Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULA LEAL DE CARVALHO | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO A TERMO CESSAÇÃO CADUCIDADE MOTIVO JUSTIFICATIVO INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202306262175/22.9T8MTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PRINCIPAL IMPROCEDENTE; RECURSO SUBORDINADO PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Cessando o contrato de trabalho temporário por invocação da sua caducidade, e não por despedimento coletivo, caducidade que, segundo a A., configura um despedimento ilícito dado o contrato de trabalho temporário se dever ter como convertido em sem termo, não estava a impugnação da validade quer do termo a ele aposto, quer da sua cessação, sujeita ao disposto no art. 366º, nºs 4 e 5, do CT não se verificando a presunção de aceitação do despedimento. II - O contrato de trabalho temporário a termo deve conter o motivo que justifica a sua celebração, com menção concreta dos factos que o integram, tendo por base o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador indicado no contrato de utilização de trabalho temporário, sob pena de, na sua falta ou insuficiência, ser o contrato de trabalho temporário ser considerado como contrato de trabalho sem termo, formalidade essa que tem natureza ad substantiam. III - O art. 391º, nº 3, do CT/2009 fixa um limite mínimo aquém do qual não poderá ser fixada a indemnização em substituição da reintegração, não podendo a graduação a que se reporta o nº 1 do citado preceito ser inferior a esse limite. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Procº nº 2175/22.9T8MTS.P1 Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1338) Adjuntos: Des. Rui Penha Des. Jerónimo Freitas Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório A autora, AA, patrocinada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra “A...” e “BB” pedindo que, na procedência da ação, a) “Reconhecer-se que a A., desde 14/12/2021 era trabalhadora permanente da Ré ou trabalhava por tempo indeterminado para a Ré e que foi ilicitamente despedida pelo facto do despedimento ter ocorrido fora do período experimental de 15 dias e não ter sido precedido do respectivo procedimento; b) Condenar-se a Ré a pagar à A uma indemnização em substituição da reintegração, que à data da propositura da acção perfaz o montante de 2631,29€; c) Condenar-se a Ré a pagar o montante correspondente ao valor das retribuições que a A. deixou de auferir nos antecedentes 30 dias e nas que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão, computando-se as vencidas em 892,65€; d) Condenar-se a Ré no pagamento dos créditos reclamados nos art.º 24º a 27º da P.I., no montante global de 397,10€ e no e) pagamento de juros: - quanto à indemnização em substituição da retribuição a partir da data da respectiva decisão judicial; - a partir da data do vencimento de cada uma daquelas retribuições intercalares peticionadas no art.º 23º da PI, sendo a primeira devida na data de propositura da presente acção (art.º 278º, n.sº1 e 4, do CT); - desde 1/01/2022 quanto à quantia peticionada no art.º 24º da P.I.; - desde o dia seguinte à cessação do contrato de trabalho quanto ao peticionado nos art.º 25º, 26º e 27º da P.I. - art.º 805º, n.º 2, al. b) e n.º 3 do C. Civil. Condenar-se a Ré BB, gerente da Ré, subsidiariamente nos termos do art.º 174º, n.º 2 do Código do Trabalho, no pagamento dos créditos reclamados nos art.º 22º a 27º da P.I., no montante global de 3921,04 e no pagamento de juros: - quanto à indemnização em substituição da retribuição a partir da data da respectiva decisão judicial. - a partir da data do vencimento de cada uma daquelas retribuições intercalares peticionadas no art.º 23º da PI, sendo a primeira devida na data de propositura da presente acção (art.º 278º, n.sº1 e 4, do CT); - desde 1/01/2022 quanto à quantia peticionada no art.º 24º da P.I.; - desde o dia seguinte à cessação do contrato de trabalho quanto ao peticionado nos art.º 25º, 26º e 27º da P.I. - art.º 805º, n.º 2, al. b) e n.º 3 do C. Civil.” Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a Ré contrato de trabalho temporário, a termo incerto, que deve, contudo, ser considerado sem termo e, assim, tendo a Ré comunicado-lhe a sua cessação foi ilicitamente despedida. A Ré contestou, invocando, em síntese: - a aceitação da caducidade do contrato de trabalho pela Autora, para tanto alegando que: na sequência da caducidade do contrato de trabalho da Autora, a Ré procedeu ao pagamento da compensação devida, calculada nos termos do art. 345º, n.º 4, alínea a) e 366º do Código do Trabalho (CT), no montante de € 46,66, conforme recibos de vencimento juntos como doc. n.º 4 e 5 na petição inicial e que a A. recebeu e aceitou, como refere no art. 15.º da p.i., não questionando a A. a correção de tal montante e, em nenhum momento a devolveu ou colocou à disposição da Ré; assim, e porque não a ilidiu, presume-se que aceitou a caducidade do seu contrato de trabalho, bem como o termo aposto ao seu contrato, os motivos e procedimento conducentes à caducidade, o que determina a extinção do seu direito de impugnar a caducidade do seu contrato de trabalho, pedindo a nulidade do motivo justificativo do termo aposto ao mesmo. Invoca ainda o abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. Mais pugna pela validade do contrato de trabalho temporário celebrado. A A. respondeu (na sequência do despacho de 14.06.2022), pugnando pela improcedência das exceções da “aceitação do despedimento, da caducidade e do abuso de direito em invocar a nulidade da estipulação do termo e da consequente conversão em contrato de trabalho sem termo” alegando, em síntese, que: é empregada de andares/limpeza, completamente leiga em matéria jurídica, razão pela qual desconhecia, até ser informada pelo magistrado do Mº Pº, que o contrato de trabalho celebrado com a Ré no dia 14/12/2021 não obedecia aos requisitos legais e que estava contratado «ab initio» como trabalhador por tempo indeterminado ou que tinha celebrado um verdadeiro contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado; quando lhe foi comunicada a alegada caducidade do contrato de trabalho em momento algum aceitou a cessação do contrato, tendo ficado surpreendida com tal comunicação, uma vez que gostava do seu trabalho e estava convencida que continuaria a trabalhar para a Ré para além de 26/01/2022; nunca aceitou expressa ou tacitamente a cessação do contrato de trabalho por caducidade, pois limitou-se a receber os créditos salariais ou laborais que lhe eram devidos, incluindo a compensação no montante de 46,66€, a qual será abatida à indemnização devida pelo despedimento ilícito, conforme já expresso na P.I.; só nos casos de despedimento coletivo, extinção de posto de trabalho ou por inadaptação, está legalmente prevista a presunção dessa aceitação, a qual pode ser ilidida pelo trabalhador, nos termos previstos no art. 366º, nº 5. Mais pugna pela inexistência do invocado abuso de direito. Aos 16.09.2022 foi fixado o valor da ação em €3.921,04 e proferido despacho saneador que considerou ter-se o contrato de trabalho convertido em contrato de trabalho sem termo (por falta de concretização do motivo justificativo da sua celebração) e mais dizendo o seguinte: “Uma vez que o contrato sempre se terá de considerar como celebrado por tempo indeterminado, a supra descrita conduta da ré (em pôr fim ao vínculo laboral) configura uma situação de despedimento. Por sua vez, não tendo tal despedimento sido precedido do competente processo disciplinar, ter-se-á de considerar o mesmo ilícito – art. 381º, al. c) do CT. Nos termos do disposto no art. 390º do CT, a autora tem direito às importâncias correspondentes ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença proferida a final, deduzida dos montantes a que alude o n.º 2 do mesmo artigo. Assiste, ainda, à autora o direito a ser indemnizada por todos os danos sofridos (já que a autora optou, desde logo, pela correspondente indemnização por antiguidade em detrimento da sua reintegração) – art. 389º n.º 1, al. a) –, indemnização essa fixada nos termos previstos pelo art. 391º do CT, ou seja, fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade (atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º do mesmo código), sendo certo que tal indemnização não pode ser inferior a três meses de retribuição base - art. 391º n.º 3. Considerando que, no caso em análise, a autora esteve ao serviço da ré durante 44 dias não se tendo apurado/provado quaisquer informações concretas referentes ao exercício das respectivas funções, julga-se adequado e justo fixar a indemnização no mínimo legal de 15 dias Para o cômputo da indemnização a atribuir ter-se-á de ter subjacente a retribuição auferida pela autora a título de remuneração, ou seja, RB de € 5.15 /hora x 173,33 / 15 dias x 3 meses (art. 391 n.º 3 do CT). Consequentemente, a título de indemnização, terá a autora direito ao montante global de € 1388,99 deduzido da quantia de €46,66(já recebida a título de compensação), ou seja, a quantia de € 1292,33. Quanto às retribuições a que alude o art. 390º n.º 1 do CT tem a autora direito a receber as mesmas referentes aos 30 dias anteriores à propositura da presente ação no montante de 892,65 (€ 5.15 x 173,33 horas), ou seja, desde 03-04-2022 até ao trânsito em julgado da presente ação.”, E mais determinando o prosseguimento dos autos para apuramento da restante matéria em discussão – créditos reclamados nos art.s 24º a 27º da p.i.” A A., aos 25.09.2022, recorreu. Porém, por requerimento de 11.10.2022, no qual refere que “no intuito de evitar uma possível contradição de julgados e dado que apresentou recurso subordinado”, dele veio desistir, desistência admitida pela 1ª instância por despacho de 28.11.2022. A Ré recorreu da decisão proferida no despacho saneador, tendo formulado as seguintes conclusões: “A. O presente recurso vem interposto do douto despacho saneador sentença notificado às Recorrentes em 19/09/2022 e que veio julgar a acção parcialmente procedente, e julgar como nulo o termo aposto ao contrato de trabalho, bem como, em conformidade, concluir pela existência de despedimento ilícito nos autos, condenando as Rés ao pagamento de indemnização à Autora. B. O recurso vem ainda interposto da interpretação que é feita no despacho saneador sentença da interpretação do artigo 366,º, n.º 4 do CT, e bem assim, dos efeitos jurídicos retirados da comunicação da caducidade do contrato de trabalho à Autora. C. Assim, com o presente recurso, as Recorrentes pretendem impugnar a decisão proferida quanto às referidas matérias, uma vez que as mesmas decorrem de uma errada análise e julgamento da matéria submetida a apreciação e à errada interpretação e aplicação do Direito aos factos, o que imporia uma decisão diferente por parte do tribunal recorrido. O julgamento quanto à validade do termo do contrato implicará ainda uma diferente decisão quanto à consequência jurídica da declaração unilateral da cessação do contrato e bem assim, quanto à inexistência de despedimento ilícito. Isto posto, D. No ponto A) dos factos dados como provados, vem o tribunal recorrido dar como provado que “Autora e ré subscreveram em 14.12.2021 o documento junto aos autos denominado “Contrato de Trabalho Temporário a Termo Incerto”, no entanto, verifica- se que o mesmo vem fundamentar o seu despacho saneador sentença nos termos do regime jurídico do contrato de trabalho a termo incerto. Aplicando na sua fundamentação o artigo 140.º do Código do Trabalho (doravante CT), tecendo diversas considerações sobre a natureza deste instituto jurídico, os requisitos da sua verificação, bem como as consequências deste vício dos contratos de trabalho a termo certo. E. Ora, dúvidas não existem de que nos presentes autos o que se discute é a validade de um Contrato de Trabalho Temporário, no caso a termo incerto, regulado pelo disposto nos artigos 180.º e seguintes do Código do Trabalho, e não de um Contrato de Trabalho a Termo, no caso incerto, como disposto nos artigos 139.º e seguintes do CT. Pelo que, a fundamentação do saneador sentença é manifestamente incorrecta, por não se aplicar ao contrato cuja validade jurídica é discutida nos autos. Ou seja, o Direito aplicado para decidir quanto ao presente processo não é subsumível aos factos sujeitos à apreciação do tribunal. F. É que, “ao contrário do que sucede no contrato a termo, um elenco taxativo dos motivos legalmente atendíveis para o recurso ao trabalho temporário” encontra-se descrito no artigo 180.º, n.º 1 e 175.º, n.º 1 do CT. E como tal “De acordo com o artigo 180.º o contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações em que a lei permite a utilização de trabalho temporário e trata-se de um contrato a termo, certo ou incerto. No entanto, o seu regime diverge em aspectos importantes do regime geral do contrato a termo. Em rigor, aliás, parece-nos que o regime geral do contrato a termo nem sequer será aqui de aplicação subsidiária” [sublinhado nosso] - Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, “O trabalho temporário: um triângulo perigoso no Direito do trabalho (ou a vulnerabilidade acrescida dos trabalhadores temporários)”, in Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, Ano LXII, 2021, Número 1, Tomo 1, página 565 e seguintes. G. Da fundamentação jurídica apresentada pelo tribunal a quo, não resulta qualquer apreciação do contrato de trabalho temporário junto aos autos nos termos e de acordo com as suas concretas regras jurídicas, sendo o mesmo apenas manifestamente apreciado ao abrigo do que prevêem os artigos 140.º e seguintes do CT. H. Aliás, logo quando inicia a apreciação da nulidade do contrato, o despacho saneador sentença refere que “O contrato em apreço foi qualificado como um contrato a termo incerto”, prosseguindo na consideração de que “Nos termos do artigo 140.º, n.º 1 do CT”, fundamentando o resto da decisão no que são as disposições dos artigos 141.º, 147.º e 140.º do CT. I. Tal é manifestamente falso e contraditório, além do mais, com os próprios factos dados como provados no mesmo saneador sentença. J. A fundamentação e a aplicação do Direito ao caso concreto está assim totalmente alheada do que é o contrato de trabalho temporário cuja validade se discute nos autos, pretendendo o julgador aplicar aos presentes autos um regime jurídico que não se aplica ao contrato de trabalho temporário. Saliente-se que o documento junto aos autos encontra-se claramente identificado como um Contrato de Trabalho Temporário a Termo Incerto, pelo que, jamais poderia ser confundido o documento legal que se discute nos autos com um contrato a termo incerto. K. Desta forma, a validade do contrato de trabalho temporário a termo incerto discutida nos autos apenas pode ser validamente apreciada ao abrigo do disposto no artigo 180.º, n.º 1 do CT, nomeadamente, “nas situações previstas para a celebração do contrato de utilização” de trabalho temporário. E nos termos do artigo 175.º, n.º 1 do CT, “O contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 140.º e ainda nos seguintes casos”. Verificando-se, da confrontação da cláusula 10.ª do contrato de trabalho temporário a termo incerto celebrado entre Autora e Ré, que este se encontra fundamentado nos termos da alínea e), do n.º 2 do artigo 140.º do CT, nomeadamente na existência de uma “actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima”. E neste domínio, a única remissão feita pelo artigo 180.º e pelo artigo 175.º é apenas para o motivo justificativo, não existindo qualquer remissão para a forma como esse motivo tem de ser concretizado. L. E a lei é expressa ao não fazer essa remissão, uma vez que o legislador teve sensibilidade para com aquela que é a realidade particular do trabalho temporário, onde, obviamente, a existência de uma relação tripartida torna mais difícil a concretização do termo, tal como exigido nos contratos de trabalho a termo. M. A isto acresce que, mesmo que assim não fosse, a cláusula 10.ª do contrato de trabalho concretiza de forma clara a fundamentação do termo, uma vez que a justificação do termo incerto está no caso relacionada com projectos temporários de carácter sazonal, relacionados com os contratos de utilização de trabalho temporário celebrados, aos quais consistem na prestação de serviços a empresas do sector hoteleiro e da restauração. E o motivo é assim válido quando apreciado no conjunto dos normativos aplicáveis a este tipo de contratos, nomeadamente, dos já referidos artigos 180.º e 175.º do CT, sendo que, no despacho saneador sentença recorrido, se omite completamente o referido regime jurídico, aplicando-se aos factos constantes dos autos e ao contrato cuja apreciação se faz no âmbito do processo, única e exclusivamente o regime do artigo 140.º e seguintes do CT, o que é errado e não encontra qualquer fundamentação na lei. N. Andou ainda mal o despacho saneador sentença recorrido, ao passar uma tábua rasa no que é o regime do artigo 366.º, n.º 4 do CT, esvaziando o seu conteúdo jurídico e tornando-o na prática irrelevante. É que este normativo jurídico vem prevenir situações de abuso de direito parte dos trabalhadores, dando segurança jurídica às entidades empregadoras, nomeadamente, estabelecendo a presunção de que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe da empregadora a totalidade do montante da compensação pela caducidade do contrato. O. Todavia, o despacho saneador sentença fundamenta a sua decisão numa deficiente interpretação do referido normativo, uma vez que considera que o mesmo “não tem aplicação na situação em análise, na qual está em causa um despedimento ilícito e não qualquer despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho”, o que é falso, desde logo porque o que está em causa nos autos é a apreciação da validade ou não de um contrato de trabalho temporário a termo incerto e não um despedimento ilícito. P. Por outro lado, é o próprio n.º 6 do mesmo artigo 366.º do CT que estabelece que ao contrato de trabalho temporário se aplica o n.º 4 do artigo 366.º. Pelo que, assiste razão às Rés quando alegam que não poderia a Autora aceitar o pagamento da compensação por caducidade do contrato de trabalho e depois vir impugnar essa mesma caducidade, o que sempre apenas pode ser consubstanciado e valorado como abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-03-2021 que é bastante claro ao estabelecer que “Para afastar a aludida presunção, é necessário que o trabalhador demonstre que entregou, ou colocou, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.”, e como tal “Tendo ficado provado que a Autora recebeu a compensação devida pela cessação do contrato de trabalho e não a devolveu ou colocou a mesma à disposição do empregador, verifica-se um facto impeditivo do direito de impugnação do despedimento.”. Q. E neste domínio, tal como em todos os outros em que se discute a aplicação e a violação da lei, não pode vir o tribunal a quo considerar, como vem, que “não resulta dos autos que a autora possua qualquer formação jurídica”, uma vez que a ignorância da lei não legítima o seu incumprimento ou violação, e também porque o referido argumento seria uma porta aberta para o total desrespeito por toda e qualquer norma jurídica, numa anarquia dos que não possuem qualquer formação jurídica. R. Além do mais, sempre se refira que, tal argumento sempre poderia também ser valorado em sede de absolvição das Rés. É que, não resulta também provado dos presentes autos que as Rés tenham qualquer formação jurídica, o que, e tendo em consideração a posição vertida no despacho saneador sentença, sempre legitimaria que a presente acção fosse julgada como totalmente improcedente, absolvendo-se as Rés do pedido. S. Em suma, e no que ao artigo 366.º, n.º 4 do CT diz respeito, a única forma de a Autora afastar a sua aplicação seria ilidindo a presunção que sobre si recaía de que não aceitou a caducidade do contrato de trabalho, o que não é provado nos autos. Pelo contrário, fica demonstrado, pela junção aos autos do documento n.º 1 da contestação, que esta após a comunicação da caducidade do seu contrato de trabalho interpelou a Ré, não impugnando ou colocando em causa a referida caducidade, mas exigindo apenas o pagamento de créditos laborais que considerava lhe serem devidos. T. Nada sendo dito no referido documento quanto à não aceitação da caducidade do contrato, o que prova de forma inequívoca que nos presentes autos, a Autora não ilidiu a presunção legal que sobre ela recai, pelo que, se extinguiu o seu direito de impugnar a comunicação da caducidade e como tal, sempre deveria ter sido dado como provado pelo tribunal a quo abuso de direito por parte da Autora, devendo esta ser condenada nos devidos termos legais. U. Por fim, a errada aplicação da lei ao caso concreto implica igualmente que a sentença recorrida faça uma errada aplicação da lei à cessação do contrato entre as partes, bem como quanto à consequência do despedimento da Autora. É que, sendo o contrato de trabalho temporário a termo incerto válido, a comunicação enviada à Autora em 20/01/2022 corresponde à comunicação da caducidade do contrato de trabalho temporário a termo incerto celebrado entre as partes, pelo que, nunca poderia ser dado como provado o despedimento ilícito da Autora e como tal, ser arbitrada a esta o pagamento de qualquer indemnização. V. E assim, e por tudo o exposto, tendo em consideração toda a prova produzida nos autos, bem como a concreta caracterização do contrato de trabalho como contrato de trabalho temporário a termo incerto, nunca poderia a ação ter sido julgada como foi no despacho saneador sentença como parcialmente procedente, devendo o douto despacho saneador sentença do Tribunal a quo ser revogado e serem as Rés absolvidas do pedido.” A A. contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: - A douta decisão recorrida proferida pela M.º Juiza «a quo» embora sofra de erro manifesto na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, é inócuo ou irrelevante, porquanto o Venerando Tribunal da Relação não está sujeito nem vinculado quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. – art.º 5º do C. P. Civil; - Na realidade a douta decisão proferida pela Mª Juíza «a quo» de declarar nula Cláusula 6ª do contrato de trabalho temporário deverá não deverá ser alterada no sentido pugnado pela Ré/recorrente mas sim mantida , mas por outras razões e fundamentos de direito, por os motivos invocados na Cláusula 6ª para a aposição do termo incerto violarem ou não observarem o disposto no art.º 181º, n.º1, al. c) e n.º 2 do C.T. e não o disposto no art.º 140º do mesmo diploma legal, e que o contrato de trabalho (temporário) se converteu em contrato de trabalho sem prazo ou por tempo indeterminado, excepto quanto ao montante de indemnização pelo despedimento ilícito, do qual foi interposto recurso subordinado. - Que o contrato de trabalho sem prazo ou por tempo indeterminado cessou unilateralmente, por vontade da ré (através da comunicação da caducidade do contrato de trabalho temporário a termo incerto) e configura uma situação de despedimento ilícito, por não ter sido precedido de processo disciplinar. – art. 381º, al. c) do CT. - A M.ª Juíza «a quo» não fez uma errada interpretação do art.º 366º, n.º 4 do C.T., porquanto a não devolução pela A. da compensação paga pela Ré/recorrente pela caducidade do contrato de trabalho não a impede de impugnar o despedimento ou permite presumir a aceitação do despedimento, pois só nos casos de despedimento colectivo, extinção de posto de trabalho ou por inadaptação, está legalmente prevista a presunção dessa aceitação e no caso sub judice estamos perante um despedimento ilícito e não face a um despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho. - Pelo facto de a A. ter recebido a compensação devida pela caducidade e não se ter oposto de imediato à forma como cessou o contrato de trabalho não se pode concluir no sentido de que a A. age em abuso de direito, por vir, posteriormente, a impugnar a lícitude do despedimento. - Nem é possível concluir que a autora tenha excedido – muito menos de forma manifesta - os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito, já que a mesma se limitou a reagir, em termos legais, contra um comportamento ilícito da Ré. - A conduta da Autora igualmente não permite inferir – expressa ou tacitamente –uma declaração de vontade no sentido de renunciar ao direito de impugnar a validade do termo aposto ao contrato de trabalho e a validade da cessação do contrato. Pelo exposto e pelas demais razões de facto e de direirto, que V. Ex. doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, excepto quanto à indemnizaçao/compensação pelo despedimento ilícito prevista no art.º 391º n.º 3 do C.T., mas por outras razões de direito quanto à nulidade da Cláusula 6ª do contrato de trabalho temporário a termo incerto.” E veio, a A., interpor recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões: “I – Conforme resulta do contrato de trabalho junto aos autos e do acordo das partes, o contrato de trabalho celebrado entre a A. e a Ré foi um contrato de trabalho temporário a termo incerto e não, como por mero lapso refere a M.ª Juíza «a quo» no douto saneador/sentença um contrato de trabalho a termo incerto. II - O contrato de trabalho temporário a termo incerto celebrado entre a A. e a Ré não está devidamente fundamentado, pelo que o termo aposto é nulo e o contrato de trabalho deverá considerar-se sem termo ou por tempo indeterminado; III - Que o vínculo laboral existente entre ambas as partes já cessou a partir de, pelo menos, o dia 26.01.2022 unilateralmente, por vontade da ré, fora do período experimental e sem precedência de processo disciplinar, razão pela qual o despedimento da A. é ilícito. IV - Face ao disposto nos art.º 389º, n.º 1, al. a), e 391º, n.º 3, ambos do Código do Trabalho a A./Recorrente tem direito a uma indemnização que não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades; V – A douta decisão recorrida é nula por violou o no art.º 140º, 180º , 181º, n.º 1, al. b), 389º, n.º 1, al. a), e 391º, n.º 3, todos do Código do Trabalho; VI - pelo que a douta decisão recorrida, salvo o devido respeito e melhor opinião, deve ser revogada e substituída por outra que declare A. e a Ré foi um contrato de trabalho temporário a termo incerto não devidamente fundamentado e que por esse facto se converteu em contrato de trabalho temporário por tempo indeterminado ou sem prazo, o qual cessou por despedimento ilícito da A. por não ter sido precedido de processo disciplinar, sem precedência de processo disciplinar e que condene a Ré a pagar à A. a indemnização pelo despedimento ilícito no montante de 263 A. e a Ré foi um contrato de trabalho temporário a termo incerto 1,29€ (RB de 5,15€/hora x 173,33 = 892,65e x 3 meses = 2677,95€ deduzido da quantia de 46,66€, já recebida a título de compensação). A Ré não respondeu ao recurso subordinado. Colheram-se os vistos legais. *** II. Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019). Assim, são as seguintes as questões a apreciar: A- Recurso principal, interposto pela Ré: a.1. Da validade da aposição do termo (incerto) do contrato de trabalho temporário; a.2. Da presunção de aceitação do “despedimento” e impossibilidade da sua impugnação por aplicação do art. 366º, nºs 4, 5 e 6 do CT/2009; a.3. Do abuso de direito. B. Do recurso subordinado, interposto pela A.: do montante da indemnização de antiguidade. Começaremos pela apreciação da 2ª das mencionadas questões suscitadas no recurso da Ré - questão da presunção de aceitação do “despedimento” e impossibilidade da sua impugnação por aplicação do art. 366º, nºs 4, 5 e 6 do CT/2009 – uma vez que a sua eventual procedência determinaria que o conhecimento das demais ficasse prejudicado. *** III. Fundamentação da decisão da matéria de facto A. Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade: “A) Autora e ré subscreveram em 14.12.2021 o documento junto aos autos denominado “ Contrato de Trabalho Temporário a Termo Incerto” através do qual a autora foi admitida nessa mesma data para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Empregada de andares, nos estabelecimentos das empresas utilizadoras, clientes da Ré, situadas na região Norte do país, com o horário de trabalho a determinar pela Ré, nomeadamente das 9H00 às 17H00, de Quarta-feira a Domingo, com dias de descanso à Segunda-feira e terça-feira, mediante a retribuição ilíquida de 5,15€ por cada hora de trabalho prestado. B) Foi, ainda, acordado na Cláusula 6ª que o período experimental era de 15 dias se a duração do contrato for inferior a 6 meses, ou de 30 dias se o contrato tiver a duração igual ou superior a 6 meses. C) E, na cláusula 10º, sob a epigrafe “ Justificação” que ““O presente contrato é celebrado ao abrigo do art.º 140º n.º 2 al. e), motivado pelo(a) realização de um projecto temporário de carácter sazonal, limitado à duração dos contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre a Primeira Outorgante e as empresas utilizadoras clientes do setor hoteleiro e da restauração, na sua grande maioria para serviços esporádicos e pontuais, para o que se verifica uma necessidade de recorrer à contratação de recursos humanos temporários. Tal necessidade assenta nas oscilações decorrentes da própria natureza estrutural do mercado em que a atividade se insere, que permanentemente obriga a um reajustamento do número e categorias dos recursos humanos a contratar, o que varia consoante as taxas de ocupação, afluência, época e eventos a fazer face. O carater imprevisível das necessidades determina, assim, um ajuste periódico das dotações de meios humanos, podendo vir a verificar-se períodos de aumento ou decréscimo de atividade, também eles consequentemente imprevisíveis quanto à sua intensidade e quanto ao seu número, razão pela qual não se justifica o recurso à contratação sem termo. A isto acresce que, o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a Primeira Outorgante e a Empresa Utilizadora, pode ser denunciado a todo o tempo, ajustando-se o contrato à ocupação efectiva do hotel e aos picos irregulares de turismo.” E) A ré remeteu à autora a carta datada de 20 de janeiro de 2022 onde sob o assunto rescisão do contrato a termo incerto refere que: B. Facto a aditar oficiosamente pela Relação Dispõe o art. 607º, nº 4, do CPC, aplicável à Relação ex vi do art. 663º, nº 2, do mesmo, que o juiz tomará em consideração os factos que estejam admitidos por acordo das partes. A A. alegou no art. 15º da p.i. que “A Ré pagou à A. a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho a quantia global de 46,66€”, tendo junto os recibos de vencimento referentes a dezembro de 2021 e janeiro de 2022, de onde consta, para além do mais, o pagamento, a título de “compensação Lei 69/2013” das quantias de, respetivamente, €18,80 e de €27,86 . Também na contestação, a Ré alegou que, na sequência da cessação do contrato de trabalho, pagou a mencionada quantia a título de compensação pela alegada caducidade do mesmo, a qual não foi devolvida à Ré nem posta à disposição desta. Tal facto encontra-se pois admitido por acordo nos articulados, bem como provado documentalmente, pelo que se adita à matéria de facto provada a al. F) com a seguinte redação: F) A Ré, com as retribuições pagas à A. em dezembro de 2021 e janeiro de 2022, pagou-lhe também as quantias de, respetivamente, €18,80 e de €27,86 referentes a compensação por caducidade do contrato de trabalho temporário. *** IV. Fundamentação jurídica 1. Da presunção de aceitação do “despedimento” e impossibilidade da sua impugnação por aplicação do art. 366º, nºs 4, 5 e 6 do CT/2009 Na sentença recorrida foi, a propósito da questão ora em apreço, referido o seguinte: “(…) Dúvidas inexistem, pois, quanto à referida nulidade do termo e consequente conversão do acordo em contrato de trabalho por tempo indeterminado, sendo certo que a comunicação da ré à autora não foi feita no período experimental de 15 dias, porquanto, o foi decorridos 38 dias do início do contrato. Alega, no entanto, a ré que a autora está impedida de invocar a referida nulidade, já que não devolveu a compensação que aquela lhe pagou aquando da cessação do vínculo. Contudo, mesmo nessa hipótese, não assiste razão à ré. Com efeito, a trabalhadora mais não fez do que exercer um direito que a lei laboral lhe confere, direito esse que foi exercido tempestivamente, cfr. art. 337 n.º1 do CT e, como decorre do supra decidido, tem fundamento. E a tal conclusão não obsta o facto de a mesma ter, eventualmente, aceitado a compensação oferecida pela ré, seja porque não resulta dos autos que a autora possua qualquer formação jurídica, seja porque a presunção prevista no n.º 4 do art. 366º do CT não tem aplicação na situação em análise, na qual está em causa um despedimento ilícito e não qualquer despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho.” Do assim decidido discorda a Recorrente tendo em conta, em síntese, o nº 6 do art. 366º do CT/2009, que remete para os nºs 4 e 5 do mesmo” 1.1. Ao caso é aplicável o CT/2009, aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02 e, entre outras, na redação dada pela Lei 69/2013, de 30.08, Lei esta que alterou o art. 366º, introduzindo-lhe o nº 6. Dispõe tal preceito, sob a epígrafe Compensação em caso de despedimento coletivo, que: 1 - Em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 14 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade. 2 - A compensação prevista no número anterior é determinada do seguinte modo: a) (…) b) (…) c) (…) d) (…) 3 – (…) 4 - Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo. 5 - A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último. 6 - Nos casos de contrato de trabalho a termo e de contrato de trabalho temporário, o trabalhador tem direito a compensação prevista no n.º 2 do artigo 344.º e do n.º 4 do artigo 345.º, consoante os casos, aplicando-se, ainda, o disposto nos n.os 2 a 5 do presente artigo. 7 – (…) [sublinhado nosso] E, por sua vez, dispõe o art. 345º, nº 4 (na redação introduzida pela Lei 69/2013, de 30.08, esta a versão aplicável ao caso), relativo à caducidade do contrato de trabalho a termo incerto, que: 4. Em caso de caducidade de contrato de trabalho a termo incerto, o trabalhador tem direito a compensação que corresponde à soma dos seguintes montantes: (…); Determinando ainda o art. 182º, nº 7, que: “7 - À caducidade do contrato de trabalho temporário é aplicável o disposto no artigo 344.º ou 345.º, consoante seja a termo certo ou incerto.” A caducidade do contrato de trabalho temporário e o despedimento coletivo são causas diferentes de cessação do contrato de trabalho. E, se é certo que tanto na caducidade do contrato de trabalho temporário, como no caso do despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a uma compensação e que é de idêntico valor, tal não permite confundir as duas diferentes causas de cessação do contrato de trabalho. Uma coisa é a compensação devida pela cessação do contrato de trabalho temporário por caducidade outra, diferente, a cessação por despedimento coletivo. Ora, a remissão operada pelo art. art. 366º, nº 6, para os seus anteriores nºs, designadamente para os nºs 4 e 5, reporta-se às situações em que o contrato de trabalho a termo ou temporário cessa por despedimento coletivo, não pela sua invocada caducidade. É o que decorre da inserção sistemática do preceito, integrado no regime aplicável ao despedimento coletivo, e, também, da ratio do mesmo, mais restritiva, em que se pretendeu, no caso de despedimento coletivo e com vista à pacificação social, em rapidamente estabilizar e definir a situação do mesmo, mormente a sua validade, tendo em conta, designadamente, que abrange um coletivo de trabalhadores e prevendo como prazo para a sua impugnação o de seis meses contados da data da cessação do contrato de trabalho. E nesse mesmo sentido aponta o regime do contrato de trabalho temporário (e a termo) que, no que se refere à caducidade do mesmo, designadamente o art. 182º, nº 7, do CT, remete apenas para os arts. 344º e 345º, mas não já para o art. 366º, nº 6. No sentido da mencionada inaplicabilidade do art. 366º, nº 6, cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 09.11.2022, Proc. 59/21.7T8CSC.L1-4, in www.dgsi no âmbito da contratação a termo, em que se refere que: “E, assim sendo, não tinha nem tem de ser chamada à colação a presunção de aceitação do despedimento a que se referem os n.ºs 4, 5 e 6 do art. 366.º do CT, na medida em que a mesma é inaplicável ao recebimento da compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo, embora esta seja calculada de modo semelhante ao previsto naquela norma (arts. 344.º, n.º 2 e 345.º, n.º 4 do citado diploma), não ficando o trabalhador que a receba impedido de instaurar acção declarativa com processo comum com a finalidade de obter a declaração da ilicitude da cessação do contrato por iniciativa do empregador e a condenação deste nas consequências legais daí decorrentes. Neste sentido, vejam-se os Acórdãos desta Relação de Lisboa de 10-11-2021[4] e 6-04-2022[5], este último relatado pela ora 2.ª Adjunta, com o seguinte sumário: “Tendo o trabalhador invocado o despedimento individual ilícito, o recebimento pelo mesmo da quantia paga pela entidade empregadora a título de compensação por caducidade do contrato não constitui presunção de aceitação do despedimento.” Tal entendimento, ainda que no âmbito, como se disse, do contrato de trabalho a termo é transponível para o contrato de trabalho temporário. Ou seja, e em conclusão, cessando o contrato de trabalho temporário, como no caso cessou, por, invocação da sua caducidade, e não por despedimento coletivo, caducidade que, segundo a A., configura um despedimento ilícito dado o contrato de trabalho temporário se dever ter como convertido em sem termo, não estava a impugnação da validade quer do termo a ele aposto, quer da sua cessação, sujeita ao disposto no art. 366º, nºs 4 e 5, não se verificando a presunção de aceitação do despedimento. Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso. 2. Da validade da aposição do termo (incerto) do contrato de trabalho temporário Na sentença recorrida referiu-se o seguinte: “Vem a autora suscitar a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre as partes. O contrato em apreço foi qualificado como sendo um contrato a termo incerto. A autora defende, no entanto, que tal termo é nulo. Nos termos do artigo 140º n.º 1 do CT “o contrato de trabalho a termo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”. A enumeração das situações em que é admitido o contrato a termo visa garantir o direito à segurança no emprego e o princípio da indeterminação da duração do trabalho. Por outro lado, a contratação a termo está sujeita à concretização dos factos e circunstâncias que integram o motivo justificativo para a celebração dos contratos de trabalho a termo, dispondo o artigo 141.º, n.º 1, alínea e) do CT que do contrato de trabalho a termo deve constar, além do mais, a “indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo”. As exceções vêm expressamente previstas no já citado art. 140º do CT, cuja al. e) do seu n.º 2 refere que se considera necessidade temporária da empresa a atividade sazonal (…)” E o n.º 3 do art. 141º especifica: “para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo da aposição do termo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”. Caso tal não suceda, o contrato considerar-se-á sem termo – art. 147º n.º 1, al. c), do CT. O ónus da prova justificativa da contratação cabe ao empregador, nos termos do n.º 5 do art. 140º do CT. O motivo justificativo da celebração do contrato a termo certo constituiu uma formalidade “ad substantiam” o que significa que deve o mesmo estar suficientemente identificado no documento escrito que titula o contrato. Sendo que a falta de concretização do motivo justificativo, seja pelo recurso às fórmulas legais contidas nas alíneas do n.º 2 do art. 140º, seja pelo recurso a expressões vagas, genéricas ou imprecisas, não pode – como se tem entendido – ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da ação em que a questão se suscite – neste sentido, entre muitos, os acórdãos do STJ de 17/03/2016 e de 09/06/2010 e da RP de 17/11/2015, todos disponíveis in www.dgsi.pt. Torna-se, por isso, de todo inútil a produção de prova sobre a factualidade alegada pela ré na respetiva contestação para preencher o conceito invocado no clausulado do contrato tendente à justificação da estipulação do termo. A obrigatoriedade de indicar a razão justificativa do termo visa prevenir eventuais divergências entre as partes, permitir o exercício da actividade fiscalizadora por parte das entidades responsáveis nessa área e, ainda, permitir que o trabalhador fique esclarecido sobre as razões que determinam a precariedade do seu emprego, dando-lhe, assim, a possibilidade de aferir a validade dos mesmos e de os discutir em juízo. A fixação do prazo nos contratos de trabalho, com a consequente instabilidade do emprego para o trabalhador, só encontrará justificação naqueles casos em que os serviços a prestar são de natureza transitória, destinando-se a dar satisfação a essa necessidade de ocupação temporária. Nos presentes autos, na Cláusula 10º do contrato junto aos autos, indica-se como motivo para a estipulação de um termo o facto “ a realização de um projecto temporário de carácter sazonal, limitado à duração dos contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre a Primeira Outorgante e as empresas utilizadoras clientes do setor hoteleiro e da restauração, na sua grande maioria para serviços esporádicos e pontuais, para o que se verifica uma necessidade de recorrer à contratação de recursos humanos temporários. Tal necessidade assenta nas oscilações decorrentes da própria natureza estrutural do mercado em que a atividade se insere, que permanentemente obriga a um reajustamento do número e categorias dos recursos humanos a contratar, o que varia consoante as taxas de ocupação, afluência, época e eventos a fazer face. O carater imprevisível das necessidades determina, assim, um ajuste periódico das dotações de meios humanos, podendo vir a verificar-se períodos de aumento ou decréscimo de atividade, também eles consequentemente imprevisíveis quanto à sua intensidade e quanto ao seu número, razão pela qual não se justifica o recurso à contratação sem termo. A isto acresce que, o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a Primeira Outorgante e a Empresa Utilizadora, pode ser denunciado a todo o tempo, ajustando-se o contrato à ocupação efectiva do hotel e aos picos irregulares de turismo”, aí se invocando o art. 140 n.º 2 al e) Porém, salvo o devido respeito por opinião diversa e pese embora a extensão da cláusula, não se nos afigura que, com a transcrita redação, tenha sido dado cumprimento a tal norma legal. Na verdade, essa mesma redação contém um teor genérico, não descrevendo os factos ou circunstâncias concretas que integram tal afirmação, não sendo possível aferir qual é o projeto, a sua duração ou limitação temporal, qual a empresa utilizadora ou mesmo refere ou quantifica a necessidade de recorrer à contratação de recursos humanos temporários decorrentes da própria natureza estrutural do mercado em que a atividade se insere, como bem aponta a autora O Prof. Júlio Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, pg. 599, embora ao abrigo do CT/03, mas com plena validade face ao actual CT, a indicação do motivo justificativo no contrato de trabalho a termo deve ser “suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência de uma necessidade temporária da empresa ou de uma das situações previstas no n.º 3“ [do art. 131º], “possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias que se comprove que o contrato a termo é celebrado” pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. Nunca será assim suficiente – regime que aliás já era tradicional entre nós - a mera referência ou remissão, designadamente para uma alínea do n.º 2 do art. 129.º (por exemplo o contrato limita-se a dizer “ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do art. 129.º, contrata-se a termo…”), como também não será suficiente, como é óbvio, a mera repetição das palavras da Lei (estabelecendo por exemplo o contrato apenas que ”em virtude de acréscimo excepcional de actividade da empresa contrata-se a termo…”). A contratação a termo tem de ser justificada pelo empregador, indicando este expressamente os factos que o conduziram a contratar a termo, de moldo a permitir um controlo da veracidade desses factos tanto pelo trabalhador, num primeiro momento, como eventualmente pelo próprio Tribunal”. Conclui-se, assim, pela nulidade do termo aposto no contrato dos autos pelo que este último se converteu num contrato de trabalho por tempo indeterminado. Dúvidas inexistem, pois, quanto à referida nulidade do termo e consequente conversão do acordo em contrato de trabalho por tempo indeterminado, sendo certo que a comunicação da ré à autora não foi feita no período experimental de 15 dias, porquanto, o foi decorridos 38 dias do início do contrato. Alega, no entanto, a ré que a autora está impedida de invocar a referida nulidade, já que não devolveu a compensação que aquela lhe pagou aquando da cessação do vínculo. Contudo, mesmo nessa hipótese, não assiste razão à ré. Com efeito, a trabalhadora mais não fez do que exercer um direito que a lei laboral lhe confere, direito esse que foi exercido tempestivamente, cfr. art. 337 n.º1 do CT e, como decorre do supra decidido, tem fundamento. E a tal conclusão não obsta o facto de a mesma ter, eventualmente, aceitado a compensação oferecida pela ré, seja porque não resulta dos autos que a autora possua qualquer formação jurídica, seja porque a presunção prevista no n.º 4 do art. 366º do CT não tem aplicação na situação em análise, na qual está em causa um despedimento ilícito e não qualquer despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho. Acrescenta-se que da circunstância de o trabalhador receber a compensação devida pela caducidade do contrato de trabalho a termo não se pode, sem mais, concluir no sentido de que age em abuso de direito se vier, posteriormente, a impugnar a validade do termo aposto ao contrato e a consequente ilicitude da cessação do contrato de trabalho, caso em que o empregador sempre poderá solicitar a compensação de créditos ou o pagamento, pelo trabalhador, do que recebeu.” Discordando do assim decidido, argumenta a Recorrente, em síntese, que: está em causa nos autos um contrato de trabalho temporário e não um contrato de trabalho a termo, tendo a sentença fundamentado-se no regime jurídico do contrato de trabalho a termo e não no contrato de trabalho temporário; a remissão dos arts. 180 e 175º do CT/2009 é feita apenas para o motivo justificativo da aposição do termo, não já para a forma como o motivo tem de ser concretizado; o motivo da aposição do termo encontra-se suficientemente concretizado, para além de que a sentença não atendeu às especificidades do trabalho temporário, designadamente quanto às razões da contratação, que se prendem com necessidades da empresa utilizadora. Por sua vez, pugna a Recorrida pela improcedência do recurso. 2.1. O regime do trabalho temporário assenta numa relação triangular estabelecida entre o utilizador, a empresa de trabalho temporário (de ora em diante designada por ETT) e o trabalhador, estando ele previsto nos arts. 172º e segs. do CT/2009, sendo que os arts. 175 a 179 se reportam ao contrato de utilização de trabalho temporário (estabelecido entre o utilizador e a ETT) e, os arts. 180 a 182, ao contrato de trabalho temporário (estabelecido entre a ETT e o trabalhador). Dispõe o mencionado regime que: - No art. 175º [redação original], sob a epígrafe “Admissibilidade do contrato de utilização de trabalho temporário”, que: “1 - O contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 140.º e ainda nos seguintes casos: a) Vacatura de posto de trabalho quando decorra processo de recrutamento para o seu preenchimento; b) Necessidade intermitente de mão-de-obra, determinada por flutuação da actividade durante dias ou partes de dia, desde que a utilização não ultrapasse semanalmente metade do período normal de trabalho maioritariamente praticado no utilizador; c) Necessidade intermitente de prestação de apoio familiar directo, de natureza social, durante dias ou partes de dia; d) Realização de projecto temporário, designadamente instalação ou reestruturação de empresa ou estabelecimento, montagem ou reparação industrial. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, no que se refere à alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º, considera-se acréscimo excepcional de actividade da empresa o que tenha duração até 12 meses. 3 - A duração do contrato de utilização não pode exceder o período estritamente necessário à satisfação da necessidade do utilizador a que se refere o n.º 1.” - No art. 177º [redação dada pela Lei 93/2019, de 04.09], sob a epígrafe “Forma e conteúdo de contrato de utilização de trabalho temporário”, que: “1 - O contrato de utilização de trabalho temporário está sujeito a forma escrita, é celebrado em dois exemplares e deve conter: (…) b) Motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador; (…) g) Início e duração, certa ou incerta, do contrato; (…) 2 - Para efeitos da alínea b) do número anterior, a indicação do motivo justificativo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado. (…) 5 - O contrato é nulo se não for celebrado por escrito ou não contiver qualquer uma das menções referidas nas alíneas do n.º 1. 6 - No caso previsto no número anterior, considera-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º (…) - No art. 180º [redação da Lei 53/2011, de 14.10], sob a epígrafe “Admissibildiade de contrato de trabalho temporário, que: “1 - O contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto, nas situações previstas para a celebração de contrato de utilização. 2 - É nulo o termo estipulado em violação do disposto no número anterior, considerando-se o trabalho efectuado em execução do contrato como prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo, e sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º 3 - Caso a nulidade prevista no número anterior concorra com a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário, prevista no n.º 2 do artigo 176.º ou no n.º 5 do artigo 177.º, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º” - No art. 181º [redação da Lei 93/2019, de 04.09], sob a epígrafe “Foram e conteúdo de contrato de trabalho temporário” que: “1 - O contrato de trabalho temporário está sujeito a forma escrita, é celebrado em dois exemplares e deve conter: (…) b) Motivo que justifica a celebração do contrato, com menção concreta dos factos que o integram, tendo por base o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador indicado no contrato de utilização de trabalho temporário, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações; (…) f) Data de início do trabalho; g) Termo do contrato; (…) 2 - Na falta de documento escrito ou em caso de omissão ou insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º (…)” Do referido resulta, sinteticamente, que o contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado a termo (certo ou incerto) nas situações previstas para o contrato de utilização e, este, para além das situações previstas no art. 175º, só pode ser celebrado nos casos previstos no art. 140º, nº 2, als. a ) a g), do CT/2009 a saber: a) Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar; b) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude de despedimento; c) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em situação de licença sem retribuição; d) Substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado; e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima; f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa; g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro. Mais resulta que o CUTT deve conter o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador, devendo essa indicação ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (sob pena, na sua falta ou insuficiência, da nulidade do contrato e do trabalhador e de o trabalho prestado pelo trabalhador ser considerado como em regime de contrato de trabalho sem termo) e que o CTT deve conter o motivo que justifica a celebração do contrato, com menção concreta dos factos que o integram, tendo por base o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador indicado no CUTT, sob pena de, na sua falta ou insuficiência, ser o contrato de trabalho temporário ser considerado como contrato de trabalho sem termo. 2.3. No caso, é certo que a sentença recorrida se reporta ao contrato de trabalho a termo, sem referência ao regime do trabalho temporário porém, sem consequências, dado que o regime que deste consta é, no essencial, semelhante, quanto à admissibilidade da contratação (sem prejuízo das situações previstas nas als. a) a d) do art. 175º), suas exigências de forma e respetivas consequências , sendo que, no caso, o que está unicamente em causa é o contrato de trabalho temporário e não o contrato de utilização de trabalho temporário. Impõe-se, assim, apreciar da validade formal do contrato de trabalho temporário, isto é, se ele dá satisfação suficiente às mencionadas exigências de concretização do seu motivo justificativo. Temos entendido, designadamente no Acórdão de 27.02.2023[1], proferido no Processo 13604/21.9T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt, sobre o contrato d etrabalho celebrado a termo, que: “Como corolário do princípio constitucional da segurança no emprego consagrado no art. 53º da CRP, o contrato de trabalho sem termo constitui a regra geral, sendo a aposição do termo apenas admitida excecionalmente (tal como já sucedia no âmbito dos antecessores DL 64-A/89 e do CT/2003), nas circunstâncias e com os condicionalismos previstos na lei, isto é, desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: - O primeiro, de natureza formal, nos termos do qual, e de harmonia com o disposto no art. 141º, nº 1, o contrato terá de ser celebrado por escrito, dele devendo constar a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, indicação esta que “deve ser feita com a menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” (nº 1, al. e) e nº 3). - O segundo, de natureza material, nos termos do qual apenas é admissível a sua celebração caso se verifique alguma das situações previstas no artº 140º: é necessário, desde logo, que esse motivo seja enquadrável nas situações previstas nesse artigo, entre as quais figura, na al. f) do nº 2 do art. 140º o “acréscimo excepcional de actividade da empresa”; e, sendo-o, que o motivo invocado tenha correspondência com a realidade. A fundamentação formal do contrato constitui formalidade de natureza ad substanciam, visando a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art. 140º e a realidade e a adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato, formalidade essa que, assim, bem se compreende considerando a ratio que a ela preside – permitir, seja ao trabalhador, seja ao tribunal, sindicar das razões invocadas pela empregadora para justificar a contratação a termo. E de tal natureza decorre que: (a) qualquer contrato a termo em que, nele e por escrito, não seja mencionado o motivo que o justifica nos termos prescritos na lei, é considerado sem termo, sendo absolutamente irrelevantes os fundamentos que a entidade empregadora possa vir a invocar na ação judicial, assim como irrelevante é que, do ponto de vista material, pudesse ocorrer justificação bastante para a contratação a termo; (b) apenas o motivo justificativo invocado no contrato, e só ele, poderá ser considerado, sendo absolutamente irrelevante que, caso ele não se prove, outro possa ou pudesse existir e que, substantivamente, justificasse a contratação; ainda que assim fosse, não se poderia igualmente a ele atender, havendo então que concluir-se pela inexistência do fundamento que consta do contrato, com a consequente conversão do contrato a termo em sem termo. No sentido da natureza ad substantiam se tem pronunciado, de forma unanime, a jurisprudência – cfr., designadamente, os Acórdãos mencionados na nota 2 do presente acórdão: desta Relação do Porto de 29.09.2008, Proc. 0842881 (ainda que no âmbito do DL 64-A/89, são as considerações dele constantes aplicáveis ao caso em apreço) e de 04.11.2013 (Proc. 235/11.0TTBCL.P1), estes relatados pela ora relatora; também da RP de 14.07.2010 (Proc. 289/09.0TTGDM.P1) e de 26.09.2011 (Proc. 1993/09.2TTPRT.P1); do STJ de 18.06.2008 (Proc. 08S936), de 28.04.2010 (Proc. 182/07.0TTMAI.S1), de 02.12.2013 (Proc. 273/12.6T4AVR.C1.S1), de 17.03.2016 (Proc. 2695/13.6TTLSB.L1.S1), de 17-03-2016 (Proc. 2695/13.6TTLSB.L1.S1), de 16.06.2016 (Proc. 968/12.4TTLSB.L1.S1) e de 22.02.2017 (Proc. 2236/15.0T8AVR.P1.S1), todos in www.dgsi.pt. A preterição do mencionado requisito de natureza formal determina que o contrato de trabalho seja considerado como sem termo [art. 147º, nº 1, al. c)].” Ainda que no âmbito da contratação a termo, as suas considerações são, no essencial, aplicáveis ao trabalho temporário. Também este tem natureza excecional face à necessidade de segurança no emprego e constituindo a fundamentação formal do contrato formalidade de natureza ad substanciam, visando igualmente a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art. 175º e, ex vi deste, das als. a) a g) do nº 2 do art. 140º. 2.4. Revertendo ao caso, na justificação constante do contrato de trabalho temporário celebrado entre a A. e a Ré foi consignado o seguinte: “O presente contrato é celebrado ao abrigo do art.º 140º n.º 2 al. e), motivado pelo(a) realização de um projecto temporário de carácter sazonal, limitado à duração dos contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre a Primeira Outorgante e as empresas utilizadoras clientes do setor hoteleiro e da restauração, na sua grande maioria para serviços esporádicos e pontuais, para o que se verifica uma necessidade de recorrer à contratação de recursos humanos temporários. Tal necessidade assenta nas oscilações decorrentes da própria natureza estrutural do mercado em que a atividade se insere, que permanentemente obriga a um reajustamento do número e categorias dos recursos humanos a contratar, o que varia consoante as taxas de ocupação, afluência, época e eventos a fazer face. O carater imprevisível das necessidades determina, assim, um ajuste periódico das dotações de meios humanos, podendo vir a verificar-se períodos de aumento ou decréscimo de atividade, também eles consequentemente imprevisíveis quanto à sua intensidade e quanto ao seu número, razão pela qual não se justifica o recurso à contratação sem termo. A isto acresce que, o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a Primeira Outorgante e a Empresa Utilizadora, pode ser denunciado a todo o tempo, ajustando-se o contrato à ocupação efectiva do hotel e aos picos irregulares de turismo.” Concordamos com a sentença recorrida. Com efeito, pese embora longa, a justificação apresentada apenas contém referências vagas e genéricas às empresas utilizadoras do setor hoteleiro e restauração, a serviços esporádicos e pontuais de que estas precisam, a oscilações de mercado da atividade que carece de reajustamento do número de trabalhadores e que “varia consoante as taxas de ocupação, afluência, época e eventos”, ao caráter imprevisível das necessidades, que podem ter aumentos ou decréscimos. Ou seja, a justificação “tudo e nada” diz, abarcando toda e qualquer contratação, independentemente das concretas circunstâncias que se possam verificar, sendo que nela não se indica qualquer facto que, em concreto, pudesse justificar a contratação da A. E é a contratação desta que está em causa nos autos. E, no que concerne à referência a que “a isto acresce que, o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a Primeira Outorgante e a Empresa Utilizadora, pode ser denunciado a todo o tempo, ajustando-se o contrato à ocupação efectiva do hotel e aos picos irregulares de turismo”, temos como evidente que não pode justificar o recurso ao trabalho temporário, sendo que o risco de denúncia do contratos de utilização de trabalho temporário é um risco sempre existente na atividade das empresas de trabalho temporária, para além de que a justificação da possibilidade recurso à celebração de contrato de trabalho temporário está na transitoriedade das necessidades da empresa utilizadora, não no risco da ETT de que o CUTT seja denunciado. Acresce que a especificidade das empresas de trabalho temporário não permite desconsiderar a exigência legal da devida fundamentação, sendo que é a lei que a exige e, certamente, que o legislador não a desconhecia. Ou seja, o contrato de trabalho temporário não se encontra suficientemente fundamentado, pelo que a comunicação da sua caducidade à A. consubstancia-se num despedimento ilícito, porque sem justa causa e sem prévio processo disciplinar. 3. Do abuso de direito Invoca a Recorrente o abuso de direito, referindo na al. P) das conclusões que: “Por outro lado, é o próprio n.º 6 do mesmo artigo 366.º do CT que estabelece que ao contrato de trabalho temporário se aplica o n.º 4 do artigo 366.º. Pelo que, assiste razão às Rés quando alegam que não poderia a Autora aceitar o pagamento da compensação por caducidade do contrato de trabalho e depois vir impugnar essa mesma caducidade, o que sempre apenas pode ser consubstanciado e valorado como abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium”. 3.1. Preceitua o art. 334º do Cód. Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Como ensina o Prof. Almeida Costa[2], o princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, às consequências da rígida estrutura das normas legais. Ou seja, tal instituto constitui uma válvula de escape do sistema aplicável às situações em que, pese embora a existência do direito, o seu exercício se mostraria intolerável face aos referidos limites, designadamente o da boa-fé. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, "a concepção adoptada de abuso de direito é a objectiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites, exigindo-se porém que o excesso cometido seja manifesto. Manuel de Andrade refere-se aos direitos "exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça” e o Prof. Vaz Serra à «clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante».[3] Assim, tem sido considerado que ocorre abuso de direito quando a conduta anterior do seu titular que, objetivamente interpretada face à lei, bons costumes e boa-fé, legitima a convicção de que tal direito não será exercido, traduzindo-se ele, assim, no exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente [4] (venire contra factum proprium) – cfr. António Menezes Cordeiro, in Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa “In Agendo”, Almedina, pág. 56. Como já acima referimos não é, ao caso, aplicável o art. 366º, nº 6, do CT/2009. E, por outro lado, não ocorre o invocado abuso de direito. A A., pese embora haja recibo a compensação pela invocada (mas não verificada) caducidade do contrato de trabalho temporário limitou-se a exercer um direito que a lei lhe faculta, qual seja o de pedir que o contrato de trabalho temporário fosse considerado sem termo, que, em consequência e uma vez que não ocorre tal caducidade, fosse considerado ter sido ilicitamente despedida e pedindo a condenação nas consequências da ilicitude, mais invocando ter recebido a compensação pela cessação do contrato de trabalho e solicitando que seja descontada às quantias que lhe sejam devidas pela ilicitude do despedimento, direito esse que não exorbita os limites impostos pela boa-fé. Improcedem, também nesta parte, as conclusões do recurso. Do recurso da A.: 4. Montante da indemnização de antiguidade Na sentença recorrida referiu-se o seguinte: “Uma vez que o contrato sempre se terá de considerar como celebrado por tempo indeterminado, a supra descrita conduta da ré (em pôr fim ao vínculo laboral) configura uma situação de despedimento. Por sua vez, não tendo tal despedimento sido precedido do competente processo disciplinar, ter-se-á de considerar o mesmo ilícito – art. 381º, al. c) do CT. Nos termos do disposto no art. 390º do CT, a autora tem direito às importâncias correspondentes ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença proferida a final, deduzida dos montantes a que alude o n.º 2 do mesmo artigo. Assiste, ainda, à autora o direito a ser indemnizada por todos os danos sofridos (já que a autora optou, desde logo, pela correspondente indemnização por antiguidade em detrimento da sua reintegração) – art. 389º n.º 1, al. a) –, indemnização essa fixada nos termos previstos pelo art. 391º do CT, ou seja, fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade (atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º do mesmo código), sendo certo que tal indemnização não pode ser inferior a três meses de retribuição base - art. 391º n.º 3. Considerando que, no caso em análise, a autora esteve ao serviço da ré durante 44 dias não se tendo apurado/provado quaisquer informações concretas referentes ao exercício das respectivas funções, julga-se adequado e justo fixar a indemnização no mínimo legal de 15 dias. Para o cômputo da indemnização a atribuir ter-se-á de ter subjacente a retribuição auferida pela autora a título de remuneração, ou seja, RB de € 5.15 /hora x 173,33 / 15 dias x 3 meses (art. 391 n.º 3 do CT). Consequentemente, a título de indemnização, terá a autora direito ao montante global de €1388,99 deduzido da quantia de €46,66 (já recebida a título de compensação), ou seja, a quantia de € 1292,33.” Do assim decidido discorda a A/Recorrente, alegando que, atento o disposto nos art.º 389º, n.º 1, al. a), e 391º, n.º 3, ambos do Código do Trabalho, tem direito a uma indemnização que não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades, a qual ascende, assim, a 2677,95€ (RB de 5,15€/hora x 173,33 = 892,65e x 3 meses). Mais diz que a decisão recorrida é nula por ter violado o art.º 140º, 180º , 181º, n.º 1, al. b), 389º, n.º 1, al. a), e 391º, n.º 3, todos do Código do Trabalho. 4.1. Há que dizer que não se verifica nulidade da sentença, estas as tipificadas no art. 615º, nº 1, do CPC, sendo que o invocado consubstancia eventual erro de julgamento. Dispõe o art. 391º do CT/2009 que: “1 - Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º 2 - Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial. 3 - A indemnização prevista no n.º 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.” A sentença recorrida teve em conta o período mínimo de três meses a que se reporta o nº 3 do citado preceito. Fê-lo, porém, em função de 15 dias de remuneração base em que, nos termos do nº 1, graduou a indemnização. Assiste razão à A./Recorrente, não se nos afigurando que a interpretação da decisão recorrida corresponda ao que se retira do nº 3. O que deste resulta é que o juiz, fazendo embora tal graduação, esta não poderá, em qualquer caso, ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. O preceito fixa um limite mínimo aquém do qual não poderá ser fixada a indemnização. Deve, assim, ser fixada à A. a indemnização de antiguidade no montante de 2677,95€, assim procedendo as conclusões do recurso subordinado. *** V. Decisão Em face do exposto, acorda-se em: A. Julgar o recuso principal, interposto pela Ré, A..., improcedente. B. Julgar o recurso subordinado, interposto pela A., AA, procedente e, assim, revogando-se, na parte nele impugnada, a decisão recorrida, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar a Ré, , A..., a pagar à A. a quantia de 2677,95€, a título de indemnização de antiguidade. Custas do recurso da Ré, por esta. Custas do recurso da A., pela Ré, não sendo embora devida taxa de justiça dado que a Ré, não tendo contra-alegado, não deu impulso processual ao mesmo – art. 6º, nº 1, do RCP. Porto, 26.06.2023 Paula Leal de Carvalho Rui Penha Jerónimo Freitas ___________ [1] Relatado pela ora relatora e com os mesmos adjuntos. [2] Cfr. Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 64. [3] Cfr. Código Civil Anotado, 2ª ed. Vol. 1, pág. 298. [4] Cfr. Acórdão da RP 25.12.05, in www.dgsi (P0535984). |