Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2739/19.8T9VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MEIO DE CONTROLO À DISTÂNCIA
Nº do Documento: RP202107072739/19.8T9VFR.P1
Data do Acordão: 07/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: No crime de violência doméstica, a aplicação da medida de controle técnico à distância tem que ser fundamentada em factualidade especifica, não bastando a remissão para a ocorrência de episódios integrantes daquele tipo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2739/19.8T9VFR.P1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No processo comum (com intervenção do tribunal coletivo) n.º2739/19.8T9VFR do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 3, por acórdão proferido em 16/3/2021, foi decidido:
A.) Absolver o arguido B… da prática do crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), n.º 2, alínea a), 4 a 6, do Código Penal, de que vem acusado de ter praticado em relação ao seu filho C….
B.) Absolver o arguido B… da prática do crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 131.º, do Código Penal, de que vem acusado de ter praticado em relação a D… e convolado no crime de ameaça previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, declara-se extinto o respetivo procedimento criminal por falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal.
C.) Condenar o arguido B… pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo de:
i. um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), n.º 4 e n.º 5 do Código Penal, na pena de 3 [três] anos e 6 [seis] meses de prisão [em relação à ofendida E…];
ii. dois crimes de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, nas penas de, respetivamente, 3 [três] meses e 6 [seis] meses de prisão [em relação ao ofendido C…];
D.) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 3 [três] anos e 9 [nove] meses de prisão, suspensa na respetiva execução por quatro anos, subordinada:
i. a regime de prova, que assentará num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, que necessariamente imporá ao arguido as obrigações que venham a ser entendidas por necessárias designadamente nas áreas de resolução de problemas e gestão de conflitos em situações de adversidade, bem como de sensibilização para a importância do respeito da outra pessoa enquanto membro de relação conjugal ou familiar; e
ii. à condição de o arguido fazer o tratamento ao alcoolismo, caso venha a ser considerado clinicamente necessário pela entidade competente.
iii. à condição de o arguido, no prazo de dois anos e seis meses, a contar do trânsito em julgado deste acórdão, proceder ao pagamento das indemnizações devidas aos demandantes E… e C…, nos montantes que infra se indicarão e a comprovar, anualmente nos autos (a contar do trânsito em julgado deste acórdão), o pagamento que tenha feito, até então, a cada um dos demandantes.
E.) Pela prática do crime de violência doméstica condenar, ainda, o arguido B… nas seguintes penas acessórias:
i. proibição de uso e porte de armas pelo período de 4 [quatro] anos;
ii. proibição de contactos com a vítima E…, pelo período de 4 [quatro] anos, aí se incluindo o afastamento da residência e do local de trabalho da ofendida, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância (salvaguardando-se que o arguido possa excecionalmente contactar com a vítima E… unicamente se esta nisso previamente consentir de modo expresso, por meio de correio eletrónico ou meio escrito equivalente, e durando o contacto apenas enquanto aquela o pretender, ou seja, enquanto não revogar o seu
consentimento para o mesmo, tudo sem prejuízo do que vier a ser decidido em sede do processo de promoção e proteção pendente relativamente ao menor).
iii. obrigação de frequentar programa específico de prevenção da violência doméstica, a ministrar pela DGRSP.
F.) Mais se julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil, e, em consequência, condenar o arguido/demandado B… no pagamento à demandante E… da quantia de €1.500,00 [mil e quinhentos euros] e ao demandante C… da quantia de €1.000,00 [mil euros], a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescido tal montante dos juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data da notificação do arguido/demandado para contestar o pedido de indemnização civil até integral pagamento da quantia em dívida, à taxa legal que em cada momento vigorar para os juros civis, absolvendo-se o arguido/demandado do demais peticionado.
Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
I - O presente recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido B… na pena acessória de, “proibição de contactos com a vítima E…, pelo período de 4[quatro] anos, aí se incluindo o afastamento da residência e do local de trabalho da ofendida, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância”
II - A utilização de meios de vigilância electrónica do cumprimento de uma pena acessória de proibição de contacto com a vítima, prevista no artigo 152º, nºs 4 e 5 do Código Penal, e nos artigos 35º e 36º da Lei nº 12/2009 (na redacção conferida a Página 14 de 18 todos os normativos pela Lei n.º 19/2013, de 21-02) depende, não só da verificação de um concreto juízo de imprescindibilidade dessa medida para a protecção da vítima, mas também da obtenção de consentimento do arguido e das restantes pessoas identificadas no artigo 36º, a não ser que o tribunal, em decisão fundamentada, face às circunstâncias concretas, ponderando os valores em conflito, conclua que a aplicação daqueles meios técnicos se torna indispensável/imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.
III - Assim, a questão que se coloca é a de saber se se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a utilização de meios técnicos de controlo à distância para a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos e de aproximação com a vítima.
IV - Nos presentes autos, não houve qualquer diligência para obtenção do consentimento do arguido e das pessoas directamente afectadas com o eventual controlo por meios electrónicos, nomeadamente da vítima e da actual companheira do arguido que com o mesmo vive
V – Não tendo, o Tribunal a quo justificado sequer a dispensa de tal consentimento.
VI - É convicção do arguido que a sentença proferida nos presentes autos que versou sobre a aplicação de meios técnicos de controlo à distância, não se enquadra numa tentativa de salvaguarda da vítima, mas antes de (dupla) punição do arguido.
VII - Analisada a douta sentença proferida e a falta de fundamentação expendida pelo Tribunal a quo a esse propósito, terá de se concluir pela omissão de referência a quaisquer factos ou circunstâncias concretas indiciadores da existência de risco de continuação da actividade criminosa (que, aliás, também não resultam da matéria factual provada, sendo que, integrarão situações relevantes para a ponderação de decisão, neste domínio, por exemplo, de revelar comportamentos de ciúme e obsessão dirigidos à mesma, de não aceitar o termo da relação, a incapacidade de autocontrolo básico, etc.), passíveis de poder levar a concluir que, para a proteção dos direitos da vítima é imprescindível a utilização dos meios técnicos de controlo à distância.
VIII - Pelo que a falta de fundamentação expendida pelo Tribunal a quo se revela insuficiente, para poder fundamentar mesmo a dispensa de consentimento e a imposição ao arguido/recorrente da medida de fiscalização do cumprimento da pena acessória em que foi condenado, mediante a utilização daqueles meios técnicos, nos termos do disposto no n.º 7 do art.º 36.º da Lei 112/2009, de 16 de setembro, introduzido pela Lei n.º 19/2013, de 21-02.
IX - O Tribunal a quo estranhamente ignorou o facto não despiciendo para a situação sub judice e que é do respetivo conhecimento funcional (conforme se alcança dos relatórios sociais), de que o arguido e a assistente se encontram separados e o arguido refez a sua vida pessoal e amorosa com outra pessoa, tendo manifestado não manter qualquer interesse em algum relacionamento com a vítima.
X - Na decisão de suspender pelo período de quatro anos a pena de prisão aplicada ao arguido, o Tribunal a quo condicionou tal suspensão, entre outros deveres e regras de conduta, à proibição de “contactar, por qualquer meio, com a vítima..”
XI - Nesta conformidade, ainda que seja incontroverso que a proteção da vítima, no crime de violência doméstica, é de fundamental importância, não tendo o Tribunal a quo, na decisão sob recurso, aduzido fundamentação que permita a formulação de um juízo de imprescindibilidade da utilização dos meios técnicos de controlo à distância para fiscalização da pena acessória aplicada ao arguido/recorrente, e não resultando da matéria de facto provada, na decisão condenatória, factos concretos que o possam sustentar, impõe-se concluir que, não se mostram reunidos os pressupostos para que, dispensando o consentimento do arguido/condenado, haja lugar á utilização dos meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 36.º da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, introduzido pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro.
XII - A aplicação da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância dependia da demonstração de a mesma se mostrar imprescindível para a proteção da vítima, o que, contudo, não se mostra suficientemente observado na sentença recorrida.
XIII - A exigência da indispensabilidade e excecionalidade expressa no citado art. 35º da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, com as alterações da Lei nº 19/2013, de 21-02, é justificada, porquanto, esse controlo à distância restringe, de modo grave, os direitos, liberdades e garantias do arguido, tal como a sua dignidade, como ser humano, não se podendo olvidar, também, a necessidade, para a sua aplicação, do consentimento do arguido, que não foi sequer equacionado, na fase de julgamento, sendo que o mesmo não pode ser presumido.
XIV - Forçoso, é pois, concluir que, ainda que a defesa da vítima neste tipo de delitos seja fundamental e necessária, os pressupostos legais para a aplicação do meio de controlo à distância e o seu carácter da indispensabilidade, expressos no citado art. 35º da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, com as alterações da Lei nº 19/2013, de 21-02, não se mostram preenchidos, no caso sub judice.
XV - A imposição ao arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios de controlo à distância é desnecessária para as necessidades da punição, pois, a verdade é que, mesmo que existisse qualquer juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios electrónicos a verdade é que, é do conhecimento do Tribunal a quo que a situação entre o casal já está totalmente definida, encontrando-se terminada, como consta aliás dos factos provados.
XVI - Ademais a situação dos autos não é suficientemente grave para sustentar tal imposição.
XVII - A imposição ao arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios de controlo à distância da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida é, no caso, desnecessária para a finalidade pretendida, ou seja, para que a sanção principal satisfaça de forma adequada e suficiente as necessidades da punição, designadamente evitando eventuais comportamentos ilícitos por parte do arguido.
XVIII - E, na realidade, tendo por referência alguns casos recentes, noticiados nos diversos órgãos de comunicação social, tal imposição nem sequer tem a virtualidade de garantir a efetiva segurança da vítima.
XIX - No caso dos presentes autos é possível fazer um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que as condições de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foram impostas, são capazes de persuadir o mesmo a não contactar com a vítima e a afastar-se da casa ou do local de trabalho desta, bem como a não praticar novos factos da mesma natureza.
XX - Na sentença proferida nos presentes autos foram impostas condições para a suspensão da execução da pena de prisão que são de alguma forma similares e com consequências tão ou mais gravosas do que a própria pena acessória.
XXI - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância para fiscalização da pena acessória aplicada ao arguido afirma-se injustificada e socialmente estigmatizante, impossibilitando mesmo a plena readaptação social e profissional do arguido.
XXII – Decisão que se afigura de difícil compreensão, desde logo em face do condicionamento da suspensão da pena de prisão aplicada ao cumprimento pelo arguido, entre outras obrigações, da obrigação de entregar às vítimas as quantias de € 2.500 (dois mil quinhentos euros) até ao final do período da suspensão da execução da pena de prisão.
XXIII - Ou seja, tendo o Tribunal a quo feito um juízo de prognose favorável acerca da futura conduta do arguido, no sentido da inserção social e profissional do mesmo, suspendendo a pena de prisão aplicada, simultaneamente decretou, em sentido obviamente figurado, a morte civil e profissional do cidadão B….
XXIV - E com isso, contraditoriamente, o Tribunal a quo se não inviabilizou o cumprimento da referida obrigação, pelo menos dificultou-a sobremaneira.
XXV - Ainda que a defesa da vítima, neste tipo de delitos seja fundamental e necessária, os pressupostos legais para a aplicação do meio de controlo à distância e o seu carácter da indispensabilidade, expressos no artigo 35º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, com as alterações da Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro, não se mostram preenchidos no caso sub judice.
XXVI - A concreta situação destes autos não se mostra efetivamente susceptível de justificar a dispensa do consentimento, ao abrigo do disposto no n.° 7 do art.° 36.° da Lei 112/2009, de 16 de Setembro.
XXVII - O Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o disposto no artigo 152°, nºs 4 e 5, do Código Penal e nos artigos 35º, nº 1 e 36º, nºs 1 e 7 da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, no sentido de obrigatoriedade de tal medida.
Nestes termos e nos melhores de Direito e de Justiça e com o sempre Mui Douto Suprimento de Vªs Exªs., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
I – Revogar-se a douta sentença recorrida na parte em que sujeita o arguido ao controlo da execução da pena acessória aplicada mediante a utilização de meios de vigilância electrónica.
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve ser determinada a reabertura da audiência de discussão e julgamento e prolatado novo acórdão relativo apenas à parte da pena aplicável.
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P.Penal, o recorrente apresentou resposta ao parecer, reiterando a posição assumida no recurso que interpôs.
Também a demandante respondeu ao parecer, sustentando que a decisão recorrida deve ser confirmada.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Decisão recorrida
O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, a que se seguiu a respectiva fundamentação:
«DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido B… e a ofendida E… iniciaram uma relação de namoro no ano de 2006, passando, desde então, a viver em comunhão de leito, mesa e habitação.
2. Dessa união nasceu, no dia 30/12/2006, o ofendido C….
3. Sensivelmente entre os anos de 2009 e 2014, o arguido e os ofendidos estiveram emigrados em França, altura em que regressaram a Portugal, fixando residência no …, freguesia …, município de Oliveira de Azeméis.
4. Nessa altura, o arguido trabalhava como motorista internacional, estando ausente por períodos de cerca de quinze dias a três semanas.
5. No entanto, desde data não concretamente apurada, mas seguramente situada entre 30-dez-2014 e 30-dez-2015, tinha o seu filho C… 8 anos de idade, nos períodos em que regressava à residência comum, o que, geralmente, ocorria aos fins de semana, o arguido andava constantemente embriagado, alturas em que dirigia à ofendida E… expressões como “ANDAS SEMPRE METIDA COM OS VIZINHOS, SUA FILHA DA PUTA, DEVIAS ESTAR ERA NA CAMA. ANDAS-ME A BOTAR OS CORNOS, ANDAS-ME A TRAIR, VACA”.
6. Nessas alturas, embriagado e no decurso das discussões, o arguido partia objetos, sobretudo loiça na cozinha.
7. Pelo menos por duas vezes, tendo chegado a casa, embriagado, e porque a refeição que a ofendida E… lhe tinha preparado não era do seu agrado, o arguido pegou no prato com a comida e atirou-o para o exterior, dizendo à ofendida que não sabia cozinhar.
8. Nesses períodos em que se encontrava na residência comum, embriagado, o arguido apelidava constantemente a ofendida E… de “SUA FILHA DA PUTA”.
9. Nesses períodos, para se refugiar, a ofendida E… chegou a sair de casa, juntamente com o ofendido C…, tendo, pelo menos por sete vezes, passado a noite numa caravana que o casal possuía no quintal, e pelo menos por duas vezes, passado a noite em casa de um dos filhos já autonomizados, apenas regressando à residência quando soubesse que o arguido tinha voltado para o seu trabalho.
10. Em data não concretamente apurada, mas situada pelo menos em princípios do ano de 2019, já o arguido tinha mantido relacionamentos extraconjugais, na sequência de mais uma das referidas situações, a ofendida E… saiu da residência comum, levando consigo o ofendido C…, então com 12 anos de idade, passando ambos a viver numa casa da mãe do arguido, contígua à daquela.
11. Cerca de quatro meses depois, quando o arguido se encontrava em Portugal, dirigia-se para junto da casa onde agora residiam os ofendidos e, embriagado, além das expressões aludidas em 5. e 8., gritava constantemente para a ofendida: “ANDAS METIDA COM O MEU PAI, FILHA DA PUTA, EU FODO-TE TODA, O QUE É QUE ESTÁS AQUI A FAZER EM CASA DO MEU PAI E DA MINHA MÃE?”.
12. Uns dias antes de o menor C… ter ido para a I… (o que ocorreu a 06-nov-2019), quando se encontravam na vacaria existente na casa do pai do arguido, no …, na freguesia …, porque o ofendido C… se recusou ir tirar estrume, o arguido desferiu-lhe um pontapé numa das pernas, causando-lhe dores.
13. Apesar de os ofendidos estarem agora a viver na casa a que se alude em 10., durante o dia, quando o arguido estava ausente em trabalho, era a ofendida que se deslocava à residência comum para tratar do gado.
14. No decurso das discussões havidas entre o casal, o ofendido C… chegou a colocar-se entre os pais e pedia ao pai para não bater na mãe e tentava acalmá-lo, mas o arguido mandava-o sair, dizendo-lhe que não era nada com ele, tendo, pelo menos numa dessas vezes, em data não concretamente apurada mas seguramente posterior a setembro de 2019, empurrado o ofendido C….
15. Durante as referidas discussões, quer na residência comum, quer na residência a que se alude em 10, onde os ofendidos passaram a residir, o arguido desferia puxões de cabelo e socos no corpo da ofendida E… e agarrava-a, com força, pelos braços, e, nesta última referida residência, chegou, ainda, a desferir-lhe empurrões, na sequência do que a ofendida E… sofreu dores e hematomas.
16. Os ofendidos abandonaram a residência comum em inícios de 2019.
17. Em novembro de 2019, a ofendida E… foi acolhida numa F…, passando, a partir de dezembro de 2019, a viver em casa de um filho, em São João da Madeira.
18. Em 06 de novembro de 2019, no âmbito do processo de promoção e proteção n.º 665/19.0T8SJM, que corre termos no Juízo de Família e Menores de São João da Madeira, foi aplicada medida de acolhimento residencial do ofendido C…, situação que se manteve durante cerca de um ano.
19. Pelo menos por duas vezes, no período compreendido entre março e julho de 2020, o arguido dirigiu-se para as proximidades do G…, em São João da Madeira, local de trabalho da ofendida, nomeadamente, para a Rua …, aí a tendo esperado, e, pelo menos por duas vezes, frequentou a “H…”, sita na …, estabelecimento onde a ofendida se dirigia habitualmente, situada próxima do local da sua residência, com o intuito de que esta “desistisse” do presente processo e para conversar sobre o filho C…, o que causava à ofendida E… constante desassossego, medo e inquietação.
*
20. Em dia não concretamente apurado, de maio de 2020, cerca das 21 horas, quando se encontrava junto à residência onde habitava a ofendida E…, sita na Rua …, n.º …, na freguesia …, município de Santa Maria da Feira, o arguido, dirigindo-se ao ofendido D…, em tom firme e sério, disse que lhe ia dar uma coça, querendo com isso dizer que o iria agredir fisicamente.
21. O arguido agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, com o propósito, concretizado, de intimidar, amedrontar e importunar a ofendida E…, a quem sabia dever uma especial obrigação de respeito, bem como com o intuito de a atingir na sua integridade física, psíquica, e, ainda, na sua honra e consideração, causando-lhes medo e inquietação, o que conseguiu.
22. Sabia que praticava tais factos quer no interior da residência comum quer na residência da vítima e na presença do filho menor C….
23. Nas circunstâncias aludidas em 12. e 14., o arguido agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito de atingir a integridade física, do seu filho menor C…, o que conseguiu, causando-lhe dores.
24. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, ao proferir a expressão referida em 20., com foros de seriedade como o fez, sabia que a mesma era suscetível de provocar medo e inquietação e assim, prejudicar a liberdade de autodeterminação e decisão do ofendido D…, embora este não tenha sentido medo.
25. O arguido sabia que as suas condutas, supra descritas, eram proibidas e punidas por lei penal.
26. Desde julho de 2020 que o arguido não tem procurado ou de qualquer forma perturbado os ofendidos E… e C….
Do pedido de indemnização civil:
27. A ofendida E… é uma boa mãe, pessoa de bem, respeitada por todos, essencialmente, pelos filhos.
Como consequência direta e necessária, das supra descritas condutas do arguido/demandado:
28. Os demandantes E… e C… viviam em constante sobressalto, medo e inquietação, o que prejudicava a sua liberdade e autodeterminação.
29. Os demandantes E… e C… tiveram de se separar, com o respetivo acolhimento numa F… e num I…, facto que os deixou tristes e saudosos um do outro.
30. A demandante E… sofreu dores, sentiu-se angustiada, humilhada e receou perder o seu filho C….
31. O demandante C… sentiu-se revoltado, humilhado e angustiado com os descritos comportamentos do pai.
32. O demandante C… sentiu dores.
Da contestação:
33. O arguido vive do rendimento decorrente do seu trabalho.

Da situação pessoal do arguido:
34. No período a que se reportam os factos descritos na acusação, B… residia com a ofendida no presente processo, E… e o filho de ambos C…, atualmente com 14 anos de idade.
35. Durante o tempo de vivência em comum, alternaram a residência no …, Freguesia … com um período de cerca de 6 anos em França, onde o arguido trabalhou por conta própria na área da construção civil e, mais tarde, como motorista de longo curso.
36. B… é o mais velho dos dois filhos do casal progenitor, tendo crescido no seio de uma família referenciada na localidade como trabalhadora.
37. O pai era proprietário de uma empresa de construção civil, tendo há cerca de 20 anos optado por se dedicar à agricultura e à criação de gado bovino, que ainda mantém de forma intensiva, agora em parceria com o arguido.
38. B… refere ter concluído o 8º ano de escolaridade, abandonando o sistema de ensino aos 13 anos para trabalhar na construção civil junto do progenitor, onde se manteve por alguns anos.
39. Após a maioridade e a obtenção da habilitação para conduzir veículos pesados, começou a trabalhar como motorista de longo curso, trabalhando em várias empresas do ramo.
40. Presentemente, os ofendidos E… e C… residem em S. João da Madeira, num apartamento arrendado pelo filho mais velho da ofendida.
41. No meio sócio residencial, pequeno de características rurais, B… é visto com muitas reservas sendo referenciado como um individuo violento, com défices de empatia e comportamentos intimidatórios, que se estenderão à própria família, nomeadamente aos pais, que manipulará desde tenra idade.
42. Presentemente, o arguido desenvolve a sua atividade profissional em parceria com os progenitores, os quais fazem criação intensiva de gado bovino numa propriedade anexa à habitação principal, uma moradia de grandes dimensões e, aparentemente, com boas condições de habitabilidade.
43. Presentemente, o arguido reside com a nova companheira num anexo construído num terreno murado, localizado nas proximidades da moradia dos pais, que, segundo o próprio terá adequadas condições de habitabilidade.
44. O arguido contraiu matrimónio aos 20 anos de idade, tendo-se divorciado um ano depois.
45. Tem um outro filho, com cerca de 20 anos.
46. Em termos económicos, vive do seu vencimento de cerca de €700 mensais, que considera suficiente para fazer face às despesas.
47. Dos anos em que viveu com a ofendida E…, o arguido caracteriza a dinâmica relacional como tendo sido harmoniosa até ao dia em que aquela, de certa forma, começou a emancipar-se e a reivindicar alguns momentos de lazer e de convívio junto dos filhos mais velhos, já adultos e autonomizados, fruto de relação anterior.
48. No seu entender, era obrigação da ofendida trabalhar a par com ele, mesmo durante os fins de semana, considerando abusivo da sua parte querer, por exemplo “sentar-se numa esplanada a ver o pôr do sol na praia” (sic).
49. Em contexto de entrevista, o arguido refere-se à ex-companheira e mãe do seu filho, de forma imprópria, desqualificando-a.
50. Estabeleceu um paralelismo entre a conjugalidade e a sua atividade de criador de bovinos, afirmando que se uma cabeça de gado não lhe dá rendimento, vende-a, apropriando-se deste raciocínio para desvalorizar o papel da mulher, que considera meramente instrumental.
51. Acusa os ofendidos E… e C… de defraudar expectativas pessoais de trabalho, culpando-os pela situação coativa em que se encontra.
52. Atribui-lhes, ainda, interesses materiais no âmbito da relação e do atual processo judicial, contudo afirma não tencionar pagar a pensão de alimentos que lhe vier a ser fixada.
53. O arguido encontra-se sujeito à medida de coação de proibição de contactos com as vítimas, fiscalizada por vigilância eletrónica.
54. A fiscalização iniciou-se no dia 18-08-2020, tendo ficado suspensa de 20-08-2020 a 30-09-2020, por via da deslocação do arguido para território Francês, por questões laborais.
55. No dia 01-10-2020, foram reinstalados os equipamentos de vigilância eletrónica.
56. Desde essa data o sistema de monitorização reportou diversos alarmes compatíveis com o afastamento do arguido da Unidade de Posicionamento Móvel (UPV), equipamento que indica a geolocalização do mesmo e permite controlar a eventual violação das zonas de exclusão definidas, tendo sido efetuadas várias advertências ao arguido no sentido de o reconduzir à correta utilização dos equipamentos, sem que este tenha logrado alterar o seu comportamento.
57. Não reconhece os factos pelos quais se encontra acusado, nem os danos causados às vítimas, remetendo a responsabilidade da sua situação para a ofendida.

Do passado criminal do arguido:
58. O arguido já respondeu em juízo, além da condenação sofrida em França, por condução de veículo em estado de embriaguez:
• pela prática, em 30-11-2005, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo sido condenado, mediante decisão proferida a 21-12-2005, transitada em julgado a 18-01-2006, numa pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 5 meses, já declaradas extintas, face ao pagamento da multa e cumprimento da pena acessória [Processo Sumário n.º 394/05.1GCOAZ];
• pela prática, em 19-12-2005, de um crime de detenção de arma proibida, tendo sido condenado, mediante decisão proferida a 24-01-2007, transitada em julgado a 08-02-2007, numa pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução, já declarada extinta, ao abrigo do artigo 57.º do Código Penal [Processo Comum-Singular n.º 411/05.5GCOAZ];
• pela prática, em 15-08-2007, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, um crime de dano e dois crimes de injúria agravada, tendo sido condenado, mediante decisão proferida a 02-02-2009, transitada em julgado a 04-03-2009, numa pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período sob a condição de pagar aos ofendidos as indemnizações fixadas, já declarada extinta, ao abrigo do artigo 57.º do Código Penal [Processo Comum-Coletivo n.º 312/07.2GBOAZ];
• pela prática, em 15-01-2009, de dois crimes de injúria agravada, tendo sido condenado, mediante decisão proferida a 15-04-2010, transitada em julgado a 06-05-2011, numa pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, sob a condição de pagar aos ofendidos as indemnizações fixadas, já declarada extinta, ao abrigo do artigo 57.º do Código Penal [Processo Comum-Singular n.º 16/09.1GCOAZ];
• pela prática, em 07-03-2010, de um crime de desobediência, tendo sido condenado, mediante decisão proferida a 09-09-2011, transitada em julgado a 18-10-2012, numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €6,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses, já declaradas extintas, face ao pagamento da multa e cumprimento da pena acessória [Processo Comum-Singular n.º 56/10.8GCOAZ];
• pela prática, em 29-12-2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo sido condenado, mediante decisão proferida a 04-01-2013, transitada em julgado a 07-02-2013, numa pena de 120
dias de multa, à taxa diária de €7,50, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 meses, já declaradas extintas, face ao pagamento da multa e cumprimento da pena acessória [Processo Sumário n.º 292/12.2GCOAZ];
• pela prática, em 05-05-2017, de um crime de desobediência, tendo sido condenado, mediante decisão proferida a 24-05-2017, transitada em julgado a 11-07-2017, numa pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, já declarada extinta, ao abrigo do artigo 57.º do Código Penal, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por nove meses, já declarada extinta pelo cumprimento
[Processo Sumário n.º 276/17.4GBOAZ];
• pela prática, em 02-07-2016, de um crime de dano, tendo sido condenado, mediante decisão proferida a 07-11-2017, transitada em julgado a 19-02- 2018, numa pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, já declarada extinta, ao abrigo do artigo 57.º do Código Penal[Processo Comum-Singular n.º 84/16.0GCOAZ];
• pela prática, em 26-09-2016, de um crime de ameaça agravada e de um crime de injúria agravada tendo sido condenado, mediante decisão proferida a 18-05-2018, transitada em julgado a 18-06-2018, numa pena de onze meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, com regime de prova, já declarada extinta, ao abrigo do artigo 57.º do Código Penal [Processo Comum-Singular n.º 133/16.1GCOAZ];
• pela prática, em 08-04-2017, de dois crimes de injúria agravada e de três crimes de ameaça agravada tendo sido condenado, mediante decisão proferida a 02-05-2019, transitada em julgado a 03-06-2019, numa pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova [Processo Comum-Singular n.º 58/17.3GCOAZ];
• pela prática, em 15-04-2018, de um crime de ameaça agravada tendo sido condenado, mediante decisão proferida a 02-05-2019, transitada em julgado a 03-06-2019, numa pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, com regime de prova [Processo Comum-Singular n.º 58/18.6GCOAZ].

2.2. DA MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:
Com exclusão dos factos que também já resultam logicamente excluídos pela factualidade provada, com relevância para a presente causa, não resultou provado que:
• Aquando das deslocações à residência comum, a que se alude em 13. da factualidade provada, a ofendida ali tratasse das tarefas domésticas e fizesse as suas refeições e que, nesse contexto tenha mantido qualquer contacto com o arguido e, consequentemente, que este lhe tenha dirigido, nessa altura, as expressões aludidas em 14. do libelo acusatório;
• Na circunstância aludida em 20. da factualidade provada o arguido tenha dito ao ofendido D…: “ANDA CÁ PARA FORA QUE EU MATO-TE” e que lhe tenha provocado receio.
No que respeita ao pedido de indemnização civil:
• Em consequência da descrita atuação do arguido, a demandante tenha despendido a quantia de €250,00 na aquisição de loiças de cozinha e que os objetos/loiças partidos pelo arguido fossem da propriedade da demandante;
• Em consequência da descrita atuação do arguido, a demandante tenha sofrido quaisquer custos em deslocações aos Centros de Saúde, para consultas e medicamentos e que, designadamente, tenha despendido a quantia de €250,00.
No que respeita à contestação:
• Que o arguido tenha um bom comportamento social e seja considerado no meio.

2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A apreciação da prova produzida em audiência, suscetível de contribuir para a formação da convicção do tribunal, rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, acolhido expressamente no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Este princípio significa, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova e, de forma positiva, que o tribunal aprecia a prova produzida e examinada em audiência com base exclusivamente na livre valoração e na sua convicção pessoal. O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração; é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
Na fixação da matéria de facto provada e não provada o tribunal coletivo baseou-se na apreciação crítica da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal, confrontando-se a prova documental e oral e aferindo-se do conhecimento de causa, da isenção dos depoimentos prestados, das suas certezas e hesitações, da razão de ciência e da relação com os sujeitos processuais.
Nos crimes de violência doméstica coloca-se sempre com particular ênfase o relevo a atribuir às declarações prestadas pela vítima, sendo certo que normalmente os factos que consubstanciam os crimes deste tipo, não são praticados de molde a serem presenciados por outras pessoas, sendo da experiência comum que os agentes se inibem da prática de condutas suscetíveis de o integrar quando há risco de serem observados por terceiros, não havendo, em regra, testemunhas presenciais dos factos, pelo que as declarações da vítima terão de ser complementadas por elementos circunstanciais que permitirão aferir ou não da credibilidade do declarado.
Vejamos[1]:
No caso concreto, o arguido prestou declarações em audiência de julgamento e em sede de interrogatório judicial [cfr. fls. 205 e ss. e 273 e ss.], tendo estas sido reproduzidas em audiência de julgamento, ao abrigo do artigo 357.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, sendo de realçar que foram semelhantes na sua generalidade, pois o arguido apenas admitiu os factos que não o comprometeriam.
Com efeito, o arguido admitiu ter vivido em união de facto com a ofendida E…, no período temporal que se deu como provado, e que desse relacionamento nasceu o seu filho C….
Confessou, ainda, os factos que se encontram vertidos em 3. e 4. da factualidade provada, esclarecendo que a sua ausência ocorria por períodos de quinze dias a três semanas.
Admitiu que quando chegava de viagem ia jantar com os amigos, altura em que bebia um pouco mais, mas negou que ficasse embriagado ou que tenha qualquer problema com o álcool.
Admitiu que tinha discussões com a ofendida E…, mas nega alguma vez lhe ter dirigido quaisquer expressões injuriosas.
Admitiu que nesses contextos de discussão, uma ou duas vezes, chegou a partir louça de cozinha, mas refere que tal ocorreu porque, ao sair, tocou na mesa e a louça (prato ou copo) caiu ao chão.
Nega os factos que lhe vêm imputados em 7. da acusação, mas admite que uma vez atirou a comida ao cão, aludindo que o fez porque quando vinha do campo para comer a comida estava fria.
Admitiu que, na sequência de uma discussão que teve com a ofendida, no decurso do ano de 2018 (data que se recorda porque nessa altura mantinha uma relação extraconjugal com uma senhora), a ofendida e o seu filho C… saíram de casa, tendo, posteriormente, a ofendida lhe dito que nessa noite haviam pernoitado na caravana que tinham comprado em França e que estava aparcada no quintal.
Admitiu que, a dada altura, a ofendida E… e o seu filho C… passaram a viver numa casa dos seus pais, contigua à destes, facto que situou em finais de 2018 ou princípios de 2019.
Nega ter desferido qualquer pontapé ao seu filho C….
Nega alguma vez ter empurrado ou maltratado o seu filho C…, mas admite que o seu filho interferia quando o ouvia a discutir com a mãe dele, pedindo-lhe que não discutisse com ela.
Nega alguma vez ter agredido fisicamente a ofendida E….
Confessou os factos vertidos em 20. e 21. da acusação, mas referiu que o fez com o consentimento da ofendida E… e com o intuito de falarem sobre o filho C….
Quanto aos factos que lhe vêm imputados relativamente ao ofendido D…, admitiu, apenas, que de facto chegou a parar junto àquela casa para que a ofendida E… lhe desse os documentos de um trator e, nessa altura, o referido ofendido D… interferiu no assunto, mas nega alguma vez o ter ameaçado.
Porém, a negação dos factos que lhe são imputados foi infirmada pelas declarações da ofendida E… que fez um relato dos factos de forma contextualizada, precisa, espontânea e pormenorizada, e, como tal, por se nos ter afigurado sincera, mereceu-nos credibilidade.
Aliás, as suas declarações foram corroboradas pelo depoimento sincero e espontâneo do seu filho C… (então com 13 anos de idade), não obstante algumas incongruências, designadamente, quanto à cronologia dos acontecimentos, o que é natural atenta a sucessão dos mesmos e à forma como os presenciara e/ou vivenciara.
Foram ainda, corroboradas, pelas declarações espontâneas e seguras das testemunhas J… e K… e D… (sendo aquelas duas primeiras filhos da ofendida E… e este último seu “genro” (que assistiram a alguns dos factos relatados e descreveram o estado em que ficaram as vítimas E… e o seu filho C…).
Vejamos então:
A ofendida E… descreveu as agressões de que foi vítima ao longo dos anos de convivência com o arguido, quer de natureza física, quer de natureza psicológica, as circunstâncias em que ocorreram, bem como as lesões de que padeceu, da forma como se deu como provado.
Confirmou os factos vertidos em 1. a 4. da acusação, tal como o fez o arguido.
Os problemas começaram a surgir apenas quando o seu filho C… tinha 8 anos de idade e só ocorriam quando o arguido se encontrava alcoolizado, sendo que era este o seu estado em que constantemente se encontrava aos fins de semana.
Quando o arguido chegava a casa de viagem, o que, em regra, ocorria ao fim de semana, já embriagado, fazia barulho com tudo, pegava com qualquer coisa, até pelo simples facto de a declarante ligar aos seus filhos.
Começou, então, o arguido a apelidá-la com os impropérios que se deram como provados, que ocorreram quer na casa onde o casal residia, quer quando se encontrava a viver sozinha com o seu filho C…, na casa que era dos seus “sogros”.
No contexto de discussão, e embriagado, o arguido partia tudo, sobretudo loiça da cozinha.
Por duas ou três vezes, quando chegou a casa, pegou no prato da comida e atirou-o para o pátio, dizendo à declarante que esta não sabia cozinhar.
Na sequência dessas discussões, a declarante chegou a pernoitar com o seu filho C… numa caravana que tinham no quintal (o que ocorreu sete ou oito vezes), bem como na casa de um dos seus filhos já autonomizados (o que ocorreu por duas ou três vezes) e só regressava à casa do casal quando o arguido se ausentasse para trabalhar.
Numa dessas situações, em que o arguido já chegou a casa a fazer barulho, tinha o seu filho C… 12 anos de idade, a declarante abandonou a residência do casal e foi, juntamente com o seu filho C…, viver para uma casa dos seus “sogros” e contigua à destes. Não era uma situação do agrado do arguido, pelo que, ao fim de quatro meses de “paz”, este voltou a dirigir-lhe impropérios, nos termos em que se deram como provados.
Um ou dois dias antes de o seu filho C… ter sido institucionalizado, num sábado à tarde em que não teve catequese, seriam 16/17 horas (pois a hora da catequese era das 16 horas às 17 horas), quando se encontrava na vacaria do avô paterno, tendo-se recusado a tirar estrume, o arguido desferiu-lhe um pontapé numa das pernas.
Relativamente aos factos vertidos em 13. e 14. da acusação, a ofendida E… referiu-se aos mesmos apenas nos termos em que se deram como provados, negando que se tivesse deslocado à residência do casal para fazer tarefas domésticas e ali fizesse as refeições e que, nesse contexto, o arguido lhe tenha dirigido quaisquer impropérios, esclarecendo que ali apenas se deslocava para tratar do gado e que só o fazia quando o arguido se encontrava ausente.
Nessas discussões, quer na residência comum, quer na residência pertença dos “sogros” onde residia com o seu filho C…, o arguido desferia-lhe puxões de cabelo (“era assim que ele começava” - sic), murros e agarrava-a, com força, pelos braços, que até pisava, e, nesta última referida residência, chegou, ainda, a desferir-lhe empurrões (uma das vezes até foi contra uma cómoda, com pedra em mármore).
Nunca foi ao hospital, mas chegou a ir ao médico de família para pedir pomadas para os hematomas (“ficava preto”).
No decurso dessas discussões, o C… chegou a meter-se no meio dos dois, pedia ao pai para não bater na mãe e tentava acalmá-lo, mas o arguido mandava-o sair, dizendo-lhe que não era nada com ele, mas, uma ou duas vezes, chegou mesmo a empurrá-lo.
Tais factos ocorriam na residência do casal, na residência da vítima e na presença do menor C…, tudo nos termos em que se deu como provado.
Em novembro de 2019, quer a declarante quer o seu filho C… acabaram por sair da casa dos seus “sogros” (onde estiveram cerca de um ano), tendo aquela sido acolhida numa “F…” e o menor num I…. Em menos de um mês, já tinha saído da “F…” e foi viver para casa do seu filho J…, sita em São João da Madeira.
Relativamente aos factos vertidos em 19. da factualidade provada (admitidos pelo arguido nos termos supra expostos), esclareceu a ofendida E… que, nessa altura, tinha receio do arguido, que a abordava no sentido de “não levar este processo para a frente” e “para falar sobre o moço” (referindo-se ao seu filho C…), mas que tal ocorreu apenas por duas vezes, no que respeita às proximidades do seu local de trabalho e duas ou três vezes, no que respeita à “H…”.
Esclareceu que além da relação extraconjugal que o arguido teve, no ano de 2018, já antes tinha tido outra relação extraconjugal, tinha o seu filho C… 8 anos de idade, o que é coerente com o momento apontado pela declarante para situar o início da má convivência conjugal, aludindo a declarante que as discussões começaram a ocorrer por causa dessas infidelidades.
Tinha e, ainda, tem medo do arguido e quando ia, pisada, levar o C… à escola isso deixava-a envergonhada.
O C… ficava triste e revoltado com a atuação do pai.
Ambos (quer a declarante quer o seu filho C…) sentiram a falta um do outro, durante o período de tempo em que o menor esteve no I…, embora se contactassem, diariamente, por videochamada.
Nunca reagiu antes, pois o arguido dizia que não iria fazer a mesma coisa e ela acreditava. A dada altura, a única solução que encontrou foi mesmo a de sair de casa.
Presentemente, além da declarante, também o seu filho C…, vive em casa do filho daquela (J…), em São João da Madeira.
O arguido não a tem procurado, nem incomodado, mas continua a ter medo dele.
É certo que foram lidas as suas declarações prestadas a 03-03-2020, em sede de inquérito, perante o Procurador da República, ao abrigo do artigo 356.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, constantes a fls. 125 a 129, altura em que a ofendida disse menos do que em audiência de julgamento, porém, confrontada com esse facto, de imediato referiu que na altura não contou tudo, pois tinha medo do arguido, atitude, aliás, coerente com a sua posição tomada ao longo do processo, de não oposição à suspensão provisória do processo.
A veracidade do seu depoimento prestado em audiência de julgamento, além de corroborado por outros elementos de prova, conforme se analisará de seguida, ainda decorre da negação de factos que vêm imputados ao arguido no libelo acusatório, e, como tal, se derem como não provados, bem como da restrição da periodicidade em que ocorreram (em alguns casos imputa-se a sua ocorrência de forma diária ou constante, quando a ofendida os restringiu a uma ou duas vezes) e, também, apenas nessa medida se deram como provados.
A testemunha C…, filho do arguido e da ofendida E…, prestou declarações para memória futura em 11-02-2020, data em que tinha 13 anos de idade, encontrava-se numa casa de acolhimento e frequentava o 7.º ano de escolaridade [cfr. auto de declarações para memória futura de fls. 99 e ss.].
Estas declarações foram reproduzidas em audiência de julgamento, ao abrigo do artigo 356.º, n.º2, alínea a), do Código de Processo Penal, tendo sido possível percecionar, que o menor prestou declarações de forma muito serena e sentida.
Começou por referir que estava numa I… em …, onde se sentia mais protegido e, por isso, queria lá estar, mas tinha saudades da mãe e queria voltar para junto dela.
Referiu que, quer ele, quer a sua mãe, eram vítimas de agressões por parte do arguido, factos que ocorriam mais aos fins-de-semana.
O seu pai desferia socos, na cabeça e no peito da mãe, e puxava-lhe o cabelo.
O seu pai também chegou a ameaçar a mãe que a matava, fazendo uso de uma faca ou de um machado, mas nunca lhe chegou a tocar.
Quando o arguido batia na ofendida E… o declarante metia-me no meio
(“não queria ver aquilo”, “Não queria ver a minha mãe a sofrer” - sic).
Nessas alturas o seu pai afastava-o.
Também lhe chegou a dar pontapés.
Quanto a si, o seu pai apenas o agrediu uma ou duas vezes, factos que situou pouco tempo antes de ter ido para a I….
Situou os factos quando frequentava o 7.º ano de escolaridade, dizendo que antes também ocorriam, mas era raro, e que a situação piorou porque o declarante tinha descoberto que o seu pai andava com outras mulheres. A sua prima viu-o aos beijos na praia e o declarante viu uma carrinha parada em frente à casa de uma senhora. Contou à mãe o que tinham visto e falou com o pai e este disse-lhe que o declarante não tinha nada a ver com o assunto (“Ele estava a negar algo que eu sabia ser verdade”. “Era frustrante saber que ele tinha outras mulheres, sentia-me com raiva dele ter namorada.” - sic).
O seu pai também dirigia palavrões à sua mãe, dizendo que ela era “Filha da puta”, “puta”, “vaca”, “andas-me a meter os cornos” (“mas ele é que os punha à minha mãe” – sic).
Esses factos ocorriam dentro de casa, na sua maioria dentro da cozinha, e na altura o arguido estava sempre embriagado (“Quando isso acontecia ele já vinha com os copos” – sic).
Quando tais factos ocorriam, chegaram a sair de casa, designadamente para casa da sua irmã K….
O vizinho às vezes também chamava a GNR, porque o seu pai também chamava nomes ao vizinho.
Os seus avós paternos ouviam o que o seu pai dizia (não viam o que ele fazia) e viam o declarante e a sua mãe a fugir para fora de casa, mas nada faziam (“sempre tiveram peninha dele” “ou tinham medo dele” e “por isso não chamavam a polícia” – sic), o que deixava o declarante “com raiva” dos seus avós paternos.
Desde então, o seu pai não o tem importunado.
D…, ofendido e companheiro da filha da ofendida E….
Além disso, chegou a trabalhar para o arguido quando este estava em França.
Deslocava-se, por diversas vezes, à residência do casal.
Chegou a presenciar discussões havidas entre o casal e a ver o arguido a levantar a mão dirigida à sua “sogra” e a proferir-se as expressões de “puta”, “vaca”, entre outros nomes, e a dizer-lhe que ela andava metida com o declarante e com o pai do arguido.
Presenciou esses factos por duas vezes.
Tal acontecia quando o arguido estava alcoolizado, pois se não estivesse “era uma pessoa porreira” - sic.
Ainda hoje, quer a ofendida E… quer o ofendido C… têm medo do arguido.
Em data que não foi capaz de precisar, situada em maio do ano passado, por altura do início da pandemia, quando a sua “sogra” estava a viver em …, cerca das 21 horas e pouco, o arguido foi lá a casa, pois queria que ela assinasse uns papéis, e, a dada altura, além de ter proferido alguns impropérios disse-lhe que “o ia foder” “que lhe ia dar uma coça”. Mas não teve medo, pois sabia que ele só tinha agido dessa forma porque “estava com os copos”.
É certo que, posteriormente, questionado se o arguido não o tinha ameaçado de morte, o depoente acabou por referir que o arguido disse que ia a casa buscar uma pistola e que o matava. Porém, nessa parte o seu depoimento não foi espontâneo e, além disso, não mostrou, de forma segura, que tenha sido nesse dia que essa ameaça de morte foi proferida, pois, segundo o próprio ofendido, o arguido já o tinha ameaçado por diversas vezes.
Por outro lado, a também ofendida E… pronunciou-se sobre essa situação, tendo referido que quando o arguido ali se deslocou para que esta assinasse uns papéis com vista a passar um trator para o nome dele, e como o arguido não permitiu que o seu “genro” D… lesse esses papéis, a depoente também não os assinou. Então, o arguido, além de ter começado “a chamar-lhes nomes”, disse-lhe que sabia onde ela trabalhava e ao ofendido D… disse-lhe “qualquer dia fodo-te os cornos”, mas não o ouviu a ameaçar de morte.
Conclui-se, assim, que, na situação em concreto, o arguido ameaçou o ofendido D… de que o agrediria fisicamente e não que o mataria.
J…, filho da ofendida E… e irmão do ofendido C…, residente em São João da Madeira, com quem os referidos ofendidos vivem atualmente.
Começou logo por referir que nunca assistiu a qualquer agressão, mas, desde que veio para São João da Madeira, há cerca de sete anos (ou seja desde 2014), muitas vezes, viu a sua mãe “pisada”, designadamente nos braços, nas pernas e no peito. Quando tentava saber o porque dessas pisaduras a sua mãe dizia que tinha sido a tratar do gado, no entanto, nunca se convenceu com essa explicação, pois as pisaduras que via não eram compatíveis com isso.
Presenciou, apenas, uma vez o arguido a dirigir à sua mãe E… a expressão “filha da puta”, dizendo-lhe, ainda, “que estava metida com os vizinhos”. Fê-lo em frente aos seus sobrinhos e ao filho C…, que eram crianças, facto que não agradou ao depoente.
Confirmou que a sua mãe foi viver para sua casa, após ter ido para uma F…, data em que o seu irmão C… já estava numa I….
Por diversas vezes, chegou a acompanhar a sua mãe à “H…”, pois o arguido telefonava-lhe, dizendo que queria falar com ela por causa do seu irmão C…, e a sua mãe tinha medo de estar com ele sozinha.
Chegou, ainda, a ver o arguido nessa pastelaria, numa certa ocasião em que o depoente se ausentava para ir trabalhar, e decidiu ir falar com ele.
Uma vez ou outra vê o arguido ali por perto, mas não tem havido qualquer problema.
A sua mãe só foi viver, num dado período, para perto da sua irmã, em …, porque queria ter o espaço dela. Atualmente, vive, novamente, consigo.
A sua mãe ainda teme o arguido, tendo medo que este se vingue em algum dos seus filhos.
O seu irmão C… sente-se revoltado, tem medo de conviver com o pai e o facto de ter ido para uma I… marcou-o muito.
Durante o período de tempo em que o seu irmão C… esteve nessa I… a sua mãe também sofreu muito, por estar separada do filho, e só chorava.
Apercebe-se que o dispositivo que a sua mãe possui apita por diversas vezes, o que demonstra que o arguido estará próximo, mas não pode garantir que não seja pelo simples facto de estar a passar na rua.
K…, filha da ofendida E… e irmã do ofendido C….
Fala todos os dias com a mãe, mesmo que seja só pelo telefone.
Ouviu, muitas vezes, o arguido a dirigir-lhe as expressões de “Puta”, “Vaca”, “Andas a dar a cona aos vizinhos”, expressões que ouviu durante vários anos, desde que vieram de França, e até quando a depoente telefonava à sua mãe.
Também o chegou a ver a partir uma mesa de centro em vidro e jarrões e, quando lhe chamou a atenção, este respondeu-lhe que a casa era dele.
O arguido só atuava dessa forma quando estava alcoolizado.
De facto, nunca viu o arguido a bater na sua mãe, mas via-a, muitas vezes, pisada e, questionada, dava desculpas para isso. Recorda-se de a ver marcada no pescoço e nos braços.
A sua mãe chegou a refugiar-se em sua casa, a chorar, juntamente com o seu irmão C….
Já separados, a sua mãe chegou a viver numa casa, situada por baixo da sua, mas não se recorda se na data em que o arguido ali se dirigiu por causa de a sua mãe assinar um documento existiu qualquer problema entre ele e o seu companheiro D…, pois desconhece o que se terá passado até à sua chegada.
Mais referiu que, hoje, a sua mãe convive com os filhos e quando estava na companhia do arguido não o fazia. Além disso, agora já veste vestidos e quando se encontrava na companhia do arguido não vestia, apesar de gostar.
Esta testemunha também aludiu o facto de a sua mãe ter sofrido, quando o seu irmão estava numa I…, pois tinha muitas saudades dele (“era o filho caçula dela” - sic).
Também o seu irmão C… sofreu, pois foi sempre muito ligado à mãe, sente-se muito revoltado e diz que não tem pai.
No que respeita aos prejuízos patrimoniais alegadamente sofridos pela sua mãe, esta testemunha “atirou” o valor de €500,00, como prejuízo decorrente de o arguido ter partido objetos em casa. Porém, fê-lo de forma vaga, sem qualquer razão de ciência, indo, aliás, contra o alegado pela própria demandante, pelo que não se poderia dar como provado.
Atendeu-se, ainda, aos seguintes elementos de prova:
• Cópia de requerimento inicial do processo de promoção e proteção n.º 665/19.0T8SJM, fls. 3-7;
• Print da identificação civil do arguido, fls. 12;
• Print da identificação civil da ofendida E…, fls. 22;
• Assento de nascimento da ofendida E…, fls. 23-24;
• Assento de nascimento do ofendido C…, fls. 31-32;
• Informação prestada pelo processo de promoção e proteção n.º 665/19.0T8SJM, fls. 60;
• Informação da L…, fls. 141-145;
• Print do Registo Automóvel do arguido, fls. 155-156;
• Informações da DGRSP, fls. 288-290, 334 e 342,
• Print da base de dados da Segurança Social do arguido, fls. 366-367.
Todos estes elementos de prova foram atendidos, não só quanto aos factos constantes das acusações, como, ainda, quanto ao pedido de indemnização civil, atendendo a que não se podem autonomizar.
No que respeita ao depoimento das testemunhas de defesa M… (irmã do arguido), N… (que referiu conhecer o arguido há mais de 20 anos) e O… e P… (pais do arguido), cumpre dizer que estas tentaram fazer crer ao tribunal que o arguido é uma pessoa de bem, nunca tendo maltratado a mulher ou o filho, não tendo, aliás, qualquer problema com o álcool, chegando, mesmo, os avós paternos a referir que o seu neto é que apelidava a mãe de “filha da puta”.
Porém, além da prova produzia em julgamento ter sido esmagadora em sentido contrário, o depoimento destas testemunhas afigurou-se desprovido de qualquer nexo e coerência, não tendo mesmo os avós paternos do menor C… mostrado qualquer empatia ou afeto para com o seu neto, desconhecendo e não pretendendo conhecer os motivos pelos quais o mesmo foi retirado à sua família (que também era a deles), para uma I…, tendo, mesmo, a testemunha O… (avô paterno do menor e referindo-se a este) dito: “não deixou pena ele ter saído lá de casa”.
Uma palavra para dizer que a testemunha N… tentou fazer crer ao tribunal que o arguido era um exemplo de vizinho e de pessoa, amigo da família, facto que poderia assegurar pois conviviam todos os fins de semana em que o arguido se encontrava em casa de regresso do trabalho, pois ia sempre a sua casa, juntamente com a mulher e o filho, e nunca viu, ouviu ou presenciou qualquer ato menos correto da parte dele, mas perante a simples questão sobre qual era o nome do filho do arguido, a testemunha nem sequer sabia, tendo vacilado entre os nomes C… e Q….
O depoimento das testemunhas de defesa não foi, portanto, atendido, pois não se afigurou verdadeiro.
Assim sendo, o tribunal só poderia dar os factos como provados e não provados, respetivamente, da forma como o fez.
Quanto à existência de antecedentes criminais, o tribunal teve em atenção o respetivo Certificado de Registo Criminal junto aos autos a fls. 472 e ss.
Teve-se, ainda, em conta, quanto à situação social, profissional, económica e modos de vida do arguido, o respetivo relatório social junto aos autos a fls. 497 e ss., bem como as declarações deste prestadas em julgamento e em primeiro interrogatório judicial.
No que respeita aos factos não provados o tribunal deu-os como tal por não ter sido feita qualquer prova nesse sentido.»

Apreciação
É entendimento uniforme da jurisprudência dos tribunais superiores que o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de o tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso, como são os vícios da sentença previstos no art.410.º, n.º2, do C.P.Penal.
Atentas as conclusões apresentadas, o recorrente invoca o excesso e desproporcionalidade da fiscalização por meios eletrónicos de controlo à distância da pena de proibição de contactos com a vítima que lhe foi aplicada e ainda que o tribunal a quo, não dispondo do seu consentimento, não fundamentou a dispensa de tal consentimento.
Antes, porém, da apreciação do recurso, impõe-se conhecer uma questão prévia.
A demandante, já após a resposta do recorrente ao parecer do Exmo.Procurador-Geral Adjunto, veio juntar aos autos cópia da decisão proferida, em 14/9/2020, no âmbito do proc. n.º665/19.0T8SJM, em que foi regulado provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais respeitantes ao menor C…, ofendido nos presentes autos.
O art.165.º do C.P.Penal, sob a epígrafe: “Quando podem juntar-se documentos” preceitua no seu nº1 que “o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.”
Os documentos que não sejam pareceres, não podem ser juntos com a alegação de recurso ou em momento posterior a este, como é o caso, atento o disposto no n.º 1 do citado art.º 165º.
O tribunal ad quem apenas reexamina o decidido pelo tribunal da 1ªinstância e por isso não pode apreciar elemento de prova que o tribunal a quo não tenha apreciado (v. Ac.R.P de 9/12/2004, P04/5010, Desembargador Fernando Monterroso, Ac.R.L de 17/4/2004, P.2989/07.9, Desembargador Ribeiro Cardoso).
Nesta conformidade, o documento junto pela demandante não será atendido.
*
Decidida esta questão prévia, cabe conhecer das questões suscitadas no recurso.
O arguido/recorrente não se insurge quanto à aplicação da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, mas apenas quanto à sua fiscalização por meio de vigilância eletrónica.
Dispõe o art.152.º do C.Penal [Violência doméstica]:
«(…)
5. A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6. (…)»
Por sua vez, o art.35.º, sob a epígrafe Meios técnicos de controlo à distância, da Lei n.º112/2009, de 16/9, com as alterações introduzidas pela Lei nº 19/2013, de 21/2, diploma que regula o «Regime Jurídico Aplicável à Prevenção da Violência Doméstica e à Proteção e Assistência das suas Vítimas» estabelece:
«1 - O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a protecção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
2 - O controlo à distância é efetuado, no respeito pela dignidade pessoal do arguido, por monitorização telemática posicional, ou outra tecnologia idónea, de acordo com os sistemas tecnológicos adequados.
3 - O controlo à distância cabe aos serviços de reinserção social e é executado em estreita articulação com os serviços de apoio à vítima, sem prejuízo do uso dos sistemas complementares de teleassistência referidos no n.º 5 do artigo 20.º
4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, o juiz solicita prévia informação aos serviços encarregados do controlo à distância sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou do agente.
5 - À revogação, alteração e extinção das medidas de afastamento fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância aplicam-se as regras previstas nos artigos 55.º a 57.º do Código Penal e nos artigos 212.º e 282.º do Código de Processo Penal.»
E o art.36.º do mesmo diploma, sob a epígrafe Consentimento, preceitua:
«1. A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
2. A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
3. O consentimento do arguido ou do agente é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto.
4.Sempre que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância for requerida pelo arguido ou pelo agente, o consentimento considera-se prestado por simples declaração deste no requerimento.
5.As vítimas e as pessoas referidas no n.º2 prestam o seu consentimento aos serviços encarregados da execução dos meios técnicos de controlo à distância por simples declaração escrita, que o enviam posteriormente ao juiz.
6. Os consentimentos previstos neste artigo são revogáveis a todo o tempo.
7. Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima»
De harmonia com o disposto no n.º7 deste art.36.º, não é necessário o consentimento do arguido para a utilização dos meios técnicos de controlo à distância quando o juiz fundamente que a proteção da vítima só pode ser alcançada mediante a utilização daqueles meios. Tal norma não exige que o juiz, de forma expressa, afaste a exigência do consentimento do arguido, mas antes que o juiz formule um juízo de imprescindibilidade da utilização dos meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da pena acessória (v., neste sentido, o Ac.R.Évora de 14/1/2014, proc. 122/12.5GCCUB.E1, relatado pela Desembargadora Maria Isabel Duarte e Ac.R.Lisboa de 4/12/2018, proc. 1956/15.4T9BRR.L1-5, relatado pelo Desembargador Cid Geraldo).
O tribunal recorrido, a propósito da pena acessória de proibição de contactos com a vítima, discorreu nos seguintes termos: «A pena acessória de proibição de contacto com a vítima E… é particularmente importante, tendo em vista acautelar a proteção da vítima e obviar ao perigo de recidiva criminosa.
A fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, neste condicionalismo, torna-se imprescindível para assegurar a cabal proteção dos direitos da vítima.
Tem-se, todavia, presente que o arguido e a vítima, ora assistente, têm um filho menor em comum.
O contacto entre aquele e o pai pode ser do interesse do menor (designadamente no âmbito das responsabilidades parentais) razão pela qual se salvaguarda que o arguido poderá excecionalmente contactar com a vítima E… unicamente se esta nisso previamente consentir de modo expresso, por meio de correio eletrónico ou meio escrito equivalente, durando o contacto apenas enquanto aquela o pretender, ou seja, enquanto não revogar o seu consentimento para o mesmo, tudo sem prejuízo do que vier a ser decidido em sede do processo de promoção e protecção pendente relativamente ao menor.»
O tribunal invoca a imprescindibilidade dos meios técnicos de controlo à distância para proteger a vítima, evitando assim o perigo de recidiva criminosa, mas refere-se a essa indispensabilidade de forma conclusiva, sem a fundamentar em termos de matéria de facto assente.
Porém, este juízo de imprescindibilidade tem de ser aferido em face da factualidade dada como provada.
Estando provado que o arguido desde julho de 2020 não mais procurou ou perturbou a ofendida E…, nem o filho de ambos (ponto 26), atualmente vive com nova companheira, numa anexo localizado nas proximidades da moradia dos seus pais (ponto 43), entendemos que a utilização dos meios de controlo à distância não se mostra imprescindível, indispensável para proteger a vítima, pois só se justificaria, como imprescindível, se o arguido persistisse em contactar a vítima, o que não sucede.
Como bem se salienta no supra citado Ac.R.Évora de 14/1/2014, a exigência dessa imprescindibilidade justifica-se na medida em que «esse controlo à distância restringe, de modo grave, os direitos, liberdades e garantias do arguido, tal como a sua dignidade, como ser humano».
Não obstante não se poder esquecer os episódios de violência levados a cabo pelo arguido ao longo de anos, que justificam a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a vítima de forma a evitar recidivas criminosas, face ao comportamento atual do arguido e à sua inserção familiar, não se afigura indispensável, mostrando-se até desproporcional, que tal pena seja fiscalizada por meios técnicos.
In casu, tornava-se, pois, necessário o consentimento do arguido para aplicação dos meios técnicos do controlo à distância, consentimento que não foi concedido na fase de julgamento e está afastado com a interposição do presente recurso em que o arguido se insurge contra a fiscalização da pena acessória de proibição de contactos com a vítima através daqueles meios técnicos.
Por todo o exposto, procede o recurso.

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido B… e em consequência revogam a sentença recorrida no que se refere à fiscalização da pena acessória de proibição de contactos com a vítima através de meios técnicos de controlo à distância.
No mais, mantém-se a decisão recorrida.
Sem custas (art.513.º, n.º1, do C.P.Penal).
(texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários)

Porto, 7/7/2021
Maria Luísa Arantes
Luís Coimbra
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[1] Reproduziremos, por súmula, o que de relevante o arguido, a demandante e as testemunhas referiram, o que significa que não se trata de uma reprodução ipsis verbis.