Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16/16.5GAAGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HORÁCIO CORREIA PINTO
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME DE VIOLAÇÃO
RELAÇÃO DE NAMORO
RELAÇÃO EXTRACONJUGAL
Nº do Documento: RP2017061416/16.5GAAGD.P1
Data do Acordão: 06/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 720, FLS.261-298)
Área Temática: .
Sumário: I – A relação de namoro para efeitos de violência domestica não abrange uma relação de natureza exclusivamente sexual.
II – A prática de actos sexuais, mantidos apenas sob violência e ameaça, depois de haver terminado uma relação extraconjugal, integra apenas o crime de violação do artº 164º 1 a) CP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 16/16.5GAAGD.P1
Acordam os juízes que integram esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
Relatório.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo de:
B…, filho de C… e de D…, nascido em 02 de Fevereiro de 1966, natural de …, divorciado, titular do CC nº…… …., e actualmente residente em Rua …, nº.., …, ….
Discutida a causa o arguido foi condenado nos seguintes termos:
a) Como autor material e na forma consumada, de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164º, nº1, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
b) Como autor material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
c) Ao abrigo do disposto no artigo 152º nº4 do Código Penal, condenar ainda o arguido, na pena acessória de proibição de contactos com E…, pelo período de 3 (três) anos.
d) Condenar o arguido como autor material e na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d) da Lei nº 5/2006 de 23-02, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
e) Operando o cúmulo jurídico das penas referidas nas alíneas anteriores, condenar o arguido B…, na pena única principal de 6 (seis) anos de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com E… pelo período de 3 (três) anos.
f) Condenar também o arguido no pedido de indemnização formulado nos autos a pagar à demandante E…, a quantia total de €15.000,00 (quinze mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-o do pedido na parte restante.
g) Acresce a condenação no pagamento de juros de mora contados à taxa legal, a partir da presente data, até integral pagamento.

Resultaram provados os seguintes factos:
1.A assistente E… manteve uma relação extraconjugal de natureza amorosa com o arguido B…, relacionando-se o casal sexualmente, duas a três vezes por semana, encontrando-se quase diariamente, passeando juntos, trocando telefonemas e mensagens telefónicas várias vezes ao dia, convivendo a assistente, de forma esporádica, com a família mais próxima do arguido e, também de forma esporádica, fazendo compras juntos.
Tal relacionamento decorreu entre Junho de 2013 e Novembro de 2014, tendo a assistente terminado a relação por sua iniciativa e porque queria manter o seu casamento.
2.No decurso dessa relação, o arguido efectuou várias gravações de ambos a manter relações sexuais, designadamente de cópula, com o consentimento e conhecimento da assistente.
3.Contudo, o arguido não se conformou com o final da relação e disse à assistente que se não continuasse a manter consigo relações sexuais, designadamente de cópula, iria contar ao seu marido.
4.Mais lhe disse que caso não continuassem a relação amorosa que até ali tinham mantido, divulgaria os referidos vídeos aos seus familiares, incluindo o marido, os filhos, a mãe e a irmã, bem como os colocaria na internet.
5.Por tal facto, a assistente continuou a manter com o arguido, relações sexuais, designadamente de cópula, duas a três vezes por semana, ora em casa dele, sita na Rua …, nº .., …, …, Águeda, ora no seu veículo, da marca Audi, matrícula ..-..-IG, sendo que o arguido ia busca-la ao seu local de trabalho, sito na empresa “F…”, na Rua …, nº …., em …, e depois dirigiam-se para um local isolado, na zona … em Águeda.
6.Para manter a situação, o arguido dizia à assistente, de cada vez que se encontravam para manter relações sexuais, designadamente de cópula, que “se não se entregasse”, querendo com isto dizer que se não demonstrasse entusiasmo no ato sexual, ligava ao seu marido, após o que prometia que aquela seria a última vez e que depois a deixaria em paz.
7. No princípio de 2015, o arguido enviou ao marido da assistente, via SMS, uma fotografia de um dos vídeos descritos em 2, mas esta conseguiu convencê-lo de que era uma montagem.
8. Em data não concretamente apurada do ano de 2015, quando a assistente se voltou a encontrar com o arguido em casa dele para, nos termos descritos, manterem relações sexuais, designadamente de cópula, o arguido começou a dizer que já não se importava de morrer, que a vida não fazia sentido, que não tinha ninguém e que a ofendida também não ficaria cá para ninguém.
9. Nesse mesmo dia, enquanto estavam a manter relações sexuais, designadamente de cópula, o arguido apontou-lhe um canivete pequeno ao pescoço, exigindo que “se entregasse”, querendo com isso dizer que mostrasse entusiasmo na prática do ato sexual, conduta que repetiu pelo menos mais uma vez, quando se encontravam no carro.
10. Noutra ocasião, ainda em 2015, quando se encontravam em casa dele e ainda antes de manterem relações sexuais, designadamente de cópula, o arguido exibiu à assistente um sabre que possuía e disse-lhe que se quisesse lhe cortava já o pescoço e ficava sem cabeça.
11. Noutra ocasião, em data não concretamente apurada do ano de 2015, e novamente quando se encontravam em casa dele e porque a assistente se recusava a manter relações sexuais, designadamente de cópula, o arguido apontou-lhe uma réplica de pistola em plástico, acabando aquela por ceder, ciente de que apesar de o arguido não a poder ferir com aquele objecto, poderia fazê-lo com outra arma.
12.Em data não concretamente apurada mas situada no mês de Março de 2016 quando se encontrava no carro do arguido e enquanto a assistente chorava porque não queria ter relações sexuais, designadamente de cópula, o arguido tirou o próprio cinto, com o qual deu duas voltas ao pescoço daquela e exigiu que prometesse nunca o deixar, ao mesmo tempo que lhe dizia que se quisesse que a matava e desaparecia com o corpo, acabando por manter relações sexuais, designadamente de cópula.
13. No dia 25 de Abril de 2016, da parte da tarde, o arguido ligou à assistente quando esta se encontrava com a sua amiga G…, no estabelecimento “H…”, em Águeda, exigindo que estivesse com ele ao final do dia, o que aquela negou, tendo o arguido, desagradado com a recusa, perguntado se tinha a certeza e afirmado que iria mostrar os vídeos referidos em 2) à família da mesma.
14.Uns dias depois, quando o arguido passava de carro nas proximidades da residência de G…, sita na Praceta …, em …, viu o carro da assistente, ali estacionado.
15. Como esta não lhe tinha atendido o telefone, nem respondido às SMS,s a perguntar onde estava e com quem, que tinha enviado momentos antes, o arguido parou o carro, saiu e ficou à espera que a assistente saísse para a rua.
16. Quando a assistente se deslocou para a sua viatura, o arguido entrou na mesma e, de forma agressiva, começou a perguntar-lhe insistentemente com quem tinha estado, enquanto a assistente implorava para que a deixasse ir embora.
17. O arguido acabou por abandonar o local, ao mesmo tempo que tirava o telemóvel do bolso e, irritado, dizia que ia ligar ao marido da assistente para lhe contar toda a verdade.
18. No dia 10 de Maio de 2016, o arguido contactou telefonicamente a assistente, exigindo-lhe que se encontrassem naquele dia à noite, ficando muito exaltado com a recusa desta.
19. Perante as ameaças daquele, a assistente acabou por aceder ao encontro, tendo acordado que o arguido a iria buscar pelas 21.00h, junto às escolas de … e seguiriam para a residência dele, como aconteceu.
20. Já na habitação, o arguido quis manter relações sexuais de cópula com a assistente, que tentou demovê-lo, primeiro pedindo um café e depois um chá, alegando estar indisposta.
21. Perante a recusa da assistente, o arguido começou a exaltar-se, voltando a ameaçar divulgar os vídeos de ambos a manter relações sexuais designadamente de cópula e mostrando-lhe ainda uns frascos com “pen drives” onde também teria gravado os vídeos.
22. Nessa altura, foram para o quarto e apesar de a assistente lhe pedir, a chorar, por favor para não continuar, o arguido disse-lhe que se não tirasse a roupa dela a rasgaria, razão pela qual a ofendida se começou a despir lentamente.
23. Contudo, o arguido impacientou-se e tirou-lhe a roupa à força, bem como se despiu a ele próprio, deitou-a na cama e introduziu o seu pénis erecto na vagina, que friccionou até ejacular.
24. Na sequência da busca efectuada à habitação do arguido, no dia 10 de Maio de 2016, pelas 21,45h, foram encontrados, para além do mais, os seguintes objectos:
- uma carabina de calibre 9mm Flobert, de cano liso, de tiro-a-tiro, no parapeito da lareira;
- um aerossol de defesa, cujo princípio activo é o gás CN e CS, no interior do móvel da sala;
- uma réplica de pistola em plástico, no interior de um baú; e
- três sabres, com lâminas de 67, 53 e 36 cm, numa mesa da sala.

25. O arguido não tem licença de detenção de arma, nem tem armas registadas em seu nome.
26. Com as condutas descritas, o arguido pretendeu ofender a saúde física e psíquica da assistente, bem como a sua honra e consideração, e causar-lhe medo e inquietação, por forma a afectar a sua dignidade pessoal, apesar de ter mantido com a mesma uma relação de natureza amorosa e por não se conformar com o final dessa relação.
27. Com as condutas acima descritas quis o arguido obrigar a assistente a manter consigo relações sexuais, designadamente de cópula, bem sabendo que dessa forma colocava em causa a sua liberdade sexual.
28. O arguido possuía uma carabina e um aerossol de defesa para os quais não detinha a competente licença, o que sabia ser legalmente exigido.
29. O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
30. Em virtude da conduta adoptada pelo arguido e descrita supra, a assistente vivia aterrorizada, receando pela sua vida.
31. No período em que o arguido adoptou esses comportamentos, isto é, entre inícios de Dezembro de 2014 e 10 de Maio de 2016, a assistente viu a sua liberdade pessoal e de autodeterminação sexual limitada o que a fez sofrer física e psicologicamente, sentir medo, ficando muito abalada e psiquicamente debilitada.
32. Do Certificado de Registo Criminal do arguido consta uma condenação em 29-01- 2014 (decisão transitada em julgado em 03-03-2014) pela prática, em 03-02-2013, de crime de injúria agravada, no âmbito do Processo Comum Singular nº30/13.2GBSVV, tendo-lhe sido aplicada pena de multa, entretanto, extinta, pelo pagamento.
33. O processo de desenvolvimento do arguido decorreu sem incidentes numa estrutura familiar numerosa com um relacionamento relativamente equilibrado. Fez um percurso escolar sem registo de problemas comportamentais ou de adaptação, tendo concluído o 5º ano de escolaridade com uma reprovação e abandonado os estudos com 14 anos (durante a frequência do 6º ano) com a intenção de trabalhar. Depois de primeira experiência laboral como operário metalúrgico trabalhou cerca de 23 anos na construção-civil, 6 anos por conta da mesma entidade patronal e depois por conta própria. Em 2006 passou a trabalhar como operário metalúrgico, até Julho de 2015 na empresa de ferragens “I…” e a partir daí, até à data da detenção à ordem dos presentes autos, na empresa “J…”.
34. Casou com 20 anos (1986) e separou-se com 39 (2005), tendo o divórcio ocorrido posteriormente (2008). Pela prática do crime de violência doméstica, (reportado a factos ocorridos neste período) o arguido sofreu (em 2005 e/ou em 2006) duas condenações em penas não privativas da liberdade.
35. Do casamento tem duas filhas (actualmente com 30 e 25 anos) que ficaram ao seu cuidado e se mantiveram a residir consigo até à emancipação. Ainda em 2005 viveu cerca de 8 meses em conjugalidade com uma companheira. Após um intervalo de tempo de relacionamentos superficiais, entre 2012 e 2013 estabeleceu relação (sem coabitação) com uma namorada, de quem se separou depois de conhecer a assistente Fernanda Gaspar através da rede social “facebook”.
36. Com o objectivo de dar apoio ao arguido na execução da presente medida de coacção, a filha mais nova (K…, 25 anos, solteira, operária metalúrgica) e companheiro desta (L…, 28 anos, solteiro, a concluir curso de formação profissional) passaram a residir com o mesmo. O relacionamento familiar é equilibrado, caracterizado pela existência de consistentes laços de afectividade entre pai e filha.
37. O arguido à data da sua detenção, trabalhava há cerca de 1 ano na empresa de fabrico de ferragens “J…, Lda”, sediada em Águeda. Como operário metalúrgico em regime de contrato a termo certo, auferia um vencimento líquido de cerca de €600,00 (seiscentos euros) mensais (incluindo bonificações), que se encontra suspenso desde que foi detido nos presentes autos. Actualmente, encontra-se dependente dos rendimentos auferidos pela filha e companheiro, num montante global líquido de cerca €1.000,00 (mil euros) mensais. As despesas fixas do agregado totalizam cerca de €180,00 (cento e oitenta euros) por mês em encargos com electricidade, gás e crédito automóvel. As despesas alimentares são atenuadas com cultivo de hortícolas no quintal e pelo facto de a água ser proveniente de um poço.
38.A imagem social do arguido mostra-se valorizada na comunidade local por comportamentos adequados na relação com vizinhos e pelo facto de ter assegurado sozinho a educação das filhas. Na empresa “J…” é percepcionado como um trabalhador assíduo, inteligente, com desempenho e comportamento positivo sendo que alguma impulsividade não interfere na relação positiva com os colegas e superiores hierárquicos. As suas rotinas de ocupação dos tempos livres incluíam preferencialmente a pesca desportiva e o convívio com amigos no café.
39. O arguido evidencia uma postura ansiosa e reacções de natureza impulsiva em situações de confronto e/ou contrariedade, sendo que a sua actual postura relativamente à assistente é hostil e contextualizada numa verbalização de vingança.
40. O arguido é tido pelas pessoas que com ele privam como pessoa educada, respeitadora, trabalhadora, prestável e pacífica.

Factos não provados.
a) Que o arguido tenha prometido à assistente que, depois de verem as gravações mencionadas em 2) dos factos provados, as apagaria.
b) Que o maior receio da assistente fosse que o marido lhe tirasse a guarda dos filhos, caso soubesse da relação extraconjugal e que o arguido estivesse ciente disso.
c) Que após os factos descritos em 7) dos factos provados, o arguido tenha fingido apagar o ficheiro em causa, na presença da assistente.
d) Que, em Setembro de 2015, o arguido tenha contactado telefonicamente a assistente para se encontrarem e manterem relações sexuais, mas que, tendo-se esta recusado, o arguido estivesse à sua espera quando saiu do seu trabalho; que a assistente tenha entrado no seu veículo e se tenha colocado em fuga e que o arguido tenha seguido no seu encalce, sempre a telefonar-lhe.
e) Que nas mesmas circunstâncias a assistente tenha chorado e pedido por favor ao arguido que a deixasse em paz e que o arguido lhe tenha respondido que teria que estar com ele na zona das … no dia seguinte, pelas 12,30h, senão tirava-lhe os filhos e que, com receio, a assistente se tenha encontrado com o arguido no dia seguinte e mantido, com ele, relações sexuais.
f) Que, para além das duas situações descritas em 9) dos factos provados o arguido tenha adoptado a conduta ali descrita, por mais duas vezes, quando se encontravam no carro.
g) Que nas circunstâncias descritas em 21) dos factos provados, o arguido tenha exibido parte dos ali mencionados filmes, no computador.
h) Que a assistente, em virtude das condutas adoptadas pelo arguido receasse pela vida dos seus filhos.
i) Que, em virtude das condutas adoptadas pelo arguido, ainda hoje, a assistente se sobressalte quando ouve um ruído; que acorde de noite vezes sem conta assustada; que tenha sonhos e pesadelos constantes e que tenha medo do que vai acontecer quando as medidas judiciais que a protegem terminarem.
j) Que, em virtude das condutas adoptadas pelo arguido, a assistente nunca vá conseguir fazer uma vida normal; que a coacção e a ameaça a persigam sempre e que o medo não a deixe viver em paz.
k) Que a assistente viva com a convicção de que o arguido vai acabar por matá-la.
l) Que o arguido seja pessoa que tenha sempre pautado a sua conduta por elevados padrões morais.

Convicção do tribunal.
Que a assistente E… manteve com o arguido uma relação extraconjugal de natureza amorosa, com os contornos descritos em 1) e que a mesma terminou por iniciativa dela foi afirmado quer pelo arguido quer pela assistente nas declarações que prestaram em sede de audiência de julgamento.
Ambos disseram que se tratou de uma relação íntima e intensa que se traduzia, para além do mais, em encontros secretos, dado que a assistente era, à época, casada e tinha dois filhos, em que mantinham relações sexuais em diversos locais como o carro do arguido, a casa dele ou a casa de uma das filhas dele.
Para além disso, o teor das mensagens de texto que ambos trocavam e que se encontram juntas aos autos em suporte digital (prova obtida e examinada nos termos legais conforme resulta de fls.18/20, 26, 56 a 62 e 160 a 173) é demonstrativo de que, embora não existisse coabitação, arguido e assistente encontravam-se quase diariamente e trocavam, também diariamente, mesmo a horas tardias ou de manhã cedo, grande número de mensagens de teor amoroso ou em que se referem ao seu relacionamento sexual. Igualmente, os vídeos que o arguido tinha na sua posse e que se encontram juntos aos autos em suporte digital, extraídos e examinados nos termos já referidos, mostram o casal a ter relações de sexo vaginal e de sexo oral, bem como outras práticas de natureza sexual, demonstrativas de que a relação entre ambos era de natureza amorosa.
Finalmente, o tribunal teve em consideração o teor dos depoimentos das testemunhas M… (amigo e vizinho do arguido), N… (mãe do companheiro da filha do arguido, O…), P… (companheiro da filha do arguido O…) O… e K… (filhas do arguido), na medida em que, todos eles relataram episódios em que viram assistente e arguido juntos, mesmo em reuniões familiares e até a fazer compras no supermercado, pese embora tratar-se de relação extraconjugal da assistente.
(…)
Estes depoimentos suportam a versão da assistente de que durante todo o ano de 2015 viveu sob as ameaças do arguido que lhe causavam grande perturbação e desgaste.
As testemunhas arroladas pela defesa prestaram depoimentos, nesta parte, que embora sejam no sentido de que, ainda durante o ano de 2015, viram a assistente na companhia do arguido e que a mesma, pela forma como se comportava e pelo tipo de ocasião em que estava presente, não podia estar contrariada, antes estava de bem com o arguido, sugerindo que a mesma se relacionava sexualmente com ele, de forma voluntária, a verdade é que, quando questionadas de forma expressa sobre as datas de tais acontecimentos revelaram não ter certezas (é o caso das testemunhas Q…, S…, O… e K…) e, de todo o modo, o facto de terem visto a assistente na companhia do arguido ou o seu carro parado à porta da casa dele em nada contraria a versão da assistente.
(…)
Em suma, estes depoimentos, embora credíveis nestes segmentos, em nada infirmam as declarações da assistente. Por isso, o Tribunal considerou tais declarações credíveis nesta parte e na sua generalidade quanto à demais factualidade
(…)
Recurso do arguido B…
Conclusões:
A - Face á factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo a defesa entende que inexiste crime de violação. O crime de violação previsto no artigo 164 nº 1 do Código Penal, é um crime de execução vinculada, isto é, tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima cm estado de inconsciência ou impossibilidade de resistir.
B - O Recorrente teria cometido o crime se na concretização da execução do acto sexual, ainda que tentado, se debater com a pessoa da vítima, de forma a poder-se falar em "violência e/ou ameaça grave”.
C - A força física destinada a vencer a resistência da vítima pressupõe que esta manifeste de forma positiva, inequívoca e relevante a sua oposição à prática do acto.
D - A recusa meramente verbal ou ausência de vontade, de adesão ou de consentimento da ofendida são, por si só, insuficientes para se julgar verificado o crime de violação.
E - É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410 nº 2 do CPP, no que se convencionou chamar de "revista alargada"; ou através da impugnação ampla da matéria, a que se refere o artigo 412 nºs 3,4 e 6 do mesmo diploma.
F - Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias, " a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e controlo."
G - Cabe assim, ao tribunal de recurso verificar, controlar, se controlar, se o tribunal "a quo", ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, sendo certo que tal apreciação deverá ser feita com base na motivação elaborada pelo tribunal de primeira instancia, na fundamentação da sua escolha - ou seja, no cumprimento do disposto no artigo 374° n° 2 do Código de Processo Penal, face á documentação da audiência.
H - Nos crimes de natureza sexual, por força das circunstâncias e do ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento, a prova é particularmente difícil, na medida em que escasseia a prova testemunhai directa e, regra geral, só arguido e a vítima têm conhecimento da maioria dos factos.
I - Daí que muitas vezes o único elemento de prova existente se resuma ás declarações do arguido e da própria vítima e de alguns elementos instrumentais (designadamente exames periciais) que. conjugados entre si e com recurso ás regras da experiência comum, permitem chegar à prova plena.
J - No caso sub judice aliás, o tribunal recorrido reconhece precisamente essa limitação da prova, referindo na fundamentação de facto do acórdão que "se, com tanto detalhe, nos atemos aos depoimentos do arguido e da ofendida, é porque estamos a julgar um crime de violação, um crime muito especial, que se perpetra, por regra, em privado, sem presença de quaisquer testemunhas".
K - Ponderando as referidas limitações, cumpre verificar, ponto por ponto, se os erros concretos de julgamento, indicados pelo Recorrente, de facto existem e, na afirmativa, proceder á sua correcção.
L - No caso sub judice, aliás, o tribunal recorrido reconhece precisamente essa limitação da prova, referindo na fundamentação de facto do acórdão que "se, com tanto detalhe, nos atemos aos depoimentos do arguido e da ofendida, é porque estamos a julgar um crime de violação, um crime muito especial, que se perpetra, por regra, em privado, sem presença de quaisquer testemunhas".
M - Sustenta o recorrente que o Tribunal recorrido não poderia ler considerado provado que o "Recorrente cometeu um crime de violação para com a Assistente". Porém, no que especialmente respeita ao crime de violação, o legislador sempre integrou " o uso de violência" como uma das formas de execução da acção.
N - A redacção do artigo 164° do Código Penal em vigor à data dos factos, foi introduzida pela Lei n° 59/2007, de 04/09: " I - Quem. por meio de violência ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tomado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa: a) a sofrer, ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou b) a sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos; é punido com pena de prisão de três a dez anos".
O - Assim, no caso de adultos só são criminalizadas as actividades sexuais obtidas por meios que afectem a livre vontade de aceitação da vítima nomeadamente, quando o agente aja «por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral.
P - A propósito da violação como do atentado ao pudor com violência, que considerava existir "sempre" violência quando o acto tivesse sido praticado contra ou sem a vontade da ofendida - Ac. R. Coimbra de 17-2-93. C.1 I - 1993-70 - ou sempre que o consentimento não tivesse sido "livre" - Ac. R. Porto de 6-3-91. CJ 2 1991-287. Actos sexuais súbitos e inesperados praticados sem ou contra a vontade da vítima, mas aos quais não preexistiu a utilização de um daqueles meios de coacção, não integram o tipo objectivo de ilícito."
Q - Não basta a simples falta de consentimento, sendo preciso, por exemplo, a violência ou ameaça grave».
R - Também a jurisprudência se vem pronunciando nesse sentido, citando a título exemplificativo o Ac. do ST.I de 25.11.1992. nos termos do qual "a violência, quando a mesma é exigida para a verificação do crime de violação, e também no atentado ao pudor, não pode ser dirigida contra as coisas, mas sim contra as pessoas, e tem de se traduzir na prática de actos que tenham como resultado o constranger a vitima a suportar uma conduta que não quer, numa construção da figura em que o constrangimento corresponde a um ler de suportar uma determinada actuação, contra a vontade e sem possibilidade do exercício de uma reacção com recurso aos meios normais de defesa contra tal.
S - Volvendo ao caso sub judice, e tendo necessariamente em consideração a matéria de facto provada, logo se intui que não se verifica em concreto o requisito do uso da violência com vista ao constrangimento da ofendida, nem tão pouco o simples proferir por parte do arguido da divulgação do vídeo constitui ameaça grave.
T - Na verdade, atendendo aos actos materiais que, para esse efeito relevam, temos que: o Recorrente por diversas vezes ameaçou a ofendida com a divulgação dos vídeos e que uma certa feita a terá alegadamente ameaçado com uma pistola de plástico.
U - Ora a simples ameaça não configura de forma alguma qualquer acto de violência. Até porque a ofendida, após a ameaça da divulgação dos vídeos, a ofendida podia ler arcado com a consequência, mostrando até ao arguido que ele agisse como muito bem entendesse, até porque em lado nenhum dos factos provados é dito que a ofendida tinha medo das ameaças.
V - Não se vislumbra assim como é que o tribunal a quo possa ter considerado o acto de a ameaça dos vídeos como traduzindo uso da violência ou ameaça grave de modo a constranger alguém à prática de um acto contra a sua vontade.
X- Ora, os factos provados não permitem concluir que, lenha havido qualquer forma de violência exercida pelo Recorrente contra a ofendida.
Tudo para concluir que, não se enquadrando os actos praticados pelo arguido no conceito de violência que atrás traçamos, será inútil aferir a ausência de vontade ou de consentimento da ofendida, na medida em que o crime de violação previsto no n° 1 do artigo 164 do Código Penal, é um crime de execução vinculada, isto é, tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou impossibilidade de resistir.
W - Vale dizer, omnicompreensivamente que o agente só comete aquele crime quando a concretização da execução do acto sexual, ainda que tentado, tem de se debater, de alguma forma, com a pessoa da vítima, só então se podendo falar de violação hoc sensu pelo violador.
Z - E necessária uma vontade decidida e militantemente contrária, uma oposição que só a violência física ou moral consegue vencer. Sem duas vontades embatendo-se em conflito "não há violação".
AA - Tendo o legislador optado, como se disse, por criminalizar, nos casos de coacção sexual e na violação, apenas as situações de atentados à liberdade sexual que atentam gravemente contra a liberdade da vontade do sujeito, através da coacção grave ou violência e não os casos de prática de actos sexuais de relevo apenas praticados sem o consentimento da vítima maior de idade, não estão preenchidos o objecto legal do crime de violação, impõe-se a absolvição do arguido, na medida em que a matéria de facto provada (com as modificações introduzidas), não preenche os elementos objectivos do tipo do crime de violação.
BB - Face ao exposto, ficam prejudicadas as questões suscitadas nos restantes recursos, em especial no recurso da assistente/demandante, na medida em que, atento o princípio da adesão consagrado no artigos 71 e 377 do C.P.P. sendo o arguido absolvido da acusação em relação ao crime de violação, o pedido formulado só pode se considerado se existisse ilícito civil, o que não á o caso em discussão
CC - O próprio tribunal a quo tem dúvidas do cometimento por parte do arguido do crime de violação, pois não refere com a clareza necessária e exigível que tenha efectivamente havido violência, em nenhum dos pontos da factualidade provada e não provada, basta ver os factos não provados nas alíneas d) a k) inclusivé.
DD - Mesmo quanto ao facto do arguido afirmar que se a ofendida não tirasse a roupa, ele a retiraria, não configura qualquer tipo de ameaça grave, ao que acresce que o Tribunal recorrido não pode ser alheio que nesse dia a ofendida estava a fazer toda essa encenação, porque sabia que trazia com ela um aparelho de gravação cedido pela GNR de Águeda, e tudo tinha que fazer para que tornar o cenário o mais grave possível a fim de que o Arguido fosse apanhado na "cilada" previamente montada e estudada.
EE - A sentença recorrida não dá como provada qualquer relação amorosa e/ou de namoro existente entre arguido e ofendida, ou seja, em lado nenhum do acórdão é dado como provado uma relação extra conjugal de natureza amorosa, até porque, em momento algum do acórdão é referido sequer que a ofendida, à data dos factos, é ou era casada.
FF - Não resultou assim provado que houve um namoro entre arguido e ofendida, mas antes e tão só uma relação de cariz exclusivamente sexual, ou seja, encontros sexuais filmados e a ofendida sabia que era filmada.
GG - Todo o modo a considerar-se que há crime de violação, o que só por mera hipótese se admite, tendo em conta, o atrás aduzido, então nunca o Tribunal a quo, poderá condena o arguido pelo crime de violência doméstica.
HH - Sendo a violação o crime mais grave, não pode o Tribunal a quo punir duas vezes pela mesma factualidade, não pode o arguido ser duplamente punido, pois incorre num concurso em subsidiariedade.
II - Por outro lado, e como supra referido, o arguido e a ofendida não coabitavam, apenas mantinham uma relação extra conjugal de cariz exclusivamente sexual, pelo que assim sendo inexiste o crime de violência doméstica.
JJ - A violação consome o crime de violência doméstica, logo inexistindo violação por facto de elementos objectivos do crime, cai por terra o crime de violência doméstica.
LL- Ficou provado que o arguido desde pelo menos 2015. reside em casa dos seus falecidos pais, sita na Rua …, em …, Águeda.
MM - Á data que foi para aquela casa, todos os bens que lá se encontravam eram pertença dos seus falecidos pais, inclusivamente as armas apreendidas, eram do seu falecido pai.
NN - O arguido nunca foi detentor de uso e porte de arma, nunca usou ou leve seu poder qualquer arma.
00 - Contrariamente ao que a ofendida afirmou e que o Tribunal a quo deu erroneamente como provado, o arguido nunca ameaçou a ofendida com canivetes, tanto mais que a própria Polícia não aprendeu canivetes.
PP - Por esse facto e por armas não pertencerem ao arguido, isto é, não ser ele o legítimo proprietário daquelas, entendemos que o mesmo terá que ser absolvido deste tipo de crime.
QQ - Os crimes pelos quais o arguido foi julgado e condenado já foram há dez anos, tendo o mesmo sido punido com pena de multa que cumpriu, com aliás do ponto 34 dos factos provados.
RR - Inexistindo crime de violação e crime de violação, inexiste crime de violência doméstica, e assim sendo o arguido deve ser absolvido.
SS - Mas caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se admite, ao arguido deverá ser aplicada uma pena de prisão nunca inferior a cinco anos e essa pode e deve ser suspensa na sua execução, ainda que sujeito a regime de prova.
TT - O Arguido colaborou sempre com a justiça.
UU - De harmonia com o próprio relatório social junto aos autos e das testemunhas de defesa ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, o arguido esta inserido familiar, social e profissionalmente, e não poderá perder estes três pilares basilares e de extrema importância para a sua reinserção e ressociabilização.
VV - O Arguido beneficia de uma excelente imagem social no meio envolvente, é tido como pessoa educada, respeitado e respeitador, trabalhador, assim o afirmaram as suas testemunhas de defesa, nada lhe tendo a apontar. Inclusivamente, o Arguido tem trabalho, sendo pecaminoso conduzir o Arguido, sem mais a uma prisão.
XX - Não existe perigo da continuação da actividade criminosa porque o Arguido está inserido social e familiarmente e tem uma família e diversos amigos que o apoiam. Além do mais, os dois meses que o Arguido esteve preso, serviram de uma grande lição de vida que o mesmo não quer voltar repetir, ficando os meses gravados para sempre na sua memória.
WW – Ora, no caso em apreço, considerando a moldura abstrata prevista na lei para cada o crime por que foi condenado, o grau de ilicitude da conduta, a intensidade do dolo, a total ausência de juízo de auto-censura, bem como as fortes necessidade de prevenção geral que se fazem sentir relativamente ao tipo de ilícito em causa, se a pena aplicada, alguma censura pudessem merecer, seria, seguramente, por exceder os limites do razoável, ou seja. entendemos que ao Recorrente deve ser concedida a pena de prisão suspensa na sua execução no caso de o arguido não ser absolvido, o que só por mera hipótese se admite.
ZZ - A motivação da douta sentença, no caso dos autos, como resulta da sua leitura, é meramente expositiva, não aprofundando as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca do acervo fáctico que deu como assente e não assente. A motivação dos factos limita-se a enunciar e elencar testemunhos, não tendo procedido a uma análise crítica dos mesmos, comparando-os, o tribunal a quo bastou-se com as suas certezas, mas não devia esquecer que a decisão deve assentar numa avaliação real dos factos. O grau de certeza afirmado pela decisão não equivale à verdade, nem pode tomar o seu lugar.
AAA - A determinação da medida da pena concreta, faz-se nos termos do artº 71 do Código Penal, em função da culpa do agente, do grau de ilicitude do facto, da intensidade do dolo, das condições pessoais do arguido, tudo sem que se esqueçam as exigências de prevenção e reprovação do crime.
BBB - Por sua vez, determina o nº 2 do mesmo normativo legal que. "na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele,..."
CCC - Para avaliar da medida da pena no caso concreto. Anabela Miranda Rodrigues. (A determinação da pena privativa da liberdade, Coimbra Editora. 1995. pág. 658 e segs.) entende que há que indagar factores que se prendem com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.
DDD - Como factores atinentes ao facto c por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau da ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.
EEE - Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os uns ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.
FFF - No que concerne aos factores atinentes ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita e a consideração do comportamento anterior ao crime.
GGG - Assim, neste caso, e como factores de graduação da pena. imporia considerar desde logo o modo de execução do crime, e aqui repita-se, o Tribunal recorrido não pode ser indiferente de tudo estava arquitectado entre a ofendida e a GNR para que os factos assim se passassem, e tudo a ofendida fez. por forma a que o Arguido ou reagisse de forma grosseira, para satisfazer o cabal interesse da mesma, que era a detenção do arguido pela polícia.
III - Importa, no entanto, ponderar sobre a possibilidade de suspender a execução da pena de prisão aplicada, tendo em conta que a pena encontrada não excede o máximo de 5 anos referido no artº 50, nº 1 do Código Penal.
JJJ – Aqui, refira-se desde já, que o Tribunal entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, porquanto se trata da primeira condenação do arguido por este tipo de ilícito e do relatório social e exame médico-Iegal que lhe foi realizado não foram assinalados comportamentos associais que obriguem a que a pena encontrada seja, efectivamente, cumprida. Assim, ao abrigo do disposto no artº 50 do CP, o Tribunal tem como adequado suspender a execução da pena de prisão ora decretada, mediante acompanhamento por parte da DGRS, com sujeição a regime de prova.
LLL - Entende a defesa que a pena decretada é manifestamente grave e desproporcional em relação, devendo ser fixada no seu limite mínimo e suspensa na sua execução
MMM - Durante o depoimento da Assistente, cumprindo todos os trâmites legais, da alínea b) do n° 3 do artigo 356° do CPP. a mesma foi confrontada com as primeiras declarações prestadas perante o Digníssimo Magistrado do M.P. a fls. 7 e ss. dos autos, onde declara que a apenas manteve uma relação amorosa com o Arguido durante três meses. Aquando da segunda vez que foi inquirida a mesma altera a sua versão dizendo que afinal manteve um relacionamento extra-conjugal com o Arguido de Junho de 2013 a Outubro de 2014.
NNN - Confrontada a ofendida em julgamento com esta contrariedade no seu depoimento, a mesma disse tratar-se de um erro/engano?! Engano, erro?! Depois de lhe terem sido lidas as declarações pelo Magistrado e desta as ter assinado.
OOO - Aliás os factos não provados na sentença recorrida são a prova evidente de que o Tribunal ficou muito pouco convicto do depoimento da ofendida, basta ver os factos não provados das alíneas d) a k) inclusivé.
PPP - A decisão recorrida enferma do vício decorrente do artigo 410° do CPP, configura nulidade.
QQQ - Dispõe aquele normativo que "Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a
decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova".
RRR - Em face de tudo o aduzido, entendemos que o Arguido terá que ser absolvido e em consequência ser absolvido do pagamento de qualquer quantia à ofendida.
(…)
Deve ser dado provimento ao presente recurso…

Resposta da assistente de fls 769/772.
A recorrida pede a manutenção das condenações de que o arguido foi objecto, esclarecendo que o acórdão não merece qualquer reparo.
Deve ser negado provimento ao recurso.

Resposta do Ministério Público.
Recurso interposto pelo arguido: síntese dos fundamentos
(…)
Identifica-se, em resumo, as seguintes questões nucleares que foram enunciadas em sede de conclusões:
- Inexistência da acção típica do crime de violação, não estando preenchido o elemento típico de violência.
- Inexistência de relação de namoro entre o arguido e a ofendida, o que impede a condenação pelo crime de violência doméstica;
- Impossibilidade de condenação pelo crime de detenção de arma proibida porquanto as armas não pertenciam ao arguido mas sim aos seus falecidos pais.
- Impugnação da medida da pena, por excessiva, pugnando o arguido pela aplicação de pena única em medida não superior a 5 anos, suspensa na execução, ainda que sujeita a regime de prova.
- Nulidade da decisão por enfermar de erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artº 410º do C.P.P.

Apreciação da matéria recorrida
1.Do alegado erro notório na apreciação da prova – artº 410º do C.P.P.
Por razões de encadeamento lógico, começar-se-á por apreciar a invocação deste vício - até porque, se procedente fosse o recurso nesta parte, tal dispensaria o conhecimento das demais questões suscitadas, mormente relativas à pena concreta.
Assim, o recorrente parece estribar-se na alegação de falta de credibilidade da assistente para daí extrapolar que o acórdão padece de erro notório na apreciação da prova, previsto no artº 410º nº 2 c) do C.P.P.
Ora, não é demais relembrar que, em qualquer das hipóteses do nº 2 do artº 410 do C.P.P., o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
Citando Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.09.2010 (relator Paulo Guerra, disponível em www.dgsi.pt), “ o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (…) Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidência aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97) e Ac. da RC de 15.09.2010, relator Paulo Guerra, disponível em www.dgsi.pt)
Ora, da leitura do acórdão, não emerge existir qualquer apreciação incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. Confundirá, porventura, o recorrente, tal vício com a discordância quanto à apreciação do depoimento da assistente. Porém, tal sindicância não seria susceptível de ser prosseguida por esta via. É, pois, manifestamente improcedente o alegado.
2. Não preenchimento da acção típica do crime de violação
Invoca o recorrente, em suma, que os factos provados não preenchem os elementos típicos do crime de violação.
Todavia, basta ler a matéria de facto dada como provada (em especial pontos 8, 9, 10, 11, 12, 22, 23) para se perceber que o mesmo não tem razão, já que a ofendida foi sendo, progressiva e crescentemente, alvo de pressão, chantagem, ameaça e coacção física
Em contrário do que defende o recorrente, entendemos que “Relevante para o preenchimento do conceito de violência exigido no tipo de crime de violação do artigo 164.º é a idoneidade dos actos praticados sobre a vítima para cercear a sua liberdade sexual, sendo, consequentemente, decisivo que esses actos, pelo seu modo de execução, denotem ausência de consentimento daquela, em nexo causal com a violência sobre o corpo ou psiquismo da mesma, uma e outra aferidas segundo as condições pessoais e particulares da visada”.Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 17.12.2014, Processo 465/11.5TALRA.C1;
Em sentido idêntico podem citar-se outros arestos como o Ac. TRE de 17-04-2012 de onde se retira que “II. Para aferir da gravidade da ameaça prevista no artº 164, nº 1 do C. Penal, deve atender-se à maturidade pessoal da vítima em concreto.”, ou o Ac. TRC de 25-06-2014 de onde se retira que “ 1. No crime de violação a ameaça ou é tida como tal e é levada a serio e é ameaça grave, ou não é levada a serio e deixa de ser ameaça. Assim que a ameaça levada a sério pela vítima é sempre ameaça grave. 2. É pelo padrão da vítima, da pessoa a quem é dirigida a ameaça que se aferirá da sua gravidade.” ou o Ac. do TRP de 10-09-2014 decidindo que “: I - Para prova da cópula violenta ou forçada a que se refere o artº 164º CP não é necessária a existência de lesões físicas nem de vestígios físicos e/ ou biológicos masculinos. II - A paralisação da vítima devido ao temor causado pela ameaça a que foi sujeita pelo arguido não se confunde com consentimento para o acto.”
Também neste segmento é, pois, manifestamente improcedente o recurso.
3. Não preenchimento do tipo de violência doméstica.
Neste ponto, alega o recorrente que não manteve com a assistente nenhuma relação de “namoro”.
Convém relembrar que, a este propósito, o tribunal deu como provado (de resto, até de acordo com as declarações do próprio arguido) que “1. A assistente E… manteve uma relação extraconjugal de natureza amorosa com o arguido B…, relacionando-se o casal sexualmente, duas a três vezes por semana, encontrando-se quase diariamente, passeando juntos, trocando telefonemas e mensagens telefónicas várias vezes ao dia, convivendo a assistente, de forma esporádica, com a família mais próxima do arguido e, também de forma esporádica, fazendo compras juntos.
Tal relacionamento decorreu entre Junho de 2013 e Novembro de 2014, tendo a assistente terminado a relação por sua iniciativa e porque queria manter o seu casamento.”
Ora, em resposta a este segmento do recurso, remete-se, na íntegra, para o teor da fundamentação do acórdão,
(…)
Será que a factualidade provada contém o substrato fáctico suficiente para que possamos integrar a conduta do arguido no crime de violência doméstica?
Vejamos.
Quanto à relação existente entre o arguido e a assistente, resultou provado que a assistente E… manteve uma relação extraconjugal de natureza amorosa com o arguido B…, relacionando-se o casal sexualmente, duas a três vezes por semana, encontrando-se quase diariamente, passeando juntos, trocando telefonemas e mensagens telefónicas várias vezes ao dia, convivendo a assistente, de forma esporádica, com a família mais próxima do arguido e, também de forma esporádica, fazendo compras juntos.
Tal relacionamento decorreu entre Junho de 2013 e Novembro de 2014.
Atentos os contornos da relação existente entre o arguido e a assistente, estamos em crer que, salvo melhor opinião, a mesma se enquadra na previsão do artigo 152º nº1 alínea b) do Código Penal.
Com efeito, trata-se de uma relação prolongada no tempo (cerca de um ano e cinco meses) e que, apesar de não existir coabitação é uma relação de amorosa, de namoro já que envolvia relacionamento sexual regular (cerca de duas a três vezes por semana), passeios e saídas juntos para fazer compras e convívio, embora esporádico, entre a assistente e a família próxima do arguido. É sem dúvida uma relação afectiva a enquadrar naquela previsão legal.
Vejam-se a este propósito, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30-09-2015 e de 15-01-2014, do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-02-2013 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-10-2016.
E não se diga que o facto de se tratar de uma relação extraconjugal de concubinato adulterino a coloca fora do âmbito da norma, devendo atentar-se no que a este propósito, e no sentido de a admitir, se diz no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-07-2016.
Quanto aos actos de violência exercida sobre a assistente, verificamos que são múltiplos e de diversa natureza.
A este propósito deve atentar-se que, caso os actos em causa integrem a prática de ilícitos aos quais corresponde pena mais grave, são punidos pelas respectivas normas incriminadoras, por força da regra da subsidiariedade.
No caso dos autos esta questão coloca-se, uma vez que parte da actuação violenta do arguido para com a assistente é violência sexual que preenche, como vimos o tipo legal de violação (punida com pena mais grave).
A este propósito é elucidativo o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 01-10-2013 na parte em que refere que: “Por força do disposto no nº 1 do artº 152 do Código Penal, em que se prescreve que quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, os factos caracterizadores do crime de violação que tenha ocorrido no contexto espácio-temporal em que decorreu a violência doméstica separam-se e dão origem à verificação do crime de violação. Se após esta separação, restarem mais factos ou outros factos relativos à violência doméstica, eles continuarão a integrar e a dar corpo a esse crime de violência doméstica e à sua respectiva punição, em concurso real com a da violação (…)”.
Considerando a matéria de facto provada, verificamos que os actos de violência psíquica e também alguns de natureza sexual (que não os mencionados actos de violação) exercida pelo arguido sobre a assistente, de forma reiterada, colocam em causa a dignidade da assistente enquanto pessoa e a sua saúde, quer física, quer psíquica.”
Uma vez que se concorda inteiramente com o decidido pelo tribunal e em face da clareza da fundamentação, à qual se adere, nada mais se oferece acrescentar, por meramente redundante, apenas se concluindo que, também nesta parte, deve ser manifestamente improcedente o recurso.
4. Da detenção de arma proibida
Nesta vertente, em face da factualidade provada nos pontos 24, 25, 28, 29, não se vislumbra a menor razoabilidade na argumentação do arguido já que é o mesmo o primeiro a avançar que era o único morador, desde 2015, na residência que fora dos seus pais, local onde detinha as armas. Também confirma o recorrente que não tinha qualquer licença de uso e porte de arma.
Assim sendo, ainda que as armas em questão tivessem sido dos seus progenitores (o que não ficou demonstrado, note-se) tal não obstaria ao preenchimento dos elementos típicos do crime, em face das circunstâncias temporais da detenção e apreensão e do teor do artº 37º do RJAM.
Como tal, remetendo-se, mais uma vez, para as considerações tecidas em sede de cordão, às quais nada se oferece rebater ou acrescentar, também, nesta parte, deve o recurso ser considerado improcedente.
5. Da medida e escolha da pena
A pena aplicada pelo tribunal mostra-se moderadamente doseada em face das molduras penais severas que cabem aos tipos de ilícitos cometidos. Veja-se que o crime de violação é punido, nos termos do disposto no artigo 164º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, com pena de prisão de 3 (três) a 10 (dez) anos; o crime de violência doméstica é punido, nos termos do disposto no artigo 152º nº1 alínea b) do Código Penal, com pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e que o crime de detenção de arma proibida é punido, nos termos do disposto no artigo 86º, nº 1, alínea c) da Lei nº 5/2006 de 23-02 (na redacção em vigor à data da prática dos factos e actualmente e que foi dada pela Lei nº50/2013 de 24-07) e artigo 47º do Código Penal, com pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos ou com pena de multa de 10 (dez) a 600 (seiscentos) dias.
Em face disso, o tribunal ponderou as circunstâncias existentes, a favor e contra o arguido, concretamente:
“A medida da pena é fixada nos termos do artigo 71º nºs 1 e 2 do Código Penal, sendo que a pena concreta é sempre limitada no seu máximo pela medida da culpa, limite este inultrapassável, sendo que, nos casos de comparticipação e por força do artigo 29º do Código Penal, cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes.
(…)
Relativamente aos três ilícitos, e no que à prevenção especial concerne, o quadro relevante é o que segue:
- O arguido não demonstrou qualquer arrependimento ou crítica sobre as suas condutas, que devam considerar-se relevantes.
(…)
O arguido, interpreta as suas atitudes como uma consequência do próprio comportamento da vítima, não assumindo a responsabilidade pelas mesmas.
(…)
- A conduta anterior aos factos - O seu percurso de vida (CRC)
(…)
- A sua imagem social e desempenho e imagem no meio laboral, militam a seu favor, dado que, resultou provado que essa sua imagem social se mostra valorizada na comunidade local por comportamentos adequados na relação com vizinhos e pelo facto de ter assegurado sozinho a educação das filhas.
- A situação do arguido à data da sua detenção e desde então, mostram que está perfeitamente integrado na família e, até à detenção, no trabalho, beneficiando de grande suporte afectivo por parte das filhas.
(…)
Em suma, do ponto de vista da prevenção especial, as necessidades reveladas no caso prendem-se essencialmente com o facto de o arguido não ter, até agora, interiorizado, de forma adequada, a censura de que a sua conduta é merecedora e com o facto de ser detentor de traços de personalidade que constituem risco de o mesmo vir a praticar outros factos da mesma natureza já que resultou provado que o mesmo evidencia uma postura ansiosa e reacções de natureza impulsiva em situações de confronto e/ou contrariedade, sendo a sua actual postura relativamente à assistente de hostilidade e contextualizada numa verbalização de vingança.
Relativamente ao crime de violação, o quadro relevante é o que segue:
- A ilicitude é elevada, tendo em consideração que a vítima é pessoa que manteve com o arguido uma relação afectiva durante cerca de um ano e meio e tal circunstância não demoveu o arguido de levar a cabo este seu comportamento…
- A intensidade do dolo, que é directo, e que persistiu durante todo o tempo já assinalado supra (forma mais grave de culpa).
- A motivação com que o arguido agiu (conflito emocional com a vítima a qual decidira terminar uma relação afectiva e com ela o relacionamento sexual respectivo, decisão com a qual o arguido nunca se conformou), que é socialmente inaceitável, sobretudo quando o arguido assume uma atitude de desculpabilização e de culpabilização da própria vítima.
- Os sentimentos de grande reprovação social no que toca a um crime que atenta contra a liberdade e autodeterminação sexual, acentuam as necessidades de prevenção geral.
Relativamente ao crime de violência doméstica o quadro relevante é o que segue:
- A ilicitude dos factos situa-se a um nível médio, tendo em consideração, por um lado, que a sua actuação se prolongou por um período de cerca de um ano e cinco meses e, por outro lado, que as condutas se traduziram essencialmente em perseguição, alguma violência física, mas sobretudo, psicológica. De qualquer forma, tudo comportamentos que causaram à assistente assinaláveis danos de natureza não patrimonial.
- A intensidade do dolo, que é directo (forma mais grave de culpa).
- As necessidades de prevenção geral são assinaláveis, tendo em consideração que este é um problema social muito grave e as condutas como a do arguido, que conhecem grande mediatização, são fortemente rejeitadas pela consciência colectiva. A liberdade de cada um de decidir manter ou terminar qualquer relação afectiva com outra pessoa, é um valor inquestionável na sociedade moderna e este tipo de atitude obsessiva e persecutória não é tolerável.
Por outro lado, a reserva da vida privada no confronto com a grande facilidade de acesso à gravação e difusão de imagens, é hoje uma questão essencial e que importa defender enquanto bem inerente à própria essência da pessoa humana. Por isso, a conduta do arguido ao servir-se de gravações que a ofendida consentiu em fazer, para levar a cabo a sua conduta delituosa, ameaçando-a com a sua divulgação, inclusive, através da internet, reclama uma reacção vigorosa, a reflectir-se na medida da pena, por forma a reforçar adequadamente a norma violada.
Relativamente ao crime de detenção de arma proibida, o quadro relevante é o que segue:
- A ilicitude dos factos é média. Trata-se da posse de dois tipos distintos de armas, preenchendo a conduta do arguido uma outra alínea do preceito legal incriminador para além daquela por que é punido. No entanto, o arguido não usou as armas em causa nem causou qualquer dano efectivo a si ou a terceiros.
- A intensidade do dolo, que é directo (forma mais grave de culpa).
- São relevantes as necessidades de prevenção geral de integração manifestadas no caso, atento o alarme social e insegurança sentidas pela comunidade face à existência de grande número de armas em situação ilegal e o perigo que representam.
(…)
Tudo analisando, fácil é concluir que as penas parcelares foram encontradas com equilíbrio e sem qualquer excesso face às circunstâncias concretas dos factos e do agente; quanto à pena única, foi comprimida até ao limite do razoável nenhuma redução, pois, sendo equacionável.
Ainda que assim não se entendesse, o que, por mera hipótese se equaciona, e ainda que tivesse sido aplicada pena concreta não superior a 5 anos de prisão, ainda assim não seria, no caso, aplicável a suspensão da execução da pena pois todas as circunstâncias elencadas no artº 50º do Código Penal para avaliação da possibilidade de suspensão da execução da pena são absolutamente desfavoráveis a tal opção, nenhuma permitindo um juízo de prognose favorável.
Com efeito, a suspensão da execução da pena não acautelaria as fortes exigências de prevenção geral que no caso se sentem; mais relevante ainda, não cumpriria, do ponto de vista da prevenção especial, a sua função, posto que a reintegração do agente exige uma firmeza que não se conseguia com recurso a pena de substituição.
(…)

A fls 796/797 foi elaborado parecer.
A argumentação reitera o teor da resposta a quo pugnando pela improcedência do recurso.

Cumpriu-se o artº 417, nº2 do CPP.
Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta à apreciação do mérito.
Mantém-se a regularidade da instância.

Fundamentação e Direito
Recurso interposto pelo arguido tem como objecto, em síntese, os seguintes fundamentos:
a) Inexistência da acção típica do crime de violação, não estando preenchido o elemento típico de violência.
b) Inexistência de relação de namoro entre o arguido e a ofendida, o que impede a condenação pelo crime de violência doméstica;
c) Impossibilidade de condenação pelo crime de detenção de arma proibida porquanto as armas não pertenciam ao arguido mas sim aos seus falecidos pais.
d) Impugnação da medida da pena, por excessiva, pugnando o arguido pela aplicação de pena única em medida não superior a 5 anos, suspensa na execução, ainda que sujeita a regime de prova.
e) Nulidade da decisão por enfermar de erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artº 410º do C.P.P.
Reproduzimos o objecto processual do recurso apresentado na resposta por corresponder grosso modo às questões levantadas pelo recorrente.
Vamos iniciar a análise das questões processuais procurando saber se o crime de violência doméstica foi efectivamente praticado.

Do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.
Estabelece o artigo 152º do Código Penal (na redacção dada pela Lei nº19/2013 de 21- 02 e já em vigor à data da prática dos factos):
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
(…)
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
(…)
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
(…)
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
(…)
A maior parte da doutrina e jurisprudência define o bem jurídico com a necessidade de protecção da dignidade da pessoa humana, em particular a saúde, entendida nas suas vertentes física, psíquica e mental. Estamos perante um bem jurídico complexo que afecta a dignidade da pessoa humana e o livre desenvolvimento da personalidade.
“O bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que (…) afectem a dignidade pessoal do cônjuge (…)”, neste sentido Prof. Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 331. Ver, também, neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra de 19-11-2008 in www.dgsi.pt, como bem cita o cordão a quo.
Se em face das anteriores redacções do artigo em causa podia haver dúvidas sobre se se exigia a reiteração ou habitualidade das condutas violentas, tal dúvida deixou de se justificar em face da actual redacção. Com efeito, aí se refere expressamente que a conduta pode assumir ou não, carácter de reiteração.
Por outro lado, podem ser vítimas deste crime, para além das pessoas identificadas nas alíneas a), c) e d), “pessoas de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação” [alínea b)].
Assim são várias as situações equiparadas ao casamento: união de facto; união sem coabitação; concubinato e relação de namoro, propriamente dita. Recentemente é o namoro quem mais casos abrange de violência doméstica. Os conceitos de reiteração e coabitação com a nova reforma ficaram superados.
Importante está em definir o que é relação de namoro como situação equiparada a uma relação afectiva, estável e análoga à dos cônjuges. O namoro deverá passar por uma relação de alguma estabilidade afectiva, emocional e um projecto de vida em comum. O namoro destina-se ao conhecimento mútuo e embora não tenha de passar, necessariamente, por uma comunhão de vida, sempre deverá comportar um projecto de vida. A relação de namoro parece não comportar uma relação ocasional – one night stand – e muito menos uma relação de cariz exclusivamente sexual, devendo antes constituir uma relação afectiva mínima, sem que seja necessário falar de namoro simples ou qualificado como acontece na legislação brasileira. A relação de namoro poderá passar por critérios de intimidade; dever de fidelidade no seu sentido mais amplo; lealdade, boa fé e publicidade ou notoriedade da relação mas, o aspecto mais impressivo da relação de namoro residirá na análise global da factualidade (acervo de factos provados) onde os critérios supra definidos se revelam da maior importância.
Sentido e Alcance da Inserção das Relações de Namoro e Equiparadas no Crime de Violência Doméstica – Reflexões Criticas Acerca do Alargamento do Tipo – Dora Machado Pires – fls 18/25 – Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Direito – Dissertação de Mestrado.
Regressando à matéria dada como provada podemos constatar que a relação entre o agressor e assistente teve como móbil exclusivo, por parte daquele arguido, um relacionamento sexual.
Vejamos a matéria de facto onde o relator a quo não se distancia dessa relação exclusivamente sexual.
A assistente E… manteve uma relação extraconjugal de natureza amorosa com o arguido B…, relacionando-se o casal sexualmente, duas a três vezes por semana, encontrando-se quase diariamente, passeando juntos, trocando telefonemas e mensagens telefónicas várias vezes ao dia, convivendo a assistente, de forma esporádica, com a família mais próxima do arguido e, também de forma esporádica, fazendo compras juntos.
Tal relacionamento decorreu entre Junho de 2013 e Novembro de 2014, tendo a assistente terminado a relação por sua iniciativa e porque queria manter o seu casamento.
No decurso dessa relação, o arguido efectuou várias gravações de ambos a manter relações sexuais, designadamente de cópula, com o consentimento e conhecimento da assistente.
Contudo, o arguido não se conformou com o final da relação e disse à assistente que se não continuasse a manter consigo relações sexuais, designadamente de cópula, iria contar ao seu marido.
Mais lhe disse que caso não continuassem a relação amorosa que até ali tinham mantido, divulgaria os referidos vídeos aos seus familiares, incluindo o marido, os filhos, a mãe e a irmã, bem como os colocaria na internet.
Por tal facto, a assistente continuou a manter com o arguido, relações sexuais, designadamente de cópula, duas a três vezes por semana, ora em casa dele, sita na Rua …, nº .., …, …, Águeda, ora no seu veículo, da marca Audi, matrícula ..-..-IG, sendo que o arguido ia busca-la ao seu local de trabalho, sito na empresa “F…”, na Rua …, nº …., em …, e depois dirigiam-se para um local isolado, na zona … em Águeda.
Para manter a situação, o arguido dizia à assistente, de cada vez que se encontravam para manter relações sexuais, designadamente de cópula, que “se não se entregasse”, querendo com isto dizer que se não demonstrasse entusiasmo no ato sexual, ligava ao seu marido, após o que prometia que aquela seria a última vez e que depois a deixaria em paz.
No princípio de 2015, o arguido enviou ao marido da assistente, via SMS, uma fotografia de um dos vídeos descritos em 2, mas esta conseguiu convencê-lo de que era uma montagem.
Em data não concretamente apurada do ano de 2015, quando a assistente se voltou a encontrar com o arguido em casa dele para, nos termos descritos, manterem relações sexuais, designadamente de cópula…
Nesse mesmo dia, enquanto estavam a manter relações sexuais, designadamente de cópula, o arguido apontou-lhe um canivete pequeno ao pescoço, exigindo que “se entregasse”…
Como se vê a dominância da relação sexual é transversal e o arguido só tinha em mente esse propósito, mesmo que tivesse que recorrer à violência e ameaça. Os encontros com a família do arguido ocorreram porque o local (um dos locais) onde se relacionavam sexualmente era a casa daquele e certamente a companheira não era apresentada como uma mulher que tinha um casamento, com dois filhos, curioso! que pretendia manter. Os momentos fora do âmbito sexual que mantiveram foram muito poucos e pautaram-se sempre por uma relação proibida, menos por parte do arguido que estava livre e desimpedido …
O tribunal faz referências tímidas ao namoro, nos pontos 1), 4) e 26) mencionando que o arguido manteve uma relação extraconjugal de natureza amorosa e mais adiante refere que o arguido ameaçou a assistente, caso não mantivessem a relação amorosa … divulgaria os vídeos Apesar de não concretizada esta relação amorosa, com factos que possam ir além da prática sexual, certo é que esta descrição acaba sempre com um fim muito claro: manter relações sexuais.
A relação de namoro para efeito de violência doméstica não abrange uma relação de natureza exclusivamente sexual, é muito mais do que isso e terá que assentar em laços afectivos, emocionais, de compromisso e com publicidade. Há hoje uma tendência perigosa para integrar todas estas condutas no crime de violência doméstica, quando muitas vezes o CP serve tipos legais de crime muito mais apropriados para qualificar aqueles actos.
O arguido não hesitou em chantagear e ameaçar a assistente sempre que pretendia satisfazer os seus instintos libidinosos. Uma relação de namoro para efeitos jurídico-penais não pode ser levada em conta só numa perspectiva sexual, devendo ter algo mais.
O caso de concubinato citado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-07-2016, que por acaso relatamos, é bem diferente e só a factualidade aí desenvolvida demonstra por que razão se considerou violência doméstica, uma relação mantida com uma prostituta durante um lapso de tempo considerável.
Sem mais considerações entendemos que este tipo de relação não integra o conceito de namoro para efeito de violência doméstica, neste sentido o arguido tem que ser absolvido da prática deste crime.
Consideram-se retirados dos factos provados, as inconsistentes alusões a qualquer relação amorosa, bem como o elemento subjectivo do crime de violência doméstica inscrito nos factos com o nº 29, por referência ao facto nº 26.
Procede, nesta parte, o recurso interposto.

Do crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164º, nº1, alínea a), do Código Penal.
Do crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164º, nº1, alínea a), do Código Penal.
Estabelece o artigo 164º nº1 do Código Penal:
“1 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos; é punido com pena de prisão de três a dez anos.”
Elementos do tipo:
-O constrangimento da vítima a sofrer ou praticar, consigo ou com outrem, um ou mais actos sexuais de especial relevo: cópula, coito anal, coito oral, introdução vaginal ou anal de partes do corpo.
- Por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir (tratando-se, pois, de crime de execução vinculada).
- O dolo genérico, ou seja, o conhecimento e vontade de praticar o facto, abrangendo não só a vontade de levar a cabo esse ato sexual, mas também o conhecimento de que o realiza contra a vontade da vítima.
É ainda necessário que a coacção ou constrangimento tenha ocorrido através da utilização de um meio típico de coacção: da violência, da ameaça grave ou de o agente ter tornado a vítima inconsciente ou a ter colocado na impossibilidade de resistir.
A conduta típica traduz-se num ato de coacção, neste caso de cópula, podendo ainda ser coito anal, oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo. Para se falar de coacção, especializada através da sua finalidade, tem que preexistir uma relação de causa efeito, ou seja que o meio de coacção tenha por objectivo a prática do acto sexual. Como violência deverá ser considerada apenas o uso da força física (vis absoluta ou vis compulsiva), destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada.
Não é necessário que a força usada deva qualificar-se de pesada ou grave, mas será indispensável que se considere idónea a vencer, segundo as concretas circunstâncias do caso, a resistência efectiva ou esperada da vítima. Aliás, não se torna necessária uma resistência efectiva, bastando que devesse contar-se com ela e o uso da violência se destine a vencê-la.
A coacção como meio, habilmente utilizada nesta relação, através da ameaça constante, teve como propósito causar um mal ou perigo à assistente, caso esta recusasse a prática do acto – violência psíquica.
No caso dos autos, a factualidade provada integra, sem qualquer dúvida, aqueles elementos objectivos e subjectivos constitutivos do tipo legal de crime previsto e punido no artigo 164º nº1 alínea a) do Código Penal.
Dos meios acima citados como forma de integrar o crime o arguido serviu-se da violência física e coacção/ameaça para alcançar os seus objectivos.
Resultou provado que, o arguido, na posse de várias gravações dele e da assistente a manter relações sexuais, designadamente de cópula, não se conformando com o facto de aquela ter terminado a relação que mantinham desde Junho de 2013, a partir de Novembro de 2014 e até 10-05-2016, disse à assistente que se não continuasse a manter consigo relações sexuais designadamente de cópula, iria contar ao seu marido e divulgaria os referidos vídeos aos seus familiares, incluindo o marido, os filhos, a mãe e a irmã, bem como os colocaria na internet. Temendo esta divulgação a assistente continuou a manter com o arguido, relações sexuais, designadamente de cópula, duas a três vezes por semana. Mais se provou que … o arguido apontou-lhe uma réplica de pistola em plástico … acabando aquela por ceder… Provou-se, ainda, que …. enquanto a ofendida chorava porque não queria ter relações sexuais, designadamente de cópula, o arguido tirou o próprio cinto, com o qual deu duas voltas ao pescoço daquela…
Provou-se, também, que no dia 10 de Maio de 2016, o arguido contactou telefonicamente a assistente, exigindo-lhe que se encontrassem naquele dia à noite …perante as ameaças daquele, a assistente acabou por aceder ao encontro… Já na habitação, o arguido quis manter relações sexuais de cópula com a assistente, que tentou demovê-lo … voltando (este) a ameaçar divulgar os vídeos de ambos a manter relações sexuais, designadamente de cópula e mostrando-lhe ainda uns frascos com “pen drives” onde também teria gravado os vídeos. Nessa altura, foram para o quarto e apesar de a assistente lhe pedir, a chorar, por favor para não continuar, o arguido disse-lhe que se não tirasse a roupa … deitou-a na cama e introduziu o seu pénis erecto na vagina, que friccionou até ejacular.
Tudo actos que preenchem aquele elemento objectivo, já que o arguido usou quer da força física (… tirando a roupa da assistente à força, e quando tirou o próprio cinto, com o qual deu duas voltas ao pescoço da assistente exigindo que ela tivesse relações sexuais, nomeadamente de cópula …) quer de ameaça psicológica grave (ameaçando divulgar os filmes que tinha em seu poder e ameaçando a assistente com uma arma de plástico fazendo-a crer que poderia usar outro tipo de objectos caso se recusasse a manter com ele relação sexual, designadamente de cópula para constranger a assistente a ter com ele relações sexuais, como efectivamente conseguiu, já que, em todas essas circunstâncias a vítima acedeu a ter relação de cópula com ele contra a sua vontade e apenas porque foi objecto de violência física e/ou psicológica.
Esta ameaça grave de divulgação dos vídeos é preocupante e demonstra que o arguido não nutria qualquer respeito ou consideração pela vítima pretendendo, tão-somente, aproveitar-se dela sexualmente, o que reforça tese de exclusão do conceito namoro.
Também o elemento subjectivo se mostra verificado, uma vez que o arguido pretendeu reiteradamente obrigar a assistente a manter consigo relações sexuais, por meio de violência física e psíquica, designadamente cópula, limitando a liberdade sexual da vítima e actuando de forma deliberada, livre e conscientemente, não desconhecendo a proibição destas acções.
(As citações em itálico são reproduções parcelares do acórdão a quo, descrevendo de forma irrepreensível a prática do crime de violação).
Não há dúvidas que o arguido praticou o crime de violação por que vem acusado.
Os actos praticados decorreram desde finais de 2014 até 10-05-2015, coloca-se a questão de saber se estamos perante um único crime (conforme o configura a acusação), uma pluralidade de crimes ou um crime continuado.
A jurisprudência e doutrina não são unânimes nesta abordagem, podendo a realização plúrima do mesmo tipo legal configurar as seguintes variantes:
a) - Um só crime, com persistência de dolo e resolução inicial; b) Um crime na forma continuada, se houver reiteração de condutas que diminuem consideravelmente a culpa; e c) Concurso de infracções, caso as referências anteriores estejam excluídas.
Sem entrar numa análise exaustiva, trabalho desenvolvido no acórdão a quo, somos de opinião que esta repetição criminosa configura um crime de trato sucessivo, com intensidade da culpa de forma mais acentuada, porque a repetição da actividade se prolonga no tempo difícil será quantificar o número de crimes sexuais praticados.
Face a essa dificuldade, um entendimento jurisprudencial apela ao conceito de crime prolongado, protelado, protraído, exaurido ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime - apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave, no quadro da sua moldura penal, quanto mais repetido.
Pensamos que esta é a melhor solução encontrada para caracterizar a actividade criminosa sexual ilícita, agravando-se a conduta com a repetição do acto ilícito.
O crime de trato sucessivo caracteriza-se por se traduzir numa repetição de condutas essencialmente homogéneas (homogeneidade das condutas), unificadas por uma mesma resolução criminosa (unidade resolutiva), onde qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime.
A integração do crime de violação não sofre qualquer contestação, nesta circunstância tratado como um crime de trato sucessivo – unidade resolutiva.
Improcede qualificação jurídica diversa, mantendo-se o crime de violação.

Impossibilidade de o arguido ser condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d) da Lei nº 5/2006 de 23-02.
O artigo prescreve o seguinte:
“1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
(…)
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, artigos de pirotecnia, excepto os fogos-de-artifício de categoria 1, Bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projéctil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
2 - A detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais.”
Por seu turno, estabelece o artigo 3º nº2 alínea h), nº7 alínea a) e nº6 alínea c) da mesma lei:
“ (…)
2 - São armas, munições e acessórios da classe A: (…)
h) Os aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do presente artigo e as armas lançadoras de gases ou dissimuladas sob a forma de outro objecto;
(…)
6 - São armas da classe D: (…)
c) As armas de fogo longas de tiro a tiro de cano de alma lisa. 7 - São armas da classe E:
a) Os aerossóis de defesa com gás cujo princípio activo seja a capsaicina ou oleoresina de capsicum (gás pimenta) com uma concentração não superior a 5 % e que não possam ser confundíveis com armas de outra classe ou com outros objectos;
(…)
O crime de detenção de arma proibida é um crime de perigo presumido ou abstracto, a simples detenção configura ou pode configurar esse perigo e é também um crime de perigo permanente. Finalmente trata-se de um crime doloso, exigindo-se para o preenchimento do elemento subjectivo que o agente actue com dolo, numa das suas variantes.
Em busca efectuada à casa do arguido e devidamente descrita nos autos, foram encontrados os seguintes objectos:
- Uma carabina de calibre 9 mm Flobert, de cano liso, de tiro-a-tiro,
- Um aerossol de defesa, cujo princípio activo é o gás CN e CS.
Provou-se, igualmente, que tais objectos estavam na sua posse sem que o arguido seja titular licença de detenção de arma, não existindo armas registadas em seu nome.
Sobre a detenção da carabina.
Atentos os factos provados é líquido que o arguido se mostra incurso na prática do ilícito de detenção ilegal de arma previsto na alínea c) do nº1 do artigo 86º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Com efeito, a arma em causa é uma arma da classe D [artigo 3º nº6 alínea c)], a qual, nos termos do disposto no artigo 8º da mesma Lei, só pode ser “adquirida mediante declaração de compra e venda ou doação (nº1) e a sua aquisição, detenção, uso e porte pode ser autorizada: aos titulares de licença de uso e porte de arma das classes C ou D (nº1 alínea a); a quem, nos termos da respectiva lei orgânica ou estatuto profissional, possa ser atribuída ou dispensada a licença de uso e porte de arma de classe D, após verificação da situação individual (nº1 alínea b)”.
Resultou provado que o arguido não é titular de licença e não estava autorizado a ter aquela arma na sua posse, incorrendo na prática do crime previsto e punido no artigo 86º nº1 alínea c) da Lei das Armas, actuando de forma livre, voluntária e consciente e ciente da ilicitude e punibilidade da sua conduta.
A conduta do arguido preencheu os elementos objectivos e subjectivos do crime que lhe foi imputado – crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 86º, nº1, alínea c) da Lei nº5/2006 de 23-02.

Detenção do aerossol.
A argumentação do recorrente é inconsistente ao declinar a responsabilidade para o seu falecido pai, como legítimo titular das armas. A detenção das armas é ilegal pelos motivos descritos e há um momento na atribuição de bens, por via sucessória, para os legalizar ou declinar a sua titularidade, entregando-os à entidade policial competente.
Tendo resultado provado que o arguido não é titular da licença em causa, não estava autorizado a ter aquela arma na sua posse, pelo que, incorreu na prática do crime previsto e punido no artigo 86º nº1 alínea d) da Lei das Armas, sendo certo que também resultou provado que actuou de forma livre, voluntária e consciente e ciente da ilicitude e punibilidade da sua conduta. A conduta do arguido preencheu os elementos objectivos e subjectivos do crime que lhe foi imputado – crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 86º, nº1, alínea d) da Lei nº5/2006 de 23-02.
A conduta do arguido preenche simultaneamente os ilícitos previstos nas alíneas c) e d) do artigo 86º da Lei nº5/2006 de 23-02, cumpre analisar se há concurso real ou aparente de crimes.
A jurisprudência vem entendendo de forma unânime que, se o agente detiver, nas mesmas circunstâncias, fora das prescrições legais diversas armas de tipos diferentes, será punido pela prática de um único crime, considerando-se a norma que prevê a pena mais grave - acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-10-2014 - onde se pode ler (após um exaustivo enquadramento teórico sobre o concurso de crimes).
Pela objectividade e simplicidade transcrevemos, nesta parte, a matéria de direito inserta no acórdão a quo.
No crime de detenção de arma proibida, a justificação da tutela penal e a carência de pena estão, assim, ligadas à perigosidade típica para bens jurídico-penalmente tutelados que podem ser afectados pela simples detenção – os valores da ordem, segurança e tranquilidade pública.
Assim, a lesão do bem jurídico de perigo, coincide logo no momento da detenção da arma proibida, independente da relação, específica e autónoma, de cada um dos valores individualizados que possam vir a ser concretamente afectados em crime posterior de resultado. Este crime, como crime de perigo, ficou integrado, autonomamente, logo com a detenção, independentemente do uso da arma que tenha sido feito posteriormente, é um crime de realização permanente e de perigo abstracto, em que o que está em causa é a própria perigosidade das armas, visando-se, com a incriminação da sua detenção tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas”. Por isso, havendo unidade resolutiva criminosa e identidade do bem jurídico protegido, é irrelevante que se trate de armas de diversa natureza, deve o recorrente ser condenado por um crime de detenção de arma proibida do artigo 86, nº 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, em concurso aparente (especialidade), com o da alínea d) do mesmo artigo (…). No caso em análise, vimos que estão em causa dois tipos de arma, integrando-se uma delas na previsão da alínea c) e outra na alínea d), do citado artigo 86º, e que o bem jurídico protegido é, de facto, o mesmo, em ambas as alíneas, divergindo apenas a categoria ou natureza da arma em causa, concordamos que existe apenas um crime, punível, no caso, segundo a disposição mais grave, da alínea c) (cfr. ainda o mesmo autor e obra, a fls. 1037). Por isso, as “outras” armas, integrantes da previsão da aliena d), funcionarão como meras agravantes na determinação da medida concreta da pena (cfr. Ac. do STJ de 26.10.2011 proferido no proc. nº 1112/09.0SGLSB.L2:S1).
Mostra-se, pois, o arguido, incurso na prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº1, alíneas c) e d) da Lei nº5/2006 de 23-02 (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº50/2013 de 24-07), a punir nos termos previstos na citada alínea c).
Improcede a questão de direito por qualificação diversa – não integração do tipo - por força da conduta do arguido preencher o crime de detenção de arma proibida.
Nas duas últimas abordagens: crime de violação e crime de detenção de armas proibidas seguimos de perto o acórdão, com reproduções, por concordarmos, integralmente, com as considerações aí expendidas.

Erro notório da apreciação da prova – artº 410, nº2, alª c) do CPP.
Os vícios assinalados no artº 410, nº2 do CPP têm que resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugados com as regras da experiência comum.
O recorrente parece confundir vícios do texto da decisão recorrida, com apreciação da matéria de facto – erro de julgamento.
São realidades diferentes o erro de julgamento, por insuficiência ou incorrecta valoração da prova, e erro notório na apreciação da prova, que terá sempre que ser ostensivo, patente e manifesto resultando do texto da decisão recorrida, isolado ou conjugado com as regras da experiência. O erro notório prescinde da análise da prova produzida e centra-se no texto da decisão, para aí encontrar incongruências ou posições antagónicas e inconciliáveis.
O recorrente coloca em causa a credibilidade do depoimento da assistente por ter falado uma das vezes em relação amorosa e outra em relação extraconjugal. A declaração não é incompatível podendo uma relação amorosa ser extraconjugal. Estamos convencidos que da parte da assistente assim aconteceu, no início da relação porém, o que marca a conduta ilícita não é o comportamento da assistente mas sim a do arguido, cujo móbil sexual sempre esteve presente.
O depoimento da assistente foi decisivo para o esclarecimento da verdade, constituindo o núcleo central da prova produzida. Na rubrica da convicção do tribunal, as referências à assistente e comunicações entre esta e o arguido são transversais, como acontece neste tipo de crimes – violência doméstica - ainda que não preenchido, e em crimes sexuais.
Como se diz na resposta do MP a convicção do tribunal não advém de qualquer apreciação incorrecta, ilógica ou arbitrária mas, tão só, fundamentada nos diversos testemunhos, nomeadamente da assistente, e outros meios de prova aí expressos. A discordância na apreciação do depoimento da assistente não reflecte um vício mas apenas a interpretação de um juízo particular e diferente do tribunal.
O MP na sua resposta ilustra bem o que está em causa para o recorrente. É a interpretação da matéria de facto – erro de julgamento - embora traída por uma semântica diversa – erro notório na apreciação da prova – onde a citação de um acórdão do STJ é demonstrativo daquilo que estamos a falar: não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97 e Ac. da RC de 15.09.2010, relator Paulo Guerra, disponível em www.dgsi.pt).
Assim não vislumbramos qualquer erro notório na apreciação da prova e muito menos erro de julgamento, tratando-se de uma mera discordância quanto à apreciação do depoimento da assistente, bem como ao processo de convicção do tribunal.
Improcede o alegado vício.

Impugnação da medida concreta da pena.
O arguido foi condenado nos seguintes termos:
a) Como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164º, nº1, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
b) Como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
c) Ao abrigo do disposto no artigo 152º nºs 4 e 5 do Código Penal, condenar ainda o arguido, na pena acessória de proibição de contactos com E…, pelo período de 3 (três) anos.
d) Condenar o arguido como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d) da Lei nº 5/2006 de 23-02, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
e) Efectuado o cúmulo jurídico das penas referidas nas alíneas anteriores, fica o arguido condenado na pena única principal de 6 (seis) anos de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com E…, pelo período de 3 (três) anos.
Destes crimes excluímos de imediato a violência doméstica por inexistência de elementos que permitam a qualificação. Com esta absolvição sucumbe a pena acessória.
As molduras penais aplicadas nos crimes remanescentes são de 5 (cinco) anos de prisão, para o crime de violência e 1 (um) ano e (seis) meses de prisão, para o crime de detenção de arma proibida.
A pena acessória prevista no artº 152, nº 4 do CP cai com a não procedência da condenação por violência doméstica, daí a sua natureza acessória. Aliás esta pena acessória, embora possa ser cumulativamente aplicada, não faz muito sentido quando o arguido é condenado numa pena expressiva de prisão, uma vez que a proibição de contactos resulta da natureza da própria pena.
Ficamos só com duas penas: as condenações pela prática do crime de violação e do crime de detenção de arma proibida, respectivamente, 5 anos de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão.
As molduras penais abstractas são consideravelmente elevadas em ambos os crimes. O crime de violação teve condutas reiteradas de violência física e psicológica, significativas, praticadas com ilicitude e dolo intenso. A forma como a assistente foi chantageada é aviltante, bem sabendo o arguido que era casada e qualquer publicidade da relação seria fatal quanto à manutenção do casamento. O arguido, entre outras condutas, não hesitou em chantagear com vídeos, sobre práticas da relação sexual que mantinham, bem sabendo que dessa forma coagia a assistente.
Estas condutas são degradantes, porventura mais graves que a violência física.
Este tribunal superior revê-se na exposição que o tribunal a quo fez sobre a moldura concreta das penas, neste particular, porque há dois crimes sobrantes e assertivamente as molduras concretas destes crimes de violação e detenção de arma proibida foram exaustivamente analisadas pelo tribunal a quo.
As molduras concretas das penas parcelares são equilibradas e reflectem as circunstâncias do caso concreto. As necessidades de prevenção especial e geral impõem a aplicação de uma pena efectiva de prisão tendo em conta a gravidade dos actos praticados (artºs 40; 70 e 71 do CP)
Vejamos agora a pena única que necessariamente tem que ser reformulada (artº 77 do CP).
Temos duas condenações: 5 anos de pena de prisão pela prática do crime de violação e 1 ano e 6 meses de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida. Partindo da pena mais elevada e reduzindo a remanescente a 1/3 ficamos com a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
As restantes condenações são improcedentes e delas fica o arguido absolvido.
A suspensão da execução da pena está legalmente excluída pela limitação imposta no artº 50, nº1 do CP: o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se …
Mesmo que assim não fosse sempre seria difícil alvitrar uma pena de prisão suspensa na sua execução pela circunstância da gravidade da prática dos crimes, designadamente na violação e circunstâncias em que ocorreu. Todo o circunstancialismo seria impeditivo de um juízo de prognose positivo.
Pela gravidade da prática dos actos a pena terá que ser privativa de liberdade.
Em conclusão o recurso procede parcialmente, ficando agora o arguido absolvido e condenado nos seguintes termos:
a) Absolver o arguido da prática de um crime de violência doméstica (artº 152, nº1, alª a) do CP).
b) Condenar o arguido como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164º, nº1, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 cinco) anos de prisão.
c) Como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d) da Lei nº 5/2006 de 23-02, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
d) Em cúmulo jurídico das penas parcelares acordam condenar o arguido B…, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
e) Mantém-se a perda dos objectos identificados a favor do Estado.
f) Mantem-se a condenação cível nos precisos termos definidos pelo tribunal a quo.

Assim e nestes termos, acordam os juízes que integram esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em dar provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido B…, nos termos supra referidos, confirmando-se, quanto ao demais, a decisão recorrida.

Sem custas por não serem devidas.
Notifique e deposite nos termos legais.
Diligências necessárias para cumprimento da pena de prisão aplicada.

Porto, 14 de Junho de 2017.
Horácio Correia Pinto.
Moreira Ramos.