Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4346/20.3T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
SOFTWARE
INCUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP202206304346/20.3T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Devem ser aplicadas as regras previstas no art.º 1156º do Código Civil ao contrato dos autos o qual inclui a prestação de um conjunto de serviços da área da informática que engloba a disponibilização da solução de software de que a Ré era proprietária e que configura o licenciamento e o desenvolvimento dessa solução de acordo com as necessidades e fins visados pela Autora (a chamada customização), a sua operação e manutenção e ainda a realização de backups regulares de dados privados.
II - O deposito Escrow é o contrato pelo qual uma das partes (depositante) confia a guarda de determinados bens móveis (v.g. dinheiro, títulos, documentos) a um banco ou outra entidade (depositário), que se obriga, de acordo com as instruções irrevogáveis acordadas, a restituir os bens ao depositante ou a entrega-los a um terceiro.
III - No caso dos autos e tendo ficado definido no contrato apenas e só que o Código Fonte validado seria depositado numa conta Escrow, junto de uma entidade independente previamente aprovada pela Ré, com custos a cargo da Autora, é legítimo presumir sem mais que a entrega do referido código teria que ser feita através do seu depósito e não já directamente à Ré.
IV - Tendo o contrato sido revogado sem justa causa, tem a Ré direito a ser indemnizada pelo prejuízo sofrido com essa revogação, prejuízo esse que equivalerá à retribuição correspondente ao período de vigência do contrato que a aquela não recebeu e que, não fora a revogação, teria recebido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº4346/20.3T8VNG.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia

Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço



Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto


I.Relatório:
E1..., S.A., com sede na Avenida ..., ..., ..., Lisboa, intentou a presente acção de condenação, sob a forma comum, contra C..., S.A., com sede na Cais ..., nº ..., ...., .....-... Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €536.179,42, acrescido de juros de mora contados desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento.
Para tanto alega, em síntese, que a então E2..., S.A., entretanto extinta, por fusão com a Autora, celebrou com a Ré, em 22 de Junho de 2012, um contrato de prestação de serviços de operação, manutenção e desenvolvimento de uma solução de software de gestão avançada de energia, que permite aos respectivos utilizadores gerir os seus consumos energéticos através de uma plataforma online, designada por “plataforma ...” nos termos e condições que indica.
Alegou que tal contrato conferia à Autora o direito de utilização exclusiva e ilimitada, no mercado nacional e noutros ali indicados, da referida solução de software, operada, mantida e desenvolvida pela Ré.
Para além disso, previa o contrato expressamente a possibilidade de a Autora solicitar desenvolvimentos a outros prestadores de serviços, em alternativa à Ré, razão pela qual estava esta obrigada a entregar o código-fonte da solução de software devidamente comentado, bem como toda a documentação de apoio à instalação, manutenção e utilização da solução.
No essencial, cabia à Ré, nos termos do contrato, cabia à Ré prestar à Autora, dois tipos de serviços: por um lado, serviços de operação, manutenção e suporte relacionados com a plataforma ..., por outro, serviços de desenvolvimento dessa plataforma.
Os serviços de operação, manutenção e suporte, que descreve, eram remunerados através do pagamento de um valor mensal, variável em função do número de horas alocadas pela Ré à operação, manutenção e suporte da plataforma ....
Quanto aos serviços de desenvolvimento, de forma a garantir um adequado desenvolvimento da plataforma ..., que igualmente descreve, a sua remuneração era feita mediante bolsa de horas, no valor de 180 horas – que abrangia, sobretudo, desenvolvimentos de novas funcionalidades ou serviços a pedido expresso da Autora –, cabendo a respectiva atribuição mensal aos gestores de desenvolvimento designados por Autora e Ré.
Alegou que tal contrato era válido até 31 de Dezembro de 2016, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos de um ano, excepto se qualquer das partes decidisse pôr-lhe termo, mediante aviso enviado com 90 dias de antecedência, via carta registada com aviso de recepção.
Para além deste direito de oposição à renovação do contrato, Autora e Ré detinham ainda, a partir de 1 de Janeiro de 2014, «capacidade de rescisão anual», devendo notificar a outra parte do exercício desse direito, através de carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 180 dias.
Mais alegou que durante a execução contrato, ocorrerem sucessivas situações de incumprimento, ou cumprimento defeituoso, das obrigações contratuais que impendiam sobre a Ré, que descreve, para além da falta de entrega do código-fonte que impedia a Autora de utilizar a plataforma com autonomia e de recorrer a outros prestadores de serviços para desenvolver a plataforma, sujeitando-a à dependência técnica da Ré.
Mas foi o envio não autorizado, aos clientes da Autora, de e-mail com actividade promocional da Ré, que constituiu um episódio marcante da falta de diligência e profissionalismo deste e deteriorou a relação de confiança existente entre as partes.
Tais situações causaram legítima quebra de confiança da Autora na aptidão da Ré para prestar os serviços contratados, tendo como consequência uma objectiva perda de interesse na manutenção do contrato, manifestada, desde logo, no facto de a Autora ter deixado de fazer pedidos de desenvolvimento da plataforma ..., tendo o último pedido sido solicitado em Setembro de 2018,
Nessa sequência, com fundamento no incumprimento grave e reiterado, por parte da Ré, das suas obrigações contratuais, a Autora resolveu o contrato com efeitos imediatos, através de carta e e-mail enviados à Ré em 30 de março de 2020, onde, para além do mais, invocou o incumprimento da obrigação de entrega do código-fonte e o deficiente cumprimento das obrigações relativas ao desenvolvimento da plataforma ....
A falta de qualidade dos serviços prestados pela Ré, aliada ao incumprimento da obrigação de entrega do código fonte comentado e documentado, obrigaram a Autora a realizar um avultado investimento no desenvolvimento de uma plataforma e de uma solução tecnológica alternativa à solução disponibilizada pela Ré, no que despendeu a quantia de €536.179,42, que não teria sido necessária se a Ré tivesse cumprido as suas obrigações contratuais, nomeadamente a de entregar o código-fonte à Autora, o que lhe teria permitido trabalhar e fazer evoluir a solução existente, ao invés de ter de investir numa solução alternativa que a libertasse da dependência técnica, nunca convencionada, da Ré.
Conclui que actualmente a Autora disponibiliza uma nova plataforma aos seus clientes, tendo controlo sobre os respectivos desenvolvimentos, conforme deveria ter sucedido com a plataforma operada pela Ré.
*
Regularmente citada, veio a Ré contestar e formular pedido reconvencional.
Defendeu-se por impugnação, alegando que na prestação de serviços desta natureza, de fornecimento de uma plataforma complexa de software, é expectável a ocorrência de falhas técnicas, o que as partes previram no próprio contrato, tendo acordado mecanismos de classificação dessas falhas e fixado tempos de resposta/resolução a que a Ré estaria obrigada.
Mais alegou que da petição inicial não resulta alegada nenhuma situação em que a Ré tenha incumprido tal prazo de resposta convencionado.
Alegou ainda que ao longo de oito anos nunca existiu por parte da Autora nenhuma comunicação em que manifestasse o seu desagrado pelos serviços prestados, tendo, pelo contrário, o contrato sido sucessivamente renovado, com o crescente aumento do número de horas da bolsa de horas.
Mais alegou que da causa de pedir não resulta que as alegadas perturbações ocorridas na plataforma tenham tido impacto na experiência e utilização dos clientes que da mesma se serviam nem, tão pouco, que os problemas reportados derivassem da sua responsabilidade.
Para além disso, alegou que sempre manifestou preocupação junto da Autora que esta permitisse que vários prestadores de serviços externos, que desenvolviam software envolvido na oferta comercial da ..., lançassem directamente em servidores de produção funcionalidades ou dispositivos que não tinham sido previamente testados e aprovados em ambientes de pré-produção e de testes, o que era susceptível de por em causa o desempenho e operação global da plataforma.
Porém, salvaguarda que a disponibilização de servidores de pré-produção e de testes não fazia parte do contrato celebrado e que não poderão ser consideradas incumprimento quaisquer situações relacionadas com falhas ou incidentes ocorridos em tal fase.
Alegou ainda que os incidentes ocorridos e mencionados no email de 15.12.2016, foram resolvidos pela Ré com tempos de resposta muito inferiores aos máximos especificados, sendo certo que tal não foi impeditivo da Autora permitir a renovação automática do contrato.
Relativamente a problemas surgidos com os updates da plataforma invocou que foram resolvidos atempadamente, que foram parciais e que a sua indisponibilidade junto dos utilizadores foi reduzida ou nula.
No mais, impugna quer o deficiente funcionamento da plataforma, quer a demonstração de descontentamento por parte da Autora, que alega ter inexistido, sendo até de sentido oposto.
Quanto à falta de entrega do código-fonte alega que nos termos contratados os desenvolvimentos versariam sobre uma plataforma base, desenvolvida e propriedade pela Ré, sendo o código-fonte da mesma considerado um segredo comercial.
Mais alega que aquando da celebração do contrato, e porque não era possível individualizar quais as novas funcionalidades que seriam desenvolvidas para a Autora na plataforma que lhe serviria de base, as partes acordaram no depósito e actualização periódica do código-fonte numa conta ESCROW, à qual a Autora apenas teria acesso em caso de insolvência da Ré e em condições a definir no âmbito deste último contrato.
Mais alegou que apesar da Ré sempre se ter disponibilizado a proceder a tal depósito, nunca a Autora havia manifestado a sua vontade de ter acesso ao código-fonte ou indicou qualquer entidade independente para que tal ocorresse, o que motivou a impossibilidade para si de cumprir o estabelecido contratualmente.
Apesar disso, sempre a Autora utilizou a plataforma com total autonomia, tendo até contratado diversos prestadores de serviços para a desenvolver ao longo do projecto, com quem a Ré colaborou, disponibilizando o suporte e informação necessária.
Quanto ao envio de emails contendo informação comercial da Ré para clientes da Autora alegou que os mesmos apenas foram enviados para a equipa da Autora, gestora do projecto, e não para os utilizadores da plataforma.
Invocou que a Autora fez cessar o contrato de modo ilegal, o que faz equivaler à sua livre revogação, o que fez surgir para si o direito a ser indemnizada, pelos prejuízos que decorreram da falta de pré-aviso, que deverá corresponder ao valor das retribuições devidas caso a denúncia tivesse sido regularmente realizada, o que ascende a €185.456,58, a que deverá acrescer a quantia de €9.272,88, correspondente ao valor da penalidade por incumprimento prevista no art. 37º do contrato outorgado.
Mais alegou que durante a execução do contrato ocorreram sucessivas situações de incumprimento contratual por parte da Autora no que respeita à obrigação do pagamento do preço dos serviços prestados.
A esse título, alega que se encontram em dívida os valores mensais acordados respeitantes à bolsa de horas de desenvolvimento de todo o ano de 2019 e de Janeiro a Março de 2020, inclusive, cujos montantes ascendem a, respectivamente, €144.792,00 e €36.283,50.
Mais alega que estão em dívida os montantes relativos ao suporte e manutenção dos meses de Janeiro a Março, inclusive, no valor de €42.053,20, os montantes relativos à manutenção da base de dados dos meses de Janeiro a Março, inclusive, no valor de €2.718,39 e, ainda, os montantes relativos a alojamento dos meses de Janeiro a Março de 2020, no valor de €11.475,00.
Alega ainda que a tais montantes deverá acrescer a quantia de €11.866,12, por força da penalidade prevista no art.º 37º do contrato.
Termina pedindo a improcedência da acção e, em sede reconvencional, a condenação da Autora no pagamento da quantia de € 443.917,61, acrescida de juros de mora, à taxa em vigor para as operações comerciais, contados desde a data da notificação do pedido reconvencional e até efectivo e integral pagamento.
*
A Autora replicou para, no essencial, alegar que resolveu o contrato, com fundamento no incumprimento da Ré, motivo pelo qual não está obrigada a indemniza-la pelo incumprimento do prévio de 180 dias previsto no art.º 32º do contrato.
Mais alegou que a Ré conhecia a intenção da Autora de resolver o contrato desde Abril de 2019, nos termos que descreve, e que a respectiva missiva só não foi de imediato remetida porque aquela solicitou, através do seu administrador, que tal não fosse feito, a fim de evitar a entrada de novos investidos ao abrigo do processo de aumento de capital que tinha em curso.
Porém, apesar de ter acedido a tal pedido, sempre reafirmou perante a administração da Ré que os clientes estavam a ser migrados para a nova plataforma, do que resultaria o encerramento desta e o fim do contrato.
Quanto aos valores que a Ré alega estarem em dívida invocou que face à incapacidade desta em escalar a plataforma e evoluir na solução técnica, bem como da ocorrência de diversas falhas na execução de updates, deixou de lhe fazer pedidos de desenvolvimento, tendo o último ocorrido no final de 2018.
E porque não foram prestados serviços de desenvolvimento nos anos de 2019 e de 2020 não são devidas retribuições a esse título.
Relativamente aos serviços de suporte, manutenção da base de dados e alojamento referente ao primeiro trimestre de 2020, alega que comunicou a descontinuação da plataforma ... em Novembro de 2019, motivo pelo qual procedeu ao respectivo pagamento até Dezembro de 2019.
Termina concluindo pela improcedência do pedido reconvencional deduzido.
*
Por despacho entretanto proferido foi a Ré convidada a pronunciar-se sobre a matéria de excepção deduzida pela Autora na sua reconvenção, o que esta fez por articulado datado de 23.11.2020 para, no essencial, aceitar que lhe foi comunicado pela Autora que tinha em desenvolvimento uma plataforma alternativa à sua.
Mais alega que lhe foi dito que caso essa plataforma fosse bem sucedida, seria intenção da Reconvinda efectuar o processo de migração dos clientes paulatinamente e com o cumprimento das obrigações que para si emergiam do contrato.
Mais alegou que a Autora nunca manifestou qualquer intenção de redução da bolsa de horas de desenvolvimento, nem a solicitou, mesmo em sede de revisão semestral.
Conclui pedindo a improcedência da excepção invocada.
*
Realizou-se a audiência prévia tendo, nessa sede, sido proferido despacho a admitir a reconvenção, a fixar o valor da acção, sendo de seguida o processo sido saneado, fixando-se o objecto do litígio, enunciados os temas de prova e admitidos os meios de prova.
*
Realizou-se a audiência final, no culminar da qual foi proferida sentença na qual se decidiu da seguinte forma:
a) Julgar a acção improcedente, e, em consequência, absolver a Ré do pedido;
b) Julgar a reconvenção procedente e, em consequência, condenar a Autora/Reconvinda no pagamento à Ré da quantia de € 443.917,51, acrescida de juros de mora, à taxa em vigor para as operações comerciais, contados desde a data da notificação da contestação e até efectivo e integral pagamento.
*
A Autora veio interpor recurso desta decisão apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A Ré contra alegou.
Foi proferido despacho onde se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela Autora/Apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº 4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
A) O presente recurso tem por objeto a sentença proferida no dia 25 de Novembro de 2021, em que o Tribunal a quo julgou a ação improcedente, absolvendo a Recorrida do pedido, e a reconvenção procedente, condenando a Recorrente nos termos peticionados.
B) A decisão de improcedência da ação intentada pela Recorrente adveio, essencialmente, de dois juízos do Tribunal a quo:
iii. desvalorização de todas as falhas da Recorrida na prestação dos serviços contratados pela Recorrente;
iv. descredibilização dos depoimentos prestados por todas as testemunhas arroladas pela Recorrente.
C) Entende a Recorrente que ambos os juízos, em que se baseou a conclusão de que inexistia fundamento para a resolução do Contrato pela Recorrente, são totalmente injustificados e incompreensíveis e resultam, salvo o devido respeito, de uma visão simplista e tendenciosa da relação contratual sub judice.
D) Com efeito, não se compreende que sucessivas situações de incumprimento e cumprimento defeituoso das obrigações contratuais da Recorrida – incidentes de indisponibilidade do serviço de software, problemas de performance da plataforma digital, falhas na execução de updates, falta de entrega do código- fonte, entre outros – tenham sido desvalorizadas, ou mesmo menosprezadas, pelo Tribunal a quo, com base em generalizações da experiência pessoal do julgador e na incompreensão de questões de cariz técnico.
E) Tão-pouco se aceita que as testemunhas da Recorrente, cujos depoimentos foram prestados com razão de ciência e conhecimento directo dos factos e de forma clara, segura e serena, além de coerentes entre si, tenham sido despidas da sua credibilidade, ao passo que as testemunhas da Recorrida e o representante legal desta (!) foram, inexplicavelmente, tidos como isentos.
F) Salienta-se, aliás, no que às declarações de parte da Recorrida concerne, que o seu representante legal confessou um facto muitíssimo relevante alegado pela Recorrente, com impacto directo sobre o conhecimento do mérito do pedido reconvencional, mas que a Meritíssima Juíza a quo ignorou na sentença.
G) Houve, pois, graves erros na apreciação da prova e no julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal de 1.ª instância,
H) Assim como erros no julgamento da matéria de direito, nomeadamente na parte em que desconsidera a quebra de confiança como fundamento resolutivo do Contrato e em que adopta uma interpretação incorrecta das obrigações contratuais relativas ao código-fonte.
I) No que respeita à decisão de julgar procedente o pedido reconvencional da Recorrida, a mesma encerra vícios no julgamento de direito, como a frontal violação do sinalagma contratual, o erro na qualificação jurídica do ato de extinção do Contrato e a aplicação de uma cláusula inaplicável ao caso,
J) Partindo, ainda, de um errado pressuposto de facto, traduzido na suposta ausência de justa causa para a cessação do Contrato. A decisão de procedência do pedido reconvencional assentou, ainda, num clamoroso erro no julgamento da matéria de facto, ao dar como provados valores alegados pela Recorrida que, além de expressamente impugnados pela Recorrente, não tinham suporte documental nem testemunhal.
K) Por estes motivos, detalhadamente aprofundados nas presentes alegações, a sentença recorrida não pode manter-se na ordem jurídica.
5.1. IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO
L) A prova documental (Docs. n.os 2, 3, 4 e 5 juntos à petição inicial, nenhum dos quais impugnado) e testemunhal (AA, BB, CC e DD, todas com conhecimento directo dos factos) produzida pela Recorrente impunha que os factos indicados sob as alíneas b) e c) da sentença recorrida tivessem sido, ao contrário do que sucedeu, dados como provados.
M) De igual forma, também deveria ter sido dado como provada a existência de repetidos incidentes, da exclusiva responsabilidade da Recorrida, que implicaram a indisponibilidade do serviço de software e problemas de performance da plataforma ..., conforme alegado no artigo 16.º da petição inicial.
N) A Meritíssima Juíza do Tribunal de 1.ª instância fundou a sua decisão de desvalorizar todas as falhas nos serviços prestados pela Recorrida à Recorrente em juízos pessoais e especulativos, sem razão de ciência nem objectividade.
O) Deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, eliminando-se as alíneas b) e c) da matéria de facto não provada e dando-se como provados os seguintes factos (numerados na sequência da numeração dos factos provados constante da sentença recorrida):
77) Houve repetidos incidentes que implicaram a indisponibilidade do serviço de software e problemas de performance da plataforma ..., exclusivamente imputáveis à Ré;
78) A Ré manifestou incapacidade de escalar a plataforma e de evoluir na solução técnica, tendo sido, ainda, responsável por diversas falhas na execução de updates;
79) A Ré demonstrou inaptidão para garantir uma adequada operação da plataforma ..., bem como assegurar a prestação de serviços adequados aos seu desenvolvimento.
P) Pelas mesmas razões, deve ser eliminado da matéria de facto provada o facto indicado sob o n.º 48), uma vez que o suposto carácter expectável de falhas e incidentes técnicos no decurso de contratos como o Contrato sub judice não passa de um juízo decorrente da desvalorização – injustificada, como se viu – dos problemas invocados e demonstrados pela Recorrente.
Q) Resulta da prova documental (Doc. n.º 6 junto à petição inicial, não impugnado) e testemunhal (EE, FF, AA, BB e CC) que o envio não autorizado de um email pela Recorrida, com conteúdo promocional da sua atividade, a utilizadores da plataforma ... e clientes da Recorrente, ficou plenamente demonstrado, pelo que deveria ter sido dado como provado, excluindo-se a alínea d) da sentença recorrida da matéria de facto não provada.
R) Também ficou provado, por documento e por depoimentos testemunhais, que a Recorrida (i) nunca enviou à Recorrente uma listagem completa dos emails enviados (enviados, recorde-se, com um domínio pertencente à Recorrente),
(ii) retirou os acessos da Recorrente à ferramenta que lhe permitiria visualizar os logs dos emails e (iii) apagou esses logs, impedindo a Recorrente de averiguar a amplitude do incidente e de agir, se necessário fosse, em conformidade com as normas legais aplicáveis.
S) É evidente que esta ocultação de informação, esta deliberada falta de transparência e de cooperação da Recorrida, gerou, junto da Recorrente, um sentimento de desconfiança (expressamente referido, com ênfase, pela testemunha CC, ex-funcionária da Recorrente) no seu parceiro contratual, não podendo a Recorrente evitar a impressão, seriamente fundada, de que a Recorrida lhe escondeu a verdadeira gravidade do seu erro.
T) Esta desconfiança minou a relação contratual entre a Recorrente e a Recorrida, já por si deteriorada em face das sucessivas falhas na qualidade dos serviços prestados pela Recorrida, nos termos acima descritos.
U) Por este motivo, também deveria ter sido dado como provado que o incidente do envio do email promocional não autorizado contribuiu para a deterioração da relação de confiança entre as partes, excluindo-se da matéria de facto não provada a alínea e) da sentença recorrida.
V) Em consequência do que se expôs, deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, eliminando-se as alíneas d) e e) da matéria de facto não provada e dando-se como provados os seguintes factos (numerados na sequência da numeração dos factos provados constante da sentença recorrida e dos factos provados cujo aditamento se requereu supra):
80) A Ré enviou um email não autorizado, com conteúdo promocional da sua actividade, a utilizadores da plataforma ... e clientes da Autora;
81) Tal incidente contribuiu para a deterioração da relação de confiança entre as partes.
W) O Tribunal a quo deu como provado que a Recorrente «desenvolveu, a partir de Outubro de 2017, uma plataforma e uma solução tecnológica alternativa à solução disponibilizada pela Ré, com a qual suportou custos» (cfr. facto provado indicado sob o n.º 67)), mas julgou como não provados os custos alegados pela Recorrente (cfr. alínea p) da sentença recorrida).
X) Porém, ao contrário do decidido, os custos alegados pela Recorrente foram demonstrados pela conjugação da prova documental (Docs. n.os 11 a 23 juntos à petição inicial) com a prova testemunhal (AA, BB, CC e DD) produzidas, pelo que deveriam ter sido dados como provados.
Y) Deve, por conseguinte, ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, eliminando-se a alínea p) da matéria de facto não provada e dando-se como provados os seguintes factos (numerados na sequência da numeração dos factos provados constante da sentença recorrida e dos factos provados cujo aditamento se requereu supra):
82) Os custos suportados pela Autora no desenvolvimento da plataforma e de uma solução tecnológica alternativa foram:
i) dos serviços de desenho da arquitectura A... Web Services, prestados pela R..., S.A., no montante total de €19.095,76;
ii) dos serviços de desenvolvimento dos sistemas A... Web Services, prestados pela E3.., S.A., no montante total de €211.267,76 (correspondente a 40% dos serviços prestados durante três meses em 2017 e ao longo de todo o ano de 2018);
iii) dos recursos humanos total ou parcialmente alocados ao projecto, no montante total de €305.815,90, de acordo com os quadros indicativos dos custos anuais suportados pela Autora com cada um dos colaboradores em 2017, 2018 e 2019.
Z) Ao dar como não provado o facto indicado na alínea w) da sentença recorrida, o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, porquanto esse preciso facto foi inequivocamente provado, quer pelo depoimento sereno e seguro da testemunha AA, quer pela confissão expressa do declarante de parte GG, administrador da Recorrida, ambos presentes na referida reunião.
AA) Na reunião de 10 de abril de 2019, AA comunicou explicitamente à administração da Recorrida que iam deixar de trabalhar com eles até ao final do ano de 2019, indicando os motivos, e que, nessa medida, o Contrato iria ser extinto – a testemunha confirmou-o, com enormes clareza e segurança, na audiência de julgamento.
BB) Em sede de declarações de parte da Recorrida, GG reconheceu que, na reunião de 10 de abril de 2019, a Recorrente lhe comunicou que a plataforma alternativa à plataforma ... estaria terminada até ao final do ano.
CC) Por outro lado, pese embora o declarante de parte GG tenha negado, em audiência, alguma vez ter pedido à testemunha AA o adiamento do envio da carta de resolução do Contrato, certo é que confirmou exactamente o contexto em que a testemunha AA afirmou ter recebido esse pedido (e que o justificava).
DD) Não só o administrador GG admitiu que a Recorrida se encontrava, na altura, à procura de novos investidores, como declarou que, em agosto de 2019, comunicou a um dos investidores que a relação contratual com a Recorrente ia cessar, o que terá causado a perda de interesse no investimento.
EE) Ao ter comunicado ao investidor, em agosto de 2019, que o Contrato ia cessar, a Recorrida sabia – porque lhe foi dito na reunião de 10 de abril de 2019 – que ia terminar a sua prestação de serviços à Recorrente até ao final do ano.
FF) Por todas estas razões, deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, eliminando-se as alíneas w), x), y) e z) da matéria de facto não provada e dando-se como provados os seguintes factos (numerados na sequência da numeração dos factos provados constante da sentença recorrida e dos factos provados cujo aditamento se requereu supra):
83) Na reunião realizada a 10 de abril de 2019, a Autora comunicou que a extinção do contrato ocorreria até ao final do ano e que seria enviada à Ré uma carta de resolução formal do contrato;
84) Essa missiva só não foi logo enviada porque a Ré, através do seu administrador GG, pediu a seguir a essa reunião que a Autora não remetesse tal carta de resolução;
85) Devido ao facto de a Ré se encontrar em processo de aumento de capital, no contexto do qual a extinção do contrato com a Autora teria, na perspectiva de entrada de novos investidores, efeitos devastadores;
86) De boa fé, apesar de ter deixado clara a vontade de pôr termo ao contrato, a Autora assentiu em adiar o envio da carta formal de resolução à Ré.

GG) O facto indicado sob a alínea u) dos factos não provados deveria, pelo contrário, ter sido dado como provado, em consonância com o facto provado n.º 59) – que reproduz um documento não impugnado (Doc. n.º 7 junto à petição inicial) – e com a prova testemunhal coerentemente produzida (AA e BB).
HH) Resulta, com clareza, do teor do Doc. n.º 7 junto à petição inicial (reproduzido como facto provado n.º 59) da sentença recorrida) que a Recorrente está a informar a Recorrida de que a plataforma ... deixou de ser utilizada, motivo pelo qual se indicam algumas das medidas a tomar para concluir o processo de “descomissionamento” – no fundo, de encerramento – da plataforma ....
II) A menção à remoção da entrada r....pt e o pedido de eliminação de todos os dados de clientes – o qual pressupõe que, à data, a plataforma já não estava a ser utilizada por nenhum cliente – evidenciam, em particular e sem margem para dúvidas, o fim da plataforma ....
JJ) O depoimento da testemunha BB confirma, ainda, que à data do email (18 de novembro de 2019), a migração dos clientes da plataforma ... já estava finda.
KK) Requer-se, pois, a alteração da decisão sobre a matéria de facto, eliminando-se a alínea u) da matéria de facto não provada e dando-se como provado o seguinte facto (numerado na sequência da numeração dos factos provados constante da sentença recorrida e dos factos provados cujo aditamento se requereu supra):
87) A Autora comunicou à Ré a descontinuação da plataforma em novembro de 2019, em virtude dessa plataforma ter deixado de albergar os clientes da Autora, progressivamente migrados a partir de abril de 2019.
LL) Os factos dados como provados sob o n.os 54) e 55) da sentença recorrida não correspondem à verdade e evidenciam uma total incompreensão, por parte do Tribunal a quo, de toda a temática relacionada com o código-fonte, do que significa utilizar a plataforma com autonomia e do tipo de desenvolvimentos contratados a outros prestadores de serviços externos.
MM) Do depoimento da testemunha BB e das declarações de parte de GG resulta que só quem tivesse o código-fonte – e, no caso de qualquer outra entidade que não a Recorrida, o código fonte comentado e documentado – é que poderia executar e desenvolver a plataforma ....
NN) É facto assente que «[a] Ré não procedeu à entrega do código-fonte» à Autora, ora Recorrente (cfr. facto provado sob o n.º 50) da sentença recorrida), o que significa que a falta dessa entrega do código-fonte impediu a Recorrente de utilizar (sobretudo, desenvolver) a plataforma ... com autonomia relativamente à Recorrida, sujeitando a Recorrente a ficar dependente da Recorrida para realizar desenvolvimentos na plataforma.
OO) O Contrato estabelecia, expressamente, que a Recorrente podia «solicitar desenvolvimentos a outros fornecedores» (cfr. Artigo Quatro, n.º 2, do Doc. n.º 1 junto à petição inicial), mas para que a Recorrente pudesse solicitar desenvolvimentos a outros fornecedores, necessitava de ter o código-fonte comentado e documentado, a fim de o tornar legível para o(s) terceiro(s) que viesse a contratar, tal como também precisava do código-fonte comentado e documentado para poder, interna e autonomamente, desenvolver a plataforma, conforme explicou a testemunha AA.
PP) Destarte, como o código-fonte (comentado ou sem comentários) não lhe foi entregue pela Recorrida, a Recorrente ficou impossibilitada de utilizar a plataforma ... com autonomia e de se libertar da dependência técnica que, dessa forma, lhe foi imposta pela Recorrida.
QQ) Houve outros fornecedores da Recorrente que lhe prestaram serviços relacionados com a solução ..., mas nenhum deles tinha condições para desenvolver a plataforma, porque a Recorrida nunca entregou o código-fonte comentado e documentado à Recorrente – mais ninguém, além da Recorrida, alguma vez executou desenvolvimentos na plataforma ....
RR) Em resultado do exposto, deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, eliminando-se os números 54) e 55) do elenco de factos provados e a alínea m) da matéria de facto não provada, e dando-se como provado o seguinte facto (numerado na sequência da numeração dos factos provados constante da sentença recorrida e dos factos provados cujo aditamento se requereu supra):
88) A falta de acesso ao código-fonte impediu a Autora de utilizar a plataforma ... com autonomia, nomeadamente de contratar outros prestadores de serviços para a desenvolverem, sujeitando-a à dependência técnica da Ré.
SS) Nenhum dos valores dados como provados nos números 73), 74) e 75) da sentença recorrida foi minimamente demonstrado pela Recorrida – que os alegou em sede de reconvenção –, além de todos terem sido expressamente impugnados pela Recorrente.
TT) Com efeito, a Recorrida não só não juntou qualquer documento comprovativo daqueles valores mensais (que se limitou a indicar no artigo 177.º da contestação), como nenhuma testemunha confirmou que aqueles fossem os valores mensais devidos pelos serviços de suporte e manutenção, de armazenamento de dados e de alojamento.
UU) Os valores mensais dos serviços de suporte e manutenção, de armazenamento de dados e de alojamento, dados como provados na sentença recorrida, não passaram de mera alegação da Recorrida, sem qualquer meio de prova que os confirmasse.
VV) Acresce que esses valores mensais, alegados no artigo 177.º da contestação, foram especificamente impugnados pela Recorrente no artigo 63.º da réplica, circunstância totalmente ignorada na sentença recorrida, na qual tão-pouco se aponta qualquer fundamento para concluir pela prova daqueles valores.
WW) Ora, perante a absoluta falta de prova dos valores mensais em questão e a respectiva impugnação, torna-se insofismável que os mesmos não podiam ter sido dados como provados.
XX) Assim, deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, eliminando-se os factos indicados sob os n.os 73), 74) e 75) do elenco de factos provados, o que desde já se requer.
Em resumo,
YY) Devem ser dados como provados os seguintes factos (numerados na sequência da numeração dos factos provados constante da sentença recorrida):
77) Houve repetidos incidentes que implicaram a indisponibilidade do serviço de software e problemas de performance da plataforma ..., exclusivamente imputáveis à Ré;
78) A Ré manifestou incapacidade de escalar a plataforma e de evoluir na solução técnica, tendo sido, ainda, responsável por diversas falhas na execução de updates;
79) A Ré demonstrou inaptidão para garantir uma adequada operação da plataforma ..., bem como assegurar a prestação de serviços adequados aos seu desenvolvimento.
***
80) A Ré enviou um email não autorizado, com conteúdo promocional da sua actividade, a utilizadores da plataforma ... e clientes da Autora;
81) Tal incidente contribuiu para a deterioração da relação de confiança entre as partes.
***
82) Os custos suportados pela Autora no desenvolvimento da plataforma e de uma solução tecnológica alternativa foram:
i) dos serviços de desenho da arquitetura A... Web Services, prestados pela R..., S.A., no montante total de €19.095,76;
ii) dos serviços de desenvolvimento dos sistemas A... Web Services, prestados pela E3.., S.A., no montante total de €211.267,76 (correspondente a 40% dos serviços prestados durante três meses em 2017 e ao longo de todo o ano de 2018);
iii) dos recursos humanos total ou parcialmente alocados ao projeto, no montante total de €305.815,90, de acordo com os quadros indicativos dos custos anuais suportados pela Autora com cada um dos colaboradores em 2017, 2018 e 2019.
***
83) Na reunião realizada a 10 de abril de 2019, a Autora comunicou que a extinção do contrato ocorreria até ao final do ano e que seria enviada à Ré uma carta de resolução formal do contrato;
84) Essa missiva só não foi logo enviada porque a Ré, através do seu administrador GG, pediu a seguir a essa reunião que a Autora não remetesse tal carta de resolução;
85) Devido ao facto de a Ré se encontrar em processo de aumento de capital, no contexto do qual a extinção do contrato com a Autora teria, na perspetiva de entrada de novos investidores, efeitos devastadores;
86) De boa-fé, apesar de ter deixado clara a vontade de pôr termo ao contrato, a Autora assentiu em adiar o envio da carta formal de resolução à Ré.
***
87) A Autora comunicou à Ré a descontinuação da plataforma em novembro de 2019, em virtude dessa plataforma ter deixado de albergar os clientes da Autora, progressivamente migrados a partir de abril de 2019.
***
88) A falta de acesso ao código-fonte impediu a Autora de utilizar a plataforma ... com autonomia, nomeadamente de contratar outros prestadores de serviços para a desenvolverem, sujeitando-a à dependência técnica da Ré.
ZZ) Coerentemente, devem excluir-se da matéria de facto não provada as alíneas b), c), d), e), m), p), u), w), x), y) e z).
AAA) Devem, ainda, excluir-se da matéria de facto provada, por serem falsos ou porque não foram provados, os seguintes factos dados como provados na sentença recorrida: números 48), 54), 55), 73), 74) e 75).
5.2. IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE DIREITO
BBB) A decisão de julgar improcedente a presente acção, absolvendo a Recorrida do pedido formulado pela Recorrente, padece, além dos graves erros na apreciação da prova e no julgamento da matéria de facto supra enunciados, de relevantes erros no julgamento da matéria de direito.
CCC) Ficou demonstrado que as sucessivas falhas nos serviços prestados pela Recorrida – que se agudizaram à medida que o tempo passava e o número de utilizadores da plataforma ... aumentava – geraram, no seio da Recorrente, desconfiança quanto à capacidade da Recorrida para prestar adequadamente os serviços contratados,
DDD) Culminando com o incidente do envio do email promocional não autorizado (grave por si, mas agravado pela reacção subsequente da Recorrida de ocultação de informação), que alargou o objecto daquele sentimento à transparência da Recorrida enquanto parceiro contratual.
EEE) Houve, pois, uma justificada quebra de confiança na Recorrida, primeiro na sua aptidão para satisfazer os fins do Contrato e, depois, na sua lealdade, particularmente essencial em contratos de execução duradoura.
FFF) Essa quebra de confiança teve como consequência a perda de interesse da Recorrente na manutenção do vínculo contratual.
GGG) A perda de interesse deve ser apreciada objectivamente (cfr. artigo 808.º, n.º 2, do CC), mas «[a] objectividade da avaliação da perda de interesse do credor não significa que se não possa atender ao interesse subjectivo do credor e aos fins por ele visados, podendo resultar condições e expectativas que, na execução do negócio, venham a condicionar a sua execução».
HHH) Essa perda de interesse «é apreciada objectivamente, refere o n.º2 do preceito [artigo 808.º do CC]. Todavia, “isso significa apenas que o credor não deve rejeitar a prestação a seu bel-prazer, mas apenas com fundamento em interesses ou motivos dignos de tutela. Esses interesses ou motivos dignos de tutela serão por via de regra motivos ligados aos fins subjectivos do credor, aqueles fins cuja satisfação determinava a prestação.” (Baptista Machado, Obra Dispersa, I, 151). Corresponde tal à finalidade geral da obrigação, sendo, portanto, na satisfação ou insatisfação dos fins visados pelo credor que deve ser situado o fulcro da decisão».
III) Recorde-se que o Contrato é um contrato de prestação de serviços de operação, manutenção e desenvolvimento de uma solução de software de gestão avançada de energia (cfr. Doc. n.º 1 junto à petição inicial).
JJJ) Eram esses os fins visados pelo Contrato e, portanto, pela Recorrente: a adequada operação e manutenção da plataforma ..., bem como o respetivo desenvolvimento, acompanhando a evolução tecnológica e o aumento do número de utilizadores, desde logo previsto no Artigo Onze do Contrato e que se veio a concretizar, conforme se deu como provado no facto 66) da sentença recorrida: «O número de clientes que utilizava a plataforma ... foi sempre crescente, passando de 337 em 2013 para 22.040 em 3.04.2019».
KKK) Provou-se, contudo, que a Recorrida se revelou incapaz de alcançar esses fins, o que resultou na perda de interesse da Recorrente em prosseguir a relação contratual.
LLL) Nesta senda, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que «nas relações contratuais que, pela sua própria natureza perduram no tempo, é relevante a justa causa em que a violação dos deveres contratuais por parte de um contraente determina a perda de interesse na continuação da relação contratual por parte de outro contraente, caso em que ocorre uma situação de incumprimento definitivo justificativa do exercício válido do direito à resolução, sem necessidade de recurso prévio à interpelação admonitória prevista no art.º 808º, nº 1, do C. Civil».
MMM) Por outro lado, «o incumprimento é, por natureza, definitivo quando é gerador de perda de confiança na contraparte, pela sua gravidade e carácter “sintomático”, de tal maneira que torna desrazoável manter o credor adstrito à sua obrigação: existe, neste caso, “justa causa” de resolução. […] uma vez quebrada a confiança, não poderá, por definição, ser reposta tornando inexigível o prolongamento da relação obrigacional. Por isso, estamos sempre perante hipóteses em que o incumprimento, pelas características que reveste, é imediatamente tido por definitivo (dispensando, portanto, a interpelação admonitória)».
NNN) A perda de confiança da Recorrente na Recorrida atingiu o seu pináculo com o incidente do email promocional não autorizado, em que a Recorrida agiu de forma descuidada (com o envio) e pouco leal e transparente (na reacção), conforme já se evidenciou.
OOO) Do exposto resulta que a quebra da confiança e a consequente perda de interesse alegadas e demonstradas pela Recorrente constituem fundamento, ou justa causa, de resolução do Contrato.
PPP) Conclui-se, pois, que o conjunto de factos provados numerados pela Recorrente de 77) a 81) impõe uma decisão de direito oposta à proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, i.e., uma decisão que reconheça a existência de fundamento para a resolução do Contrato pela Recorrente.
QQQ) Reconhecendo-se que a resolução declarada pela Recorrente foi fundada – e, portanto, lícita –, deveria o Tribunal extrair as devidas ilações legais, nomeadamente confirmando que a resolução produziu efeitos imediatos (cfr. artigo 436.º, n.º 1, do CC) e conhecendo do direito à indemnização (cfr. artigo 801.º, n.º 2, do CC) exercido pela Recorrente.
RRR) Nada disto foi feito pelo Tribunal a quo, em violação das normas previstas nos artigos 808.º, n.º 1, 801.º, n.º 2, e 436.º, n.º 1, do CC.
SSS) Pelo que deverá o Tribunal ad quem reconhecer fundamento para a resolução do Contrato pela Recorrente e, nessa medida, a sua licitude,
TTT) E, em consequência, declarar que a resolução operou imediatamente (com eficácia produzida pela comunicação de 30 de março de 2020) e conhecer do direito indemnizatório exercido pela Recorrente, à luz dos factos que deviam ter sido dados como provados e do direito aplicável.
UUU) Estabelece o artigo 801.º, n.º 2, do CC que o direito de resolução é independente do direito à indemnização.
VVV) Com efeito, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação – sendo essa culpa presumida – torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (cfr. artigos 798.º e 799.º, n.º 1, do CC),
WWW) Traduzindo-se tal responsabilidade no dever de indemnizar consagrado no artigo 562.º do CC, que determina a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – entenda-se, no caso da responsabilidade contratual, se não tivesse havido incumprimento, ou seja, se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido.
XXX) Ora, se a Recorrida tivesse cumprido devidamente as suas obrigações contratuais, prestando adequados serviços de operação, manutenção e desenvolvimento da plataforma ... e entregando o código-fonte, a Recorrente não se teria visto forçada a investir numa solução tecnológica alternativa à existente, para dessa forma alcançar o desiderato contratual frustrado pela Recorrida.
YYY) Por outras palavras, se não tivesse havido incumprimento por banda da Recorrida, a Recorrente não teria suportado um custo avultado com o desenvolvimento de uma nova plataforma, necessária para a prestação de um serviço de qualidade aos seus clientes.
ZZZ) Tem-se, assim, por verificado o nexo de causalidade previsto no artigo 563.º do CC.

AAAA) Deu-se como provado que a Recorrente «desenvolveu, a partir de Outubro de 2017, uma plataforma e uma solução tecnológica alternativa à solução disponibilizada pela Ré, com a qual suportou custos» (cfr. facto provado n.º 67) da sentença recorrida).
BBBB) Tal como se explicou anteriormente, os concretos custos suportados pela Recorrente também deveriam ter sido dados como provados (ao invés de terem sido dados como não provados na alínea p) da sentença recorrida).
CCCC) Incumbe, pois, à Recorrida a obrigação de indemnizar a Recorrente, segundo o método da teoria da diferença acolhido pelo artigo 566.º, n.º 2, do CC, ao abrigo do qual deve ser condenada no pagamento do montante de € 536.179,42, correspondente ao custo do aludido investimento, acrescido de juros de mora, o que desde já se requer.
DDDD) Ao absolver a Recorrida deste pedido de condenação, o Tribunal violou as normas previstas nos artigos 562.º, 563.º, 798.º, 799.º, n.º 1, e 801.º, n.º 2, do CC.
EEEE) Cumpre realçar que se a Recorrente resolvesse o Contrato sem dispor de uma alternativa à plataforma ..., o serviço prestado aos seus milhares de clientes ficaria posto em causa, porquanto deixaria de existir plataforma.
FFFF) Deste modo, para evitar a disrupção do serviço prestado e garantir a respectiva qualidade, a Recorrente não teve outra hipótese – uma vez que não dispunha do código-fonte, que lhe permitiria desenvolver, ou contratar terceiros para desenvolverem, a plataforma ... – que não fosse a de manter o Contrato até concluir uma nova plataforma.
GGGG) A Recorrente não pode concordar com a interpretação feita pelo Tribunal de 1.ª instância da cláusula contratual relativa ao código-fonte, porque colide com o texto da cláusula em questão, bem como com o sentido que as partes lhe deram de acordo com a prova testemunhal produzida (AA e BB), em violação das normas previstas nos artigos 236.º e 238.º, n.º 1, do CC.
HHHH) A correta interpretação do Artigo Cinco do Contrato leva à conclusão de que o código-fonte documentado tinha de ser entregue, pela Recorrida à Recorrente, e validado previamente ao respectivo depósito em conta Escrow.
IIII) É este o sentido literal e real do n.º 1 e do n.º 3 do Artigo Cinco do Contrato – apurado nos termos do disposto nos artigos 236.º e 238.º, n.º 1, do CC –, ao determinarem que o código-fonte será entregue «devidamente documentado» e que o código-fonte «validado será depositado numa conta ESCROW».
JJJJ) Atendendo a que a Recorrida não entregou o código-fonte à Recorrente (cfr. facto provado sob o n.º 50) da sentença recorrida), nem o mesmo foi objecto de validação, a Recorrente nenhuma obrigação tinha de abrir uma conta Escrow, que só servia para alojar o código documentado e validado.
KKKK) Deve, pois, concluir-se que a Recorrida incumpriu a obrigação de entregar o código-fonte documentado à Recorrente – entrega que, note-se, não estava dependente de interpelação da Recorrida para o efeito –,
LLLL) Incumprimento esse que também serve de fundamento à resolução do Contrato declarada pela Recorrente, ao contrário do decidido na sentença recorrida, e reforça o nexo de causalidade entre a actuação da Recorrida e os custos suportados pela Recorrente, uma vez que, se a Recorrente tivesse na sua posse o código-fonte documentado, poderia ter explorado a via de desenvolver a plataforma ... com autonomia (internamente ou com recurso a outros prestadores de serviços), ao invés de criar uma nova plataforma, “do zero”, com todos os encargos inerentes.
MMMM) A Recorrente também não se conforma com a decisão de julgar o pedido reconvencional procedente, condenando-se a Recorrente nos termos requeridos pela Recorrida, porquanto a mesma se ancora em relevantes erros de julgamento, sobretudo na subsunção dos factos ao direito e na aplicação de cláusulas contratuais.
NNNN) Na sentença recorrida deu-se como provado, no facto n.º 56), que «[o] último pedido de desenvolvimentos da plataforma solicitado à Ré teve lugar em Setembro de 2018».
OOOO) Porém, o Tribunal a quo concluiu que a Recorrente devia proceder ao pagamento da bolsa de horas (que remunera os serviços de desenvolvimento) respeitante ao ano de 2019 e ao 1.º trimestre de 2020.
PPPP) Discorda-se, veementemente, de tal decisão, porquanto a mesma constitui uma frontal violação do sinalagma contratual.
QQQQ) Decorre do Contrato que, através da alocação de determinado número de horas mensal à execução dos serviços de desenvolvimento, a Recorrida era remunerada pelo valor correspondente a esse número de horas, desde que aqueles serviços fossem solicitados pela Recorrente e efectivamente prestados pela Recorrida (independentemente do número de horas efectivamente gasto).
RRRR) A bolsa de horas remunerava, assim, o desenvolvimento pela Recorrida de novas funcionalidades da dita plataforma, a pedido da Recorrente, sendo este o sinalagma contratual, no que aos serviços de desenvolvimento concerne.
SSSS) Sucede que, em face da incapacidade da Recorrida para escalar a plataforma e evoluir na solução técnica, bem como da ocorrência de diversas falhas na execução de updates da responsabilidade da Recorrida, a Recorrente deixou de lhe fazer pedidos de desenvolvimento da plataforma ... – em plena consonância, aliás, com a já referida perda de interesse na manutenção do Contrato –, tendo o último serviço de desenvolvimento sido solicitado (e prestado) no final de 2018, mais precisamente em setembro, conforme se provou.
TTTT) Desde então, a Recorrida não voltou a prestar serviços de desenvolvimento à Recorrente, razão pela qual a pretensão da Recorrida de obter pagamento da bolsa de horas relativa ao ano de 2019 e ao 1.º trimestre de 2020 – período em que não prestou quaisquer serviços de desenvolvimento – é manifestamente abusiva e alheia à correspetividade inerente ao Contrato, não podendo ser admitida.
UUUU) «Nos contratos sinalagmáticos a obrigação assumida por um dos contraentes constitui a razão do surgimento da prestação contraída pelo outro, que se apresenta, assim, como sua contraprestação. O sinalagma liga entre si as prestações essenciais»
VVVV) «A configuração dos contratos sinalagmáticos assenta na ideia de interdependência entre as obrigações que deles reciprocamente emergem para ambas as partes, impondo a justiça comutativa que o devedor de cada uma dessas obrigações só possa ser compelido a executá-la se o devedor da outra também cumprir»
WWWW) Não há dúvida de que o Contrato era um contrato sinalagmático, que gerava uma relação de interdependência entre as obrigações assumidas pela Recorrida e pela Recorrente, nomeadamente entre a obrigação de prestar os serviços de desenvolvimento solicitados e a obrigação de os remunerar.
XXXX) Deste modo, se não foram prestados serviços de desenvolvimento pela Recorrida no ano de 2019 e no 1.º trimestre de 2020, não é devida pela Recorrente a contraprestação correspondente – com efeito, a contraprestação pressupõe uma prestação.
YYYY) Não se discute que o intuito da bolsa de horas seja o de fixar um valor a pagar independentemente de serem trabalhadas, em determinado mês, horas a mais ou horas a menos, mas presume, naturalmente, que algumas horas sejam trabalhadas, que algum serviço seja prestado.
ZZZZ) Ao condenar a Recorrente no pagamento da bolsa de horas pedida pela Recorrida, o Tribunal a quo condenou-a a pagar um serviço que não foi prestado, condenou-a a efectuar uma contraprestação sem que tenha sido realizada a imprescindível prestação.
AAAAA) Nessa medida, o pedido reconvencional da Recorrida foi abusivo, conforme alegado na réplica, e, portanto, contrário à boa-fé que deve pautar as relações contratuais. Ao acolher esse pedido, o Tribunal de 1.ª instância violou, pois, o artigo 762.º, n.os 1 e 2, do CC.
BBBBB) Motivos pelos quais deverá a sentença recorrida ser revogada desde logo nessa parte, julgando-se improcedente o pedido reconvencional de condenação da Recorrente no pagamento da bolsa de horas, o que desde já se requer.
CCCCC) Considerando o facto provado n.º 59) e dando-se como provados os factos numerados pela Recorrente como 83) e 87) (nos termos requeridos em sede de impugnação da matéria de facto), concluir-se-á que, em 2020, a plataforma ... já estava descontinuada, já não tinha utilizadores, pelo que não carecia de qualquer serviço de suporte e manutenção, armazenamento de dados ou alojamento.
DDDDD) Por esse motivo, a Recorrente nada devia à Recorrida por referência ao 1.º trimestre de 2020 e, nessa medida, a sua condenação no pagamento de serviços de suporte e manutenção, de armazenamento de dados e de alojamento relativamente àquele período deve ser revogada.
EEEEE) Mas além disso, conforme acima se expôs, nenhum dos valores mensais daqueles serviços foi minimamente demonstrado pela Recorrida – não juntou nenhum documento comprovativo desses valores e nenhuma testemunha os confirmou – e todos foram expressamente impugnados pela Recorrente no artigo 63.º da réplica.
FFFFF) Estas circunstâncias foram totalmente ignoradas na sentença recorrida – em flagrante violação das regras sobre o ónus da prova, sobretudo do artigo 342.º, n.º 1, do CC –, na qual tão-pouco se apontou qualquer fundamento para concluir pela prova daqueles valores.
GGGGG) A Recorrente já requereu, por isso, a eliminação da matéria de facto provada dos factos indicados sob os n.os 73), 74) e 75),
HHHHH) Alteração essa que, sendo acolhida pelo Tribunal ad quem como se espera, determinará necessariamente a improcedência do pedido reconvencional de condenação da Recorrente no pagamento dos valores supostamente devidos pelos serviços de suporte e manutenção, de armazenamento de dados e de alojamento referentes ao 1.º trimestre de 2020, o que desde já se requer.
IIIII) É indubitável que a Recorrente resolveu o Contrato, resolução essa fundada, conforme se explicou nas comunicações escritas, no reiterado incumprimento, por parte da Recorrida, das suas obrigações contratuais, que, como se alegou e comprovou nestes autos, gerou na Recorrente uma quebra de confiança e uma consequente perda de interesse na manutenção do Contrato.
JJJJJ) Esse fundamento distingue a resolução da denúncia, ambas declarações unilaterais da vontade de fazer cessar um contrato. Ao passo que a resolução é motivada por incumprimento contratual, ou por alteração anormal da base negocial que atinge o equilíbrio das prestações, a denúncia é imotivada, é exercida ad nutum, de modo discricionário.
KKKKK) É, portanto, evidente que o Contrato não foi denunciado pela Recorrente.
LLLLL) Convencionou-se, no Artigo Trinta e Dois, n.º 2, do Contrato, um direito de rescisão livre, incondicionado e sem necessidade de qualquer justificação para o seu exercício. Um tal direito não se coaduna com o instituto jurídico da resolução, antes se reconduzindo à figura da denúncia, algo que a própria Recorrida reconheceu no artigo 138.º da contestação.
MMMMM) Neste sentido aponta, também, o facto de se estabelecer uma antecedência mínima desde a declaração de rescisão até à extinção do vínculo contratual, porquanto «o exercício do direito potestativo de denúncia deverá ser precedido de um aviso prévio, o que significa que tem de ser comunicada com alguma antecedência relativamente à data em que a cessação produzirá efeitos, para que a parte destinatária dessa declaração se possa precaver quanto ao facto de o vínculo contratual se extinguir em breve».
NNNNN) Ao invés, a resolução, porque sujeita à verificação de uma situação de incumprimento ou de alteração anormal das circunstâncias, opera de imediato, sem dependência da observância de qualquer pré-aviso.
OOOOO) Conforme elucida o Supremo Tribunal de Justiça, as diferentes naturezas da resolução e da denúncia «justifica[m] que a denúncia só produz os efeitos após o decurso de um prazo, a resolução produz efeitos imediatos e retroactivos».
PPPPP) Do exposto resulta que o condicionamento de tempo (pré-aviso de 180 dias) previsto no Artigo Trinta e Dois, n.º 2, do Contrato não tem aplicação ao caso sub judice, pois é aplicável à denúncia e não à resolução, sobre a qual Recorrente e Recorrida nada convencionaram, pelo que a resolução declarada pela Recorrente em 30 de março de 2020 não envolveu a violação da referida cláusula contratual, nem de qualquer outra.
QQQQQ) Acresce que, ainda que se convocasse o regime jurídico do mandato e da sua revogabilidade, como fizeram a Recorrida e o Tribunal a quo, para daí tentar extrair uma obrigação de indemnização, a cargo do mandante, por revogação sem antecedência (cfr. artigo 1172.º, alínea c), do CC), nunca tal pretensão mereceria provimento, quer porque «[a] figura da revogação não corresponde à da resolução do contrato»49 (e a Recorrente, repete-se, resolveu o Contrato), quer porque a obrigação de indemnização prevista no artigo 1172.º do CC «só existirá no caso de a revogação não se basear em justa causa»50 e a declaração de cessação contratual emitida pela Recorrente (mesmo que entendida como revogação, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, sem conceder) foi fundada, conforme se demonstrou supra em §3.a., §3.b, §4.a. e §4.c.
RRRRR) Em suma, uma vez que a Recorrente resolveu, não denunciou, o Contrato, conclui-se que não violou o respectivo Artigo Trinta e Dois (porque inaplicável à resolução), razão pela qual não tem qualquer obrigação de indemnizar a Recorrida pelo suposto incumprimento do pré-aviso de 180 dias ali previsto.
SSSSS) Tanto é quanto basta para revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Recorrente no pagamento de indemnização correspondente ao pré- aviso alegadamente em falta, o que se requer.
TTTTT) Sem prejuízo do exposto, cumpre recordar que a Recorrida já conhecia a intenção da Recorrente de resolver o Contrato desde abril de 2019 (cfr. facto provado n.º 76) da sentença recorrida).
UUUUU) Este facto, assim como os factos numerados pela Recorrente de 83) a 87) e que se devem dar como provados pelo Tribunal ad quem, são reveladores de que o pedido reconvencional da Recorrida, baseado no (inexistente) incumprimento do pré-aviso de 180 dias relativamente à produção de efeitos da cessação do Contrato, assenta na ficção de que a Recorrida, à data da resolução, desconhecia tal intenção da Recorrente e precisava de ser avisada com antecedência da extinção do vínculo contratual, quando, na verdade, já há muito sabia que o Contrato iria cessar, desnecessitando, por isso, da tutela precautória do aviso prévio.
VVVVV) Entende, pois, a Recorrente que esta reconvenção encerra uma conduta da Recorrida contrária à boa-fé que deve pautar as relações contratuais (mesmo depois de extintas).
WWWWW) Consequentemente, tendo o Tribunal a quo sufragado a tese da Recorrida, julgando a reconvenção procedente, acolheu uma solução jurídica contrária aos ditames da boa-fé contratual.
XXXXX) Em face do exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada também na parte em que julgou procedente o pedido reconvencional de condenação da Recorrente no pagamento de indemnização por suposto incumprimento do pré-aviso contratualmente previsto, por aplicação de norma (artigo 1172.º, alínea c), do CC) e cláusula contratual (Artigo Trinta e Dois, n.º 2, do Contrato) inaplicáveis ao caso sub judice e, ainda, por violação do princípio da boa-fé ínsito no artigo 762.º, n.º 2, do CC.
YYYYY) Por tudo quanto se expôs nas presentes alegações em matéria de facto e de direito, deverá a sentença recorrida ser revogada, julgando-se a acção procedente e a reconvenção improcedente, nos termos e com os fundamentos supra expostos.
*
Por seu turno a Ré/Apelada conclui do seguinte modo as suas contra alegações:
A. Interpôs a Autora E1..., S.A., ora Recorrente, recurso de apelação da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual:
i. Julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Recorrida do pedido de pagamento da quantia de €536.179,42, acrescido de juros de mora contados desde a data de citação até efectivo e integral pagamento; e,
ii. Julgou a reconvenção totalmente procedente e, em consequência, condenou a Recorrente no pagamento à Recorrida da quantia de €443.917,61, acrescida de juros de mora, à taxa em vigor para as operações comerciais, contados desde a data da notificação da contestação e até efectivo e integral pagamento.
B. Por não se conformar com os fundamentos, nem com o sentido da referida decisão judicial, a Recorrente interpôs recurso de apelação, impugnado a matéria de facto dado como provada e como não provada, bem como invocando o erro de julgamento de Direito do Tribunal a quo.
C. Contudo, a sentença proferida pelo Tribunal a quo e ora colocada em crise pela Recorrente é, a nosso ver, justa e inatacável, demonstrando uma correcta valoração da prova junta aos autos e produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como uma irrepreensível aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos dados como provados.
D. Antes de nos debruçarmos sobre as concretas razões que impõem a improcedência do alegado erro de julgamento de facto, cumpre, desde logo, fazer umas breves considerações que assumem especial acutilância para a sorte do Recurso ao qual se responde.
E. Na verdade, e como foi confirmado pelo Tribunal a quo, os factos nos quais se alicerça a Recorrente - de forma a sustentar a sua pretensão indemnizatória - nada têm de sérios, porquanto se afiguram adulterados e distorcidos, com o simples e singelo intuito de ficcionar um “motivo legalmente válido” para cessar a relação contratual que mantinha com a Recorrida.
F. Com efeito, e como resulta cristalino da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como da prova documental junta aos autos, o alegado incumprimento do contrato de prestação de serviços por parte da Recorrida, não mais se trata que uma tentativa infrutífera de a Recorrente ocultar o facto de ter desenvolvido uma plataforma semelhante à ..., com menos custos associados, e, por tal motivo, ter perdido o interesse na manutenção do contrato em crise.
G. A tese de incumprimento da Recorrida que a Recorrente pretende, a todo o custo, fazer vingar, é, com o devido respeito, um emaranhado de contradições e atropelos, de factos distorcidos da realidade que não podem merecer a tutela do Direito. Toda a alegação da Recorrente não é mais de que uma mão cheia de nada, e outra, cheia de coisa alguma.
*
DO ALEGADO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO
H. Percorrida a fundamentação da decisão recorrida no que importa à matéria de facto dada como provada e não provada, verifica-se que a mesma encontra-se bem fundamentada, num discurso coerente e lógico com a prova produzida em audiência e discussão de julgamento e com documentos junto aos autos.
DAS ALEGADAS FALHAS NA QUALIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELA RECORRIDA À RECORRENTE [OS FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS INDICADOS SOB AS ALÍNEAS B) E C) E O FACTO PROVADO INDICADO SOB O N.º 48]
I. Entende a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao dar como não provado os factos constantes das alíneas b) e c) do rol fáctico, bem como a dar como provado o facto n.º 48.
J. Importa salientar, e como bem refere o Tribunal a quo, as testemunhas da Recorrente não apresentaram um depoimento coerente e credível. De facto, e como certamente o Tribunal ad quem confirmará na audição das gravações das sessões da audiência de discussão e julgamento, as testemunhas da Recorrente apresentaram um discurso vago e impreciso, reportando-se essencialmente ao conteúdo dos emails junto aos autos pela mesma (e que, note-se, não possuem o valor probatório necessário para que se possa concluir pelo incumprimento grave e reiterada da Recorrida que justifica a resolução do contrato de prestação de serviços).
K. No que importa ao facto dado como provado n.º 48, entende a Recorrida que dúvidas não podem existir quanto ao facto de “no âmbito do fornecimento de uma plataforma complexa de software, com serviços avançados de telemetria e sistemas de automação remota de equipamentos distribuídos por um número de habitações que chegou a ascender a milhares, é expectável a ocorrência de falhas e de incidentes técnicos no decurso de contratos como aquele que foi celebrado entre as partes”.
L. De facto, por tal razão, o contrato de prestação de serviços previa expressamente a menção aos tempos de resposta no seu artigo 1263. Acresce que, a existência de falhas e incidentes numa plataforma de software assume-se como um facto notório.
M. Ademais, a testemunha da Recorrente DD, responsável pelo suporte e acompanhamento do negócio do ..., afirmou, perentoriamente, considerar natural a ocorrência de erros nestas plataformas, tal como a ocorrência de períodos de inoperacionalidade associados a updates, e que os contratos devem ter isso em conta (Áudio Gravação 20211004145359_15761139_2871606.wma, gravação minutos início às 17:19 e fim às 18:03 da audiência e discussão de julgamento de 04.10.2021)65.
Acresce que,
N. O pecado capital da Recorrente, no que importa ao alegado incumprimento da Recorrida, reside no facto de esta não ter feito prova dos tempos de resposta (P0, P1 e P2) perante falhas e incidentes relacionados com a performance da plataforma e evolução na solução técnica.
O. Com efeito, em nenhum momento, a Recorrente apresenta qualquer relatório/documento que ateste, por referência os tempos de reposta (P0, P1, P2) contratualmente estipulados, através de factos concretos e precisos, a indisponibilidade do serviço por vários dias, a incapacidade de realizar updates e, ainda, a falta de resposta a falhas de serviços por parte da Recorrida.
P. O cumprimento, por parte da Recorrida, de todos os tempos de resposta perante falhas e incidentes, foi confirmado pelo legal representante da Recorrida e pelas testemunhas EE, HH e II.
Q. A Recorrida sempre teve capacidade de escalar a plataforma e de evoluir na solução técnica (execução de updates).
R. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, dos documentos juntos aos autos e atendendo aos factos dados como provados nos pontos n.ºs 20) a 40) – que, reitere- se, não foram impugnados pela Recorrente -, deverá improceder o invocado erro de julgamento de facto da alínea b) dos factos dados como não provados.
S. De igual modo, demonstrou-se que a Recorrente não logrou produzir prova que a Recorrida tenha incumprido prazos internos e/ou tenha demorado ou não tenha dado resposta a falhas e incidentes que surgiram – como normalmente acontece – ao longo da execução do contrato de prestação de serviços.
T. Não o tendo feito, irremediavelmente, teria o Tribunal recorrido de dar como não provado os factos elencados na alínea c) da matéria de facto dada como não provada.
DO ALEGADO ENVIO DE EMAIL PROMOCIONAL DA ACTIVIDADE DA RECORRIDA E DA DETERIORAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONFIANÇA [OS FACTOS NÃO PROVADOS INDICADOS SOB AS ALÍNEAS D) E E)]
U. Entende a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao dar como não provado os factos constantes das alíneas d) e e) do rol fáctico dado como não provado.
V. Infrutiferamente, pretende a Recorrente fazer crer que a Recorrida enviou um email com conteúdo promocional da sua actividade e relacionada com a presença numa feira internacional que teria lugar em Viena, na Áustria, a todos os seus clientes e/ou aos utilizadores da plataforma. E que, em virtude do referido envio não autorizado de emails, a relação contratual entre as partes deteriorou-se.
W. Em primeiro lugar, cumpre salientar que o incidente relativo ao alegado envio de emails não autorizados, ocorreu, aproximadamente no último trimestre de 2018, conforme resulta inequivocamente do Doc. n.º 6 junto com a petição inicial. Assim, não se poderá deixar de estranhar que, sendo tal incidente tão grave – de forma a comprometer de forma irremediável a relação de confiança contratual –, a Recorrente não tenha resolvido prontamente o contrato de prestação de serviços, ou até denunciado o mesmo.
X. Conforme resulta da matéria factual dada como assente, a Recorrente apenas enviou a missiva de resolução a 30.03.2020, ou seja, mais de um ano depois do alegado incidente de envio de emails. Pelo que, é falso que o alegado envio de emails não autorizados tenha deteriorado a relação entre as partes, pelo que soçobra o erro de julgamento de facto atinente à alínea e) dos factos dados como não provados.
Y. A questão do alegado envio de emails não autorizados foi levantada em finais do ano de 2018, quando a equipa da Recorrente, gestora do projecto, recebeu um email da Recorrida, relacionada com a participação da mesma numa feira internacional a realizar em Viena, na Áustria. Rapidamente a Recorrida esclareceu junto da Recorrente que esses emails apenas ostentavam o domínio de resposta redy.pt, não tendo sido enviados para utilizadores da plataforma e/ ou clientes da Recorrente. Tal lapso – relativo ao envio de emails - foi rapidamente detectado e resolvido.
Z. Ademais, e porque o ónus da prova incumbia à Recorrente, não logrou a mesma juntar aos autos as alegadas “evidências” de que a Recorrida tenha enviado emails a utilizadores da plataforma e/ ou clientes da Recorrente.
AA. Por seu turno, foi feita prova de um número reduzido de envio de emails para trabalhadores da Recorrente que se encontravam alocados à plataforma ... – cfr. depoimento das testemunhas EE e FF70, bem com o Doc. n.º 4 junto com a contestação.
BB. Conforme resulta do depoimento das referidas testemunhas, apenas foram enviados um número muito reduzido de emails para trabalhadores da Recorrente que se encontravam adstritos à plataforma ..., nunca tendo sido enviado qualquer correio electrónico para clientes da Recorrente e/ou utilizadores da plataforma.
CC. Deste modo andou bem o Tribunal a quo ao decidir que:
“Quanto ao incidente do envio de emails explicou [EE] em termos técnicos, que durante alguns minutos, por questões relacionadas com a colocação de um motor externo, foram, por lapso, enviados alguns emails de divulgação de uma feira.
Tal depoimento, nessa parte, foi complementado com o da testemunha FF que pormenorizou que alguns contactos da Autora coincidiam com os clientes da Ré mas que mal deram conta foi parado imediatamente o envio dos emails, tendo afirmado que nenhum cliente da Autora os recebeu.
Face a tais explicações, que foram prestadas de forma minuciosa e técnica à Autora, como resulta da troca de emails que consta dos autos, sendo que esta, como igualmente se detecta nos emails trocados e foi expresso pelo depoimento da testemunha AA, pretendia que a Ré lhe remetesse ou permitisse o acesso à listagem completa de contactos para aferir da veracidade das afirmações e explicações prestadas, o que até em termos de proteção de dados se nos afigura excessivo.
E porque nessa parte mereceram credibilidade tais depoimentos, tendo aqui relevado as declarações de parte prestadas, o tribunal convenceu-se que se tratou de um lapso, de uma situação única, esporádica, que não envolveu nenhum cliente da Autora, motivo pelo qual deu como não provado tal facto”.
DOS ALEGADOS CUSTOS SUPORTADOS PELA RECORRENTE [OS FACTOS NÃO PROVADOS INDICADOS SOB A ALÍNEA P)]
DD. O Tribunal a quo deu – e muito bem - ainda como não provados os (alegados) custos com base nos quais a Recorrente quantificou o seu pretenso direito indemnizatório – cfr. os factos não provados indicados sob a alínea p).
EE. Como já alegado em sede de Contestação, os vários documentos relativos à pretensão indemnizatória da Recorrente, juntos com a petição inicial, datam dos anos de 2017, 2018 e 2019.
FF. Analisados os documentos n.ºs 11 a 23 juntos com a petição inicial, verifica-se, por um lado, que os mesmos não demonstram, atestam ou sustentam a tese da Recorrente ter desenvolvido uma plataforma similar à ... devido ao alegado incumprimento da Recorrida.
GG. Na verdade, não é possível aferir, quer da veracidade de tais documentos, quer se aqueles documentos respeitam ao desenvolvimento de uma plataforma similar à ... ou de uma outra qualquer prestação de serviço, uma vez que nem tal vem discriminado nos documentos, nem vem alegado ao longo da petição, nem foi confirmado em sede de prova testemunhal.
HH. Quanto aos documentos n.ºs 14 e 15 da petição inicial, verifica-se que os mesmos aludem a facturas emitidas pela E3... à E1..., relativas a “serviços prestados pela E3... à E1...” e “F...”. Ora, tais facturas podem respeitar a qualquer serviço prestado entre as duas empresas, pois, com certeza, têm as mesmas inúmeras prestações de serviço entre si, uma vez que pertencem ao mesmo grupo empresarial.
II. Já no que importa aos documentos juntos n.ºs 16 a 23.º da petição inicial, diga-se que tais quadros não possuem qualquer referência a um sistema informático que certifica a veracidade dos dados constantes dos mesmos, nomeadamente a data da sua emissão.
JJ. Acresce que, os recibos de remuneração não apresentam qualquer tipo de identificação do trabalhador, desconhecendo-se se os mesmos respeitam aos funcionários elencados nos quadros constantes do Doc. 23 junto com a petição inicial.
KK. No que importa aos depoimentos das testemunhas da Recorrente, note-se que, como bem salienta o Tribunal a quo, as mesmas não são precisas ao referir em que medida (tempo e funções) participaram na plataforma similar à ..., ficando o conteúdo – e a própria credibilidade - das suas palavras muito longe da objectividade que poderia suportar a pretensão deduzida.
LL. Mas mais, para além de as testemunhas da Recorrente não confirmarem factos que não poderiam desconhecer, a verdade é que os seus depoimentos contradizem o alegado em sede de petição inicial, o que é revelador da falsidade dos factos que sustentam a pretensão indemnizatória da Recorrente.
MM. Para além disso, nenhuma das testemunhas refere, precisamente, que tempo e em que medida estiveram adstritas à criação da plataforma alternativa à ....
NN. Porém, a Recorrente imputa, quase na sua totalidade, em 2017, 2018 e 2019, o valor dos salários dos trabalhadores que, alegadamente, estiverem alocados ao desenvolvimento da plataforma similar e alternativa à ....
OO. Do exposto, resulta que não foi produzida prova em audiência e discussão e julgamento dos alegados custos suportados pela Recorrente com o desenvolvimento da plataforma similar à ....
PP. Pelo que nenhuma censura pode ser imputada à decisão judicial recorrida, inexistindo qualquer erro de julgamento da matéria de facto no que importa à alínea p) do rol de factos dados como não provados.
DA REUNIÃO DE 10 DE ABRIL DE 2019 E DA COMUNICAÇÃO DE EXTINÇÃO DO CONTRATO ATÉ AO FINAL DESSE ANO (OS FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS INDICADOS SOB AS ALÍNEAS W), X) Y) E Z))
QQ. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao dar como não provados os factos constantes das alíneas w), x) y) e z), uma vez que os mesmos deveriam ter sido dados como provados atendendo ao depoimento da testemunha AA e à alegada confissão expressa do declarante de parte GG, legal representante da Recorrida.
RR. Ora, ao contrário do que a Recorrente procura fazer crer, inexistiu qualquer confissão por parte do legal representante da Recorrida GG quanto à data em que alegadamente iria cessar o contrato a que se reportam os presentes autos. Isto é, inexistiu qualquer confissão do mesmo quando à descontinuação dos serviços até ao final do ano de 2019, como resulta das declarações completas do legal representante da Recorrida GG (Áudio 20211004094145_15761139_2871606.wma, gravação minutos 09:41:49 - 10:37:06 da audiência e discussão de julgamento de 04.10.2021).
SS. Também a testemunha EE refere, no seu depoimento, que na reunião realizada no dia 10.04.2019, os trabalhadores da Recorrente não comunicaram que a plataforma iria ser descontinuada até ao final do ano de 2019 (Áudio Gravação 20211004151426_15761139_2871606wma, gravação minutos 15:14:28 e fim às 16:11:40 da audiência e discussão de julgamento de 04.10.2021).
TT. Como resulta das declarações do representante legal da Recorrida, GG, na reunião realizada no dia 10.04.2019, apenas foi comunicado à Recorrida que a Recorrente se encontrava a desenvolver uma plataforma similar à ..., em virtude de a mesma comportar menores custos. Nessa reunião nunca foi estabelecida data para a cessação do contrato. Aliás, o Declarante GG refere expressamente, a instâncias da Ilustre Mandatária da Recorrente que “(…) mas não nos informando da data que pensava, digamos, cessar o contrato, mas, digamos, estava-nos a informar desse facto”.
UU. Quanto ao conteúdo da “carta de cessação do contrato”, atente-se ao depoimento da testemunha da Recorrente AA, o qual foi um dos protagonistas da reunião do dia 10.04.2019 (Áudio Gravação 20211004115529_15761139_2871606.wma, gravação minutos 10:44:03 e fim às 12:29:07 da audiência e discussão de julgamento de 04.10.2021)74.
VV. Ora, várias conclusões se extraem do depoimento da testemunha AA, a saber:
i. A testemunha chega a referir que não sabia que era necessário enviar qualquer carta para fazer cessar o contrato de prestação de serviços;
ii. Contudo, em Abril de 2019 ia ser enviada (alegadamente) uma missiva a fazer o cessar o contrato, e que até ao final do ano iriam descontinuar a plataforma ...;
iii. A testemunha em nenhum momento do seu depoimento refere as razões pelas quais iriam cessar o contrato, apenas referindo que “nós explicamos todos os motivos”, “explicamos o que estava em jogo”.
WW. Um pequeno parêntesis para referir que, tendo por base o depoimento da testemunha AA, se a Recorrente iria enviar, supostamente, em Abril de 2019 uma carta a fazer cessar o contrato e a plataforma iria manter-se em vigor até ao final do ano de 2019, nunca faria sentido que tal missiva fosse de resolução (imediata) do contrato. Na verdade, a resolução, como bem sabe a Recorrente, tem como efeito a extinção imediata dos efeitos do contrato, nunca podendo os mesmos prolongar-se até ao final de 2019.
XX. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, não é referido pela testemunha AA qual seria o conteúdo da “carta de rescisão”. Ademais, também se mostra completamente descabida de fundamento que a Recorrida, na pessoa do seu legal representante, GG, tenha pedido para não enviar a “carta de rescisão” e que a Recorrente tenha assentido que só a enviaria quando fosse contactada pela Recorrida nesse sentido. O argumento de que a Recorrente só não enviou a carta em Abril de 2019 a pedido da Recorrida, por força a não comprometer futuros investimentos (isto é, a entrada de novos investidores), não faz sentido quando a mesma vem invocar uma relação de reiterado incumprimento por parte da mesma na execução do contrato de prestação de serviços.
YY. Assim, o depoimento da testemunha AA entra em frontal contradição com aquilo que foi alegado pelo legal representante da Recorrida, em sede de declarações de parte, e pela testemunha EE, pelo que, andou bem o Tribunal a quo ao decidir que da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não foi possível apurar, com a certeza exigida, os factos elencados nas alíneas x), y) e z) dos factos dados como não provados.
DA COMUNICAÇÃO DE DESCONTINUAÇÃO DA plataforma ... [O FACTO NÃO PROVADO SOB A ALÍNEA U)]
ZZ. Imputa a Recorrente à douta decisão recorrida erro de julgamento de facto no que importa ao facto elencado na alínea u) do lençol fáctico dado como não provado.
AAA. Ora, percorridos os fundamentos que, no entendimento da Recorrente, justificam, que o facto elencado na alínea u) seja dada como provado, verifica-se que, uma vez mais, a mesma entra em flagrante contradição com tudo aquilo que alega relativamente ao alegado incumprimento.
BBB. Com efeito, pretende a Recorrente que seja dado como provado que em 18.11.2019, conforme resulta do email junto como Doc. 7 com a petição inicial, a mesma comunicou à Recorrida a descontinuação da plataforma.
CCC. Então, será uma vez mais, legítimo questionar: por que razão resolveu a Recorrente enviou a carta de resolução do contrato de prestação de serviços em Março de 2020, por alegado incumprimento, uma vez que o referido contrato, já havia alegadamente cessado em Novembro de 2019?
DDD. Ademais, a testemunha da Recorrente, BB, coordenador principal da equipa técnica do ..., expressamente refere que o contrato de prestação de serviços terminou em Março de 2020 (Áudio Gravação 20211004115529_15761139_2871606.wma, gravação minutos 00:01:51.0 e fim às 00:02:53.0.da audiência e discussão de julgamento de 04.10.2021).
EEE. Destarte, é cristalino que a Recorrente tenta encapotar o seu incumprimento contratual e mora no pagamento dos montantes devidos à Recorrida com base em factos completamente distorcidos da verdade, emaranhando-se e tropeçando nas suas próprias alegações.
FFF. Quanto ao conteúdo do email datado de 18.11.2019, e como bem referiu o Tribunal a quo, não resulta do mesmo o fim ao contrato de prestação de serviços – isto é, a descontinuação da plataforma ..., bem como não resulta que após as transferências de dados não subsistissem operações que tinham que ser realizadas pela Recorrida após aquela data. Aliás, conforme resulta do Doc. n. º 5, junto com o requerimento com a referência n.º 27434911, datado de 23.11.2020 – que não foi impugnado pela Recorrente –, é possível verificar que após 18.11.2018 e até Março de 2020, a Recorrente ainda prestava serviços de suporte, manutenção e alojamento de dados à Recorrente.
GGG. Tal facto é confirmado pelas declarações do legal representante da Recorrida GG.
Áudio 20211004094145_15761139_2871606.wma, gravação minutos 09:41:49 - 10:37:06 da audiência e discussão de julgamento de 04.10.2021).
HHH. Pelo exposto, deverá improceder o alegado errado de julgamento com as legais consequências daí decorrentes.
DO CÓDIGO FONTE E DA SUA ALEGADA NECESSIDADE PARA UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA COM AUTONOMIA (OS FACTOS PROVADOS INDICADOS SOB OS N.ºS 54 E 55 E O FACTO NÃO PROVADO INDICADO SOB A ALÍNEA M)
III. Atendendo ao acervo factual dado como assente, estranha-se que a Recorrente pretenda ancorar o incumprimento da Recorrida na entrega do código-fonte quando, por um lado, não impugna o facto de nunca ter indicado, ao longo da execução do contrato, qualquer entidade independente para o depósito do código fonte e, por outro lado, nunca ter, até 30 de Março de 202077, manifestado formal ou informalmente, a sua vontade e necessidade de ter acesso ao código-fonte.
JJJ. Para além disso, o declarante GG, em declarações coerentes e isentas, atesta e confirma que a não disponibilização do código fonte – reitere-se, porque nunca havia sido indicada qualquer entidade para esse efeito, nem, muito menos requerido a entrega do código fonte – nunca afectou o facto de a Recorrente conseguir utilizar a plataforma com autonomia, muito menos comprometeu eventuais desenvolvimentos criados por prestadores de serviços externos (Áudio 20211004094145_15761139_2871606.wma, gravação minutos 09:41:49 - 10:37:06 da audiência e discussão de julgamento de 04.10.2021).
KKK. Também a testemunha EE refere, no seu depoimento, que a Recorrente nunca solicitou o código-fonte (Áudio Gravação 20211004151426_15761139_2871606wma, gravação minutos 15:14:28 e fim às 16:11:40 da audiência e discussão de julgamento de 04.10.2021).
LLL. Acresce que, a testemunha AA, quando questionado se alguma vez existiu uma comunicação escrita a solicitar a entrega do código fonte, enviada pela Recorrente à Recorrida, declara que não se recorda e que era um tema relegado para segundo plano pois “havia nas reuniões questões maiores colocadas” (Áudio 20211004094145_15761139_2871606.wma, gravação minutos 09:41:49 - 10:37:06 da audiência e discussão de julgamento de 04.10.2021).
MMM. As testemunhas da Recorrente, BB e AA, em momento algum, fazem referência que a Recorrente não tenha conseguido ter autonomia para utilizar a plataforma e/ou que a não entrega do código-fonte tenha sido impeditivo de prestadores de serviços externos procedessem a desenvolvimentos na plataforma.
NNN. Como bem decidiu o Tribunal a quo: “Para além disso, e ainda que assim se não entendesse, provou-se que a Autora nunca interpelou a Ré para proceder a essa entrega, ainda que directamente, nem, tão pouco, ao longo da vigência do contrato a tal aludiu. Mas, mais importante, é a circunstância da Ré alicerçar a sua causa de pedir, quanto ao montante indemnizatório, na execução de uma plataforma alternativa no último trimestre de 2017 e, em 2020, já depois da mesma estar criada e instalada, pretender resolver o contrato com esse fundamento, invocando a perda objectiva de interesse, o que muito deixaria a desejar em termos de boa fé. Por essa razão, há que concluir que se não mostra verificado o fundamento resolutivo invocado”.
DOS VALORES MENSAIS DOS SERVIÇOS DE SUPORTE E MANUTENÇÃO, ARMAZENAMENTO DE DADOS E ALOJAMENTO ALEGADOS PELA RECORRIDA (OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS INDICADOS N.ºS 74, 74, 75)
OOO. Alega a Recorrente que a plataforma ... já estava descontinuada, pelo que, deste modo, não carecia de qualquer serviço de suporte e manutenção, armazenamento de dados ou alojamento, não sendo, em virtude disso, devidos os valor peticionados pela Recorrida em sede de Reconvenção. Ou seja, na versão de factos da Recorrente, foi em Novembro de 2019 que cessou o contrato de prestação de serviços através do email enviado pelo trabalhador da Recorrente, BB.
PPP. Tendo então por assente que o email de 18.11.2019 não marca o fim da prestação de serviços por parte da Recorrida, e que, à data do envio daquele email permaneciam clientes operacionais, bem como, existiam uma quantidade significativa de dados de clientes na base de dados da plataforma ...,
QQQ. Fica inequivocamente provado que, por um lado, o contrato de prestação de serviços só cessou em Março de 2020 e, por outro lado, que foram prestados serviços de suporte, manutenção e alojamento de dados durante o primeiro trimestre de 2020. Pelo que, deverá a Recorrente ser responsabilizada pelo pagamento de tais valores, tal como decidido pelo Tribunal a quo.
RRR. A corroborar tal facto, veja-se o Doc. n.º 5, junto com o requerimento com a referência n.º 27434911, datado de 23.11.2020, no qual, pela troca de correspondência entre EE e o trabalhador da Recorrente, BB, se constata que entre Janeiro e Março de 2020, a Recorrida prestou serviços de suporte, manutenção e alojamento de dados à Recorrente.
SSS. Ora, os valores de suporte & manutenção, SQL Server e Alojamento, relativos aos primeiros três meses de 2020, encontram-se, contrariamente ao alegado, demonstrados em detalhe no artigo 170.º, tabela II, da Contestação com Reconvenção.
TTT. Na referida tabela, é detalhado que os montantes relativos ao suporte e manutenção dos meses de janeiro, fevereiro e março de 2020 são determinados conforme os escalões mencionados no artigo nº 11 do contrato de prestação de serviços assinado entre as partes (escalão correspondente ao número de assinantes entre 10000 e 50000), com a actualização prevista no artigo 36.º.
UUU. Adicionalmente, de modo a demonstrar cabalmente os valores apresentados, logrou a Recorrida juntar com a sua Contestação com Reconvenção81, toda a facturação efectuada à E1..., no qual se detalha o montante mensal associado ao licenciamento da base de dados (SQL Server) e ao alojamento da plataforma ... em servidores detidos e operados pela Recorrida.
VVV. Os valores constantes do Doc. n.º 7 não sofreram qualquer alteração ao longo dos anos de 2019 e 2020, nomeadamente, no montante mensal de €906,13 e €3.825,00, os quais apenas foram integralmente pagos pela Recorrente, até Dezembro de 2019.
WWW. Para além disso, o legal representante da Recorrida, GG confirmou toda a informação constante nos referidos elementos (Áudio 20211004094145_15761139_2871606.wma, gravação minutos 09:41:49 - 10:37:06 da audiência e discussão de julgamento de 04.10.2021).
DO ALEGADO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
XXX. Por fim, em sede de recurso, vem ainda a Recorrente requerer que o Tribunal ad quem altere o sentido da decisão recorrida no que importa à aplicação do Direito aos factos.
YYY. Contudo, estando votado a naufragar o imputado erro de julgamento de facto, pelas razões já melhor densificadas, deverá o Tribunal ad quem confirmar integralmente a sentença recorrida, porquanto aplicou, irrepreensivelmente, o Direito aos factos.
DA INEXISTÊNCIA DA QUEBRA DE CONFIANÇA (E DA CONSEQUENTE PERDA DE INTERESSE) COMO FUNDAMENTO RESOLUTIVO
ZZZ. Ao contrato de prestação de serviços, porquanto não dispõe de regime próprio, são aplicáveis, com as necessárias e devidas adaptações, as disposições do contrato de mandato, mas também, por analogia, o regime do contrato de empreitada, sempre que tal analogia se justificar nas situações concretas que sejam analisadas.
AAAA. Pelas razões que ora se vem alegando ao longo das presentes contra-alegações, mas também, igualmente, pelos fundamentos constantes da decisão recorrida, nunca existiu, por parte da Recorrida qualquer incumprimento, ao longo dos oito anos de execução do contrato de prestações de serviços sub judice, que implicasse uma objectiva perda de interesse, por parte da Recorrente, na manutenção do contrato, para que a mesma pudesse considerar uma situação de incumprimento definitivo, nos termos e para efeitos do artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil.
BBBB. Da prova produzida em audiência e discussão de julgamento, bem como a prova documental junta os autos, não se provou: i) as falhas nos serviços prestados pela Recorrida à Recorrente; ii) a incapacidade da Recorrida escalar a plataforma; iii) o envio de emails promocionais aos clientes da Recorrente; bem como, iv) qualquer incumprimento no que importa à entrega do código fonte.
CCCC. Talvez por isso, e além dos demais factos que atestam o cumprimento da Recorrida do contrato de prestação de serviços, tenha sido dado como provado que ao longo da execução de oito anos de relação contratual a Recorrente nunca enviou qualquer missiva a manifestar o desagrado pelos serviços prestados pela Recorrida, tendo antes, pelo contrário, solicitado, ao longo da execução do contrato, o incremento do número de horas na bolsa de horas destinadas ao desenvolvimento e manutenção da plataforma ....
DDDD. Por todo o exposto, andou bem o Tribunal a quo ao decidir que inexistiam factos que justificassem a existência de qualquer justa causa de resolução do contrato sub judice, devendo tal entendimento ser confirmado pelo Tribunal ad quem, com as legais consequências daí decorrentes.
DO ALEGADO DIREITO DA RECORRENTE À INDEMNIZAÇÃO PEDIDA
EEEE. Atendendo à inexistência de justa causa para a resolução do contrato, improcede necessariamente o pedido indemnizatório da Recorrente no valor de €536.179,42, que se traduz, alegadamente, nos meios humanos e tecnológicos utilizados, alegadamente, para desenvolver uma plataforma similar à ....
FFFF. Ademais, ainda que outra hipótese se considerasse, o que de forma alguma se concede, certo é que o valor peticionado pela Recorrente não tem qualquer suporte probatório, quer a nível documental, quer testemunhal, pelas razões melhor aduzidas no Capítulo IV, alínea iii, das presentes Contra-Alegações, estando, em virtude disso, tal pretensão indemnizatória votada ao insucesso.
DO PEDIDO RECONVENCIONAL
GGGG. O Tribunal a quo julgou o pedido reconvencional da Recorrida totalmente procedente, por provado, condenando a Recorrente ao pagamento da quantia de €443.917,61, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal comercial em vigor, calculados desde a data da notificação da Contestação com Reconvenção até efectivo e integral pagamento.
DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 32.º DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
HHHH. Aqui chegados, partindo da certeza que é falso que a Recorrida tenha alguma vez incumprido as obrigações contratuais às quais se vinculou e, deste modo, que tenha existido uma quebra da confiança entre as partes que motivasse e/ou implicasse a perda de interesse na continuação da relação contratual por parte da Recorrente,
IV. Para que se operasse a cessação (legal) do contrato de prestação de serviço, deveria a mesma ter respeitado o prazo de denúncia de 180 dias previsto contratualmente no artigo 32.º. Ou seja, deveria a mesma ter notificado a Recorrida, através de carta registada com aviso de recepção, da denúncia do contrato de prestação de serviço.
JJJJ. Ora, a obrigação de indemnizar constitui um contrapeso para o exercício da faculdade de revogação conferida pelo n.º 1 do artigo 1170.º do Código Civil.
KKKK. In casu, as partes convencionaram que o contrato de prestação de serviços se renovaria automaticamente, salvo se não fosse denunciado por qualquer uma das partes com um pré-aviso de 180 dias de antecedência em relação á data em que parte pretendia fazer cessar os efeitos do contrato.
LLLL. Assim, para efeitos de apuramento do quantum indemnizatório, deverá atender-se ao prejuízo sofrido pela Recorrida nos seis meses compreendidos entre Abril e Setembro de 2020, compreendendo o valor das retribuições devidas caso a denúncia tivesse sido legalmente realizada e o contrato pontualmente cumprido,
MMMM. O que, no presente caso, ascende ao montante de €185.456,58. Ao referido montante, acresce ainda o valor da aplicação da penalidade por incumprimento, tal como previsto no artigo 37.º do contrato de prestação de serviços, que perfaz o montante de €9.272,88 – cfr. tabela II da contestação.
NNNN. Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente no pagamento do montante de €194.729,40, a título de indemnização pelo prejuízo sofrido com a referida resolução (ilegal) do contrato de prestação de serviços, devendo tal segmento decisório ser confirmado por V. Exas. com as legais consequências daí decorrentes.
DA CONDENAÇÃO NO PAGAMENTO DA BOLSA DE HORAS RELATIVAS A TODO O ANO DE 2019 E AO PRIMEIRO TRIMESTRE DE 2020
OOOO. Ora, ao longo da execução do contrato de prestação de serviços foi solicitado pela Recorrente, um incremento do número de horas na bolsa de horas, conforme resulta do ponto 64) dos factos dados como provados.
PPPP. Por sua vez, nos termos do artigo 23.º do contrato de prestação de serviços, era estabelecido que, no caso de ser prevista uma redução das necessidades de desenvolvimento, em sede de revisão semestral, a Recorrente deveria requerer a diminuição das horas atribuídas à bolsa de horas, dentro dos limites de redução acordados entre as partes e especificados no contrato.
QQQQ. Porém, e como resulta do rol fáctico dado como provado, ao longo dos anos de 2018 a 2020, a Recorrente nunca manifestou perante a Recorrida – tal como obrigava o artigo 23.º do contrato de prestação de serviços - qualquer intenção de redução da bolsa de horas de desenvolvimento, não tendo solicitado, nem em sede revisão semestral, qualquer redução da atribuição da bolsa de horas85. Nem a Recorrente se atreve a desenvolver essa linha de raciocínio, porquanto nunca pediu qualquer redução da bolsa de horas.
RRRR. Já no que se reporta aos valores relativos à bolsa de horas do primeiro trimestre de 2020, e uma vez que não se deu como provado que o email enviado em 18.11.201986 tinha a virtualidade de colocar um termo à prestação de serviços da Recorrida, é mister concluir que todos os serviços relativos a bolsa de horas que se verificaram até 2019 se mantiveram também no primeiro trimestre de 2020.
SSSS. Assim, pelo exposto, dúvidas não restam de que deverá o Tribunal ad quem manter a sentença recorrida, condenando a Recorrente no pagamento dos valores relativas à bolsa de horas de todo o ano de 2019 (€144.792,00) e do primeiro trimestre de 2020 (€36.283,50) acrescidos, respectivamente, do valor da penalidade prevista no artigo 37.º do contrato de prestação de serviços, com as legais consequências daí decorrentes.
DA CONDENAÇÃO DA RECORRENTE NO PAGAMENTO DOS VALORES DO PRIMEIRO TRIMESTRE DE 2020 RELATIVOS A SUPORTE, MANUTENÇÃO E ALOJAMENTO
TTTT. Ficando inequivocamente provado que, por um lado, o contrato de prestação de serviços só cessou em Março de 2020 e, por outro lado, que foram prestados serviços de suporte, manutenção e alojamento de dados durante o primeiro trimestre de 2020, deverá a Recorrente ser responsabilizada pelo pagamento de tais valores, tal como decidido pelo Tribunal a quo.
UUUU. Destarte, deverá o Tribunal ad quem confirmar a sentença recorrida e, em virtude disso, condenar a Recorrente no pagamento da quantia de €237.322,09, acrescido do montante de €11.866,12, por força da penalidade prevista no artigo 37.º do contrato de prestação de serviços.
*
XX. Tudo visto, e pelos fundamentos constantes da decisão judicial recorrida proferida pelo Tribunal a quo, é entendimento da Recorrida que a mesma não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas e, consequentemente:
- Absolver a Recorrida do pagamento da quantia de €536.179,42, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;
- Condenar a Recorrente no pagamento da quantia de €443.917,61, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal comercial em vigor, calculados desde a data da notificação da Contestação com Reconvenção até efectivo e integral pagamento.
*
Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto que foi proferida;
2ª) Na acção:
a) Da desconsideração da quebra da confiança (e da consequente perda de interesse) como fundamento resolutivo;
b) Do direito da autora/apelante à indemnização pedida;
c) Da interpretação da cláusula contratual respeitante ao código – fonte;
3ª) Na reconvenção:
a) Da condenação no pagamento da bolsa de horas;
b) Da condenação no pagamento de serviços de suporte e manutenção, de armazenamento de dados e de alojamento referentes ao 1º trimestre de 2020;
c) Da alegada violação do prazo de pré-aviso de rescisão do contrato.
*
É o seguinte o teor da decisão sobre a matéria de facto proferida:
Factos provados:
1) A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto social compreende a prestação de serviços de energia, designadamente, de projectos para a qualidade e eficiência energética e de energias renováveis, o fornecimento de energia, o fornecimento e montagem de equipamentos energéticos, a beneficiação de instalações de energia, a certificação energética e a manutenção e operação de equipamentos e sistemas de energia;
2) A Ré, por sua vez, é uma sociedade que exerce a actividade de consultoria, desenvolvimento, operação e manutenção de projectos e aplicações, nomeadamente nas áreas de informática e engenharia;
3) Em 22 de Junho de 2012, a E2..., S.A., entretanto extinta, mediante fusão por incorporação na Autora, e a Ré celebraram um contrato de prestação de serviços de operação, manutenção e desenvolvimento de uma solução de software de gestão avançada de energia, que permite aos respectivos utilizadores gerir os seus consumos energéticos através de uma plataforma online, designada por “plataforma ...”;
4) Nos termos do Artigo Três, o contrato conferia à Autora o direito de utilização exclusiva e ilimitada, no mercado nacional e noutros ali indicados, da referida solução de software, operada, mantida e desenvolvida pela Ré (cfr. documento n.º 1 anexo à petição inicial);
5) Nos termos do Artigo Quatro n.º 1 “A segunda contraente será o principal parceiro de desenvolvimento desta Solução durante o prazo estabelecido neste contrato” (cfr. documento n.º 1 anexo à petição inicial);
6) Nos termos do n.º 2 do artigo mencionado no facto anterior, “a primeira contraente, caso considere mais adequado aos requisitos específicos de um determinado serviço, também poderá solicitar desenvolvimentos a outros fornecedores” (cfr. documento n.º 1 anexo à petição inicial);
7) No Artigo Cinco foi estabelecido o seguinte:
1. “Tal como acordado em contratos prévios entre as partes, para os novos desenvolvimentos, a segunda outorgante terá de entregar o código devidamente documentado, bem como toda a documentação de apoio à instalação, manutenção e utilização da Solução;
2. A primeira contraente reserva-se o direito de realizar auditorias externas quer ao código e à arquitectura da solução, quer aos processos e procedimentos usados pela C... no âmbito da prestação de serviços objecto deste contrato. A segunda contraente deve prestar toda a colaboração na realização destas auditorias. Os custos associados a auditorias externas são suportadas pela primeira contraente, incluindo os custos relativos aos recursos necessários a envolver por parte da segunda outorgante.
3. O código fonte validado será depositado numa conta ESCROW, em entidade independente aprovada previamente pela segunda outorgante, e deverá ser actualizado com os desenvolvimentos realizados pela C... na Solução objecto deste contrato, semestralmente. Os custos associados a esta conta ESCROW correm por conta da primeira contraente.” (cfr. documento n.º 1 anexo à petição inicial)
8) Para além dessa obrigação, cabia à Ré prestar à Autora, nos termos do contrato, dois tipos de serviços: por um lado, serviços de operação, manutenção e suporte relacionados com a plataforma ..., por outro, serviços de desenvolvimento dessa plataforma;
9) No que respeita aos serviços de operação, manutenção e suporte, a Ré comprometia-se, nomeadamente, a:
i) Assegurar a funcionalidade da plataforma ... de acordo com os critérios de Service Legal Agreemet previstos no artigo doze do contrato;
ii) Garantir aos clientes da Autora o apoio à operação da plataforma;
iii) Proceder à correcção de erros detectados de forma controlada, cumprindo o Service Legal Agreement estabelecido;
iv) Garantir a disponibilidade da APP da plataforma;
v) Disponibilizar toda a informação necessária de modo a garantir um correto discernimento da infraestrutura necessária à operação da plataforma (servidores, largura de banda, espaço disponível);
vi) Efectuar backups regulares de todos os dados privados, incluindo todas as bases de dados com os dados completos dos clientes;
10) Estes serviços eram remunerados pela Autora através do pagamento de um valor mensal, variável em função do número de horas alocadas pela Ré à operação, manutenção e suporte da plataforma ...;
11) Relativamente aos serviços de desenvolvimento, de forma a garantir um adequado desenvolvimento da plataforma ..., a Ré obrigava-se a apoiar na construção de especificações técnicas; a assegurar a implementação de novos desenvolvimentos e a sua integração nas plataformas existentes;
12) A remuneração destes serviços era feita mediante bolsa de horas, no valor de 180 horas, que abrangia, sobretudo, desenvolvimentos de novas funcionalidades ou serviços a pedido expresso da Autora, cabendo a respectiva atribuição mensal aos gestores de desenvolvimento designados por Autora e Ré;
13) O contrato era válido até 31 de Dezembro de 2016, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos de um ano, excepto se qualquer das partes decidisse pôr-lhe termo, mediante aviso enviado com 90 dias de antecedência, via carta registada com aviso de recepção;
14) Além do referido no facto anterior, Autora e Ré detinham ainda, a partir de 1 de Janeiro de 2014, “capacidade de rescisão anual”, devendo notificar a outra parte do exercício desse direito, através de carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 180 dias;
15) No Artigo Doze, com a epígrafe Service Level Agreement, as partes estabeleceram que para as falhas de serviços definiam três tipos de prioridades, com tempos de resposta associados, nos seguintes termos:
- Tipo de Prioridade 0 (Emergência): quando os equipamentos ou serviços cobertos pelo contrato não estão a funcionar. A plataforma apresenta uma falha total de serviço, afectando de forma critica todos os serviços prestados e as tarefas operacionais e de manutenção;
- Tipo de Prioridade 1 (Impacto Crítico no Serviço): ocorrência de deficiência que afecta seriamente o tráfego de dados, facturação ou a capacidade de manutenção e exige tomada de acções imediatas para a sua correcção. Um dos equipamentos ou serviços cobertos pelo contrato apresenta falhas constantes e repetidas, afectando o serviço prestado aos clientes finais pelas equipas operacionais. Um dos equipamentos cobertos pelo contrato não está a operar de acordo com as especificidades técnicas, afectando os serviços prestados aos clientes finais ou afectando a gestão da plataforma;
- Tipo de Prioridade 2 (Impacto menor no Serviço): ocorrência de deficiência que provoca situações com impacto menor nas operações, manutenção e administração do sistema;
(cfr. documento n.º 1 anexo à petição inicial);
16) Para a resolução de problemas do Tipo de Prioridade 0 obrigou-se a Ré a uma disponibilidade de 24h/7dias, a um tempo de resposta de 30 minutos, a uma recuperação alternativa de 6 horas e a uma solução final de 15 dias (cfr. documento n.º 1 anexo à petição inicial);
17) Para a resolução de problemas do Tipo de Prioridade 1 obrigou-se a Ré a uma disponibilidade coincidente com os dias úteis, entre as 9 e as 13 horas, e entre as 14 e as 18,30 horas, a um tempo de resposta de 1 hora, a uma recuperação alternativa de 10 horas e a uma solução final de 30 dias (cfr. documento n.º 1 anexo à petição inicial);
18) Para a resolução de problemas do Tipo de Prioridade 2 obrigou-se a Ré a uma disponibilidade coincidente com os dias úteis, entre as 9 e as 13 horas, e entre as 14 e as 18,30 horas, a um tempo de resposta de 24 horas, a uma recuperação alternativa de 15 dias e a uma solução final de 60 dias (cfr. documento n.º 1 anexo à petição inicial);
19) Nos termos do Artigo Catorze n.º 2 “O sistema deverá estar disponível 24x7 durante operações de serviço ou manutenção (ex. actualizações ou operação de migração) tendo uma taxa de eficiência operacional superior a 95%) (cfr. documento n.º 1 anexo à petição inicial);
20) No dia 15 de Dezembro de 2016, a funcionária da Autora CC remeteu à Ré um email, com o seguinte teor:
Como combinado, segue uma lista de problemas mais graves que temos pendentes com a C... (e para os quais até ao momento não temos uma explicação) desde o update/upgrade aos servidores do ...:
- Timeouts com a API de backoffice (utlizada na comunicação do Enterprise com a C...):
Desde o dia 2 de Dezembro que nos foi reportado pela K... que existem muitos timeouts nos serviços invocados à C.... Consequentemente do lado das operações estão a ter muita dificuldade em criar novos clientes e em adicionar ... box’s aos processos em instalação.
- Ambiente beta com as condições necessárias para fazer testes:
Desde o dia 9 de Dezembro que não temos ambiente beta estável para fazer testes.
É certo que no dia 7 de Dezembro foi disponibilizado o domínio https://.......pt como ambiente de testes, mas visto que não tinha um certificado oficial (válido) a K... não conseguiu usar este domínio para os testes de integração do novo Entreprise. Como solução temporária, foi disponibilizado o acesso por HP a este domínio no sábado dia 10. No entanto, grande maioria do tempo continuam sem conseguir fazer testes usando este domínio. Falta por isso gerar um certificado válido para o http://.......pt.
- O domínio r....pt está a responder a pedidos por HPTT e HTTPS.
Foi-nos reportado no dia 14/Dez pela DSI que o r....pt estava a responder a pedidos HPTT e HTTPS.” (cfr. documento n.º 2 anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
21) Os problemas descritos no documento identificado no número anterior não tiveram impacto na experiência e na utilização da plataforma pelos clientes existentes à época;
22) O problema surgido relacionou-se com o software de um prestador externo;
23) Entre as partes foi programada a realização de um update aos servidores de produção que suportam o serviço ..., a ser executada pela Ré no dia 13 de Julho de 2017;
24) No dia 12 de Julho, foi remetido pela Ré um email com o seguinte teor:
“Conforme conversado, realiza-se amanhã o update aos servidores de produção que suportam o serviço ....
Teremos então o seguinte cronograma previsto: A. Data e hora: 13 de Julho, das 06:00 às 08:30;
B. Início dos procedimentos (sem indisponibilidade do serviço): 16:00 do dia 12. C. Período previsto de indisponibilidade do serviço: 2,5 horas
D. Período até à reposição de todos os registos: quatro horas seguintes E. Período de testes da C...: das 08:30 às 12:00
F. Início do período de testes da E1...: 09:00 G. Tempo para roll-back: 4 horas Reforçamos ainda o seguinte:
- o update tem uma criticidade moderada, no entanto não devem existir serviços dependentes do correto funcionamento da plataforma;” (cfr. documento n.º 3 anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
25) No dia 13 de Julho, pelas 19:32, a Ré remeteu à Autora um email com o seguinte teor:
O update de hoje, correu dentro do espectável no que à indisponibilidade total de serviço diz respeito, tendo a plataforma ficado disponível às 8:50.
Numa primeira análise tudo aparentava estar 100% operacional, mas com o aumento da carga verificou-se dificuldades no controlo de equipamentos e na sincronização dos dados de energia de algumas gws.
Depois de uma análise exaustiva, identificamos e corrigimos o componente causador deste comportamento, o ExportMeeteringApplication, tendo ficado estável pelas 18:00.
Estamos ainda a acompanhar o processo, prevendo-se o envio de informação detalhada durante o dia de amanhã.” (teor do documento referido no facto anterior);
26) No dia 14 de Julho de 2017, pelas 8:06 horas, a Ré remeteu à Autora um email com o seguinte teor:
A plataforma do ..., pelas características técnicas necessárias ao seu funcionamento, tem especificidades que fazem com que todas as alterações (actualizações) tenham um risco acrescido. Efetivamente, no update feito há um mês, onde o desafio era significativamente maior, resultou num impacto bastante menor na disponibilidade do serviço.
Ontem, e embora os sintomas aparentassem um conjunto de dificuldades, todas estavam relacionadas em exclusivo com a introdução de um novo componente, que não tendo sido devidamente testado nos ambientes anteriores, provocou atraso na distribuição de todos os pedidos que chegavam aos servidores.
O email enviado, foi no sentido de informar que o problema tinha sido identificado e corrigido, verificando-se a estabilização dos vários indicadores (tempo de execução dos comandos, dados de energia, etc). Pouco antes das 20:00, já estávamos com dados históricos nos valores anteriores ao update.
Ainda durante o dia de hoje, iremos identificar um conjunto de sugestões de melhoria, que permitam prever este tipo de constrangimento, por forma a reduzir o impacto das actualizações na disponibilidade do serviço, e cumprir em simultâneo com os objectivos comerciais que se exige.
Estamos disponíveis para qualquer esclarecimento adicional que julguem necessários. (cfr. documento n.º 3, anexo à petição inicial);
27) No mesmo dia 14 de Julho de 2017, pelas 8:54 horas, a Autora remeteu à Ré um email com o seguinte teor:
“Custa-me muito entender este e-mail. Para a C... precisamos de umas melhorias. Mas o nível de serviço ao cliente ontem durante todo o dia foi inaceitável para muitas gw. Os clientes não tinham os dados todos e principalmente não conseguiam atuar nos seus equipamentos. Mas pelos vistos isto não é um problema. Temos divergências profundas sobre o que é um serviço mínimo ao cliente.
Sobre a complexidade técnica da solução ... - não tenho dúvidas. As minhas dúvidas são sobre a capacidade da C... de gerir sistemas de complexidade elevada.” (teor do documento referido no facto anterior);
28) Em causa estava uma actualização do servidor de produção, prevista para ter um risco moderado;
29) Tal actualização foi efectuada a partir das 6,30 horas, estando previsto pela Ré a execução de testes até ao meio dia daquele mesmo dia;
30) A plataforma ficou disponível pelas 8,50 horas, sendo posteriormente detectados durante os ensais (previstos) alguns atrasos na sincronização dos dados de energia em apenas alguns clientes;
31) O problema foi identificado e corrigido, pelo menos, até cerca das 20 horas;
32) O serviço ficou totalmente indisponível entre as 6,30 e as 8,30, de acordo com o previsto;
33) Todos os clientes tiveram acesso aos seus dados a partir das 8,50 horas;
34) Durante cerca das 20 horas daquele dia verificou-se lentidão na execução de alguns comandos para alguns clientes;
35) No dia 6 de Dezembro de 2017, a Ré realizou outro update ao servidor de produção;
36) Nesse dia, pelas 10:33 horas, a Ré remeteu à Autora um email com o seguinte teor:
Na sequência do update aos servidores de produção que suportam o serviço ..., previsto para hoje, de (06-07 de Dezembro), enviamos o seguinte cronograma:
A. Data e hora: 06 de Dezembro, das 22:00 às 04:00;
B. Início dos procedimentos (sem indisponibilidade do serviço): 09:00 do dia 06 (quarta-feira). C. Período previsto de indisponibilidade do serviço: 4 horas;
D. Período até à reposição de todos os registos: quatro horas seguintes
E. Período de testes da C...: das 02:00 às 04:00 e das 08:00 às 12:00 (06 e 07 de Dezembro) F. Início do período de testes da E1...: disponível a partir das 04:00 (Iniciar-se-á às 06:30)
G. Tempo para roll-back: 4 horas (após decisão)
H. Criticidade: média-baixa (aconselhamos que não existam serviços dependentes do correto funcionamento da plataforma durante quinta-feira, até às 14:00 (07 de Dezembro) (cfr. teor do documento n.º 4, anexo à petição inicial);
37) No mesmo dia, 6 de Dezembro de 2017, pelas 17:21 horas, a Ré remeteu à Autora um email com o seguinte teor:
O update realizado correu como planeado, com um impacto reduzido nos utilizadores, tendo a plataforma ficado disponível pelas 00:00.
A. Período de indisponibilidade total do serviço: 2 horas
B. Reposição de todos os registos: concluída (às 12:00 de hoje)
Nos primeiros testes efectuados, foi detectado um problema com Service Broker, (responsável pelo roteamento das mensagens dos FEs para os BEs), que provocava atrasos na execução dos comandos (e que com o tempo agravava).
Nas primeiras horas da manhã alteramos o valor de HeartBeat deste serviço, com resultados imediatos. Este parâmetro, que já tinha sido corrigido anteriormente terá sido colocado por defeito, resultando neste comportamento.
Para prevenir futuras situações, existem duas medidas a adoptar:
- a curto prazo – alterar este valor na versão de desenvolvimento;
- a médio prazo – substituir o service broker por um outro mecanismo mais robusto;
38) O problema surgido foi relativo a um componente de acesso à base de dados;
39) Com excepção do período de indisponibilidade programada, a plataforma manteve-se disponível e acessível aos clientes da Autora;
40) No dia 12 de Dezembro de 2017, pelas 12:38 horas, a Ré remeteu à Autora um email com o seguinte teor:
Ainda sobre o update de 06 de Dezembro:
1. Instabilidade na recepção e processamento das mensagens
Apesar de o envio dos comandos não ficar afectado, isto reflectia-se em atrasos na actualização do estado dos módulos e no processo de activação das gateways.
a. Medidas a curto prazo
Optou-se por calendarizar um reboot ao componente em falta, para diminuir o impacto do problema. Entretanto, na segunda-feira (11 de Dezembro) às 16h45 o servidor foi atualizado com uma nova versão deste componente que, inclui 2 pequenas melhorias na processamento assíncrono das mensagens e no "garbage collector" que garante que as threads usadas são bem descartadas. Adicionalmente esta versão inclui mais alguns logs para ajudar a despistar o problema. Esperamos agora para verificar se o problema se repete e, caso ocorra, analisaremos os novos logs para tentar analisar melhor a situação.
b. Medidas a médio prazo
A longo-prazo (3 meses), vamos dar inicio à troca do sistema de Service Broker, o qual actualmente está implementado sobre a libraria do ZeroMQ, para se basear no nosso actual sistema de messaging, suportado pelo sistema de base de dados em memória do REDIS.
2. Detectados 3 momentos críticos da comunicação das gateways
Durante o processo de análise voltamos a detectar três momentos durante o período nocturno, que levam a infraestrutura a valores críticos de estabilidade. Acreditamos que se devem ao restart das gateways. Podem confirmar esta questão? Em caso afirmativo, está previso o faseamento deste processo para valores aleatórios (durante um determinado período de tempo)?
41) No dia 15 de Dezembro de 2017, pelas 17:52 horas, a Ré remeteu à Autora um email com o seguinte teor:
Enviamos um ponto de situação relativo ao incidente de ontem:
A. Período de indisponibilidade do serviço: 08:00 – 17:30 (dia 14 de Agosto) B. Causa: falha crítica na base de dados;
C. Processo para a recuperação: recuperação da base de dados, limpar as transacções pendentes, arrancar com a base de dados, arrancar com os serviços;
Descrição:
O problema está associado a um bug conhecido do SQL Server, que não permite libertar as transacções pendentes.
https://connect.microsoft.com/SQLServer/feedback/details/1021865/log-not-truncating-due- to-xpt-checkpoint.
Devido ao tamanho da base de dados, todas as operações de recuperação (que são várias) implicam sempre processos bastante morosos (superiores a 1 hora).
Medidas a curto prazo:
Preventivamente fechamos o acesso VPN à base de dados, pois a carga adicional pode voltar a provocar o erro.
Medidas a médio prazo:
A alteração prevista para Cassandra, eliminará esta causa-efeito associada ao SQL.
42) No dia 18 de Dezembro de 2017, pelas 12:05 horas, a Autora remeteu um email à Ré com o seguinte teor:
Falta muito detalhe neste email. Nem referem que cortaram o serviço de POST dos dados de metering para a plataforma do JJ, nem o porquê (o que não é de todo aceitável).
Precisamos que revejam este email e enviem algo que explique com mais detalhe as medidas tomadas e previsão de resolução (cfr. documento n.º 4, anexo à petição inicial).
43) No dia 19 de Dezembro de 2017, pelas 12:25 horas, a Autora remeteu à Ré um email com o seguinte teor:
Como referi esta manhã precisamos urgentemente de uma previsão (e explicação) para resolução do problema relacionado com o serviço de POST dos dados de metering.
Neste momento, temos já relatórios em atraso por falta de dados, desde a passada quinta-feira (5 dias de indisponibilidade de serviço) - cfr. teor do documento identificado no facto anterior;
44) A troca de emails a que se alude nos n.ºs 41º e seguintes teve a sua origem no fecho preventivo dos acessos externos a uma das bases de dados da plataforma ..., dado que o modo como estava a ser feito o acesso, por um prestador de serviços externo à Ré, estava a provocar uma carga excessiva no sistema;
45) Tratou-se de uma intervenção de manutenção preventiva;
46) Tal interrupção, planeada para salvaguardar o desempenho da plataforma, foi resolvida de modo definitivo;
47) No dia 14 de Fevereiro de 2017, a Autora dirigiu à Ré um email com o seguinte teor: “Mas que raio de maneira de trabalhar é esta em que eu faço perguntas por email e uma semana depois ainda não há respostas?
O tema da réplica de dados é crítico, essencial, e a C... comprometeu-se com um conjunto de timings e de entregáveis que não estão a ser cumpridos há imenso tempo.
Preciso de uma resposta a este tema hoje, sem falta, por email, com o ponto da situação, linhas de atuação sobre o que vamos fazer e timings para estar feito. (cfr. teor do documento n.º 5, anexo à petição incial);
48) No âmbito do fornecimento de uma plataforma complexa de software, com serviços avançados de telemetria e sistemas de automação remota de equipamentos distribuídos por um número de habitações que chegou a ascender a milhares, é expectável a ocorrência de falhas e de incidentes técnicos no decurso de contratos como aquele que foi celebrado entre as partes;
49) A Autora permitia que vários prestadores de serviços externos, que desenvolviam software envolvidos na oferta comercial ..., lançassem em servidores de produção funcionalidades ou dispositivos;
50) A Ré não procedeu à entrega do código-fonte;
51) O código-fonte da plataforma base, denominada de SDP – Service Delivery Platform, foi desenvolvida pela Ré previamente à celebração do contrato;
52) A Autora nunca indicou, ao longo do período de execução do contrato, qualquer entidade independente para o depósito do código-fonte;
53) Até 30 de Março de 2019, nunca a Autora havia manifestado, formal ou informalmente, a sua vontade e necessidade de ter acesso ao código-fonte;
54) Não obstante o código-fonte nunca ter sido entregue, a Autora sempre conseguiu utilizar a plataforma com autonomia, contratando diversos prestadores de serviços para procederem a desenvolvimentos na plataforma;
55) Tais desenvolvimentos, criados por prestadores de serviços externos, nunca necessitaram do código-fonte para que fossem implementados na plataforma ...;
56) O último pedido de desenvolvimentos da plataforma solicitado à Ré teve lugar em Setembro de 2018;
57) Nos termos do disposto no Artigo Vinte e Três do contrato: “Semestralmente, o número de horas da bolsa de horas pode ser incrementado ou diminuído em função da experiência passada e das previsões das necessidades futuras. Uma redução superior a 25% do número de horas em vigor, só é efetivo 3 meses após essa decisão. Uma redução superior a 40% só é efetivo 6 meses depois. A máxima redução do número de horas em cada semestre é de 50%” (cfr. teor do documento n.º 1 anexo à petição inicial);
58) Ao longo dos anos de 2018, 2019 e 2020, a Autora nunca manifestou perante a Ré qualquer intenção de redução da bolsa de horas de desenvolvimento, nem solicitou tal redução;
59) No dia 18 de Novembro de 2019, o funcionário da Autora BB, remeteu à Ré um email com o seguinte teor:

Caros GG, KK e EE,

Lancei hoje, internamente, o pedido para remover a entrada r....pt dos nossos DNS’s e que apontava para os vossos servidores. Durante esta semana este pedido será executado.
Com todos os altos e baixos dos últimos tempos, agradeço a vossa colaboração e ajuda no que permitiu ser o lançamento do ... em mercado há uns bons anos atrás.
Como o AA vos terá comentado, precisamos de alinhar convosco o “descomissionamento” antes de desligarem os servidores. Em particular, coisas que antevejo para já:
1) Dump da BD SQL Server – preciso que nos entreguem um DUMP completo da BD (estrutura e dados) para, que, em caso de emergência, a possamos levantar num servidor ad-hoc e consultar alguma informação que seja necessária;
2) Eliminação de todos os dados de clientes – agradeço que nos informem de como será feita esta eliminação. Este tema é necessário para o nosso Compliance, que necessita de ter garantias inequívocas sobre o facto de todos os dados que hoje estão na plataforma SDP foram eliminados; Mantemos este canal aberto para afinarmos o processo e esclarecer o que considerarem pertinente.” (cfr. documento n.º 7, anexo à petição inicial);
60) Em 30 de Março de 2020, a Autora remeteu à Ré uma carta e um email com o seguinte teor:
“1. Como é do conhecimento de V. Exas. e foi objeto de conversas presenciais entre representantes das partes ao longo do ano de 2019, a execução do contrato acima referenciado (o ‘Contrato’) ficou marcada por diversos incumprimentos por parte dessa empresa das obrigações por si assumidas.
O facto mais relevante neste contexto é o grave e reiterado incumprimento por parte dessa empresa das obrigações assumidas no Artigo Cinco do Contrato, relativas à entrega do Código Fonte e documentação associada em caso de novas actualizações introduzidas na solução de gestão avançada de energia (‘Solução’) adquirida pela E1.... Assinalamos que, ao longo dos anos, a E1... investiu no desenvolvimento desta solução mais de 1.000.000€ (um milhão de euros), nos sucessivos desenvolvimentos de que esta solução foi objecto.
Assim, o referido artigo, no seu n.º 1, obriga expressamente a C... para os novos desenvolvimentos da Solução a “…entregar o código devidamente comentado bem como toda a documentação de apoio à instalação, manutenção e utilização da solução”. Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que “o código fonte validado será depositado numa conta ESCROW (…) e deverá ser actualizado, com os desenvolvimentos realizados ela C... na Solução objecto deste contrato semestralmente…”.
Como é do conhecimento de V. Exas., a titularidade dos códigos fonte dos novos desenvolvimentos é o instrumento fundamental que garante a propriedade da E1... fornecida e a possibilidade da sua utilização autónoma após a extinção do Contrato.
Ora, como também é do conhecimento de V. Exas. e foi objecto de diversas comunicações entre as partes, a C... incumpriu reiteradamente as obrigações de entregar o código fonte relativamente a um conjunto de desenvolvimentos introduzidos na Solução e/ou de validar o funcionamento dos referidos códigos, i.e. assegurando que é possível instalar e colocar em produção as aplicações em causa com os códigos disponibilizados e com as instruções que os acompanham.
Como consequência directa dos referidos incumprimentos e da impossibilidade de assegurar a completa autonomia na operação e utilização da Solução adquirida, a E1... teve que encontrar soluções alternativas que a libertassem da dependência técnica que o incumprimento da C... lhe estava a impor. Nesse sentido, a E1... viu-se obrigada a realizar um avultado investimento, de valor não inferior a €600.000 euros, no desenvolvimento de uma plataforma e de uma solução tecnológica alternativa à Solução disponibilizada pela C..., que começou a colocar em funcionamento a partir de Maio de 2019. Esse investimento, que não teria que ser realizado se a C... tivesse cumprido as suas obrigações contratuais, leva a que no momento presente a utilização da plataforma da C... tenha sido descontinuada.
Por outro lado, refira-se que a obrigação de entrega dos códigos fonte não foi o único aspecto patológico presente na execução do Contrato. A título de exemplo, refira-se que ao longo do ano de 2019 e em virtude do deficiente cumprimento das obrigações relativas a desenvolvimentos na plataforma por parte dessa empresa, a “bolsa de horas mensal” para estes serviços, regulada nos Artigos Dezanove e seguintes do Contrato, pura e simplesmente não foi executada pelas partes, não tendo havido qualquer contacto entre os Gestores de Desenvolvimento no sentido de operacionalizar a atribuição da bolsa de horas conforme previsto e para os efeitos dos Artigos Vinte e Um a Vinte e Quatro do Contrato.
2. Em face do exposto, comunica-se a V. Exas. o seguinte:
a) Com base no incumprimento grave e reiterado por parte dessa empresa da obrigação de entrega do código fonte prevista no Artigo Cinco do Contrato, a E1... vem declarar a resolução do Contrato, com efeitos imediatos;
b) Independentemente do juízo que venha a recair sobre a declaração efectuada no número anterior, é intenção definitiva e irrevogável da E1... extinguir os efeitos do Contrato, o que desde já se comunica para todos os efeitos legal e contratualmente previstos;
c) A E1... não prescinde do direito de exigir e demandar a C... pelos prejuízos incorridos com os incumprimentos contratuais dessa empresa, nomeadamente os custos de desenvolvimento da solução alternativa, nem de aplicar a penalidade estabelecida no Artigo Trinta e Sete do Contrato;
d) A E1... permanece disponível para reunir com representantes dessa empresa a fim de discutir os assuntos pendentes que sobrevenham à extinção do Contrato.” (cfr. documento n.º 8, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
61) Em resposta à referida declaração de resolução, a Ré enviou à Autora uma carta, datada de 1 de Abril de 2020, subscrita por mandatário, na qual a interpelou para o pagamento, no prazo de dez dias, da quantia de €233.193,39, acrescida de IVA, invocando que “nos termos do mencionado contrato, a minha constituinte tem prestado mensalmente o suporte e a manutenção da plataforma ... e alocado recursos com vista ao desenvolvimento de serviços através da Bolsa de Horas mensalmente contratada, além da gestão da base de dados SQL Server e do próprio serviço de alojamento de plataforma ...… “(cfr. documento n.º 9, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
62) Inconformada com tal notificação, a Autora respondeu à Ré, através de carta enviada no dia 16 de Abril de 2020, na qual i) rejeitou a existência da dívida invocada pela Ré, ii) sustentou a validade e eficácia da resolução e iii) desenvolveu os fundamentos com base nos quais resolveu o contrato (cfr. documento n.º 10, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
63) Na mesma carta, a Autora referiu o seguinte: “Deste modo, a C... dispõe do prazo de 5 (cinco) dias úteis, contados da recepção desta carta, para recuar expressamente na sua pretensão infundada, mantendo-se a E1... disponível para concluir os assuntos operacionais ou técnicos que hajam ficado pendentes na sequência da extinção do Contrato. Decorrido esse prazo sem recuo expresso, a E1... agirá de imediato judicialmente contra a C..., exercendo o direito, de que não prescinde, ao ressarcimento de todos os prejuízos sofridos em resultado dos incumprimentos contratuais dessa empresa – incluindo, sem limitar, o custo de desenvolvimento de uma plataforma alternativa, de montante não inferior a €600.000,00 (seiscentos mil euros) –, acrescidos da penalidade contratualmente prevista” (cfr. teor do documento identificado no facto anterior);
64) A Autora, ao longo da execução do contrato, requereu o progressivo incremento do número de horas na bolsa de horas;
65) No ano de 2020 o número de horas da bolsa era de 400 horas, quando no início da vigência do contrato a bolsa de horas era de 180 horas;
66) O número de clientes que utilizava a plataforma ... foi sempre crescente, passando de 337 em 2013 para 22.040 em 3.04.2019;
67) A Autora desenvolveu, a partir de Outubro de 2017, uma plataforma e uma solução tecnológica alternativa à solução disponibilizada pela Ré, com a qual suportou custos;
68) Tal plataforma é disponibilizada aos seus clientes, tendo a Autora controlo sobre os respectivos desenvolvimentos;
69) Ao longo da duração da relação contratual, nunca existiu por parte da Autora nenhuma comunicação formal em que esta diretamente indicasse o não cumprimento da taxa de eficiência operacional;
70) Sempre que se verificava uma falha ou incidente, a Ré sempre se mostrou disponível para solucioná-lo;
71) Nos termos do Art. Trinta e Sete do contrato “Em caso de atraso superior a sessenta dias na prestação por parte de uma das contraentes das obrigações contratuais, a outra contraente poderá exigir o pagamento de penalidades correspondentes a um desconto de até 5% do valor definido para o serviço” (cfr. teor do documento n.º 1, anexo à petição inicial);
72) O valor mensal da bolsa de horas entre Janeiro a Fevereiro de 2019 era €12.000,00, de Março de 2019 a Fevereiro de 2020 era de €12.079,20, de Março de 2020 a Setembro de 2020 era de €12.125,10;
73) O valor mensal dos serviços de suporte e manutenção entre Janeiro a Fevereiro de 2020 ascendia a €14.000,00 e de Março a Setembro era de €14.053,20;
74) O valor mensal dos serviços de armazenamento de dados era entre Janeiro e Setembro de 2020 de €906,13;
75) O valor mensal dos serviços de alojamento era entre Janeiro a Setembro de 2020 de €3.825,00;
76) Em reunião realizada no dia 10 de Abril de 2019, a Autora, na pessoa de AA, comunicou à administração da Ré que a relação contratual que as unia seria extinta e que todos os clientes seriam migrados para uma nova plataforma;
*
Não se provaram outros factos que se não compaginem com os anteriormente enunciados, nomeadamente que:
a) Na sequência do update realizado no dia 13 de Julho de 2017, o serviço ficou indisponível durante 24 horas e fez com que a totalidade dos clientes deixassem de ter acesso aos seus dados e de poderem gerir os seus equipamentos;
b) A Ré manifestou incapacidade de escalar a plataforma e de evoluir na solução técnica, tendo sido, ainda, responsável por diversas falhas na execução de updates;
c) A Ré demonstrou inaptidão para garantir uma adequada operação da plataforma ..., bem como assegurar a prestação de serviços adequados aos seu desenvolvimento;
d) A Ré procedeu ao envio de um email, com conteúdo promocional da sua atividade e relacionado com a sua presença numa feira internacional que teria lugar em Viena, a todos os clientes da Autora e/ou aos utilizadores da plataforma;
e) Tal incidente contribuiu para a deterioração da relação de confiança entre as partes;
f) A Autora permitia que as funcionalidades ou dispositivos fossem lançados por terceiros na plataforma, sem ensaios e aprovações prévias adequadas, e que a falta de ensaios podiam pôr em causa o desempenho e operação global da plataforma;
g) Os registos de monotorização de desempenho da plataforma confirmam a existência de uma taxa de eficiência operacional superior a 95% ao longo de toda a vigência do contrato;
h) As falhas ocorridas foram classificadas com sendo de Prioridade 2;
i) A Ré colaborou com os diversos prestadores de serviços que a Autora contratou para desenvolvimentos na plataforma, disponibilizando todo o suporte e informação necessária;
j) As partes acordaram no depósito na conta Escrow porque no momento da celebração do contrato não era tecnicamente possível individualizar as novas funcionalidades que seriam desenvolvidas na plataforma de software que lhe servia de base;
k) As partes acordaram que a Autora apenas teria acesso ao código-fonte em caso de insolvência da Ré, em condições a definir no âmbito do contrato Escrow;
l) A Ré mostrou-se sempre disponível para proceder ao depósito do código-fonte, tendo solicitado, logo no início da execução do contrato, que a Autora indicasse a entidade independente para depósito ESCROW;
m) A falta de acesso ao código-fonte impediu a Autora de utilizar a plataforma ... com autonomia, nomeadamente de contratar outros prestadores de serviços para a desenvolverem, sujeitando-a à dependência técnica da Ré;
n) A Autora só invocou o incumprimento da entrega do código-fonte após ser confrontada com a necessidade de proceder ao pagamento dos valores em dívida junto da Ré;
o) Em 18 de Novembro de 2019, a Autora comunicou à Ré que a plataforma ... seria descontinuada nessa mesma data;
p) Os custos suportados pela Autora no desenvolvimento da plataforma e de uma solução tecnológica alternativa, foram:
i) dos serviços de desenho da arquitetura A... Web Services, prestados pela R..., S.A., no montante total de €19.095,76;
ii) dos serviços de desenvolvimento dos sistemas A... Web Services, prestados pela E3.., S.A., no montante total de €211.267,76 (correspondente a 40% dos serviços prestados durante três meses em 2017 e ao longo de todo o ano de 2018;
iii) dos recursos humanos total ou parcialmente alocados ao projecto, no montante total de € 305.815,90, de acordo com os quadros indicativos dos custos anuais suportados pela Autora com cada um dos colaboradores em 2017, 2018 e 2019;
q) O investimento feito pela Autora no desenvolvimento de uma plataforma e de uma solução tecnológica alternativa à da Ré não teria sido necessário se esta tivesse procedido à entrega do código-fonte;
r) A Autora poderia ter trabalhado e feito evoluir a solução existente;
s) A plataforma teve, nos últimos quatro anos, incluindo períodos de manutenção e actualização programados, uma taxa de eficiência mensal que se cifrou nos 99,17%;
t) A Autora desenvolveu a criação de uma plataforma alternativa à da Ré porque financeiramente implicava menores custos;
u) A Autora comunicou à Ré a descontinuação da plataforma em Novembro de 2019, em virtude dessa plataforma ter deixado de albergar os clientes da Autora, progressivamente migrados a partir de Abril de 2019;
v) Em 2020, a plataforma já não tinha clientes;
w) Na reunião realizada a 10 de Abril de 2019, a Autora comunicou que a extinção do contrato ocorreria até ao final do ano e que seria enviada à Ré uma carta de resolução formal do contrato;
x) Essa missiva só não foi logo enviada porque a Ré, através do seu administrador GG, pediu nessa reunião que a Autora não remetesse tal carta de rescisão;
y) Devido ao facto de a Ré se encontrar em processo de aumento de capital, no contexto do qual o cancelamento do contrato com a Autora teria, na perspectiva de entrada de novos investidores, efeitos devastadores;
z) De boa-fé, apesar de ter deixado clara a vontade de pôr termo ao contrato, a Autora assentiu em adiar o envio da carta formal de resolução à Ré;
*
O tribunal não se pronuncia sobre o demais alegado, por conter matéria de direito, e como tal conclusiva, repetida, redundante, com conteúdo genérico ou meramente adjectivado ou irrelevante para a decisão da causa.
*
Como antes já vimos, neste seu recurso a autora/apelante E1... S.A. vem impugnar a decisão de facto que foi proferida, cumprindo devidamente para tanto os ónus previstos no art.º 640º, nºs 1 e 2 do CPC.
Por isso nada obsta pois ao conhecimento deste segmento do seu recurso.
Segundo o disposto no art.º 662º, nº1 do CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“ (…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere Abrantes Geraldes, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (cf. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pág.225).
Assim nesta apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Deste regime resulta o acesso directo do Tribunal da Relação à gravação oportunamente efectuada em julgamento, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade susceptíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais (cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pág.272).
Impõe-se ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação (cf. os artigos 396º do Código Civil e 607º, nº5, 1ª parte do Código de Processo Civil).
Segundo os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis: “ (…) prova (…) livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, pág. 569).
Por isso se impõe ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (cf. art.º 607º, nº4 do CPC).
Sabe-se que esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É pois através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância.
No entanto, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o pro­cesso exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, actos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador.
Para além disso e porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (neste sentido cf. o Acórdão desta Relação do Porto de 19.09.2000, CJ XXV, 4, 186).
Segundo a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido (cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, Setembro 2008, 2ª ed. revista e actualizada, pág. 299 e entre outros o Acórdão do STJ de 01.07.2010, processo 4740/04.7.TBVFX-A.L1.S1, em www.dgsi.pt).
Por isso é que se justifica proceder a uma análise crítica das provas com audição dos registos gravados.
Deste modo e ponderando todos estes pontos, cumpre reapreciar a prova face aos argumentos apresentados pela autora/apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
Para tanto, procedeu-se à audição das gravações onde foram registados todos os depoimentos prestados em julgamento, bem como à análise dos documentos juntos aos autos.
E a conclusão que daí retiramos foi a de que o recurso aqui interposto, não merece, nesta parte, ser acolhido.
Se não, vejamos:
Das alegadas falhas na qualidade dos serviços prestados pela ré/apelada à autora/apelante (factos dados como não provados nas alíneas b) e c) e o facto dado como provado no ponto 48):
É o seguinte o teor de tais pontos de facto cuja alteração da resposta agora se requer:
“b) A Ré manifestou incapacidade de escalar a plataforma e de evoluir na solução técnica, tendo sido, ainda, responsável por diversas falhas na execução de updates;
c) A Ré demonstrou inaptidão para garantir uma adequada operação da plataforma ..., bem como assegurar a prestação de serviços adequados aos seu desenvolvimento;”.
48. “No âmbito do fornecimento de uma plataforma complexa de software, com serviços avançados de telemetria e sistemas de automação remota de equipamentos distribuídos por um número de habitações que chegou a ascender a milhares, é expectável a ocorrência de falhas e de incidentes técnicos no decurso de contratos como aquele que foi celebrado entre as partes”.
Quanto a esta matéria o que se verifica é que a autora/apelante o que quer é ver comprovado o seguinte: 1º) Que existiu incumprimento da Recorrida consubstanciado na incapacidade de escalar a plataforma e de evoluir a solução técnica (falha de execução de updates); 2º) Que existiu incumprimento de prazos internos e excessiva demora para resolução das falhas de serviço.
E sustenta esta sua pretensão nos depoimentos prestados pelas testemunhas AA, CC e BB, os quais, na sua tese, confirmam a existência de problemas concretos na execução de updates e na resposta a falhas e incidentes por parte da ré/apelada.
Como antes já ficou referido, procedeu-se à audição da gravação onde tais depoimentos ficaram registados.
E desta audição retiramos conclusões em tudo idênticas às que ficaram inscritas na sentença recorrida, mais concretamente no segmento da mesma no qual foi motivada a decisão de facto proferida.
Assim também nós consideramos que no fundo a prova testemunhal produzida se dividiu em dois blocos, o composto pelas testemunhas indicadas pela autora/apelante e o que foi constituído pelas testemunhas arroladas pela ré/apelada, cujos depoimentos vieram no fundo, confirmar as versões trazidas ao processo por cada uma das partes nos seus respectivos articulados.
Apesar disso, todas elas coincidiram na explicação que deram quanto aos objectivo que estava na base da relação contratual estabelecida e os fins da solução informática a prestar pela Ré, a qual e para além do mais tinha por fim permitir aos clientes finais da Autora, que tinham já procedido à instalação de painéis solares, o acesso a medições da energia que eles próprios produziam e dos respectivos consumos.
Mais, como bem se afirma na decisão recorrida, ficou esclarecido que “alguns dos consumidores tinham instalado um dispositivo, fornecido por um fornecedor externo e com o respectivo “software” inerente, um “gateway” através do qual a informação/dados de consumos/produção eram enviados”.
Procedendo à análise mais concreta dos depoimentos prestados por cada “grupo” de testemunhas, o que se impõe fazer notar é o seguinte, começando pelas testemunhas da autora/apelante:
Relativamente às falhas de funcionamento da solução informática em questão, depôs a testemunha AA, engenheiro de profissão, funcionário da E1... o qual afirmou ter participado na negociação do contrato, na sua gestão ao longo dos anos e ter tido funções de coordenação da equipa que assegurava as tarefas de desenvolvimento, a testemunha BB, engenheiro de profissão, funcionário da Autora, que referiu ter tido intervenção na celebração do contrato dos autos e ter acompanhado o seu desenvolvimento, e a testemunha CC, a qual disse ter sido funcionária da Autora entre 2016 até Janeiro de 2019.
No seu depoimento a testemunha AA começou por salientar que passados alguns meses após a celebração do contrato começaram a surgir problemas de funcionamento, problemas que iam aumentando de volume à medida que iam aumentando os clientes da Autora e que iam sendo objecto de uma resolução cada vez mais lenta por parte da Ré.
No entanto, quando instado a concretizar a natureza de tais problemas e o seu enquadramento no tempo, limitou-se a remeter para os emails que foram juntos aos processo.
Com algum rigor, fez referência a um problema do software no comando que permitia acender luzes da habitação dos clientes, afirmando que tal problema demorou alguns anos a ser solucionado.
Em relação ao incidente retratado nos emails trocados entre a Autora e a Ré e que teve início em 13.07.2017, afirmou que os clientes da E1... estiveram 24 horas sem o serviço, o que no entanto não resulta do teor de tal correspondência electrónica.
A este propósito, bem andou o Tribunal “a quo” quando salientou o facto de no próprio contrato estarem previstas falhas, sendo também de notar que do mesmo decorre a obrigação da Ré de, atento o seu respectivo grau de gravidade (de três graus, numa escala decrescente), diligenciar no sentido de as solucionar.
Apesar disso, o certo é que no seu depoimento a testemunha em apreço não conseguiu concretizar as falhas da Ré nem indicar os níveis das mesmas de acordo com o conteúdo do contrato.
Dai ser avisada a conclusão retirada de que o referido depoimento não se revelou útil para o esclarecimento nem das falhas ocorridas nem do incumprimento da Ré para a resolução das mesmas.
Também não foi possível obter tal esclarecimento dos depoimentos prestados pelas testemunhas BB e CC.
Concretizando:
Ambas aludiram ao facto de a partir do fim do ano de 2018, que os responsáveis da E1... chegaram à conclusão de que não estava ao alcance da C... proceder a uma evolução tecnológica dos serviços que prestava, concluindo ser necessário proceder ao desenvolvimento de uma nova solução informática na qual tiveram participação estas três testemunhas.
Quanto à data a partir da qual tal solução passou a ser desenvolvida, também nós constatamos que nenhuma destas três testemunhas soube concretizar a altura em que de facto tal solução começou a ser desenvolvida, verificando-se que a testemunha AA referiu, ainda que sem grande grau de certeza, que o início dos trabalhos terá ocorrido durante o ano de 2017, quando as outras duas testemunhas e diversamente aludiram ao ano de 2018.
Tem pois razão a Sr. Juiz “a quo” quando neste ponto questiona a credibilidade de tais testemunhas tanto mais por estarmos face a factos que as mesmas não podiam desconhecer, por terem tido que participaram na sua implementação.
Perante tal realidade, vale a versão da Autora de que a nova solução terá começado a ser desenvolvida no ano de 2017, ficando no entanto por provar quais os custos que tal opção originou.
Em relação ao denominado “código fonte” é correcta a ideia de que nenhuma das testemunhas indicadas pela Autora, onde se inclui a testemunha DD, soube dizer, com segurança, se a respectiva entrega foi de facto pedida à Ré pela Autora, nem naturalmente se tal ocorreu na altura em que a nova solução começou a ser implementada, o que não confirma a tese segundo a qual o mesmo se mostrava necessário para o funcionamento do novo software desenvolvido.
Quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Ré o que se retira de mais relevante é o seguinte:
Todas elas salientaram a importância da autora E1... na actividade comercial da Ré.
Referiram a forma leal e cordata como ao longo dos anos se foi desenvolvendo a relação entre ambas.
A este propósito foi relevante o depoimento prestado pela testemunha EE, o qual disse ser accionista da Ré e confirmou que a Autora era uma “cliente bandeira” da Ré.
Declarou ter tido intervenção na elaboração do contrato dos autos.
Descreveu o modo como as falhas que iam surgindo eram resolvidas, fazendo notar o facto da Autora não se preocupar em participar na fase de testes, intervenção que defender ser necessária para o sucesso dos “updates”.
Aludiu ao modo como eram classificadas anomalias que iam ocorrendo.
Referiu que não era habitual a Autora comunicar à Ré os níveis de desconformidade, fazendo notar que em nenhum momento chegou aos responsáveis da Ré qualquer manifestação que indiciasse um descontentamento que levasse à cessação do contrato.
Quanto ao ocorrido na aludida reunião de Abril de 2019, na qual a Autora, através do seu representante AA informou os representantes da Ré de que que estava a ser desenvolvida uma aplicação alternativa, referiu que a mesma reunião decorreu com a máxima cordialidade, tendo sido dado conta que por motivos de custos estava ser desenvolvida uma solução informática alternativa.
Mais referiu que na mesma se agradeceu a colaboração prestada pela Ré e se solicitou a manutenção da colaboração da Ré para a fase final, afirmando-se que a Autora estava dispostas a envolver a Ré em futuros projectos.
Quanto ao incidente do envio de emails soube explicar que o mesmo foi originado por questões referentes com a colocação de um motor externo e que levaram ao envio, por lapso, de alguns emails de divulgação de uma feira onde a Ré iria participar.
Em relação a esta questão, foi também elucidativas as declarações prestadas pela testemunha FF, a qual exerceu funções por conta da Ré desde o ano de 2011 e até ao ano de 2019.
No seu depoimento a referida testemunha explicou com suficiente rigor que tal incidente teve origem no facto de alguns contactos da Autora coincidirem com os clientes da Ré, esclarecendo que logo que deram conta do ocorrido pararam de imediato dos referidos emails, afirmando que nenhum cliente da Autora os chegou a receber.
Perante o acabado de expor, subscrevemos o entendimento do Tribunal “a quo”, segundo o qual tais depoimentos merecem credibilidade, o mesmo ocorrendo com as declarações de parte do administrador da Ré, GG.
Assim e quanto a este ponto, ficamos também convencidos que se tratou de um lapso dos serviços da Ré, de uma situação única, esporádica, a qual não envolveu nenhum cliente da Autora.
Quanto ao depoimento da testemunha LL, engenheiro informático que à data dos factos desempenhava funções de programador da Ré, o que importa referir é o seguinte:
Começou por esclarecer que antes de serem implantados os “updates” ocorria uma fase de testes, no decurso das quais havia uma fase que dependia da validação da Autora.
Referiu que no entanto, a Autora sempre deu pouca atenção a tal dever, afirmando que na plataforma foram sendo instaladas peças de terceiros (outros players), sem serem testadas, o que podia dar lugar ao surgimento de problemas de funcionamento da solução de software.
Fez expressa referência a um desenvolvimento de “replays” por parte da Autora que esta não testou, obrigando à realização posterior de testes pela Ré.
Aludiu ao problema das “gatways”, que reiniciavam todas à mesma hora, problema a que os serviços da Ré eram alheios, mas que acabou por criar uma carga excessiva no servidor, posteriormente diagnosticado pelos técnicos da Ré.
Salientou que sempre que surgiam problemas os técnicos da Ré diligenciavam no sentido de os resolver, estando convencido que nunca o sistema ficou com dificuldades de funcionamento por mais que um ou dois dias.
A testemunha HH, técnico informático da Ré de 2016 a 2020, prestou declarações sobre o conteúdo do documento que a Ré juntou com a contestação sob o nº1 e que tem o título “Report for Several Availability” e do qual resulta que o tempo de resposta dada pela Ré aos problemas surgidos foi de 99%.
É certo que o teor deste documento foi objecto de impugnação por parte da Autora, sendo questionada a sua veracidade por parte das testemunhas indicadas por esta última e daí a resposta negativa a tal matéria por parte do tribunal recorrido.
No seu depoimento a identificada testemunha não afastou a existência de problemas com alguns “updates” mas salientou a resolução dos mesmos por parte dos serviços da Ré.
Quanto ao depoimento prestado pela testemunha II, programador da Ré desde o ano de 2014, o que importa salientar é que o mesmo confirmou, no fundo, as declarações prestadas pela testemunha anterior.
Em relação à testemunha MM, funcionário do departamento financeiro da Ré desde o ano de 2018, o que cabe referir é o seguinte:
Depôs sobre a importância financeiro que a facturação dos serviços prestados à Autora representava, sobre a forma como as facturas eram emitidas, sobre a demora da Autora na liquidação das mesmas e sobre os problemas de tesouraria que provocava a sua devolução e o seu não pagamento atempado.
Em resumo e quanto às alegadas falhas na qualidade dos serviços prestados pela Ré à Autora [factos dados como não provados nas alíneas b) e c) e facto dado como provado no ponto 48:
Tem razão o Tribunal “a quo” quando afirma que as testemunhas da autora/apelante não depuseram de forma coerente e credível antes prestyaram depoimento de um modo vago e pouco preciso.
Assim e quanto ao facto provado 48, não restam dúvidas de que se provou que “no âmbito do fornecimento de uma plataforma complexa de software, com serviços avançados de telemetria e sistemas de automação remota de equipamentos distribuídos por um número de habitações que chegou a ascender a milhares, é expectável a ocorrência de falhas e de incidentes técnicos no decurso de contratos como aquele que foi celebrado entre as partes”.
Neste sentido importa considerar o que foi feito constar no contrato celebrado entre as partes relativamente aos tempos de resposta (cf. art.º 1263).
Mais ainda, ficou por provar como cabia à autora/apelante quais os tempos de resposta (P0, P1 e P2) perante falhas e incidentes relacionados com a performance da plataforma e evolução na solução técnica.
Contrariamente, a ré/apelada conseguiu provar o cumprimento de todos os tempos de resposta perante falhas e incidentes, provando também que teve sempre capacidade de escalar a plataforma e de evoluir na solução técnica (execução de updates).
Em suma, da prova produzida nos autos, improcede o apontado erro de julgamento de facto do ponto 48 dos factos provados e das alíneas b) e c) dos factos não provados.
Quanto ao alegado envio de um email promocional da actividade da ré/apelada e á alegada deterioração da relação de confiança entre as partes (factos não provados das alíneas d) e e) o que se conclui é o seguinte:
Como já vimos, na tese da autora/apelante a ré/apelada enviou um email com conteúdo promocional da sua actividade e relacionada com a presença numa feira internacional que teria lugar em Viena, na Áustria, a todos os seus clientes e/ou aos utilizadores da plataforma.
Defende ainda que em virtude do envio do mesmo email, a relação contratual entre as partes se deteriorou.
Ora está provado que a autora/apelante enviou a carta de resolução do contrato dos autos em 30.03.2020, ou seja, mais de um ano depois do alegado incidente de envio de emails, circunstância que por si só afasta a tese de que o envio de emails não autorizados tenha deteriorado a relação entre as partes e, consequentemente, leva a que se mantenha como não provada a factualidade inscrita na alínea e).
Por outro lado, a autora/apelante não logrou provar como lhe competia, que a ré/apelada enviou emails a utilizadores da plataforma e/ou clientes seus.
Assim, da prova produzida nos autos (testemunhal e documental), bem pensou o Tribunal “a quo” quando se convenceu de que se tratou de um lapso, de uma situação única, esporádica, que não envolveu nenhum cliente da autora/apelante e dai a resposta negativa aos factos inscritos nas alíneas d) e e).
Agora em relação aos alegados custos suportados pela autora/apelante (cf. factos não provados na alínea p):
Ora entendeu o Tribunal “a quo” que os juntos com a petição inicial sob os nºs 11 a 23, não demonstram a versão da autora/apelante de que em virtude do incumprimento contratual por parte da ré/apelada desenvolveu uma plataforma similar à ....
O mesmo ocorre no que se refere aos documentos então juntos sob os s nºs 14 e 15, atento o facto de os mesmos aludiram a facturas emitidas pela E3... à E1..., relativas a “serviços prestados pela E3... à E1...” e “F...”.
A ser assim e sendo certo que todas estas empresas pertencem ao mesmo grupo, é avisado presumir que as mesmas facturas podem respeitar a quaisquer serviços prestados entre elas e não já corroborar a alegação da autora/apelante.
Por outro lado e como antes já todos vimos, nos seus depoimentos as testemunhas arroladas pela autora/apelante não souberam precisar com rigor de que forma intervieram na implementação da plataforma similar à ..., que a E1... diz ter criado.
Deste modo e perante a deficiência da prova produzida, bem andou o Tribunal “a quo” ao dar como não provada a matéria inscrita na alínea p).
Quanto à questão referente à reunião de 10 de Abril de 2019 e à comunicação de extinção do contrato até ao final desse mesmo ano (cf. factos dados como não provados nas alíneas w), x), y) e z):
Relativamente a esta matéria não tem razão a autora/apelante quando defende ter existido confissão por parte do legal representante da ré/apelada GG no que toca à data na qual cessaria o contrato dos autos.
Assim das suas declarações cujo conteúdo mais relevante já antes aqui deixamos melhor referidas não resultou qualquer confissão relativamente à descontinuação dos serviços até ao final do ano de 2019.
A este propósito também releva o depoimento prestado pela testemunha EE no qual este refere que na reunião realizada no dia 10.04.2019, os representantes da autora/apelante não comunicaram que a plataforma iria ser descontinuada até ao final do ano de 2019.
Como antes já vimos, na referida reunião de 10.04.2019 o que foi comunicado aos representantes da ré/apelada foi apenas que a autora/apelante estava a desenvolver uma plataforma similar à ..., plataforma essa que comportava menos custos, não se estabelecendo nenhuma data para a cessação do contrato dos autos.
Em relação ao conteúdo da “carta de cessação do contrato”, importa considerar o que foi declarado pela testemunha da autora, AA, também ele presente na referida reunião, declarações essas cujo conteúdo mais relevante já conhecemos.
A ser deste modo bem decidiu o Tribunal “a quo” quando valorou a prova produzida pela ré/apelada em detrimento da que foi apresentada pela autora/apelante, concluindo que não ficou provada a matéria de facto inscrita nas alíneas w), x), y) e z).
Quanto à questão da comunicação por parte da autora/apelante da plataforma re.dy (cf. facto não provado na alínea u), o que cabe referir é o seguinte:
Como já vimos, quer a autora/apelante ver como provado que em 18.11.2019 comunicou à ré/apelada a descontinuação da plataforma.
E chama para tanto à colação o conteúdo do email datado de 18.11.2019 e junto com a petição inicial sob o doc. 7.
Ora quanto ao conteúdo deste email tem razão o Tribunal “a quo” quando afirma que deste não resulta a vontade de pôr fim ao contrato dos autos através da descontinuação da plataforma ....
Tem igualmente razão quando defende que do mesmo não resulta que após as transferências de dados não continuavam a existir operações a realizar pela ré/apelada após aquela data, conforme aliás resulta do documento nº5 junto pela ré em 23.11.2020.
Por ser assim, bem se andou quando se deu como não provada a matéria inscrita na referida alínea u).
Quanto à questão que tem a ver com o Código Fonte e com a necessidade do mesmo para a utilização da plataforma re.dy com autonomia (cf. factos provados dos nºs 54 e 55 facto não provado da alínea m), o que cabe fazer notar é o seguinte:
Como antes já vimos, no depo8imento que prestou em juízo a testemunha GG, confirmou que a não disponibilização do Código Fonte resultou do facto de nunca ter sido indicada à ré/apelada qualquer entidade para esse efeito, nem requerida a entrega do mesmo.
Mais referiu que apesar disso, tal facto nunca afectou a utilização pela autora/apelante da plataforma com autonomia, nem comprometeu eventuais desenvolvimentos criados por prestadores de serviços externos.
No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha EE refere, no qual este afirma que a autora/apelante nunca solicitou o Código Fonte.
Assim sendo e porque a prova apresentada pela autora/apelante não logrou infirmar o que vieram dizer as testemunhas arroladas pela ré/apelada nenhum fundamento existe pois para alterar o que a este propósito ficou decidido.
Por fim e quanto à questão dos valores mensais dos serviços de suporte e manutenção, armazenamento de dados e alojamento cujo pagamento a ré/apelada peticiona (cf. factos dados como provados nos nºs 73, 74 e 75) o que importa fazer notar é o seguinte:
Na versão da autora/apelante a plataforma ... já estava descontinuada, razão pela qual não carecia de qualquer serviço de suporte e manutenção, armazenamento de dados ou alojamento, não sendo por isso devidos os valores peticionados pela ré/apelada em sede reconvenção.
Sabemos já todos que tal entendimento se funda na alegação de que foi em Novembro de 2019 que cessou o contrato de prestação de serviços através do email enviado pelo trabalhador da autora/apelante, BB.
Está provado que o email de 18.11.2019 não fez cessar a prestação de serviços por parte da ré/apelada, sabendo-se também que à data do seu envio email permaneciam clientes operacionais e existia uma quantidade significativa de dados de clientes na base de dados da plataforma ....
Ficou igualmente provado que o contrato de prestação de serviços só cessou em Março de 2020 e, que durante o primeiro trimestre de 2020 foram prestados serviços de suporte, manutenção e alojamento de dados.
Neste sentido vai também o que se mostra do supra identificado documento nº5, junto em 23.11.2020.
Em concreto e no que toca aos valores de suporte & manutenção, SQL Server e Alojamento, relativos aos primeiros três meses de 2020, mostra-se válido o que está demonstrado pela ré/apelada no artigo 170.º, tabela II, da sua contestação/reconvenção.
Serve, igualmente, o que resulta do documento nº7 junto com tal peça processual, documento esse que espelha toda a facturação efectuada à E1... e mais concretamente especifica o montante mensal associado ao licenciamento da base de dados (SQL Server) e ao alojamento da plataforma ... em servidores detidos e operados pela ré/apelada.
Como bem salienta a ré/apelada nas suas contra alegações dai resulta que tais valores não sofreram qualquer alteração ao longo dos anos de 2019 e 2020, comprovando-se o seu pagamento pela E1... apenas até Dezembro de 2019.
Em suma, também aqui não existe razão para alterar o que ficou decidido.
Nestes termos e por não estarem verificados no caso os pressupostos para a modificabilidade da decisão de facto previstos no art.º 662º do CPC, improcede o recurso aqui interposto pela autora/apelante, mantendo-se como provados e não provados os factos antes melhor descritos e que aqui não voltamos a reproduzir por desnecessário.
É pois com esta decisão de facto que devem ser apreciadas e decididas as restantes questões suscitadas no recurso, questões essas que já antes aqui deixamos suficientemente identificadas.
Vejamos, pois:
Desde logo não se suscitam dúvidas no que toca à qualificação do contrato celebrado entre a Autora e a Ré como um contrato de prestação de serviços da previsão legal do art.º 1154º do Código Civil.
Assim, como bem se afirma na sentença recorrida, está provado que “na situação em apreço, o contrato celebrado entre as partes inclui a prestação de um conjunto de serviços da área da informática que englobava a disponibilização da solução de software de que era proprietária a Ré, o que configura um licenciamento, o desenvolvimento desta solução de acordo com as necessidades e fins visados pela Autora (a chamada customização), a sua operação, manutenção e, ainda, a realizar backups regulares de dados privados.”
Também não se discute que ao contrato dos autos, pode ser aplicado o regime previsto no art.º 1156º do CC, cuja redacção é a seguinte: “As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço, que a lei não regule especialmente.”

A ser assim, bem andou o Tribunal “a quo” quando chamou à colação as regras do art.º 1170º sobre a revogabilidade do mandato, nomeadamente o seu nº2 no qual se condiciona a revogação do contrato, nos casos em que o mandato é conferido também no interesse do mandatário, à existência de justa causa.
São igualmente válidas as considerações tecidas sobre a distinção entre os efeitos da revogação e a resolução do contrato.
Sendo certa a natureza continuada do contrato dos autos, importava e importa ter em conta a ressalva prevista no nº1 do art.º 434º do CC, relativamente à restituição integral do que houver sido prestado (indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes pelo interesse contratual negativo).
Pensou-se igualmente de forma avisada quando se fez notar a importância da análise da declaração resolutiva que a Autora alega ter dirigido à Ré.
Está visto que na carta que enviou à Ré em 30 de Março de 2020, a Autora imputa àquela e desde logo, o incumprimento reiterado das obrigações de entregar o código-fonte relativamente ao conjunto de desenvolvimentos introduzidos na solução de software disponibilizada no âmbito do contrato, e/ou validar o funcionamento dos referidos códigos, isto é, assegurando que é possível instalar e colocar em produção as aplicações em causa com os códigos disponibilizados e com as instruções que os acompanham (código- fonte comentado).
Do contrato dos autos o que resulta é o seguinte:
“Artigo Cinco (Código Fonte e Documentação)
1- Tal como acordado em contratos prévios entre as partes, para os novos desenvolvimentos, a segunda outorgante terá de entregar o código devidamente documentado, bem como toda a documentação de apoio à instalação, manutenção e utilização da Solução;
2- A primeira contraente reserva-se o direito de realizar auditorias externas quer ao código e à arquitectura da solução, quer aos processos e procedimentos usados pela C... no âmbito da prestação de serviços objeto deste contrato. A segunda contraente deve prestar toda a colaboração na realização destas auditorias. Os custos associados a auditorias externas são suportadas pela primeira contraente, incluindo os custos relativos aos recursos necessários a envolver por parte da segunda outorgante.
3- O código fonte validado será depositado numa conta ESCROW, em entidade independente aprovada previamente pela segunda outorgante, e deverá ser actualizado com os desenvolvimentos realizados pela C... na Solução objeto deste contrato, semestralmente. Os custos associados a esta conta ESCROW correm por conta da primeira contraente.”
A definição correcta do conceito de Código Fonte é a que consta da sentença recorrida, a qual aqui damos por reproduzida sem necessidade de ser transcrita.
Como todos já vimos, de acordo com o contrato celebrado, a Ré estava obrigada a entregar o código fonte documentado e a documentação de apoio à instalação, manutenção e utilização da Solução (Artigo Cinco nº1).
Desta redacção não resulta que a entrega do Código Fonte teria de ser feita à Autora.
De acordo com o nº2 do mesmo artigo, a Autora poderia, a expensas suas, realizar auditorias externas, quer ao código, quer à arquitectura da solução.
Segundo o seu nº3 o Código Fonte validado seria depositado numa conta Escrow, junto de uma entidade independente previamente aprovada pela Ré, com custos a cargo da Autora, devendo ser actualizado com os desenvolvimentos realizados na solução objecto do contrato, semestralmente.
Como se referiu na decisão recorrida, citando José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, pág.564, “o depósito escrow é o contrato pelo qual uma das partes (depositante) confia a guarda de determinados bens móveis (v.g. dinheiro, títulos, documentos) a um banco ou outra entidade (depositário) que se obriga, de acordo com as instruções irrevogáveis acordadas, a restituir os bens ao depositante ou a entregá-los a um terceiro (beneficiário).”
Como também ali se refere, trata-se de um contrato atípico e inominado, que combina elementos do depósito, mandato e fidúcia, e é instrumento jurídico coadjuvante de outro tipo de operações, nomeadamente, de transferência de tecnologia.
Resulta evidente a divergência entre as partes no que toca à interpretação a dar ao nº1 do Artigo Cinco do contrato dos autos.
A propósito desta questão, passamos a transcrever o que foi feito contar na decisão recorrida:
“Nos termos do disposto no art.º 236º do C:C. a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Tal preceito acolheu a doutrina da impressão do destinatário, de acordo com a qual a determinação do sentido da declaração negocial será aquela que um declaratário razoável – medianamente instruído, diligente e sagaz – colocado na posição do real declaratário, deduziria, considerando todas as circunstâncias atendíveis do caso concreto.
Para a interpretação integral do acordo que se retira da dita declaração, o tribunal tem que socorrer-se de todas as circunstâncias susceptíveis de esclarecer o que era pretendido pelas partes, sendo que, tratando-se de negócio formal, valerá o sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto – cfr. o art.º 238º, nº 1, do C.C.”
Tem razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando afirma que caso fosse acolhida a interpretação de que o Código Fonte teria que ser entregue directamente à Autora, ficaria destituído de qualquer sentido o nº3 do artigo, por ser incompreensível a necessidade de confiar o mesmo a um terceiro no âmbito de um depósito com a natureza do antes melhor identificado.
A ser assim e para além de todos os outros argumentos que neste ponto sustentam a decisão proferida, entendemos também nós que a interpretação mais correcta do que ficou clausulado é pois a de que a entrega do Código Fonte teria que ser feita através do seu depósito nos termos sobreditos e não já por entrega directa à Ré.
O certo é que se provou que a Autora não criou, como manifestamente lhe incumbia, as condições para que esse depósito fosse feito (cf. ponto 52) dos factos provados).
Mais se provou que até 30 de Março de 2019, nunca a Ré manifestou formal ou informalmente, a vontade e necessidade de ter acesso ao Código Fonte (cf. ponto 53) dos factos provados)
Segundo o Tribunal “a quo” neste âmbito é relevante considerar “a circunstância da Ré alicerçar a sua causa de pedir, quanto ao montante indemnizatório, na execução de uma plataforma alternativa no último trimestre de 2017 e, em 2020, já depois da mesma estar criada e instalada, pretender resolver o contrato com esse fundamento, invocando a perda objectiva de interesse” o que em seu entender questiona claramente as regras da boa-fé.
Nestes termos acaba e bem a concluir pela não verificação dos fundamentos invocados nesta parte para a resolução do contrato.
Mas para além destes, sabemos todos que a autora E1... também veio alicerçar o seu pedido de resolução do contrato no incumprimento pela ré C... da sua obrigação em manter a operacionalidade do serviço de software, imputando-lhe falhas constantes no funcionamento do mesmo, nomeadamente nos momentos em que houve lugar a updates.
Justifica ainda este seu pedido na incapacidade da Ré de desenvolver ou fazer evoluir a solução técnica implementada.
Perante tal pretensão, acolhemos desde logo a opinião inscrita na sentença recorrida de que o funcionamento dos sistemas informáticos está sujeito a falhas, como aliás ficou previsto no contrato dos autos onde até se chega a admitir a falha total do serviço ainda que estabelecendo prazos para a sua resolução [cf. Artigo Doze (Service Legal Agreement)].
A ser assim cabia pois apurar se ocorreu de facto incumprimento por parte da Ré das suas obrigações contratuais, incumprimento traduzido na não resolução das anomalias verificadas no período de tempo contratualmente acordado para o efeito.
Ora tem razão o Tribunal “a quo” quando afirma que a Autora, como lhe competia, não logrou provar tal incumprimento.
Concretizando:
Quanto à situação objecto do email datado de 15 de Dezembro de 2016, o que se verifica desde logo é que os problemas surgidos e ai relatados se relacionam com uma funcionalidade relativa a um terceiro (K...).
Mais, o outro problema que no mesmo se relata tem a ver com a realização de testes por parte da Autora, permanecendo a dúvida pertinente se tais testes podiam, ou não respeitar ao lançamento na plataforma de software desenvolvido por terceiros que não a Ré.
Na situação identificada no email de 13 de Julho de 2017, verifica-se que o que estava em causa eram problemas relativos a um update, problemas que foram identificados e corrigidos em tempo razoável e que durante o período que decorreu até à sua resolução não obrigaram à suspensão da plataforma.
Quanto à falha ocorrida a 6 de Dezembro de 2017 e datas seguintes refere o Tribunal “a quo” e bem, que nessa data a Autora estava já a desenvolver a solução alternativa, razão pela qual se torna inviável estabelecer o nexo causal entre estas ocorrências e a decisão tomada para o desenvolvimento do novo software pela Autora.
Como se refere na decisão recorrida, para além destas nenhumas outras anomalias das alegadas pela Autora na petição inicial, se provaram nos autos.
Ficou igualmente por provar a alegada incapacidade da Ré de fazer escalar/desenvolver/evoluir a solução tecnológica implementada.
Está também por provar o alegado envio pela Ré de emails promocionais aos clientes da Autora.
Perante o exposto, resulta clara a inexistência de matéria de facto e de direito que sustente a existência de alguma causa de resolução do contrato dos autos.
E não existindo como não existe, justa causa para a resolução do contrato, falece também o direito à indemnização deduzido nos autos pela autora E1... S.A. e que a mesma cifrou no montante de € 536.179,42.
Quanto ao pedido reconvencional formulado pela Ré na sua contestação o que cabe dizer é o seguinte:
Já vimos que na sentença recorrida o pedido reconvencional da Ré foi julgado totalmente procedente, por provado, condenando-se a Autora ao pagamento da quantia de €443.917,61, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal comercial em vigor, calculados desde a data da notificação da Contestação com Reconvenção até efectivo e integral pagamento.
Passando a analisar cada uma das parcelas em que tal condenação se constitui, iniciamos a nossa análise pela indemnização devida pela violação do disposto no Artigo Trinta e Dois do contrato dos autos.
Ficou já visto que nos autos ficou convencionado que o contrato celebrado se renovaria automaticamente, salvo se não fosse denunciado por qualquer uma das partes com um pré-aviso de 180 dias de antecedência em relação á data em que parte pretendia fazer cessar os efeitos do contrato.
A ser assim, para apurar a quantia indemnizatória a atribuir à Ré, deve atender-se ao prejuízo sofrido pela mesma nos seis meses compreendidos entre Abril e Setembro de 2020.
Isto porque a referida quantia deve compreender o valor das retribuições devidas caso a denúncia tivesse sido realizada nos termos legalmente previstos e o contrato pontualmente cumprido de acordo com o acordado, quantia esse que se cifra no montante de €185.456,58.
E a esta tem que acrescer o valor que decorre da aplicação ao caso da penalidade por incumprimento, prevista no Artigo Trinta e Sete do contrato e que perfaz o montante de €9.272,88.
Deste modo, bem decidiu o Tribunal “a quo” quando condenou a Autora no pagamento do montante de €194.729,40, a título de indemnização pelo prejuízo sofrido com a referida resolução do contrato em apreço nos autos.
A decisão proferida também abarcou a condenação da Autora no pagamento da bolsa de horas respeitantes a todo o ano de 2019 e a todo o trimestre do ano de 2020.
Ora como se provou, ao longo da execução do contrato foi sendo solicitado pela Autora à Ré, um aumento do número de horas na bolsa de horas (cf. ponto 64) dos factos provados).
Por outro lado, de acordo com o Artigo Vinte e Três do contrato ficou estabelecido que, no caso de ser prevista uma redução das necessidades de desenvolvimento, em sede de revisão semestral, a Autora deveria requerer a diminuição das horas atribuídas à bolsa de horas, dentro dos limites de redução acordados entre as partes e especificados no mesmo contrato.
No entanto e como se apurou, ao longo dos anos de 2018 a 2020, a Autora nunca manifestou junto da Ré essa vontade de reduzir a bolsa de horas de desenvolvimento, não tendo sequer solicitado, nem em sede revisão semestral, qualquer redução dessa bolsa de horas.
Em relação aos valores relativos à bolsa de horas do primeiro trimestre de 2020, e uma vez que não se deu como provado que o email enviado em 18.11.2019 não colocou termo à prestação de serviços da Ré, impõe-se concluir que todos os serviços relativos a bolsa de horas que se verificaram até 2019 se deviam manter também no primeiro trimestre desse mesmo ano.
Por isso, bem andou o Tribunal “a quo” quando condenou a Autora no pagamento dos valores relativas à bolsa de horas de todo o ano de 2019 (€144.792,00) e do primeiro trimestre de 2020 (€36.283,50) acrescidos, respectivamente, do valor da penalidade prevista no Artigo Trinta e Sete do contrato dos autos.
Por fim foi condenada a Autora no pagamento dos valores relativos a suporte, manutenção e alojamento do ano de 2020.
Nenhum reparo nos merece tal segmento da decisão proferida já que ficou provado, por um lado, que o contrato de prestação de serviços só cessou em Março de 2020 e, por outro lado, que foram prestados serviços de suporte, manutenção e alojamento de dados durante o primeiro trimestre de 2020.
E a ser assim, nesta parte deve a Autora ser responsabilizada como foi pelo pagamento da quantia de €237.322,09, acrescido do montante de €11.866,12, atenta a penalidade prevista no Artigo Trinta e Sete do contrato dos autos.
E suma, também aqui devem ser julgados improcedentes os argumentos recursivos da autora/apelante e sem mais ser confirmada o que nesta parte foi decidido.
Nestes termos, tem que ser confirmada a decisão recorrida, julgando-se a acção improcedente, e, em consequência, absolvendo a Ré do pedido e mais se julgando a reconvenção procedente e condenando a Autora no pagamento à Ré da quantia de €443.917,51, acrescida de juros de mora, à taxa em vigor para as operações comerciais, contados desde a data da notificação da contestação e até efectivo e integral pagamento.
*
Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
……………………………………….
……………………………………….
……………………………………….
*
III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
*
Custas a cargo da autora/apelante E1... S.A.
*
Notifique.

Porto, 30 de Junho de 2022
Carlos Portela
Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço