Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1480/08.1TBFLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
SERVIDÃO NON AEDIFICANDI
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP201605021480/08.1TBFLG.P1
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 624, FLS.41-53)
Área Temática: .
Sumário: I - Na avaliação de parcela expropriada inserida na faixa de servidão non aedificandi pode ser utilizado um critério distinto do previsto para a avaliação de solo apto para outros fins, em obediência ao princípio da justa indemnização.
II - A alteração do limite da plataforma da estrada construída, ampliando a área da servidão non aedificandi representa um prejuízo a considerar na avaliação da parcela expropriada, para efeitos do art. 29º/2 do Código das Expropriações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Exp-Clasf n.º 1480/08.1TBFLG.P1
Comarca do Porto Este
Felgueiras-Inst Local-Sç Cv-J2
Proc. 1480/08.1TBFLG
Proc. 224/16-TRP
Recorrente: EP Estradas de Portugal, SA
Recorrido: B…
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Rita Romeira
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, de 21 de maio de 2007, publicado pelo Diário da República, 2.ª Série, n.º 128, de 5 de julho de 2007, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra concessão – variante EN … – nó do IP ….
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A referida expropriação promovida por E.P.-Estradas de Portugal, SA engloba a parcela identificada com o n.º 1, com a área de 704m2, a destacar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras, sob o n.º 00115/220491 e inscrito na matriz predial sob o artigo 216, situado na Freguesia de …, Concelho de Felgueiras, o qual confronta, a norte com limite de freguesia e estrada, a sul e nascente com caminho e limite de freguesia e poente com diversos confrontos.
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Realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, bem como a arbitragem, que fixou ao terreno em causa o montante indemnizatório de €1.270,00 foi a identificada parcela adjudicada à Expropriante por despacho de 23.06.2008.
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Os Expropriados B…, C…, D… vieram interpor recurso da decisão arbitral sustentando que a indemnização a atribuir a final, deverá ser fixada pelo valor global de €45.816,00.
Para o efeito, alegaram em síntese o seguinte:
- Estamos perante solo apto para a construção nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 25.º do Código das Expropriações, por efeito direto e imediato da inserção no PDM de Felgueiras como tal, com um acréscimo determinado pela existência das referidas infraestruturas, existindo erro evidente no cálculo da justa indemnização;
- O prédio de onde a parcela foi expropriada e por onde tinha acesso dispõe uma frente a poente com 65 metros para a EN …, que constitui acesso rodoviário pavimentado a betuminoso, dotado de passeio e de redes públicas de distribuição domiciliária de água, de energia elétrica, de telefone, bem como de redes de drenagem, de saneamento e águas pluviais;
- O prédio é praticamente plano ou ligeiramente inclinado e a parcela tem boa exposição solar e situa-se em área sem poluição;
- Para efeito da aplicação do n.º 6 do art.º 26.º do C.E. a percentagem do valor do solo, atenta a localização e qualidade ambiental, não pode ser inferior a 14%;
- O índice de ocupação do solo no PDM de Felgueiras varia entre 0,6 e 0,9;
- O aglomerado urbano de … em que se inserem a parcela e o prédio constitui um aglomerado de 2.º nível, que se apresenta com grande vitalidade;
- Tal aglomerado localiza-se a cerca de .. Km do … de Felgueiras, dispõe de boas acessibilidades a Felgueiras, a Lousada, à estação de caminho de ferro de … e à de …, à entrada da …, das quais dista, respetivamente ..km, ..Km, .. a ..km, ..Km e …metros;
- A … metros da parcela, na …, existe uma escola primária, posto médico, farmácia, correios, comércio diverso, multibanco, sede da Junta de Freguesia e paragem de autocarro;
- Naquele aglomerado existem muito próximo da parcela edifícios vários de habitação coletiva com cércea de 4 pisos, e em construção edifícios de cércea superior a moradias de rés de chão e andar.
Face ao supra elencado, os Expropriados terminam por apresentar o seguinte cálculo: 0,75m2 x 516,50€/m2 x 21% x (1-20%) = 65,08€m2 x 704m2.
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A entidade Expropriante veio responder ao recurso pugnando pela improcedência do recurso interposto, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:
- A parcela de terreno expropriada apresenta características rurais e encontrava-se inculta;- - Não é servida por vias públicas e está inserida na faixa de proteção à autoestrada construída;
- Nessa medida, não pode de todo admitir-se a potencialidade edificativa do seu solo;
- O PDM exige ainda que qualquer construção se localize numa faixa de 30mt de profundidade face ao arruamento, e, também este requisito não é preenchido pela parcela.
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Foi ordenada a realização de avaliação do bem expropriado e procedeu-se à nomeação e ajuramento dos peritos.
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Os Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal e o Sr. Perito indicado pelos Expropriados emitiram relatório pericial (maioritário), e responderam aos quesitos formulados tendo fixado, o valor de indemnização a atribuir aos Expropriados em €29.617,28.
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O Sr. Perito indicado pela Expropriante emitiu relatório pericial e respondeu aos quesitos formulados tendo fixado o valor de indemnização a atribuir aos Expropriados em €3.520,00.
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Os Srs. Peritos prestarem esclarecimentos (fls. 265-267).
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Os Expropriados apresentaram alegações sustentando a final que conformam-se com o valor indicado no laudo maioritário e, por sua vez, a Expropriante apresentou as suas alegações, nas quais pugna pela improcedência do recurso interposto pelos Expropriados.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Nestes termos e com os fundamentos supra expostos, decido julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos Expropriados e, em consequência, fixar €29.617,28 (vinte e nove mil seiscentos e dezassete mil e vinte e oito cêntimos) a indemnização devida pela Expropriante, E.P. – Estradas de Portugal, S.A. aos Expropriados, pela expropriação da parcela identificada com o n.º 1, com a área de 704m2, a destacar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras, sob o n.º 00115/220491 e inscrito na matriz predial sob o artigo 216, situado na Freguesia de …, Concelho de Felgueiras, quantia a atualizar desde o dia 21 de maio de 2007 até à data do trânsito da presente decisão, de acordo com os índices de preço do consumidor.
Custas a cargo dos Expropriados e da Expropriante, em função do respetivo decaimento (cfr. artigo 446.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)”.
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A entidade expropriante interpôs recurso da sentença.
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Remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães, por douto acórdão proferido em 27 de fevereiro de 2014 proferiu-se a seguinte decisão:
“Pelo exposto, os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em anular a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto e a subsequente sentença, devendo ampliar-se tal decisão, de forma a averiguar-se (que, in casu, se estende à integralidade da sentença) se a parcela expropriada se encontra, total ou parcialmente, (sendo que, neste último caso, importa saber em que exata medida) abrangida pela servidão non aedificandi resultante da 1ª expropriação.
Sem custas”.
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Ordenada a remessa dos autos à 1ª instância, procedeu-se a novas diligências de instrução, com obtenção da certidão da sentença e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferidos no âmbito do Proc.1328/06.1 TBFLG, 1º Juízo Cível Tribunal Judicial de Felgueiras e novos esclarecimentos aos peritos.
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As partes alegaram.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Nestes termos e nos das disposições legais citadas, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelos Expropriados e, em consequência, fixa-se a indemnização a atribuir aos Expropriados em € 29.617,28€ (vinte e nove mil seiscentos e dezassete euros e vinte e oito cêntimos).
O montante indemnizatório será atualizado de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor desde a data da declaração de utilidade pública até ao trânsito em julgado da decisão final do presente processo, ao abrigo do disposto no artigo 24.º, do Código das Expropriações.
Custas a cargo dos Recorrentes na proporção do respetivo decaimento, artigo 527.º, do Código de Processo Civil.
Valor do recurso - € 44.546,00 (art.º 38.º, n.º2, al. a) do CE)
Registe, notifique e dê conhecimento (com cópia) aos Peritos nomeados pelo Tribunal, nos termos do artigo 19.º, do Decreto – Lei n.º 125/2002, de 10 de maio”.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
1. A decisão final traduz-se na violação do princípio da justa indemnização, em violação expressa do disposto no artigo 23.º n.º 1 do CE/99, e do respeito pelo caso julgado, porquanto admitiu a ponderação de critérios de avaliação ilegais, sem atender às reais implicações da oneração da servidão non aedificandi na parcela expropriada.
2. Esta expropriação não criou uma desvantagem até aí inexistente.
3. Não há alteração da plataforma nem da classificação da estrada construída, pelo que não se alterou a área onerada com a servidão.
4. Importa ainda assinalar que a sentença proferida não teve em consideração o facto de a parcela estar inserida em zona de interesse arqueológico: os custos associados são custos de construção, um risco, e por isso têm de ser considerados sendo esta situação em tudo semelhante aos custos decorrentes da regularização do solo que influencia o valor do terreno.
5. Estes encargos teriam de ser contabilizados na avaliação: estamos perante um risco acrescido que no limite pode ser impeditivo à construção, e que no mínimo se estimam em 30%: o acompanhamento por parte de arqueólogos, o acréscimo de tempo na realização dos trabalhos, implicam custos que dificilmente um particular estaria disposto a suportar.
6. Pelo que, bem andou a decisão arbitral que retratando todas estas limitações, ateve-se à efetiva potencialidade do solo, à data da expropriação, qual seja a florestal.
7. Deverá ser dado como provado que toda a parcela estava onerada com servidão non aedificandi pré-existente à expropriação e como tal, o único destino possível era o florestal, avaliado segundo os critérios da decisão arbitral.
8. A decisão recorrida violou por isso o disposto no artigo 23.º n.º 1, 25.º n.1 e 3 e 27.º n.º 3 do CE/99.
9. Deverá como tal esse Ven Tribunal de Recurso revogar a decisão recorrida e fixar a indemnização final atribuída na decisão arbitral.
Termina por pedir a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a indemnização no montante calculado na decisão arbitral.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Dispensaram-se os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
A questão a decidir consiste em apurar se na avaliação da parcela se respeitou o critério legal, considerando que a mesma se encontra numa faixa de servidão “non aedificandi”.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1. Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, de 21 de maio de 2007, publicado pelo Diário da República, 2.ª Série, n.º 128, de 5 de julho de 2007, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra concessão – variante EN … –nó do IP … (cfr. documento de fls. 86).
2. A expropriação referida em 1. engloba a parcela identificada com o n.º 1, com a área de 704m2, a destacar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras,
sob o n.º 00115/220491 e inscrito na matriz predial sob o artigo 216, situado na Freguesia de Sernande, Concelho de Felgueiras (cfr. certidão de fls. 80-83 e fotocópia certificada de fls. 78-79).
3. Procedeu-se à vistoria ad perpetuam rei memoriam, datada de 14 de agosto de 2007, tendo a Expropriante, entrado na posse administrativa da parcela expropriada, em 20 de setembro de 2007, (cfr. relatório da vistoria ad perpetuam rei memorium de fls. 51-57 e auto de posse administrativa de fls. 40-41).
4. Por despacho proferido nestes autos, em 23.06.2008, adjudicou-se à Expropriante o direito de propriedade sobre a parcela identificada em 2 (cfr. fls. 88).
5. A parcela expropriada confronta a norte com limite de freguesia e estrada, a sul e nascente com caminho e limite de freguesia e poente com diversos confrontos (cfr. certidão de fls. 80-83 e fotocópia certificada de fls. 78-79).
6. O acórdão arbitral determinou, por unanimidade, a indemnização a pagar aos Expropriados no montante de €1.270,00 (cfr. decisão arbitral de fls. 5-12).
7. A parcela expropriada à data da declaração de utilidade pública inseria-se numa área definida pelo Plano Diretor Municipal de Felgueiras como Perímetro urbano - aglomerado urbano de 2.º nível (cfr. documento de fls. 86, relatório da vistoria ad perpetuam rei memorium de fls. fls. 51-57, laudo de peritagem de fls. 232-242 e PDM de Felgueiras, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 7/94, de 28 de janeiro).
8. O prédio onde a parcela expropriada se insere é praticamente plano com ligeiro declive no sentido Nascente/Poente, o qual está integrado no aglomerado urbano da …, sendo servido a poente pela EN … para a qual dispõe de uma frente com 65 metros de extensão, e a nascente por caminho público (cfr. laudo de peritagem de fls. 232-242).
9. A EN …, referida no facto anterior, à data da declaração de utilidade pública da parcela expropriada, constituía um arruamento urbano pavimentado, dotado de passeios e de redes públicas de distribuição de água, de energia elétrica e de telefones, bem como de redes de drenagem de saneamento e águas pluviais (cfr.laudo de peritagem de fls. 232-242).
10. O caminho público a nascente da parcela expropriada, à data da declaração de utilidade pública, era em terra batida e não dispunha de qualquer infraestrutura instalada (cfr. relatório da vistoria ad perpetuam rei memorium de fls. fls. 51-57 e laudo de peritagem de fls. 232-242).
11. A envolvente do prédio onde se insere a parcela expropriada varia de moradias unifamiliares com cércea de 2 pisos, localizando-se as mais próximas a 20 metros, a edifícios de habitação coletiva com a cércea de 4 pisos, localizando-se o mais próximo a cerca de 50 metros (cfr. laudo de peritagem de fls. 232-242).
12. Na envolvente de 200 metros da parcela expropriada existe escola primária, posto médico, sede da junta de freguesia, farmácia, correios, comércio diverso e paragem de autocarro (cfr. laudo de peritagem de fls. 232-242).
13. A parcela expropriada insere-se numa parcela sobrante a norte do prédio identificado em 2 decorrente de expropriação parcial anterior (laudo de peritagem de fls.232-242 e documento de fls. 136-154).
14. A parcela expropriada insere-se na sua totalidade na faixa “non aedificandi” criada pela expropriação anterior e a que coube o n.º do processo n.º 1328/06.1TBFLG (cfr. Fls.500 a 503).
15. A presente expropriação fez aumentar a área de servidão non aedificandi para Norte numa área igual à da área expropriada (cfr. fls. 516 a 517).
16. No âmbito do processo n.º 1328/06.1TBFLG foi paga aos expropriados, pela constituição da servidão referida, a quantia de 8,41€ por m2.
17. Inexistiam benfeitorias na parcela expropriada (cfr. relatório da vistoria ad perpetuam rei memorium de fls. 51-57e laudo de peritagem de fls. 232-242).
18. Os Peritos nomeados pelo Tribunal em seu nome e pelos Expropriados, pelo relatório de fls. 500 a 503 fixaram o valor da indemnização pela expropriação daquela parcela em € 29 617,28€ considerando a classificação do solo como apto para construção e o perito nomeado pelo Tribunal por indicação da Entidade Expropriante, pelo relatório de fls. 249 a 253 fixou o valor da indemnização pela expropriação daquela parcela em € 3 520,00, considerando o solo como apto para construção mas avaliando-o como solo apto para outros fins, nos termos e com os fundamentos daquele relatório, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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b)Factos Não Provados.
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.
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3. O direito
No âmbito do processo de expropriação o ato de declaração de utilidade pública, representa o ato constitutivo da relação jurídica da expropriação. Desta forma é a lei vigente à data daquela declaração que deve regular a fixação da indemnização[2].
A declaração de utilidade pública e expropriação, com caráter urgente, foi objeto de publicação no Diário da República, em 05 de julho de 2007.
No caso concreto para o cálculo da justa indemnização cumpre seguir o critério estabelecido na Lei 168/99 de 18/09, por ser esse o regime em vigor à data da publicação da declaração de utilidade pública.
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- Da Avaliação -
A expropriação dá lugar ao pagamento de uma justa indemnização e tal facto constitui um direito constitucionalmente consagrado - art. 62º/2 Constituição da Republica Portuguesa e art. 23º Lei 168/99 de 18/09.
A expropriação por utilidade pública, como transmissão coativa típica sempre esteve e continua a estar sujeita a dois grandes princípios constitucionais: o seu condicionamento a fins de utilidade pública legitimamente declarada e a exigência da correspondente indemnização, visando esta compensar o sacrifício pessoal assim imposto e garantindo a observância do princípio de igualdade violado com a privação do respetivo direito[3].
A indemnização será fixada com base no valor real dos bens expropriados e calculada em relação à propriedade perfeita. Por outro lado, a justa indemnização devida não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que ao expropriado advém da expropriação - art. 23º do Cod. das Expropriações.
Estes prejuízos medem-se pelo valor real e corrente dos bens expropriados e não por virtude de encargos a suportar na aquisição de bens similares aos expropriados[4].
Essencial é que na determinação da “justa indemnização“ se tome em consideração todos os elementos valorativos do prédio - capacidade e potencialidade edificativas, localização, envolvimento... - que numa análise objetiva da situação e segundo a opinião generalizada do mercado nunca possam nem devam ser desprezados postergando fatores de ordem puramente especulativa.
O montante da indemnização pretende criar uma situação que se aproxime daquela em que o lesado provavelmente estaria, daquela situação que provavelmente seria a existente se não tivesse tido lugar o facto que lhe deu causa. Os valores a adotar na avaliação são os que ocorrerem à data da declaração de utilidade pública – “as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública” (art. 23º/1 Lei 168/99 de 18/09).
Na situação concreta, face ao critério estabelecido no art. 25º do Código das Expropriações, resulta que a parcela expropriada foi classificada como “solo apto para a construção“ - art. 25º/1/a) /2 c) do Código das Expropriações - e quanto a tal matéria, verificou-se unanimidade entre os peritos e a entidade expropriante não questiona os pressupostos que conduziram a tal classificação.
A entidade expropriante-apelante insurge-se, tão só, contra o critério seguido na sentença recorrida para fixar a justa indemnização, sendo esta a concreta questão a apreciar no recurso.
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- Da avaliação da parcela -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 1, 2, 3, 7 e 8 insurge-se a apelante contra a sentença porque se desconsiderou o facto da parcela expropriada estar inserida em área de servidão “non aedificandi” criada por efeito de expropriação anterior e bem assim, por se ponderar na atribuição da justa indemnização, a desvalorização decorrente da alteração da área onerada com a servidão “non aedificandi”.
Na sentença considerou-se, como se passa a transcrever:
“Ora, o relatório maioritário efetuou duas avaliações à parcela, tendo sempre por base a classificação da parcela como solo apto para construção.
Efetuaram uma avaliação sem considerarem a localização da parcela em zona non aedificandi e sem apurarem a desvalorização causada pelo aumento da área de servidão non aedificandi, e procederam também ao cálculo da avaliação tendo em conta a situação da parcela em zona non aedificandi apurando, porém, a depreciação pelo aumento da área “nom aedificandi” decorrente da expropriação atual.
As duas avaliações resultaram num mesmo valor de 29.617,28€.
Ora, como resulta dos factos provados, a parcela expropriada situa-se em zona nonaedificandi tendo já sido atribuída aos expropriados indemnização condizente com esta situação no âmbito doutro processo expropriativo.
Em face do exposto, e não obstante o resultado final ser o mesmo, entendemos que a avaliação da parcela deverá ter subjacente este facto, ou seja avaliar o solo tendo em conta essa contingência, mas fixando contudo um valor, à razão de 8,41€m2 pelo aumento da área onerada com a servidão non aedificandi e que é igual à área expropriada.
Procedendo, desta forma, parcialmente o recurso dos Expropriados, fixa-se o valor da indemnização em 29.617,28€ (vinte e nove mil seiscentos e dezassete euros e vinte e oito cêntimos)”.
Argumenta a apelante, sob o ponto 1 das conclusões de recurso, que a decisão final traduz-se na violação do princípio da justa indemnização, em violação expressa do disposto no artigo 23.º n.º 1 do CE/99, e do respeito pelo caso julgado, porquanto admitiu a ponderação de critérios de avaliação ilegais, sem atender às reais implicações da oneração da servidão non aedificandi na parcela expropriada.
Desde logo não se pode invocar a exceção de caso julgado, porque a sentença proferida no âmbito do Proc.1328/06.1TBFLG, 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Felgueiras, com trânsito em julgado, não faz caso julgado, nem reveste a autoridade de caso julgado sobre a concreta avaliação da presente parcela.
O caso julgado, que constitui uma exceção dilatória, pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário – art. 580º CPC.
Distingue a lei o caso julgado material, do caso julgado formal.O caso julgado formal consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via (art. 620º e 628º CPC).O caso julgado material que nos interessa analisar na situação presente, consiste na definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal, quer a título prejudicial (art. 619º CPC).
O caso julgado verifica-se em relação ás decisões que versam sobre o fundo da causa e portanto sobre os bens discutidos no processo; as que definem a relação ou situação jurídica deduzida em juízo, as que estatuem sobre a pretensão do Autor.
Por sua vez determina o art. 625º/1 CPC que: “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar”.
A exceção tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior – art. 580º/2 CPC.
Como refere MANUEL DE ANDRADE “o caso julgado tem como fundamento o prestígio dos tribunais e uma razão de certeza ou segurança jurídica”[5].
Os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos identificativos da ação – as partes, o pedido e a causa de pedir.
Como se dispõe no art. 581º CPC: “ repete-se uma causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir “.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento da exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo)[6].
O Proc.1328/06.1TBFLG, 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Felgueiras instaurado na sequência da expropriação da parcela nº 233 da planta parcelar relativa à construção da A11/IP9- Braga/Guimarães- IP4/A4 fixou o montante da indemnização a atribuir por efeito da expropriação daquela parcela.
No presente processo está em causa a atribuição da indemnização por expropriação da parcela nº1, necessária à execução da obra concessão – variante EN … –nó do IP ….
Apesar da identidade de sujeitos, o pedido e causa de pedir são distintos, por não existir coincidência nas parcelas expropriadas e respetiva indemnização.
Não existe assim decisão de mérito, com trânsito em julgado, que determine o montante da indemnização a atribuir por efeito da expropriação da parcela nº1, nem a decisão ali proferida resolve de forma definitiva a questão da avaliação da parcela, na medida em que não se ponderaram as concretas circunstâncias relevantes para fixar a justa indemnização da parcela nº1.
Contudo, a sentença e bem assim, a avaliação efetuada em que assenta a sentença, respeitou a autoridade do caso julgado em relação à concreta questão incidental relacionada com o reconhecimento de uma servidão non aedificandi, criada por efeito da expropriação da parcela 233 e que onera a parcela sobrante norte onde se insere a parcela nº1.
Não se ignorou a decisão proferida no âmbito do referido processo, na exata medida do necessário para apurar o valor real e corrente da parcela de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal à data da publicação da declaração de utilidade pública, porque se considerou o facto da parcela se inserir em zona de servidão “non aedificandi”, por efeito da expropriação anterior.
Tal circunstância foi vertida nos factos provados sob os pontos 13,14 e 15.
Constata-se, assim, que a sentença, acompanhando o laudo maioritário ponderou os efeitos da existência de uma servidão “non aedificandi” a onerar a parcela expropriada.
Com efeito, na avaliação da parcela, o juiz do tribunal “a quo” deu particular relevância ao laudo pericial maioritário, subscrito pelos peritos nomeados pelo tribunal e expropriados, mas partindo de uma análise critica das questões colocadas perante os factos provados.
Não podemos deixar de referir que neste domínio a prova pericial merece um particular relevo, atento o caráter técnico das matérias em análise, pelo que apenas não deve ser considerada quando se verifique manifesto erro de apreciação ou violação do critério legal.
Como se vem entendendo na jurisprudência dos tribunais superiores, verificando-se divergência de análise entre os peritos, cumpre considerar o resultado da prova pericial, no laudo maioritário, sobretudo quando se mostra subscrito pelos peritos nomeados pelo tribunal quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem[7].
Tal não significa uma irrestrita vinculação ao laudo maioritário, já que o tribunal pode introduzir-lhe ajustamentos, fazer correções, colmatar falhas, ou seguir o laudo ou critérios diferentes, se os tiver por mais justos, de acordo com os elementos probatórios que possuir[8].
No caso presente a opção pelo laudo maioritário subscrito pelos peritos nomeados pelo tribunal e pelos expropriados não merece censura, porquanto o relatório de avaliação mostra-se fundamentado e obedeceu ao critério legal (art. 23º/1/4 do Código das Expropriações).
No cálculo da justa indemnização, como se prevê no art. 23º/1 do Código das Expropriações, não se visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
Determina, por sua vez, o art. 23º/4 do citado diploma, que o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos art. 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
Na avaliação ponderou-se o facto da parcela estar inserida em zona de servidão “non aedificandi”, a qual foi criada por efeito de expropriação anterior e fixou-se o valor de € 8,41/m2. Os peritos classificaram a parcela como solo apto para construção e avaliaram seguindo o critério referencial do art. 26º do CE, deduzindo a percentagem de 20%, que corresponde à depreciação sofrida por efeito de estar inserida em zona de servidão “non aedificandi”.
Consideraram ser este o valor real e corrente de mercado, ponderando todas as condicionantes e elementos que caracterizam a parcela, como seja, a sua classificação face ao PDM, o ónus que foi criado em virtude de expropriação anterior, o novo ónus criado por efeito da expropriação e as características físicas da envolvente (localização, equipamentos sociais, infraestrututas, acessos) justificando tal opção, o que foi acolhido na sentença e está justificado pelo critério do art. 23º/1/4 do Código das Expropriações.
Argumenta a apelante, sob o ponto 7 das conclusões de recurso, que se deverá dar como provado que toda a parcela estava onerada com servidão non aedificandi pré-existente à expropriação e como tal, o único destino possível era o florestal, avaliado segundo os critérios da decisão arbitral.
Resulta apurado no ponto 14 dos factos provados que toda a parcela estava onerada com servidão non aedificandi pré-existente à expropriação.
A apelante não veio impugnar a decisão de facto, pelo que na apreciação das concretas questões, cumpre ter presente os factos apurados pelo tribunal em 1ª instância. Dos factos provados não decorre que o único destino possível era o florestal.
Acresce referir que em sede da matéria de facto, o tribunal não tem agora de valorar a decisão arbitral, pela simples razão de que ela foi posta em causa, já que não funciona como simples arbitramento, tendo antes natureza jurisdicional, funcionando os tribunais de comarca como segunda instância.
Os árbitros não intervêm como peritos e o resultado da sua atividade não assume caráter de meio de prova de livre apreciação do juiz, como sucede com os exames, vistorias e avaliações.
Por outro lado, no caso concreto, o acórdão arbitral (fls. 5 a 11) apesar de proceder à avaliação da parcela ponderando a sua capacidade para produção de material lenhoso, apenas ponderou as circunstâncias da parcela se inserir em zona classificada como património arqueológico, ignorando a existência de servidão “non aedificandi”.
Conclui-se, assim, que a avaliação respeitou o critério legal, sopesando o valor real e corrente de mercado, face ás concretas circunstâncias decorrentes da situação da parcela em faixa de servidão “ non aedificandi”, não merecendo censura a sentença, quando acolheu a referida avaliação.
Refere, ainda, a apelante, sob os pontos 2 e 3 das conclusões de recurso, que esta expropriação não criou uma desvantagem até aí inexistente. Não há alteração da plataforma nem da classificação da estrada construída, pelo que não se alterou a área onerada com a servidão.
Os factos provados não permitem obter tal conclusão e por isso, não merece censura a decisão, quando ponderou na avaliação, a ampliação da área de implantação da servidão “non aedificandi”.
Ocorrendo uma expropriação parcial prevê o art. 29º da citada lei que para efeito de cálculo da indemnização:
“1. Nas expropriações parciais, os árbitros ou os peritos calculam sempre, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública.
2. Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas ás demolidas ou ás subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada.
3. Não haverá lugar à avaliação da parte não expropriada, nos termos do nº1, quando os árbitros ou os peritos, justificadamente, concluírem que, nesta, pela sua extensão, não ocorrem as circunstâncias a que se referem as alíneas a) e b) do nº2 e o nº3 do art. 3º.“
Resulta deste regime que a expropriação parcial pode dar origem à depreciação da parcela sobrante e causar prejuízos e encargos, contando-se entre esses encargos, a constituição de servidões de natureza administrativa.
Em comentário ao nº 2 do art. 29º do Código das Expropriações refere FERNANDO ALVES CORREIA, que se prevê: “[…]a indemnização de um conjunto de danos patrimoniais subsequentes, derivados[…]ou laterais, isto é, prejuízos que são uma consequência direta e necessária da expropriação parcial de um prédio, a qual acresce à indemnização correspondente à perda do direito ou à perda da substância do bem expropriado (a parte expropriada do prédio)”[9].
Estão aqui em causa prejuízos que sejam uma consequência direta e necessária da expropriação parcial de um prédio. Só eles é que podem ser incluídos na indemnização e não já também aqueles que têm com a expropriação parcial do prédio apenas uma relação indireta, porque encontram a sua causa em factos posteriores ou estranhos à expropriação[10].
Considera FERNANDO ALVES CORREIA que o prejuízo direto: “é um dano que apresenta um laço de causalidade estreita com a medida expropriativa, um dano cuja origem resulta do ato de desapossamento forçado imposto ao expropriado“[11].
No caso presente o prédio do qual foi desanexada a parcela, já tinha sido objeto de uma primeira expropriação. Nesse processo, por efeito da expropriação criaram-se duas parcelas sobrantes – uma, a sul e outra, a norte – ambas oneradas com servidão “non aedificandi”.
Como se provou, a parcela expropriada insere-se numa parcela sobrante a norte do prédio, referenciado sob o ponto 2 dos factos provados, decorrente de expropriação parcial anterior (ponto 13 dos factos provados).
A presente expropriação fez aumentar a área de servidão “non aedificandi” para Norte numa área igual à da área expropriada (ponto 15 dos factos provados).
Daqui decorre que a parcela sobrante após a presente expropriação sofreu depreciação na área possível de construção.
Em tese geral as servidões “non aedificandi” constituem uma modalidade específica das servidões administrativas, fixadas diretamente na lei ou resultantes de ato administrativo, que oneram certos prédios e se traduzem numa proibição de edificar, por motivos de interesse público.
Entre elas, destacam-se as que incidem sobre faixas de terrenos adjacentes a uma estrada ou autoestrada a construir, a reconstruir ou já existentes e que visam proteger tais vias de comunicação, em conformidade com o regime previsto no DL 248-A/99 de 06/07.
O art. 8 do Cód. das Expropriações, que se reporta à constituição de servidões administrativas, estatui o seguinte:
1. Podem constituir-se sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de interesse público.
2. As servidões, resultantes ou não de expropriações, dão lugar a indemnização quando:
a) inviabilizem a utilização que vinha sendo dada ao bem, considerado globalmente;
b) inviabilizem qualquer utilização do bem, nos casos em que não estejam a ser utilizados; ou
c) anulem completamente o seu valor económico.
3. À constituição das servidões e á determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente código com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial.
Na interpretação do preceito refere FERNANDO ALVES CORREIA que “ é demasiado restritivo no que respeita ao âmbito das servidões administrativas que devem ser acompanhadas de indemnização”. Prosseguindo, afirma que “ para além das servidões administrativas que produzem os tipos de danos referidos nas três alíneas do nº 2 do art. 8, outras há que devem dar direito a indemnização: são aquelas que produzem danos “especiais” e “anormais” (ou “graves”) na esfera jurídica dos proprietários dos prédios (normalmente terrenos).”
Mais adiante escreve ainda o seguinte: “[...]devem dar direito a indemnização todas as servidões administrativas que se apresentem como verdadeiras “expropriações de sacrifício” ou “substanciais”, isto é, como atos que produzem modificações “especiais” e “graves” (ou “anormais”) na utilitas do direito de propriedade, em termos tais que ocorreria uma violação do “princípio da justa indemnização” por expropriação ... condensado no art. 62, nº 2 da Constituição, do “princípio do Estado de Direito democrático”, consagrado nos arts. 2 e 9, al. b) da Lei Fundamental, nos termos do qual os atos do poder público lesivos de direitos ou causadores de danos devem desencadear uma indemnização, e do “princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos”, ínsito no art. 13º, nº 1 da Constituição, se o proprietário onerado com essa servidão administrativa não obtivesse uma indemnização. E as servidões administrativas que produzem danos daquela “natureza” não se restringem, seguramente, às elencadas no nº 2 do art. 8º do vigente Cód. das Expropriações”[12].
Refira-se, aliás, que o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 331/99, publicado no D.R., 1ª Série-A, de 14/07/99, já havia declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 8º nº 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto Lei nº 438/91 de 09/11, na medida em que não permitia a indemnização pelas servidões fixadas diretamente pela lei que incidissem sobre parte sobrante do prédio expropriado, no âmbito de expropriação parcial, desde que a mesma parcela já tivesse, anteriormente ao processo expropriativo, capacidade edificativa, por violação do disposto nos arts. 13º nº 1 e 62º nº 2 da Constituição.
Conclui-se, assim, que mesmo não se verificando nenhuma das situações previstas no art. 8º, nº 2 do Cód. das Expropriações, a constituição de uma servidão administrativa dará sempre lugar a indemnização quando a mesma produza, na esfera jurídica do proprietário, um prejuízo concreto, grave e anormal, designadamente, quando o proprietário vê reduzido o valor económico e de mercado do bem por força da eliminação ou redução da capacidade edificativa que o prédio possuía antes de estar onerado com a servidão “non aedificandi”.
A entender-se de forma diversa, estaríamos seguramente a violar os princípios constitucionais do Estado de Direito democrático, da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos e da justa indemnização por expropriação.
A desvalorização dos imóveis assume particular importância no caso das servidões “non aedificandi”, uma vez que estas limitam o direito de transformação que integra o conteúdo da propriedade, traduzindo-se numa efetiva e, em muitos casos, importante redução do valor dos prédios servientes.
Contudo, não se verificando nenhuma das situações previstas no citado art. 8º, nº 2 e não estando demonstrada a existência de qualquer prejuízo efetivo decorrente da servidão, designadamente a eliminação ou redução da sua potencialidade construtiva, não existe qualquer fundamento legal para atribuir uma indemnização pela constituição da servidão.
Neste sentido pronunciaram-se, entre outros, o Ac. Rel. Porto 02.07.2009 ( nº convencional JTRP 00042793 – www.dgsi.pt ) e o Ac. Rel. Porto 22.09.2009 ( nº convencional 000 42 980 – www.dgsi.pt ).
No caso presente, está demonstrado que a constituição da servidão non aedificandi determinou uma redução da capacidade construtiva da parcela sobrante.
Conforme resulta do laudo maioritário, os peritos consideraram que a existência de nova expropriação fez aumentar a área de servidão “non aedificandi” para Norte, numa área igual à área expropriada (fls. 501 – abril de 2015).
Nos esclarecimentos que prestaram a fls. 516 a 517 ( junho de 2015 ) referem:”[n]a alínea b) do nº1 do art. 4 do DL 248-A/99 de 06 de julho consta que a servidão para edifícios constituída pela via que motiva a expropriação é de 40 metros a contar do limite definitivo das plataformas das autoestradas, dos ramos dos nós e dos ramais de acesso e ainda das praças de portagem e das zonas de serviço e nunca menos de 20 metros da zona da estrada.
Zona da estrada é o solo ocupado pela estrada, abrangendo a faixa de rodagem, as bermas, as pontes e os viadutos nela incorporados e, quando existam, as valetas, os passeios, as banquetas e os taludes.
É o caso da expropriação em apreço neste processo na qual, além da plataforma ( faixa de rodagem e berma), existe valeta, banqueta e talude.
[…]
Com a ampliação da área de expropriação, a servidão constituída pelo limite da zona da estrada ampliou a área de servidão constituída pelo limite da plataforma”.
Conforme resulta dos esclarecimentos e factos provados a expropriação criou uma desvantagem até aí inexistente devido à alteração do limite da plataforma da estrada construída. Na parcela sobrante alterou-se a área onerada com a servidão e a sua efetiva implantação para Norte numa área igual à da área expropriada.
A indemnização atribuída no âmbito do Proc. 1328/06.1TBFLG, 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Felgueiras não engloba este prejuízo, porque a área da servidão, na parcela sobrante norte, não compreendia esta parcela de 704 m2 para norte, o que significa que a parte da parcela sobrante que não está onerada com a servidão sofreu uma redução de 704 m2.
O laudo maioritário dos peritos mostra-se devidamente fundamentado, respeitando o critério legal, conforme resulta do art. 29º/2, conjugado como art. 8º do Código das Expropriações e por isso, merece inteiro relevo para apreciar a questão em análise.
Conclui-se, assim, que por efeito da expropriação a parcela sobrante sofreu depreciação e não questionando a apelante o valor apurado, nada mais cumpre apreciar ou decidir com este objeto.
Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso sob os pontos 1, 2, 3, 7.
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Numa segunda ordem de argumentos, sob os pontos 4, 5, 6 das conclusões de recurso, insurge-se a apelante contra a sentença porque não teve em consideração o facto de a parcela estar inserida em zona de interesse arqueológico: os custos associados são custos de construção, um risco, e por isso têm de ser considerados sendo esta situação em tudo semelhante aos custos decorrentes da regularização do solo que influencia o valor do terreno.
Refere que estes encargos teriam de ser contabilizados na avaliação, porque estamos perante um risco acrescido que no limite pode ser impeditivo à construção, e que no mínimo se estimam em 30% (o acompanhamento por parte de arqueólogos, o acréscimo de tempo na realização dos trabalhos).
Conclui que, bem andou a decisão arbitral que retratando todas estas limitações, ateve-se à efetiva potencialidade do solo, à data da expropriação, qual seja a florestal.
A apelante tem em consideração factos que não se provaram, o que só por si seria suficiente para justificar a improcedência da pretensão.
Contudo, sempre se dirá que não cumpria atender a tais aspetos, por não relevarem em sede de avaliação.
Como já se referiu, a sentença na avaliação da parcela atendeu ao laudo maioritário e sobre esta concreta matéria os peritos referiram:”no que se refere a custos com o facto de a parcela se situar em “zona arqueológica”, não foi considerado qualquer encargo. Esse encargo, a existir (verificação de existência de vestígios arqueológicos durante a construção), são encargos a imputar à construção, tal como seriam o aumento de fundações, muros de cave, impermeabilizações”.
A classificação da área como “zona arqueológica” não impede a construção, nem condiciona a potencialidade edificativa da parcela. De igual forma, não constitui um fator a ponderar na avaliação, por constituir encargos a imputar na construção.
Improcedem, também, nesta parte as conclusões de recurso.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.
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Custas a cargo da apelante.
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Porto, 02 de Maio de 2016
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Rita Romeira
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[1] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
[2] Neste sentido, entre outros, podem ler-se: Ac. Rel. Lisboa 8.04.86, CJ XI, II, 108; Ac. Rel. Porto de 121.09.89, CJ XIV, IV, 200; Ac. Rel. de Évora de 12.05.94, CJ XIX, III, 269; Ac. Rel. Lisboa 12.04.94, CJ XIX, II, 109; Ac. Rel. de Lisboa 10.03.94, CJ XIX, II, 84 e 101; Ac. Rel. do Porto 8.01.96, CJ XXI, I.
[3] Cfr. Ac. Rel. Porto 21.09.89, CJ XIV, IV, 200
[4] Cfr. Ac. Rel. de Lisboa 12.04.94, CJ XIX, II, 109; Ac. Rel. de Lisboa 10.03.94, CJ XIX, III, 269
[5] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Lda, Coimbra, 1993, pag. 306
[6] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, ob. cit., pag. 320
[7] Ac. Rel. Coimbra 01.03.2005, (Proc. 2738/04JTRC – www.dgsi.pt); Ac. Rel. Lisboa 13.10.2009, (Proc. 1104/04.6YXLSB.L1.1 – www.dgsi.pt); Ac. Rel. Lisboa 06.04.2010: Proc. 2273/04.0TBFUN.L1-1 – www.dgsi.pt; Ac. Rel. Lisboa 27.04.2010 Proc. 1289/04.1TBBNV.L1-1 – www.dgsi.pt
[8] Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, pág.186
[9] FERNANDO ALVES CORREIA “ A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999 “,Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 133, pag. 56.
[10] Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA in “Comentário ao Ac. Rel. Évora de 30.03.2000 e Ac. STJ de 01.03.2001” Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 134, pag. 99-100
[11] FERNANDO ALVES CORREIA in “ Comentário ao Ac. Rel. Évora de 30.03.2000 e Ac. STJ de 01.03.2001” Revista de Legislação e Jurisprudência nº 134, pag. 77 e 87 e pag. 100
[12] Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA “Expropriação por Utilidade Pública”, Coletânea de Jurisprudência, STJ, ano IX, tomo I, págs. 42/3/46.