abuso de direito.
Em face do que A Sentença recorrida violou os art.ºs 264.º, n.º 2 e n.º 3, 664.º e 668.º do Código de Processo Civil vigente até 31.08.2013, os art.ºs 3.º, 5.º e 615.º do Novo Código de Processo Civil, art.º 217.º da Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamiento Civil, 5.º, 7.º, 1484.º, 1485.º, 1490.º do Código Civil Espanhol.
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Devidamente notificada, a Autora apresentou as respectivas contra-alegações nas quais conclui pelo não provimento da apelação.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso- cfr. cfr. arts. 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir:

a)- saber se a sentença padece das nulidades estatuídas nas alíneas b) e d) do artigo 668.º, nº 1 do CPCivil;
b)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
c)-decidir de direito em conformidade com a matéria factual que se venha a fixar:
- nomeadamente se os defeitos eram ou não desconhecidos da recorrida,
- se verifica ou não o prazo de caducidade/prescrição do exercício do direito,
- e finalmente se a recorrida devia ter optado por pedir a eliminação/reparação dos defeitos em vez da resolução do contrato.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria de facto que o tribunal de 1ª instância deu como provada.

1. A autora exerce a actividade de transportes rodoviários de mercadorias.
2. A ré, por sua vez, exerce o comércio de maquinaria aeroportuária, ferroviária e portuária.
3. O preço acordado e pago pela autora à ré foi de €125.000,00, por via de transferência bancária para a conta que a ré identificou com o IBAN ……………………., no dia 12 de Janeiro de 2010.
4. Em 13 de Janeiro de 2010, a autora e a ré subscreveram um contrato, denominado "Contrato de compra e venda de ….", pelo qual a segunda declarou vender à primeira, a qual reciprocamente aceitou adquirir, pelo preço de €125.000,00, a máquina …, da marca …, modelo …, s/n ….., junto por cópia aos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
5. Do mencionado contrato resulta, para além do mais, que a ré se obrigava a proceder à entrega da aludida máquina e respectiva montagem no prazo de 8 dias a contar da data do pagamento integral do preço, nas instalações da autora sedeadas na EN …, km 30,8, da freguesia …, concelho de Ovar.
6. A entrega e montagem da máquina por parte da ré ocorreu na última semana do mês de Janeiro de 2010.
7. Foi acordado que a ré procederia, aquando da entrega e montagem da máquina nas sobreditas instalações da autora, a ensaios de funcionamento e daria formação na utilização da máquina aos operários e técnicos da autora.
8. No início de Janeiro de 2010, a ré tinha, para venda, uma máquina grua da marca "…", modelo "….", com o número de série ……………….
9. A ré anunciava a aludida máquina como sendo do ano de fabrico de 1999.
10. E que se encontrava 100% operativa.
11. (Quesito 5) A autora adquiriu a dita máquina porque, entre o mais, ficou convencida da veracidade das informações dadas pela ré.
12. A emissão da factura da aludida máquina concretizou-se a 08 de Janeiro de 2010.
13. A formação referida em 7. seria dada por técnicos com conhecimentos específicos de gruas ….
14. Os técnicos que a ré disponibilizou aquando da montagem não eram técnicos da J….
15. Em 29 de Janeiro de 2010, foram constatados pela autora problemas no funcionamento da transmissão, dos hidráulicos, das luzes de sinalização e funções, bem como a inexistência do manual da máquina, com os esquemas eléctricos, pneumático e mecânico.
16. A 29 de Janeiro e, seguidamente, a 02 de Fevereiro de 2010, respectivamente, via e-mail e carta registada, foram pela autora denunciados à ré tais problemas e a falta do referido manual.
17. Problemas que vieram no decurso de Fevereiro e Março de 2010 a ser reconhecidos pela ré.
18. A 25 de Março de 2010, na sequência de exame rigoroso à aludida máquina para efeitos de orçamentação do custo de reparação dos referidos problemas, a autora verificou que a máquina é do ano de fabrico de 1998, conforme resulta da chapa de características técnicas colocada no chassis da mesma.
19. O facto referido em 15 contribuiu para que a autora perdesse o interesse na manutenção do contrato.
20. Em 30 de Março de 2010, por carta registada com aviso de recepção, que a ré recebeu, a autora comunicou àquela a intenção de resolver, no imediato, o respectivo contrato de compra e venda e solicitou-lhe a devolução do preço que havia liquidado em Janeiro de 2010 e, bem assim, o levantamento pela ré da máquina das suas instalações, nos termos que constam do documento n.º 11 junto com a petição inicial (cf. fls. 33).
21. Atento o real estado de funcionamento da máquina, a autora não teria efectuado o negócio e, muito menos, pelo referido valor.
22. A autora ficou privada da utilização de uma máquina com as características que lhe foram asseguradas pela ré, de que necessita para o exercício da sua actividade.
23. Tendo que proceder ao parqueamento da máquina em causa.
24. A autora, por intermédio da sociedade espanhola K…, S.A., contactou a ré, por e-mail de 19 de Novembro de 2009, conforme documento n.º 2 da contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
25. Antes do descrito em 4., a ré comprou à sociedade L…, com sede na cidade de Valência, uma máquina usada da marca …, modelo …, produzida pela empresa italiana J…, S.p.A., tendo-a revendido à autora, no estado em que se encontrava.
26. No seguimento, a ré enviou, no dia 19 de Novembro de 2009, e-mail com o teor constante do documento n.º 3 da contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
27. A autora manifestou interesse na aquisição da máquina ….
28. Entretanto, prosseguiram as negociações entre as partes, tendo sido acordado que a autora visitaria as instalações da L…, em Valência, com vista a ver a máquina em causa e a verificar o estado em que esta se encontrava.
29. No âmbito das negociações ocorridas entre as partes, a autora enviou um mecânico, D…, em Dezembro de 2009, às instalações da L…, para examinar a máquina em causa.
30. Após a verificação, a autora deu indicação à ré que tinha interesse na aquisição da máquina pelo valor de €125.000,00.
31. Em 8 de Janeiro de 2010, a ré, no seguimento do acordado com a autora, emitiu e enviou a esta a factura n.º ./10, datada do mesmo dia, no valor de €125.000,00, referente à máquina Grua …, da marca …, modelo …., do ano de fabrico 1999, série n.º ……………...
32. Na sequência do acordado, a ré diligenciou pelo transporte da máquina desde Valência até …-Ovar.
33. A Ré diligenciou para que a entrega da máquina fosse acompanhada por uma equipa especializada em máquinas gruas do tipo da …, habilitada para proceder à respectiva instalação e dar formação no manuseamento e utilização da mesma.
34. A máquina …, após transporte desde Valência, foi entregue nas instalações da autora, sitas em …-Ovar, no dia 28 de Janeiro de 2010.
35. Após ser entregue em …-Ovar, a equipa especializada que a acompanhou procedeu à montagem da máquina … e ligou-a, na presença de funcionários da autora.
36. Após ter recebido mensagem da autora, a ré respondeu-lhe, por e-mail datado de 01 de fevereiro de 2010, dizendo: «Tomo nota da sua reclamação e informo-o que enviaremos um técnico para ver a máquina, por outro lado: - Os técnicos que montaram a máquina conhecem suficientemente … e não sei porque dizem que não conhecem a máquina; Eles na quinta-feira dia 28 de» Janeiro [por lapso no e-mail refere-se Fevereiro) «esperaram até às 5 da tarde (4 ou 5 horas) que viessem alguém utilizar a maquina. Os hidráulicos repará-los-emos para que estejam operacionais e se há que mudar tubagens fá-lo-emos. Se há alguma luz que tenhamos que pedir por favor indiquem-nos qual é e o que faremos. Quanto à transmissão falhar não sabemos a que se refere mas foi examinada a máquina pelo seu técnico em Valência e o serviço técnico que corresponde é a empresa M… em Portugal. Em conformidade indico-lhe as pessoas responsáveis pelos nossos serviços técnicos para coordenar a visita (…)".
37. Em 2 de Fevereiro de 2010, a autora enviou e-mail à ré com o seguinte conteúdo: «Vamos esperar o envio do manual completo da máquina, porque com ele poderemos resolver os pequenos problemas. Relativamente à transmissão e aos hidráulicos, ficamos a aguardar a vinda de um técnico da J… para os resolver. Gostava também que o Sr. F… acompanhasse a vinda do técnico a Portugal, para ver com os seus próprios olhos, os problemas da máquina».
38. No dia 11 de Fevereiro de 2010, a ré solicitou à autora o envio «de mais dados das avarias (foto ou referência), é importante o "pedido de intervenção" que lhes enviamos».
39. A autora não enviou à ré os dados solicitados no e-mail referido.
40. No dia 22 de Fevereiro de 2010, os serviços de assistência técnica da ré remeteram um e-mail à autora, no qual foi solicitado «o seguinte: «Por favor envie-nos detalhes das avarias para poder enviar ao técnico adequado para a reparação:- Que se passa com a transmissão? Sai algum código de avaria?-Quais os hidráulicos não funcionam? - Quais as luzes que não funcionam? – Segundo percebi, o manual já foi enviado. Compreendam, por favor, que sem informação concisa não poderemos dar uma resposta eficiente. Aguardamos suas notícias».
41. Em resposta, a autora limitou-se a referir, por e-mail de 23 de Fevereiro de 2010, dirigido à ré, o seguinte: «Há muito tempo que nos manifestamos, quanto aos problemas da máquina e certamente V. Ex.as sabem muito bem o que nos venderam. Não sabemos explicar melhor o que se passa, nem tão-pouco sabemos reparar o que não funciona ou que funciona mal. O manual que nos enviaram é de uma máquina mais recente e não da Grua … - Mod …... Como até à data não se dispuseram a resolver as avarias, vamos pedir a intervenção do representante da J… em Portugal, para as solucionar. Oportunamente, apresentaremos a conta a V. Ex.as».
42. No dia 25 de Fevereiro de 2010, a ré enviou e-mail à autora, dizendo o seguinte: «Vamos enviar um técnico para analisar as avarias comentadas. Também levarão um manual da série 200 em lugar da 365, é o que receberam? Podem enviar fotografia do hidráulico e luzes avariadas? Ser-nos-ia de muita ajuda».
43. No mesmo dia 25 de Fevereiro de 2010, os serviços de assistência técnica a ré remeteram novo e-mail à autora com o seguinte teor: «Iremos enviar-lhes mecânico, a partir de Madrid. Os meus colegas vão informá-lo do dia exacto para a assistência. O técnico vai levar o manual da máquina para lhe entregar, pois entendemos que houve um erro no envio anterior. Seria muito útil se nos indicassem: Quais hidráulicos que não funcionam? Quais as luzes que não funcionam? Se soubermos que luzes ou hidráulicos estão avariados, podemos levar resposta para resolver a avaria. Se não soubermos o que está avariado, vamos perder tempo na reparação, pois não poderemos reparar nesse mesmo dia».
44. A autora não prestou a informação solicitada pela ré.
45. No dia 1 de Março de 2010, a ré fez deslocar às instalações da autora um técnico seu, no sentido de analisar a máquina, tendo constatado que, com vista a confirmar a existência de problema na transmissão, seria necessário proceder à abertura e desmontagem da transmissão.
46. No dia 8 de Março de 2010, a ré remeteu e-mail à autora no qual fez constar o seguinte: «Pela presente mensagem venho confirmar-lhe Vamos a enviar os nossos técnicos para recolher a transmissão; Sr. D… vai pedir entretanto orçamento de intervenção à M…. Logo que saibamos quando enviamos os técnicos e o orçamento de reparação colocar-nos-emos em contacto convosco».
47. (Quesito 48) No dia 22 de Março de 2010, a ré fez deslocar um técnico às instalações da autora, para recolher a transmissão da máquina.
48. A Autora não permitiu que a transmissão fosse desmontada, impedindo que o técnico acedesse à máquina, o que foi atestado por este técnico no relatório de visita, onde consta: «Não podemos fazer nada. Não nos deixam aproximar-nos da máquina».
49. Por essa razão, no dia 22 de Março de 2010, a ré remeteu um e-mail à autora, no qual afirmou o seguinte «Escrevo-lhe em inglês é melhor: 1. Vocês têm escrito na nossa oferta que lhes entregaremos a unidade a trabalhar; Vocês não deixam o nosso técnico entrar nas vossas instalações; Nós queremos resolver isto e vocês não nos deixam trabalhar. Nós não queremos resolver através de advogados daqui a dois anos. Nós queremos resolver isto agora. O custo de hoje é mais de 1.000 euros pela viagem e do nosso melhor técnico. Por favor deem-nos uma garantia escrita de que o nosso técnico pode entrar nas vossas instalações. Por favor digam-nos das vossas intenções para resolver os problemas. Em inglês por favor».
50. No dia 7 de Abril de 2010, a ré enviou um fax à autora, no qual referiu o seguinte: «juntamos documentos que certificam que 1) A máquina (…) foi examinada pelo vosso técnico que aprovou tecnicamente a máquina. Vocês examinaram-na antes. 2) Ano de fabrico é 1999 e podemos certificá-lo pois o chassis é de Novembro/Dezembro de 1998 saindo a máquina para as nossas instalações em 1999; 3) Juntamos certificado de trabalho da visita dos nossos técnicos às vossas instalações sem encargo económico e não lhes foi permitido entrar depois de 1200 km de deslocação. 4) Desde este momento podemos confirmar que não vamos recolher a máquina das vossas instalações pois não é o acordo firmado convosco. Propomos corrigir as mudanças de velocidades (só segunda e terceira) sem encargo. 5) A falha da 2a e 3a velocidades está oculta não podemos vê-la sem abrir a transmissão. Apenas temos boa vontade e não desejaríamos em caso algum ter que recorrer aos tribunais podendo resolver em poucas semanas com os nossos técnicos. O documento enviado para o seu correio electrónico é interno, nosso, para controlo de custos e, em caso algum, se pretende cobrá-lo a V. Ex.as, esperamos poder resolver o assunto com a vossa aprovação e pedimos desculpas pelo mal-entendido do correio electrónico».
51. A máquina … foi comercializada pelo fabricante (J…), pela primeira vez e no estado de nova, no ano de 1999.
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III. O DIREITO

Apreciemos então as questões pela ordem cronológica posta pelo apelante e decorrente da lei.
a)- nulidades da sentença

Refere a este respeito a recorrente que a sentença é nula por violação do artigo 668.º, nº 1 als. b) e d) do ACPCvil-actual artigo 615.º nº 1 als. b) e d) do NCPCivil.
E assaca tal nulidade consubstanciada no facto de as respostas dadas pelo tribunal recorrido aos quesitos 1º, 5º, 16º e 18º da base instrutória não se conterem dentro da matéria factual que aí se encontrava vertida.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artigo 668.º do ACPCivil, normativo que corresponde com pequenas alterações, que para o caso não relevam, ao actual 615.º do NCPCivil.
Nos termos daquele pretérito preceito, é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.[1]
Isto dito, parece-nos, que existe por parte da recorrente alguma confusão sobre as nulidades que assaca à sentença recorrida.
Na verdade, os fundamentos que invoca na concretização das nulidades da decisão não se enquadram em nenhum dos supra referidos, pois que, todos estes têm como referência e são aferidos em função da própria decisão.
Ora, como é bom de ver os fundamentos em que a recorrente sustenta as nulidades invocadas dizem respeito à decisão da matéria de facto, isto é, não são vícios que digam respeito à sentença.
Analisando.
Em relação à resposta dada ao quesito 18º a recorrente, para além de dizer que a sentença é nula por violação da al. d) do artigo 668.º do ACPCivil, assaca-lhe também a nulidade estatuída na al. b) do mesmo preceito.
A sentença é nula, refere a alínea em causa, quando:
a (…)
b) “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artº 668º. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.[2]
Ora, para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão[3], coisa que, manifestamente, no caso em apreço não acontece, pois que, a Srª Juiz, como o evidência a sentença recorrida, aí descriminou os factos que resultaram provados e de acordo com a decisão da matéria de facto que antecedentemente havia sido proferida, como também especificou os fundamentos de direito que estiveram na base da decisão.
Portanto, ao contrário do que afirma o recorrente, a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe vem assacada e constante da alínea b) do nº 1 do artigo 668.º do C.P.Civil-actual 615.º, nº 1 al. b) do NCPCivil.
A recorrente refere ainda que a sentença prolatada padece da nulidade estatuída na alínea d) do nº 1 do artigo 668.º do AC.P.Civil-actual 615.º nº 1 al. d) do NCPCivil.
A sentença é nula refere a alínea em causa:
“d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este vício prende-se com norma do artigo 660.º, nº 2 do C.P.Civil-actual 608.º, nº 2 do NCPCivil-que consigna a “ordem de julgamento”.
Resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença:
“deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Como salienta Alberto dos Reis[4] “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (art. 511º/1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”.
Tendo, por base estes ensinamentos, a sentença não padece, pois de nulidade porque não analisou um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.
A fundamentação da sentença aponta apenas para a justificação da decisão final em face do direito substantivo aplicável.[5]
Ora, no caso concreto, não é este o vício que a recorrente diz a sentença padecer.
Como noutro passo já se referiu, os fundamentos que a recorrente alega neste segmento prendem-se com a decisão sobre a matéria de facto sendo, pois, no âmbito da impugnação desta matéria que se analisarão também tais fundamentos.
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Não padecendo a sentença das invocadas nulidades entremos agora na segunda questão que vem posta no recurso.

b)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.

A recorrente impugna, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto, proferida pelo tribunal recorrido, no que tange aos quesitos 1º a 3º, 5º, 15, 16º, 18º, 52º e 54º da base instrutória.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no art. 655.º, nº 1, do CPC: “o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”-actual 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[6]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[7]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º, nº 2, do CPC-actual 607.º nº 4).
Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Daí que, conforme orientação jurisprudencial prevalecente o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.
Na verdade, só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal [ad quem] sindicar (artº 655.º-1 do CPC), e pelas razões já supra expandidas.
Em conclusão: mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade.
É que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.
Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou.[8]
Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas- v.g. por distracção-determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.
A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Tendo presentes estes princípios orientadores, analisemos então, se assiste razão à apelante, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
Quesitos 1º, 2º e 3º
Estes quesitos tinham a seguinte redacção:
1º- “No início de Janeiro de 2010, a ré tinha em exposição para venda, nas instalações comerciais da mesma sitas em Espanha, uma máquina grua da marca “…”, modelo “…”, com o número de série ……………..?”
2º- “A ré anunciava a aludida máquina como sendo do ano de fabrico de 1999?”
3º-“E que se encontrava 100% operativa?”
A estes quesitos o tribunal recorrido respondeu da seguinte forma:
1º-“Provado apenas que no início de Janeiro de 2010, a ré tinha, para venda, uma máquina grua da marca "…", modelo "…", com o número de série ……………..”.
2º- “Provado
3º- “Provado”.
A recorrente entende que tais quesitos deveriam ter tido resposta negativa.
Antes demais, cumpre analisar se a resposta restritiva dado ao quesito 1º pelo tribunal recorrido é totalmente distinta da que aí estava vertida, como defende a recorrente.
Não adiante jogar com as palavras emprestando-lhe um sentido que elas não têm para se ajustarem a uma realidade querida.
Evidentemente que a resposta restritiva, dada pelo tribunal recorrido, se contém dentro da matéria factual que o quesito em causa encerrava.
O que o tribunal recorrido fez foi expurgar, do âmbito da resposta, a factualidade que em seu entender não havia resultado provada, ou seja, que a Ré, naquela data, não “tinha em exposição nas suas instalações comerciais sitas em Espanha à maquina em causa.
Todavia, considerou provado que, naquela data, a Ré tinha a máquina em causa para venda.
Onde está o facto diferente nessa resposta que a pergunta já não contivesse?
O facto de não se provar que a Ré tivesse a máquina em exposição daí não se extrai que não a tivesse para venda.
Portanto, a resposta dada pelo tribunal recorrido, ao citado quesito, contém-se dentro da matéria factual que ele encerrava.
Contudo, diz a Ré que a resposta ao citado quesito deveria ser não provado.
É verdade que, como resultou da prova produzida, a máquina não estava em Janeiro de 2010 nas instalações da Ré apelante, antes se encontrava nas instalações da L… em Valência.
Está também assente nos autos [facto descrito em 4º correspondente à alínea D) dos factos assentes] que, em 13 de Janeiro de 2010, a Ré apelante celebrou o contrato de compra e venda com a recorrida referente a essa máquina.
Assim, sendo, não vemos como não dar como provado a matéria constante do quesito 1º nos termos em que o fez o tribunal recorrido?
É que se, assim, não for, então, naquela data, a Ré apelante terá vendido uma coisa que não lhe pertencia!
É certo que resultou provado que, antes daquela data, Ré adquiriu a máquina à L… (facto descrito em 25º).
Mas porventura está provado qual o exacto momento em que tal venda ocorreu?
Então como não dar como provado que, no início de Janeiro, a Ré tinha essa máquina para venda se ela a adquiriu antes de 13/01/2010 à L…?
Resulta, pois, do exposto que a resposta dada ao quesito 1º pelo tribunal recorrido terá de manter-se, já que a fundamentação aduzida a esse respeito pela Srª juiz reflecte a prova que foi produzida e a recorrente outra não convocou que impusesse a sua alteração.
No que tange ao quesito 2º também a resposta dada pelo tribunal recorrido tem de manter-se.
De facto, não obstante no documento nº 3 junto da contestação se referir que a máquina é do ano de 1999, o certo é que nos documentos nºs 2 e 9 juntos com a petição inicial e da autoria da Ré se refere expressamente que o ano de fabrico é o de 1999.
Aliás, isso mesmo é confirmado pela testemunha F… (director de maquinaria da Ré) no seu depoimento quando, a instâncias do ilustre mandatário da apelante sobre o a referência no email ao ano de 1999 refere “Porque recebemos esta máquina da fábrica em 1999”.
E, em relação a isso, não vale a pena argumentar com o referido pela testemunha E… a respeito da política da empresa (Autora) comprar equipamentos novos, já que, nesse âmbito, esse depoimento é irrelevante e deslocado relativamente à questão discutida nos autos.
Como assim, a alusão ano de 1999 nos documentos juntos com a contestação tem que se entender como sendo o ano de fabrico, sendo que, a Ré apelante não apresenta qualquer outra prova que contrarie o que consta dos documentos da sua autoria juntos com a petição com os nºs 2 e 9, sendo de referir que isso mesmo resulta da resposta dada ao quesito 28º (facto descrito em 30º).
E o mesmo se diga em relação ao quesito 3º uma vez que, como consta das estipulações 1ª e 7ª do contrato de compra e venda (facto descrito em 4º e documento nº 3 junto com a petição inicial), a máquina foi alienada como estando 100% operativa, sendo que, em relação a esta matéria a Ré apelante também não convoca qualquer elemento probatório para que este tribunal altere a resposta dada pelo tribunal recorrido.
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Quesito 5º
O citado quesito tinha a seguinte redacção:
A autora só adquiriu a sobredita máquina porque ficou convencida da veracidade de toda a informação que lhe foi assegurada pela ora ré?”
Ao mencionado quesito o tribunal recorrido respondeu da seguinte forma:
A autora adquiriu a dita máquina porque, entre o mais, ficou convencida da veracidade das informações dadas pela ré”.
Também em relação a esta quesito a Ré apelante refere que a sua resposta restritiva subverteu a alegação apresentada pela apelada e sobre a qual não teve oportunidade se pronunciar.
Não cremos que, também aqui, assista qualquer razão à Ré apelante.
E antes de avançarmos antolha-se dizer que, segundo a lição da Ré recorrente, o tribunal estaria, quase sempre impedido, de responder de forma restritiva aos quesitos.
Isto dito, a resposta dada pelo tribunal recorrido sobre tal quesito o que espelha é que, não se logrou provar que a Autora tivesse adquirido a máquina em questão apenas porque estava convencida da veracidade das informações dadas pela Ré recorrente.
Acontece que, face à fundamentação vertida pela Sr. juiz na decisão da matéria de facto sobre tal quesito a resposta tinha que, inevitavelmente, ser restritiva, pois que, como aí se verteu, além daquela, outras, como a baixa do preço, a circunstância da Ré ser representante da marca …, o facto de o Sr. D… ter dado o seu aval à compra depois de ter examinado a grua em Espanha, terão contribuído para a sua decisão.
Porém, ao contrário do que refere a recorrente, a resposta não extravasa o quesitado, ela contém-se na matéria factual que dele constava.
A recorrente parece esquecer que a resposta restritiva, advém muitas vezes, precisamente da contraprova que se faz e, perante ela, o tribunal tem que adequar a respectiva resposta. Ora, se o tribunal ficou convencido que houve outras causas que levaram a apelada a adquirir a máquina, para além daquela que constava do respectivo quesito, a resposta dada tinha que espelhar tal realidade, ou seja, que para além da razão que ele já abarcava, havia outras.
Por outro lado, também aqui a recorrente entende que a resposta a tal quesito deveria ter sido negativa.
Paro o efeito convocou o depoimento das testemunha D…, E… e F….
Do depoimento da testemunha D… não se retira que tivesse sido apenas com base no seu “aval” que a apelada se decidiu pela compra da máquina, o que ele diz é que foi um “bocado chave nisto”, ou seja, na compra.
Mas como retirar desta resposta que a apelada apenas levou em consideração a opinião da referida testemunha?
Do depoimento da testemunha E… a este respeito nada se retira, aliás, a Ré apelante e quanto a este depoimento incidiu, sobretudo, sobre a questão do ano de fabrico.
Da mesma forma que também do depoimento da testemunha F… nada relevante se pode extrair. Com efeito, o que esta testemunha refere é que o Sr. D… observou a máquina em Valência e que, provavelmente, a pôs em funcionamento que supõe que foi posta em andamento.
Todavia, também refere que enviaram documentação técnica e fotografias da máquina e que, após é que o Sr. D… fez uma visita à maquina no porto de Valência.
Portanto, estes depoimentos não infirmam a resposta dada pelo tribunal recorrido, razão pela qual a resposta por ele dada se tem de manter, já que, a apelante não indica qualquer outro elemento probatório para que não se considere que, as informações prestadas pela apelante sobre a máquina, não tenham sido levadas em linha de conta para a concretização da sua compra.
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Quesito 15º
Este quesito tinha a seguinte redacção:
“A 25 de Março de 2010, na sequência de exame rigoroso à aludida máquina para efeitos de orçamentação do custo de reparação dos referidos problemas, a autora verificou que a máquina é do ano de fabrico de 1998, conforme resulta da chapa de características técnicas colocada no chassis da mesma?
A este quesito o tribunal respondeu da seguinte forma:
“A 25 de Março de 2010, na sequência de exame rigoroso à aludida máquina para efeitos de orçamentação do custo de reparação dos referidos problemas, a autora verificou que a máquina é do ano de fabrico de 1998, conforme resulta da chapa de características técnicas colocada no chassis da mesma”.
Entende a recorrente que o tribunal recorrido deveria ter dado resposta negativa ao mencionado quesito.
Para o efeito, convoca o depoimento das testemunhas G…, D… e E….
Acontece que, o depoimento dessas testemunhas não infirmam essa resposta, antes encontram neles o arrimo necessário para que o tribunal desse tal facto como provado, sendo que, não é pelo facto de as características técnicas constarem da chapa colocada no chassis da máquina, como se vê da cópia da fotografia junta como documento nº 10 da petição, que a resposta tinha necessariamente de ser diferente.
A fundamentação vertida pela Mmª juiz na decisão da matéria de facto é perfeitamente plausível. Na verdade, muitas vezes as pessoas, em negócios desta natureza e com os montantes envolvidos, confiam quer na palavra dada quer no que consta por escrito, razão pela qual, não se vê como não admitir que perante a informação prestada pela Ré recorrente e constante do documento nº 2 (cópia da factura) a apelada nela não tivesse confiado e, como tal, nunca tivesse reparado na placa aposta no chassis da máquina.
Acresce que, a Ré, para além da prova testemunhal, outros elementos probatórios não refere para que este tribunal, contrariando a bem fundamentada decisão a esse respeito dada pela Mmª juiz, altere a resposta ao quesito em questão e no sentido por ela pretendido.
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Quesito 16
Este quesito tinha a seguinte redacção:
“Facto que deu azo a que a autora perdesse o interesse na manutenção do respectivo contrato?”
A este facto o tribunal respondeu da seguinte forma:
“O facto referido em 15 contribuiu para que a autora perdesse o interesse na manutenção do contrato”.
Também aqui alega a recorrente que, não tendo sido considerado não provado este quesito, a Mmª juiz introduziu na decisão um facto que não foi alegado pelas partes e que, no essencial, contraria a tese apresentada pela Autora em sede de petição inicial.
Valem a este respeito mutatis muntandis as considerações feitas a propósito do quesito 5º, pelo que, a resposta dada se contém dentro dos limites da factualidade que do referido quesito constava.
Por outro lado, também em relação a este quesito a recorrente entende que a sua resposta deveria ter sido negativa.
Como decorre da fundamentação vertida na decisão da matéria de facto, a Srª juiz entendeu que, a não correspondência do ano de fabrico, tinha sido apenas um dos motivos na perda de interesse, por banda da Autora apelada, na manutenção do contrato, o que, está aliás, em consonância com o teor da carta junta como documento nº 11 com a petição inicial e que a Autora enviou a resolver o contrato.
Por outro lado e ao contrário do que afirma a recorrente, o depoimento das testemunhas E… e D… não infirmam a resposta dada ao citado quesito pelo tribunal a quo. Com efeito, ouvido os respectivos depoimentos o que deles se retira é que o ano de fabrico da máquina era relevante:- E…- “O ano foi fundamental. O ano foi fundamental. Se nos tivessem dito que a máquina era p. ex. de 97 ou 98 o negócio não teria sido concretizado, porque nós tínhamos lá propostas de outras máquinas de 98, portanto não nos interessava comprar esta máquina por este preço.. se o ano não fosse de 99..” – D…-“Não... Porque o Sr.. N…, tinha-me frisado que queria urna máquina para cima de 2000...porque...porque há normas comunitárias que...sensores e ‘tan tan tan”.
Resulta, pois destes depoimentos que a Autora recorrida pretendia adquirir uma grua não anterior a 2000, aceitando, no limite, que fosse de 1999, por razões que se prendem com o cumprimento de normas comunitárias, e que a circunstância de a Ré recorrente ter informado que a grua em causa nos autos era de 1999 foi uma das circunstâncias relevantes para a concretização do negócio, designadamente porque a Autora recorrida teria outras propostas de venda, de gruas de anos anteriores a 1999, que rejeitou.
Portanto, a resposta ao quesito em causa deverá manter-se, dado que os elementos probatórios que a recorrente indica, nomeadamente testemunhais, não a infirmam.
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Quesito 18º
Este quesito tinha a seguinte redacção:
“Atento o real ano de fabrico da máquina, o seu real estado de funcionamento, nunca a autora teria efectuado o negócio e, muito menos, pelo referido valor, dado que o preço de mercado de uma máquina com as características, do ano de fabrico e no estado em que se encontrava a máquina que veio a ser adquirida pela autora ascendia a € 75.000,00?”
A este quesito o tribunal recorrido respondeu da seguinte forma:
“Atento o real estado de funcionamento da máquina, a autora não teria efectuado o negócio e, muito menos, pelo referido valor, dado o custo da sua reparação (a substituição da transmissão, caso não seja reparável, custa € 14.500,00 e a reparação dos restantes problemas de funcionamento da máquina custa € 2.298,85, sem considerar a mão de obra e despesas de deslocação/transporte)”.
Na transcrição dos factos vertidos na sentença este facto tem a seguinte redacção:
“Atento o real estado de funcionamento da máquina, a autora não teria efectuado o negócio e, muito menos, pelo referido valor”.
Em relação a este quesito a recorrente refere que o tribunal ao alterar a redacção do facto provado, eliminando parte substancial do mesmo, em momento posterior ao de reclamação retirou-se-lhe a possibilidade de reclamação contra tal formulação que constitui, nesta parte, verdadeira decisão surpresa.
Evidentemente que existiu, de facto, um lapso de redacção relativamente a este facto aquando da descriminação dos factos provados vertidos na sentença, pois que, o mesmo ficou amputado da parte restante que correspondia à resposta dada pelo tribunal recorrido em sede de decisão da matéria de facto.
Portanto, o citado facto deve ter o conteúdo que o tribunal deu como provado naquela decisão.
Isto dito e corrigindo-se o referido lapso nos termos sobreditos, refere também a recorrente que este quesito contém matéria factual não alegada pela apelada.
Dúvidas não existem que a resposta a este quesito foi restritiva e explicativa como, aliás, sublinhou a Mmª juiz na respectiva fundamentação.
Restritiva porque eliminou a referência ao ano de fabrico e explicativa na parte em que acrescentou a questão do valor da reparação.
Como se sabe as respostas à matéria de facto, podem, efectivamente, ser explicativas, ou seja, o tribunal pode apontar a razão ou razões para ter dado aquela resposta um ponto factual.
Evidentemente que, existe sempre um limite, qual seja, que a resposta não extravase a matéria factual que dele constava.
Ora, no caso concreto a resposta explicativa dada pelo tribunal não extravasou a matéria factual que o quesito em causa albergava.
De facto, o que o tribunal respondeu foi que, dado o real estado de funcionamento da máquina (mau funcionamento, avarias) a autora não teria efectuado o negócio e, muito menos, pelo referido valor, ou seja, tal matéria já constava do quesito, nada pois, foi acrescentado.
O que foi acrescentado foi apenas a expressão “dado o custo da sua reparação” e a respectiva explicação. Todavia, esse acrescento decorre e contém-se dentro da expressão “real estado de funcionamento”, ou seja, não se provou que o preço da máquina naquele estado de mau funcionamento seria o aí indicado, mas apurou-se que, caso a máquina não fosse reparável, a substituição da transmissão teria o preço aí referido e ainda o custo dos restantes problemas de funcionamento.
Portanto, o mau funcionamento da máquina tinha um determinado custo que, se dele soubesse, a Autora não teria efectuado o negócio, daí que o acrescento feito pelo tribunal é decorrência da alegação feita pela apelada traduzida no binómio “mau funcionamento da máquina”/”decisão de contratar se dele soubesse”.
Entende igualmente a recorrente que este quesito deveria ter tido resposta negativa.
Diga-se, desde logo, que não existe qualquer contradição entre a resposta a este quesito e a matéria factual dos itens 36. e seguintes da fundamentação factual.
Uma coisa é saber se as varias de que a máquina padecia podiam ou não se reparadas e se, efectivamente, a recorrente tudo o fez para as reparar, outra coisa completamente distinta é saber se, a Autora recorrida, teria celebrado o negócio se tivesse conhecimento do real estado do seu funcionamento e pelo referido valor.
Como assim, os depoimentos testemunhais que a Ré recorrente indica para que se altere a resposta a este quesito, são de todo irrelevantes, já que, todos eles se referem à questão da resolução dos problemas de funcionamento que a máquina apresentava e, mais concretamente, às tentativas que a recorrente fez para proceder à sua reparação.
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Quesito 52º
Este quesito tinha a seguinte redacção:
Na data em que o técnico da Autora examinou a máquina em Valência, em Dezembro de 2009, já se encontrava colocada no chassis da máquina … e à vista de todos a chapa de características técnicas?”.
A este quesito o tribunal respondeu “não provado”.
Refere a recorrente que a reposta ao mencionado quesito deveria ter sido positiva.
Na fundamentação desta resposta o tribunal recorrido discorreu do seguinte modo: “Não se deu como provado o facto quesitado em 52 porque a única testemunha que mostrou ter conhecimento dito na matéria (D…), disse ao tribunal que não viu a dita chapa, limitando-se a observar o aspecto exterior da grua”.
Dúvidas não existem de que a fotografia junta com a petição inicial como documento nº 10 evidencia que máquina tinha colocada a chapa das características técnicas no chassis.
Ora, o que se perguntava no quesito em causa era se, à data que o técnico da Autora (testemunha D…) examinou a máquina em Valência, em Dezembro de 2009, já se encontrava nela colocada e no chassis tal placa.
A testemunha em causa respondeu que não altura não viu a chapa em causa, o que não significa que não estivesse colocada.
Por sua vez a testemunha F… refere o contrário, ou seja, que a máquina, aquando da visita daquele técnico, já tinha a dita chapa.
Evidentemente que não existe prova concludente quer num sentido quer noutro, todavia, na dúvida sobre a realidade de tal facto a resposta não pode deixar de ser negativa (cfr. artigo 516.º do ACPCivil-actual 415.º do NCPCivil) pois que, o facto aproveitava à recorrente.
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Quesito 54º
Este quesito tinha a seguinte formulação:
No domínio do comércio de máquinas e equipamentos industriais, o que releva é o ano da entrada dos equipamentos no circuito comercial, e não a data da fabricação dos respectivos componentes?”
A este quesito o tribunal respondeu “não provado”.
Alega a recorrente que a resposta a este quesito deveria ter sido positiva.
Na fundamentação da resposta a este quesito o tribunal verteu o seguinte:
“Respondeu-se negativamente ao facto vertido no quesito 54 pelos motivos indicados na resposta ao quesito 53. Acrescenta-se, apenas, que a própria testemunha F… admitiu ao tribunal que o ano de fabrico de uma máquina não é irrelevante para efeitos comerciais (sobretudo se a data do fabrico não for próxima do momento da introdução da máquina no comércio) e que a testemunha D… (mecânico e com experiência no comércio de máquinas) confirmou a relevância da data de fabrico”.
Esta fundamentação corresponde aos depoimentos testemunhais prestados, pelo que não se vê como deles a recorrente pretende extrair uma asserção factual diversa, isto é, que o ano de fabrico não é importante!
É que, a partir do ano de fabrico sabe-se, pelo menos, que nessa data pôde entrar no circuito comercial, ou seja, que pôde começar a ser utilizada e isso é, como afirma a testemunha F…, importante.
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Decorre do exposto que a apreciação da Mmª Juiz-efectivada no insubstituível contexto da imediação da prova-, surge-nos, assim, como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando por isso a respectiva alteração.
O presente caso, manifestamente, não se reconduz, pois, a um daqueles casos flagrantes e excepcionais em que-como vimos-essa alteração é de ocorrência forçosa, por ter havido, na primeira instância, um manifesto erro na apreciação da prova, uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.
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Como assim, temos de convir que, ouvidos os depoimentos indicados pela recorrente, não são de molde a sustentar a tese que por ela vem expendida, pese embora se respeite a opinião em contrário veiculada nesta sede de recurso, havendo que afirmar ter a Mmª juiz captado bem a verdade que lhe foi trazida ao processo, com as dificuldades que isso normalmente tem, não existindo, portanto, fundamento probatório convocado pela recorrente para que este tribunal altere a decisão da matéria factual dada como assente pelo tribunal recorrido.
Numa apreciação distante, objectiva e desinteressada esta é a única conclusão lícita a retirar, reflectindo a fundamentação dos factos provados e não provados os meios probatórios trazidos aos autos que não podiam conduzir a conclusão diversa, que sempre teria de ser alicerçada em certezas e sem margem para quaisquer dúvidas.
Conclui-se, por isso, que o tribunal de forma fundamentada, fez uma análise crítica e ponderada todos os meios probatórios, e, reavaliada essa prova, apenas haverá que sufragar tal decisão.
Consequentemente, no que a esta questão concerne, impõe-se a improcedência do recurso.
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b)- Não havendo alteração da matéria factual fixada pelo tribunal recorrido, vejamos então se dela não foi feita uma correcta subsunção jurídica, como advoga a apelante.

Não sofre dúvida, nem isso bem posto em causa, que a relação contratual que se estabeleceu entre a recorrente e recorrida se materializou num contrato de compra e venda que teve por objecto uma máquina grua da marca "…", modelo "…", com o número de série ……………...
Acontece que, sendo a Ré recorrente, na qualidade de vendedora, uma sociedade de direito espanhol tendo aí a sua sede a Autora recorrida na qualidade de compradora uma sociedade de direito portuguesa e, não tendo as partes escolhido qual a lei a aplicar, há que ter em conta o disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa que manda atender às normas emanadas das instituições da União Europeia acerca da definição da lei aplicável às obrigações contratuais.
Ora, dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008, publicado no Jornal Oficial L177, de 04.07.2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), que “ na falta de escolha (…), a lei aplicável aos contratos é determinada do seguinte modo: a) o contrato de compra e venda de mercadorias é regulado pela lei do país em que o vendedor tem a sua residência habitual” (sublinhado e negrito nossos).
Do exposto resulta, portanto, que a lei aplicável ao contrato outorgado pelas partes é a lei espanhola, aliás, a idêntica solução se chegava se fizéssemos apelo às regras de conflito portuguesas, embora atendendo a um critério de conexão distinto–o lugar da celebração do contrato.
Com efeito, dispõe no n.º 2 do artigo 42.º do Código Civil que “na falta de residência comum, é aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a lei do lugar da celebração”.
Por outro lado, importa ainda chamar à colação à Convenção das Nações Unidas sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadorias, aprovada em 11.04.1980, numa conferência diplomática em Viena, sob a égide da Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional, que entrou em vigor em 01.01.1988 e que a Espanha ratificou mas não Portugal.
No âmbito deste regulamento, há que atender ao artigo 12.º por ser relevante para a resolução de várias questões suscitadas no presente processo.
Dispõe esse preceito que “a lei aplicável ao contrato por força do presente regulamento regula nomeadamente: a) a interpretação; b) o cumprimento das obrigações dele decorrentes; c) nos limites dos poderes atribuídos ao tribunal pela respectiva lei de processo, as consequências do incumprimento total ou parcial dessas obrigações, incluindo a avaliação do dano, na medida em que esta avaliação seja regulada pela lei; d) as diversas causas de extinção das obrigações, bem como a prescrição e a caducidade; e) as consequências da invalidade do contrato” (n.º 1) e que “quanto aos modos de cumprimento e às medidas que o credor deve tomar no caso de cumprimento defeituoso, deve atender-se à lei do país onde é cumprida a obrigação”.
Portanto, quanto ao incumprimento do contrato e às suas consequências, assim como aos factos extintivos da obrigação, incluindo a prescrição e a caducidade–suscitadas nos presentes autos–é de aplicar a lei espanhola.
No que concerne ao ónus da prova, há que atentar no n.º 1 do artigo 18.º do Regulamento, que estipula que “a lei que regula a obrigação contratual, por força do presente regulamento, aplica-se na medida em que, em matéria de obrigações contratuais, contenha regras que estabeleçam presunções legais ou repartam o ónus da prova”.
Isto dito e tendo em conta, como supra se referiu, que as partes celebraram um contrato de compra e venda, tendo por objecto uma máquina (grua) as normas a que temos de fazer apelo são os artigos 1445.º e seguintes do Código Civil espanhol.
Dispõe o artigo 1461.º do citado diploma que:
“El vendedor está obligado a la entrega y saneamiento de la cosa objeto de la venta”.
Por seu turno, dispõe o artigo 1468.º no primeiro § que:
“El vendedor deberá entregar la cosa vendida en el estado en que se hallaba al perfeccionarse el contrato”.
Acrescentam os artigos 1474.º e 1485.º, respectivamente, que:
“En virtud del saneamiento a que se refiere el art. 1461, el vendedor responderá al comprador:
1º) De la posesión legal y pacífica de la cosa vendida.
2º) De los vicios o defectos ocultos que tuviere”.
“vendedor responde al comprador del saneamiento por los vicios o defectos ocultos de la cosa vendida, aunque los ignorase.
Esta disposición no regirá cuando se haya estipulado lo contrario, y el vendedor ignorara los vicios o defectos ocultos de lo vendido”
Portanto, o vendedor responde perante o comprador pelos vícios ou defeitos ocultos que a coisa vendida tiver, ainda que os ignorasse.
Por outro lado nos termos previstos no artigo 1484.º do mesmo diploma:
“El vendedor estará obligado al saneamiento por los defectos ocultos que tuviere la cosa vendida, si la hacen impropia para el uso a que se la destina, o si disminuyen de tal modo este uso que, de haberlos conocido el comprador, no la habría adquirido o habría dado menos precio por ella; pero no será responsable de los defectos manifiestos o que estuvieren a la vista, ni tampoco de los que no lo estén, si el comprador es un perito que, por razón de su oficio o profesión, debía fácilmente conocerlos.”
Ou seja, o vendedor está obrigado a “sanear” os defeitos ocultos que a coisa vendida tiver, se os mesmos a tornam imprópria para o uso a que se destina ou se diminuem de tal forma este uso que, se fossem conhecidos do comprador, não a adquiriria ou teria pago por ela um preço inferior, mas o vendedor não será responsável pelos defeitos manifestos ou que estivessem à vista, nem tão pouco pelos que não estivessem, se o comprador for um perito que, em razão do seu ofício ou profissão, devesse facilmente conhecê-los.
Aqui chegados, a primeira discordância da Ré recorrente com a sentença recorrida, prende-se com a aplicação do artigo 1484.º.
Diz a Ré recorrente que Apelada não alegou, nem muito menos demonstrou, que os defeitos em que suporta a sua pretensão fossem desconhecidos, mormente que a máquina não estivesse operacional ou que nela não se encontrasse aposta a placa com as características técnicas onde consta o ano de fabrico da máquina.
Nessa medida, refere, não se tendo demonstrado tratarem-se de defeitos ocultos, antes tratando-se de defeitos aparentes, a A., à luz da disposição do CCE espanhol acima citada, não tem o direito cuja verificação pretende no âmbito da presente acção.
Não podemos acompanhar semelhante entendimento.
Deixemos de lado a questão da placa com as características técnicas uma vez que, na sentença recorrida, não se retirou qualquer efeito jurídico quanto à desconformidade do ano de fabrico.
Centremo-nos, então, na questão dos defeitos de que a máquina padecia.
Está provado nos autos que a máquina tinha problemas no funcionamento da transmissão, dos hidráulicos, das luzes de sinalização e funções, bem como a inexistência do manual da máquina, com os esquemas eléctricos, pneumático e mecânico (facto descrito em 15.).
Está igualmente assente que tais problemas de funcionamento tornavam imprópria para a sua função normal e para o uso concreto a que a mesma era destinada.
Efectivamente, a máquina estava destinada a operar no terminal da autora, que se dedica à actividade de transportes rodoviários de mercadorias (cfr. facto descrito 1. e ainda as declarações insertas no contrato a que se refere o facto provado n.º 4.), mas não pôde ser utilizada pela autora para esse efeito (cfr. facto descrito em 22.), tendo que proceder, por esse motivo, ao seu parqueamento (cfr. facto descrito em 23.).
A questão que agora se coloca é se os defeitos, supra referidos, se devem considerar ocultos, como se entendeu na decisão recorrida, ou se, pelo contrário, como defende a recorrente, tais defeitos não eram ocultos.
Diz o nº 2 do artigo 1484.º do CCE, acima transcrito, que o vendedor não será responsável pelos defeitos manifestos ou que estivessem à vista, nem tão pouco pelos que não estivessem, se o comprador for um perito que, em razão do seu ofício ou profissão, devesse facilmente conhecê-los.
Não pode oferecer dúvidas que os referidos defeitos de que a máquina padecia fossem manifestos ou que estivessem à vista.
E podia a Autora facilmente conhecê-los?
Está provado nos autos que a Autora exerce a actividade de transportes rodoviários de mercadorias (facto descrito em 1.)
Portanto, da actividade exercida pela Autora, não se pode concluir, sem mais, que tivesse alguém ao seu serviço perito em gruas que pudesse facilmente conhecer tais defeitos.
É certo que, no âmbito das negociações ocorridas entre as partes, a Autora enviou um mecânico, D…, em Dezembro de 2009, às instalações da L…, para examinar a máquina e, após tal verificação a Autora deu indicação à ré que tinha interesse na aquisição da máquina pelo valor de € 125.000,00 (factos descritos em 29. e 30.).
Mas estava tal mecânico habilitado, após esse exame, de concluir que a máquina padecia dos defeitos atrás enunciados?
Evidentemente que esses defeitos, não podiam ser detectados através do simples exame da maquina, ainda que tal exame fosse feito por um mecânico.
E tanto assim era, que nem pela equipa técnica especializada que, depois da celebração do contrato, procedeu à montagem da máquina nas instalações da autora–equipa esta que, inclusivamente, ligou a máquina, na presença de funcionários da Autora (cf. o facto provado n.º 35)–, nem sequer pelos técnicos da Ré que observaram a máquina depois de a Autora reclamar, pois o problema na transmissão só podia ser confirmado pela abertura e desmontagem da mesma (cf. os factos provados nºs 45. e 50., sendo de salientar que em 07.04.2010 a própria Ré escreveu, em fax dirigido à autora, dizendo que a falha da 2.º e da 3.ª velocidades “está oculta”).
Acresce que, também nada se provou nos autos que permita concluir que tais defeitos inexistiam à data da outorga do contrato. Tudo aponta, aliás, em sentido contrário: os defeitos foram detectados no dia seguinte ao da montagem da máquina (cf. os factos provados n.ºs 15. e 34.) e a Ré, após reclamação da Autora, reconheceu a existência dos mesmos, tendo inclusivamente feito algumas diligências para proceder à sua reparação (cfr. os factos provados n.ºs 17., 36., 38., 40., 42., 43., 45., 46., 47., 49. e 50.).
Diante do exposto, como se pode dizer que os defeitos que a máquina padecia, não eram ocultos?
Deveria o mecânico que a Autora enviou para examinar a máquina deles se ter apercebido quando o problema na transmissão só podia só podia ser confirmado pela abertura e desmontagem da mesma?
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Improcede, pois, também nesta parte o recurso.
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Defende também a Ré recorrente à luz do que determina o art.º 1490.º do Código Civil espanhol, os direitos alegados pela Apelada, ainda que existissem ter-se-iam extinguido por caducidade, inexistindo à data da propositura da presente acção.
Vejamos.
Ao prazo de exercício do direito de acção, é aplicável, no caso concreto, como já acima se referiu, a lei espanhola–cfr. a alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º do Regulamento Roma I.
Estatui o artigo 1490.º do CCE que:
“Las acciones que emanen de lo dispuesto en los cinco artículos precedentes se extinguirán a los seis meses, contados desde la entrega de la cosa vendida” (negrito e sublinhado nossos).
Nestas acções estão também as incluídas no artigo 1485.º, que dispõe:
“vendedor responde al comprador del saneamiento por los vicios o defectos ocultos de la cosa vendida, aunque los ignorase”.
“Esta disposición no regirá cuando se haya estipulado lo contrario, y el vendedor ignorara los vicios o defectos ocultos de lo vendido”.
Ora, aquele artigo 1490.º constitui uma disposição especial que afasta a regra geral prevista no artigo 1969.º do mesmo Código e que dispõe:
“El tiempo para la prescripción de toda clase de acciones, cuando no haya disposición especial que otra cosa determine, se contará desde el día en que pudieron ejercitarse”. (negritos e sublinhados nossos).
No caso concreto, provou-se que a máquina foi entregue à Autora em 28.01.2010, pelo que os seis meses acima referidos se começaram a contar nessa data e, portanto, quando a acção deu entrada-01-09-2010-esse prazo já tinha decorrido.
Refere a recorrente que segundo a jurisprudência espanhola do Tribunal Supremo (citando para o efeito três arestos do Tribunal Supremo), o prazo estatuído no artigo 1490.º do CCE é um prazo de caducidade e não de prescrição e, como tal, não admite interrupções.
Não se concorda com tal entendimento, pese embora se respeite a opinião do Tribunal Supremo espanhol.
Com efeito, o artigo 1969.º do CCE refere-se ao prazo de prescrição em todo o tipo de acções, ou seja, também abarca as que o artigo 1485.º do mesmo diploma legal contempla.
Aliás, o artigo 1969.º está em consonância com os artigos 1930.º e 1961.º do CCE que dispõe, respectivamente:
“Por la prescripción se adquieren, de la manera y con las condiciones determinadas en la ley, el dominio y demás derechos reales.
También se extinguen del propio modo por la prescripción los derechos y las acciones, de cualquier clase que sean (negrito e sublinhados nossos).
“Las acciones prescriben por el mero lapso del tiempo fijado por la ley.”
Portanto, resulta dos citados textos legais que a perda do direito à acção por decurso do tempo em todo o tipo de acções não configura uma situação de caducidade (como sucede no direito português-cf. o n.º 2 do artigo 298.º, o artigo 917.º e n.º 4 do artigo 921.º do Código Civil), mas sim de prescrição.
É pois, nosso entendimento que o defendido pela recorrente apoiada na Jurisprudência do Tribunal Supremo do país vizinho, não tem qualquer correspondência nos textos legais, pois que, não se descortina qual a razão para que o prazo estatuído no artigo 1490.º do CCE não seja também de prescrição, quando a lei refere que todo o tipo de acções estão sujeitas a prescrição, não fazendo qualquer referência à caducidade.
O que aquele artigo 1490.º estabelece é, como já se referiu, um regime especial que afasta a regra geral prevista no artigo 1969.º, de que o prazo de “prescrição” das acções se conta desde o dia em que se pôde exercitar o direito, na falta de norma especial que determine outra coisa, todavia, aí não se refere, como seria de esperar, que esse prazo é de caducidade e não de prescrição.
Efectivamente, consignando-se aí um regime especial quanto ao modo de contagem do prazo, era normal que o legislador, pretendendo que esse prazo não fosse de prescrição, como se estabelece para todo o tipo de acções, que aí o dissesse também de forma expressa.
Somos, pois, de entendimento que, salvo outro e melhor entendimento que, o prazo para o exercício do direito neste tipo de acções é um prazo de prescrição e não de caducidade.
Parece ser também este o entendimento de Pedro Romano Martinez[9] quando refere “Também no direito espanhol (artigos 1472.º e 1490.º) relacionou-se o prazo limite de garantia, fixado em seis meses, com a prescrição da acção judicial”(sublinhado e negrito nossos).
Ora, dispõe o artigo 1973.º do CCE que:
“La prescripción de las acciones se interrumpe por su ejercicio ante los Tribunales, por reclamación extrajudicial del acreedor y por cualquier acto de reconocimiento de la deuda por el deudor”.
Decorre deste preceito que a lei espanhola estabelece como causas de interrupção do decurso do prazo de prescrição as seguintes:
- O exercício do direito de acção nos tribunais;
- A reclamação extrajudicial do credor ou titular do direito;
- O reconhecimento pelo devedor do direito do credor ou titular do direito.
Entre nós, as causas de interrupção da prescrição encontram-se consagradas nos art.ºs 323.º 1 e 325.º do C.Civil, no primeiro prevendo-se que a citação se interrompe pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito, e no segundo que é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuada perante o respectivo titular por aquele contra o direito pode ser exercido.
Parece assim, que apesar das soluções legais serem próximas, a lei espanhola vai mais longe, prevendo também, como causa de interrupção, a simples reclamação extrajudicial do credor.
No que concerne aos efeitos da interrupção relativamente ao prazo de prescrição interrompido, não se encontra no Código Civil espanhol norma semelhante à que consta do art.º 326.º do nosso Código Civil, do qual decorre, como efeito daquela, a inutilização de todo o tempo decorrido para a prescrição, com o início de novo prazo a partir do acto interruptivo, estando este sujeito a prazo da prescrição primitiva.
Porém, o facto do código civil espanhol não ter norma expressa, não significa, nem de resto faria sentido, que da interrupção não resultem efeitos. Com efeito, se nenhuns efeitos resultassem da interrupção, então seria inútil a lei espanhola estabelecer causas de interrupção, como o faz no artigo 1973.º
A prescrição tem por fonte um facto, o decurso do tempo. E, verifica-se quando nesse período temporal definido pela lei o titular do direito não o exerce. A prescrição é determinada no interesse do devedor ou sujeito passivo da relação jurídica, e supõe a negligência ou inércia do titular do direito, o que inculca a sua renúncia e o torna por isso, indigno de protecção jurídica.
Como se refere em Acórdão do STJ de 13/10/2010[10], o fundamento da prescrição é a inércia do respectivo titular, que significa, ou renúncia ao seu direito ou, de qualquer maneira, o torna indigno de protecção jurídica.
Decorrido o prazo de prescrição fixado pela lei o direito deixa de poder ser exercido. Para evitar esse efeito, exige-se que o titular do direito realize determinados actos, tipificados na lei, entendendo-se que estes manifestam o propósito daquele em exercer o direito. Dito de outro modo, a verificação de uma causa de interrupção significa que o titular do direito manifestou, nos termos que a lei considera idóneos, o interesse em o exercer, ou seja, diligenciou adequadamente para garantir o exercício do direito. Nesse caso, em coerência lógica com as razões que leva a lei espanhola a fixar um prazo para o exercício daquele direito-que são as também subjacentes à nossa lei-a diligência do titular do direito faz necessariamente recomeçar novo prazo, como se o prazo interrompido não tivesse existido.
Este efeito encontra o seu fundamento num dos elementos característicos da prescrição, isto é, a inércia do titular do direito; e, concomitantemente, na sua finalidade, ou seja, o interesse do sujeito passivo. Ao exercer o direito o titular afasta a prescrição, impedindo que o decurso do prazo possa continuar, mas é necessário que um novo prazo se inicie, para impedir que a uma actuação diligente se possa seguir o contrário.
Justamente por isso não há norma expressa no Código Civil espanhol, uma vez que é desnecessária, não há, assim, qualquer lacuna.
Isto dito, no caso concreto, releva a circunstância de a autora ter denunciado extrajudicialmente os defeitos à Ré, em 29.01.2010, e reiterado essa denúncia, em 02.02.2010 (cfr. o facto descrito em 16.).
Também releva igualmente a circunstância de a ré ter reconhecido a existência desses problemas, em Fevereiro e Março de 2010 (cfr. facto descrito em 17.).
O prazo para a propositura da ação interrompeu-se, pois, nessas datas, começando, então, a contar novo prazo de “prescrição”.
A partir dessas datas, seguiu-se um período de contactos entre a Autora e a Ré, no sentido de resolver as avarias verificadas ou resolver o contrato e devolver a máquina e o preço, período esse que terminou em 07.04.2010, com o envio de um fax, da Ré à Autora, dizendo, entre o mais, “desde este momento podemos confirmar que não vamos recolher a máquina das vossas instalações” (cfr. factos descritos em 16., 17., 20. e 36. a 50.).
Ora, tendo em conta que a presente acção foi proposta em 01.09.2010 (cf. fls. 37), não foi ultrapassado o prazo de prescrição previsto no artigo 1490.º do CCE.
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Improcedem, também aqui, as conclusões recursórias formuladas pela apelante.
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Refere, por último, a recorrente que não se demonstrou que o ano de fabrico da máquina fosse essencial para a decisão de contratar, à luz do princípio da boa fé apenas poderia a Autora exigir da Ré a reparação dos defeitos e, apenas se demonstrando que tais defeitos se não revelavam susceptíveis de reparação, reclamar algum dos demais direitos que legalmente a lei reconhece ao comprador em caso de venda de coisa defeituosa.
Analisando.
O que a Ré recorrente põe agora em causa é se a Autora, em vez da resolução do contrato, não deveria ter pedido a reparação dos defeitos.
Também aqui como já se sublinhou a lei aplicável a esta matéria é a espanhola e não a portuguesa-cfr. a alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º do Regulamento Roma I.
Nesta matéria estatui o artigo 1486.º do CCE que:
En los casos de los dos artículos anteriores, el comprador podrá optar entre desistir del contrato, abonándosele los gastos que pagó, o rebajar una cantidad proporcional del precio, a juicio de peritos.
Si el vendedor conocía los vicios o defectos ocultos de la cosa vendida y no los manifesto al comprador, tendrá éste la misma opción y además se le indemnizará de los daños y perjuicios, si optare por la rescisión”.
Como decorre do petitório A Autora solicitou, além do mais, a declaração da resolução do contrato de compra e venda e a condenação da Ré a restituir o preço pago (€ 125.000,00), acrescido de juros moratórios, ou, em alternativa, a redução do preço (no mínimo, em € 50.000,00) e a condenação da Ré a reparar a máquina (em prazo não superior a 30 dias) e a restituir à autora a diferença do preço, com juros moratórios.
Na sentença recorrida deu-se, apenas acolhimento ao primeiro dos pedidos formulados.
Vejamos, pois, se havia ou não justificação para a resolução do contrato.
Quando a autora constatou a existência dos defeitos, em 29.01.2010, denunciou-os à Ré e, tendo esta acedido a proceder à reparação, em Fevereiro e Março de 2010, esperou até 30.03.2010 que a mesma se concretizasse, tendo nesse período havido vários contactos entre as partes acerca da reparação das avarias (factos descritos em 15. a 17. e 36. a 49.).
Como as avarias não foram reparadas, a Autora perdeu o interesse na manutenção do contrato (cfr. os factos descritos em 19. e 21.) e decidiu pôr-lhe termo-o que comunicou à ré, por carta, que esta recebeu, pedindo-lhe a devolução do preço e o levantamento da máquina das suas instalações (cfr. facto descrito em 20., que remete para o documento n.º 11 junto com a petição inicial, onde consta, entre o mais, que a autora concedeu à ré o prazo de cinco dias para levantar a máquina e restituir o preço, sob pena de propositura de acção judicial).
Esta conduta, ajusta-se à previsão do § 1 do artigo 1486.º do CCE atrás transcrito.
Mas seria ela justificada?
A Ré recorrente garantiu antes e aquando do contrato que a máquina estava 100 % operacional (cfr. os factos descritos em 4., 10. e 11.).
Ora, tendo a Autora confiado na veracidade de tais declarações decidiu comprá-la (cfr. facto descrito em 11.), tendo aquela pagou a totalidade do preço–€ 125.000,00 (cfr. facto descrito em 3.).
Está assente nos autos que a máquina tem problemas no funcionamento da transmissão, dos hidráulicos das luzes de sinalização e funções (cfr. facto descrito em 15,), sendo que, a Autora não pôde utilizar a máquina para os fins que a comprou e necessitava dela para o exercício da sua actividade (cfr. factos descritos 1. e 4.-na parte das declarações das partes que constam do documento referido nesse facto– e 22.).
Acontece que, a Ré em vez de enviar às instalações da Autora um técnico para reparar as avarias, insistiu várias vezes por mensagem de correio electrónico que a Autora fornecesse mais detalhes sobre as mesmas (cfr. factos descritos em 36., 38., 40., 42. e 43.).
A Autora explicou à ré que não sabia dar mais detalhes sobre as avarias (cfr. facto descrito em 41.), sendo por isso irrelevante a falta de resposta às perguntas da Ré, constante do facto descrito em 44.
Perante isto, a Ré só enviou um técnico para ver a máquina em 01.03.2010, ou seja, mais de um mês depois da entrega da mesma e da reclamação da existência de avarias (cfr. facto descrito em 45.).
O técnico da ré que foi examinar a máquina limitou-se a constatar que era necessário abrir e desmontar a transmissão, mas não fez essa tarefa nem procedeu a qualquer reparação, na transmissão ou nas demais coisas avariadas (cfr. facto descrito em 45.).
A Ré disponibilizou-se, em 08.03.2010, para recolher a transmissão e comunicou à Autora que a contactaria logo que soubesse quando ia enviar os técnicos e o orçamento de reparação (cfr. facto descrito em 46.).
Neste ínterim em 22.03.2012, a Ré envia um técnico às instalações da Autora, mas esta não permite que a transmissão seja desmontada.
Dir-se-á, perante esta não permissão, como pedir depois a resolução do contrato se a Ré pretendia reparar os defeitos?
Todavia, não pode esta conduta da Autora ter como efeito a paralisação do pedido resolutório por ela formulado.
Na verdade, a Ré havia feito uma referência a um orçamento de reparação e o que a Autora pretendia é que a Ré procedesse às reparações necessárias, a expensas suas, visto que a máquina não estava em conformidade com o que havia sido contratado, além de que Autora já havia alertado a Ré para o facto de, face à não reparação das avarias, ir pedir a intervenção do representante do fabricante para esse efeito (cfr. factos descritos em 41.–parte final–46.º, 47. e 48.), intervenção essa que veio a ocorrer em 25.03.2010 (cfr. facto descrito em 18.).
Diante deste quadro factual temos de convir que, face ao uso profissional a que a máquina era destinada, ao valor elevado do preço pago, à gravidade das avarias (impeditivas do seu uso), à conduta da Ré posterior ao contrato e à ausência de qualquer reparação volvidos dois meses, justifica-se a perda objectiva na manutenção do contrato, sendo legalmente admissível à Autora desistir do contrato (cfr. o § 1 do artigo 1486.º do CCE).
Diz a recorrente que, com base no princípio da boa fé estatuído no artigo 7.º no primeiro § do CCE, é abusiva a resolução do contrato já que se logrou provar que a reparação da máquina era possível.
Como decorre do primeiro § do artigo 1486.º do CCE, que atrás se transcreveu, em caso de cumprimento defeituoso da obrigação, o comprador pode optar entre:
a) desistir do contrato e ser reembolsado do que pagou e;
b) reduzir proporcionalmente o preço, a determinar por juízo pericial.
Não prevê, pois, a lei espanhola a possibilidade de o comprador solicitar a reparação ou eliminação dos defeitos.[11]
Efectivamente, as medidas de reparação no direito espanhol são definidas principalmente pela Sala Civil do Tribunal Supremo.
Como salienta José Maria Bech Serrat[12] a partir de um amplo poder discricionário, o Supremo Tribunal submete o exercício de tais recursos a um juízo de razoabilidade, especialmente em sede contrato de empreitada de imóveis, com base na exigência de um exercício dos direitos da boa-fé.
Ora, a Ré recorrente fazendo apelo ao principio da boa-fé e, tendo-se logrado provar que a reparação é possível e que ela não se recusou a realizá-la, conclui que a apelada, ao lançar mão da resolução, age em manifesto abuso de direito.
Não cremos, salvo outro e melhor entendimento, que assim seja.
Estatui o artigo do 7.º do CCE que:
1. Los derechos deberán ejercitarse conforme a las exigencias de la buena fe.
2. La ley no ampara el abuso del derecho o el ejercicio antisocial del mismo. Todo acto u omisión que por la intención de su autor, por su objeto o por las circunstancias en que se realice sobrepase manifiestamente los Iímites normales del ejercicio de un derecho, com daño para tercero, dará lugar a la correspondiente indemnización y a la adopción de las medidas judiciales o administrativas que impidan la persistencia en el abuso”.
Acontece que, face ao que acima se expôs à recorrida não era exigível que optasse por esse caminho.
E, não o era, tendo em conta o comportamento da recorrente dentro do programa negocial, sobretudo, na demora em se inteirar dos defeitos de que a máquina padecia, quando tinha garantido a 100% a sua operacionalidade, sendo que, nada se provou nos autos que permita concluir que tais defeitos inexistiam à data da outorga do contrato, aliás, foram detectados no dia seguinte ao da montagem da máquina.
Evidentemente que, face aos valores envolvidos na aquisição da máquina, qualquer comprador colocado na posição da recorrida que, passados quase dois meses, ainda não tivesse a máquina com aptidão para se utilizada para aquilo que a havia destinado, com a agravante de que só 08.03.2010 a Ré recorrente se dispôs a recolher a transmissão, teria optado por termo ao contrato, tanto mais que nessa decisão sempre teria de estar latente a imprevisibilidade do tempo em que a máquina continuaria paralisada para reparação, com os inerentes prejuízos que isso continuava a acarretar.
Neste caso não se poderá dizer que a recusa, não inteiramente demonstrada, como supra se referiu, da reparação da máquina se revelava caprichosa do ponto de vista da Autora recorrida, pois que, a Ré recorrente já tinha tido, até àquela altura, tempo mais que suficiente para rectificar a inexactidão do seu cumprimento.
Destarte, não era, pois, exigível, nem mesmo apelando à boa fé e aos limites impostos por esta, que a recorrida permanecesse vinculada a um contrato onde a recorrente não tinha tido, ela própria, a lisura que se lhe impunha no cumprimento do programa negocial, com a agravante de ser sempre incerto, face aos graves defeitos de que a máquina padecia, de qual seria o desfecho da resolução do problema e o tempo necessário para o efeito.
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Face a todo o exposto improcede também neste segmento o recurso, havendo, assim que confirmar o sentenciado.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se, assim, a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 10 de Março de 2014
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
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[1] Abílio Neto, CPC Anotado, 22ª ed., pág. 948.
[2] Neste sentido, ver Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, 140 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 669.
[3] Cfr. Antunes Varela, obra citada pág. 670.
[4] Obra citada pag. 143.
[5] Em sentido diferente refere o Professor Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pag. 142 que a expressão «questões que devesse apreciar» deve “ser entendida em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e ás controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.”
[6] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[7] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[8] Miguel Teixeira de Sousa obra citada, pág. 348.
[9] In Cumprimento Defeituoso Em especial na Compra e Venda e Empreitada, Almedina, pág. 415.
[10] In www.dgsi.pt.
[11] Como, aliás, se não prevês noutros ordenamentos estrangeiros, como por exemplo o brasileiro, o francês e o italiano-cfr. Pedro Romano Martinez, obra citada pág. 376.
[12] Professor titular do Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Girona, in eparar y sustituir cosas en la compraventa; evolución y últimas tendencias, publicado em InDret Revista Para El Análisis Del Derecho, n.º 1/2010, consultado em http://www.indret.com/pdf/697-es.pdf.