Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2708/20.5T8AVR-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: INSOLVÊNCIA
JUSTA CAUSA DE DESTITUIÇÃO
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP202202082708/20.5T8AVR-G.P1
Data do Acordão: 02/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O administrador da insolvência pode ser destituído, a todo o tempo, pelo juiz se este entender, fundadamente, existir justa causa, conceito que a lei insolvencial não define, nem apresenta critérios para o seu preenchimento.
II - A inexistência de um conceito de justa causa possibilita uma melhor adequação ao caso concreto e às suas particularidades, conferindo uma maior liberdade de decisão ao juiz, mas também provoca alguma incerteza jurídica fruto das diversas interpretações jurisprudenciais que podem surgir.
III - É de considerar que o conceito de justa causa, enquanto fundamento da destituição do administrador judicial em processo de insolvência, preenche-se e concretiza-se: i) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo; ii) ou com a conduta traduzida na inobservância culposa dos seus deveres, apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado; iii) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado.
IV - O juiz tem que se mostrar prudente e avisado na avaliação da atuação do administrador da insolvência no que concerne ao preenchimento do conceito de justa causa, uma vez que as omissões ou falhas deste sempre têm que ser vistas em função da repercussão que as mesmas tiveram no andamento do processo e da sua complexidade, de forma a evitar que situações de incumprimento de relevo diminuto possam vir a servir de fundamento para a sua destituição.
V - Não preenche o conceito de justa causa, justificativo da sua destituição, a atuação do administrador da insolvência que num caso em que a administração da massa insolvente está atribuída ao próprio devedor, comete lapsos no tocante ao cálculo das votações realizadas pelos credores para aprovação do plano de insolvência, quando esses lapsos, pouco significativos e compreensíveis face à complexidade do processo, nenhuma repercussão negativa tiveram no andamento do processo.
VI - O processo de insolvência deve ser encerrado quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, encerramento que pode também ser declarado por iniciativa oficiosa do próprio juiz.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2708/20.5T8AVR-G.P1
Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 2
Apelação (em separado)
Recorrente: “V...”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Por sentença de 17.9.2020 foi declarada a insolvência da devedora “V...”, com sede na Rua..., ..., ..., ..., tendo sido nomeado para exercer o cargo de administrador da insolvência AA, com domicílio profissional na Rua..., ..., ...
Na sequência de requerimento desta, feito ao abrigo do art. 224º, nº 2 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas [daqui em diante CIRE], foi atribuído à devedora a administração da massa insolvente, sob fiscalização do Sr. Administrador da Insolvência, sendo-lhe concedido o prazo de trinta dias para apresentação de plano de recuperação.
Mais se determinou a apreensão, para apreciação do Sr. Administrador da Insolvência, dos elementos da contabilidade da insolvente, e o arrolamento de todos os seus bens, mesmo que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, devendo o Sr. Administrador diligenciar no sentido da sua inventariação e descrição, com observância do formalismo legal.
Para a comissão de credores, foram nomeados “M..., S.A.”, a quem cabe a presidência, Instituto da Segurança Social IP e BB, este na qualidade de credor privilegiado; como suplentes, foram nomeados “Associação ...” e Banco ..., S.A..
Em 19.10.2020 foi apresentado pela insolvente plano de recuperação.
No dia 26.10.20210 o Sr. Administrador da Insolvência apresentou o seguinte requerimento:
“Tem tentado, sem qualquer sucesso, contactar o ilustre mandatário da insolvente, quer por telemóvel, quer por mails enviados, com vista a efetuar-se a apreensão dos bens da insolvente, conforme comprovativos em anexo de 23 de Setembro e 22 de Outubro.
Demonstrando este comportamento, um claro alheamento aos deveres de cooperação com o a. i, e o Tribunal, e ainda dada a proximidade do prazo para a junção aos autos do relatório a que alude o Artº 155º do CIRE, requer a VªExª se digne autorizar o recurso à força pública para a diligência da mudança das chaves dos imóveis onde se encontram os bens da insolvente e consequente junção aos autos do Auto de Apreensão de Bens.”
Em 3.11.2020 a insolvente veio expor o seguinte:
“(…) vem, desde já, se penitenciar pela ausência de resposta atempada, por parte do mandatário da devedora, pois durante as datas que premeiam as comunicações encetadas pelo AI, nomeadamente no último mês, devido a eventuais gripes, foram alternados os turnos de quarentena preventiva, causando transtornos na afetação dos recursos humanos à gestão corrente do escritório, o que criou alguns atrasos indesejados, na resposta à correspondência eletrónica, felizmente por hora superada.
E assim contactada a devedora, a mesma propõe a escolha das datas de 10, 11 ou 13 de Novembro, em horário entre as 10h e as 12h e entre as 14h e as 18h, a designar pelo AI, na sede da mesma.
Pelo que não se vislumbra necessidade de arrombamento de portas da devedora, sendo a manter o designado na Sentença de Insolvência da Devedora (…)”.
Em 13.11.2020 o Sr. Administrador da Insolvência procedeu à apreensão dos bens móveis da massa insolvente.
Em 14.11.2020 a insolvente veio requerer que se ordene ao administrador da insolvência que dê início ao processo de despedimento coletivo dos trabalhadores desnecessários, nos termos do art. 347º do Código de Trabalho ou que se autorize a devedora a fazê-lo, uma vez que se está a onerar as dívidas da massa da insolvência sem qualquer justificativa, requerendo-se ainda que não possa o administrador da insolvência proceder à entrega de quaisquer bens que estejam na posse da devedora, sendo esta a administradora dos mesmos, sempre se declarando nula a cláusula de reserva de propriedade a favor do credor Banco ... e, que relativamente à credora “M..., S.A..”, concebendo-se, o que não se concede, estar-se perante um contrato de leasing, não se pronuncie até que decorra a Assembleia de Credores, com vista ao cumprimento do prazo estipulado no nº 3 do art. 104º do CIRE, e ainda, que se aguarde a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos a emitir pelo administrador da insolvência.
No dia 18.11.2020 o Administrador da Insolvência apresentou o relatório previsto no art. 155º do CIRE, acompanhado de lista provisória de credores.
Nesse relatório o Sr. Administrador da Insolvência escreveu o seguinte:
“O processo de insolvência foi precedido de Processo Especial para Acordo de Pagamento, processo este que não colheu a aprovação dos credores.
A insuficiência financeira que a insolvente conhece desde o ano de 2017, e que determinou o referido Processo Especial para Acordo de Pagamento, agravou-se durante todo o ano de 2020, fruto da não realização de eventos de recriação histórica, face às restrições impostas pela DGS para mitigar o avanço da pandemia Covid 19.
Na verdade, em 2020, a insolvente realizou apenas 0,08% dos eventos realizados no ano transato. Sendo tais eventos o principal fator gerador das receitas da Associação, fácil é perceber que não obteve receitas para pagar qualquer das rúbricas da despesa, ficando numa situação de quase absoluta paralisia.
Por tal facto, foram-se avolumando os créditos dos fornecedores, instituições bancárias, credores públicos e trabalhadores, agravando o cenário já débil do ano de 2019, neste ano, o Ativo Disponível representa apenas 34% do Passivo de Curto Prazo.
Por outro lado, o Plano apresentado pela Insolvente, apenas se tornará exequível, se se equacionar a reabertura plena das atividades recreativas, facto que permanece uma incógnita na contingência atual.
Também é notório, que no Plano apresentado a insolvente utiliza créditos que são inverosímeis – a viatura matricula ...-OM-... é utilizada como meio de pagamento aos trabalhadores, pelo valor de 28.962,50€, estando esta viatura com contrato de locação financeira, contrato já resolvido pelo credor M..., por falta de pagamento das prestações vencidas; a viatura ...-SS-... é utilizada como meio de pagamento ao credor requerente do processo, nos termos do Artº 98º do CIRE, pelo valor de 33.687,50€, tendo esta viatura uma reserva de propriedade do Banco ..., não tendo o a. i. intenção de cumprir o contrato, face ao elevado valor exigido pelo credor.
Por outro lado ainda, o a. i. reputa de exagerado o valor atribuído a algumas das viaturas utilizadas como meio de pagamento, sendo muito pouco provável que o mercado acompanhe tais valores, face ao estado e à idade das viaturas – ..-IC-.. (14.500,00€), ..-..-GH (18.800,00€), ..-..-SA (9.500,00€).
Apesar das considerações atrás tecidas, o a. i. é de parecer que o valor de realização com a implementação do Plano de Insolvência, será sempre superior ao valor de liquidação no processo de insolvência.”
Em 27.11.2020 o credor reclamante Banco… manifestou a sua discordância relativamente ao requerido pela insolvente em 14.11.2020.
A insolvente impugnou a lista de credores provisória em 29.11.2020 e nesse mesmo dia requereu o desentranhamento de todas as votações já realizadas.
Em 3.12.2020 foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Na sentença, ao abrigo da adequação processual, foi decidido proceder à audição dos interessados, em substituição da assembleia de credores de apreciação do relatório (art. 156.º do CIRE), sobre as propostas apresentadas ou que resultem das alternativas legais, entendendo-se em caso de silêncio com o sentido da abstenção.
Todos os credores que emitiram pronúncia (CC, Fazenda Pública, M... SA, Z... Lda. e E... Lda.) pugnaram pela recusa do plano de recuperação proposto pela insolvente, dos quais, dois (M... SA, Z... Lda. e E... Lda.) votaram pela liquidação do activo.
Assim sendo, é de concluir que a aprovação do plano é manifestamente inverosímil, nos termos e para os efeitos previstos no art. 207.º/1 do CIRE.
No entanto, importa tomar em consideração que a universalidade de credores deve decidir sobre a manutenção ou não da administração da massa insolvente pela própria devedora (art. 228.º/1, al. b), do CIRE), sendo ainda possível que a insolvente apresente novo plano (cfr. art. 207.º/1, al. b), do CIRE) ou que esse encargo seja confiado ao administrador da insolvência (art. 156.º/3 do CIRE).
Pelo exposto, decide-se a) não admitir a proposta de plano de insolvência constante no requerimento de 19/10/2020, b) determinar a notificação dos credores e da devedora, em substituição da designação de assembleia de credores, para em quinze dias, emitirem voto quanto às seguintes opções: 1) Cessação da administração da massa insolvente pela própria devedora, com prosseguimento dos autos para liquidação, ou 2) Apresentação de novo plano de recuperação pela insolvente, ou 3) Elaboração de plano a cargo do Sr. administrador da insolvência.
No mesmo prazo, a insolvente poderá juntar novo plano de recuperação ou requerer a concessão de prazo para o efeito, notificando os membros da comissão de credores e o Sr. administrador da insolvência.
Notifique, sendo os credores com a indicação de que, em caso de silêncio, se entenderá que se abstêm, salvo quanto aos que já votaram, quanto aos quais se entenderá que votam no sentido indicado em 1).
Consigna-se igualmente que, enquanto a administração da massa insolvente estiver confiada à insolvente, é com ela que a manutenção ou cessação dos contratos deve ser abordada, apenas intervindo o Sr. administrador da insolvência a título de fiscalização (art. 226.º do CIRE).
Consigna-se ainda que a questão da eventual falta de colaboração da insolvente, com o Sr. administrador da insolência, caso se mantenha, poderá ser objecto de informação a prestar no âmbito da referida fiscalização ou de alegações no sentido da insolvência culposa (arts. 188.º/1 e 226.º do CIRE).
Por último, considerando que a apensação de processos não pode contender com as regras de competência da jurisdição administrativa e laboral, indefere-se ao requerido pelo Sr. administrador da insolvência no requerimento antecedente.”
Em 6.12.2020 o Sr. Administrador da Insolvência veio expor o seguinte:
“- Confirma que foi notificado pelo Banco ... para que, nos termos do Artº 102º do CIRE, o administrador de insolvência tomasse a decisão de cumprir, ou não, o contrato de crédito automóvel, com reserva de propriedade, nº ...00, relativo à viatura da marca Honda, matricula ...-SS-....
Confirma, também, que enviou carta datada de 15/10/2020 a declarar a opção de não cumprimento do contrato, tendo em atenção o valor exigido para tal cumprimento – 20.526,15€ e a sua convicção que a viatura tem um valor de mercado muito inferior.
(…)
Pelo exposto, requer a Vª Exª que o requerido pela insolvente, quanto ao contrato e viatura acima identificados, não pode proceder, dado ter direito o credor a tomar posse da viatura.”
No dia 9.12.2020 o Sr. Administrador da Insolvência juntou ao processo o resultado da votação do plano de insolvência junto aos autos.
Em 28.12.2020 a insolvente veio juntar novo plano de recuperação.
No dia 18.1.2021 o Sr. Administrador da Insolvência juntou aos autos o resultado da votação do 2º plano de insolvência apresentado pela insolvente, tendo constatado a sua não aprovação e requerido que se declare a liquidação do ativo.
Em 4.2.2021 o Mmº Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho:
“Salvo o devido respeito, parece-nos que ocorreu um equívoco (naturalmente involuntário e certamente explicado pela ausência da diligência na forma presencial), por parte de alguns credores e do Sr. administrador da insolvência, pois não esteve em causa, substituída pela audição por escrito, uma assembleia de apreciação e votação do plano, a que aludem os arts. 209.º e segs. do CIRE, na qual se discute se o plano de insolvência/recuperação é ou não aprovado.
Os presentes autos ainda estão numa fase prévia, atinente à assembleia a que se refere o art. 156.º do CIRE, na qual se discute, em primeira linha, sobre a forma de prosseguimento do processo: se é para liquidação, se é para futura apresentação ou apreciação de um plano de insolvência/recuperação.
Daí que, em coerência, no despacho de 3/12/2020, tenham sido colocadas à consideração dos credores três alternativas: “1) Cessação da administração da massa insolvente pela própria devedora, com prosseguimento dos autos para liquidação, ou 2) Apresentação de novo plano de recuperação pela insolvente, ou 3) Elaboração de plano a cargo do Sr. administrador da insolvência.”
Ora, salvo melhor opinião, nessa questão decisiva quanto ao destino ulterior dos autos, crê-se que está formada uma maioria deliberativa dos credores no sentido do prosseguimento do processo para futura apresentação ou apreciação de um plano, crendo-se maioritária a opção de, pelo menos neste momento, não aderir já a um cenário de liquidação.
Por outro lado, quanto à elaboração do referido plano, dos vários interessados a que a lei reconhece legitimidade (art. 193.º do CIRE), apenas a devedora evidenciou disponibilidade para assumir o encargo.
Em nossa perspectiva, são esses dois pontos essenciais que marcam a posição maioritária dos credores e que se impõe observar quanto ao prosseguimento dos autos.
Em consequência, a administração da massa insolvente deve continuar confiada à devedora, nos termos dos arts. 222.º e segs. do CIRE, mas com igual manutenção dos poderes de fiscalização do Sr. administrador da insolvência, de acordo com o disposto no art. 226.º do CIRE, e que devem até ser reforçados, face à existência de alguns reparos apontados a respeito do cumprimento do dever de colaboração por parte da devedora.
Por outro lado, parece-nos que o plano junto aos autos a 28/12/2020 continua sem merecer a adesão de um grande número de credores, e até do Sr. administrador da insolvência, impondo-se, por um lado, não o admitir (cfr. art. 207.º/1, als b) e d), do CIRE) e, por outro, garantir a concessão de uma nova (e provavelmente última) oportunidade à devedora para tentar realizar tal tarefa com sucesso.
Caso o plano não seja apresentado, será aplicado o disposto no art. 228.º/1, al. e) e 2 do CIRE, com a inevitável liquidação; se o plano for apresentado e admitido, será então designada uma assembleia de apreciação (ou, ao abrigo da adequação processual, de uma outra forma de audição dos credores) para determinar se o plano é ou não aprovado pelos credores (sendo certo que, na negativa, também terá lugar a aplicação do disposto no art. 228.º/1, al. e), e 2 do CIRE).
Pelo exposto,
a) determino o prosseguimento dos autos para futura apresentação de plano de insolvência/recuperação, a cargo da devedora, concedendo-se para o efeito o prazo de 45 dias;
b) declaro a manutenção da administração da massa insolvente pela própria devedora, sob fiscalização do Sr. administrador da insolvência;
c) determino que o Sr. administrador da insolvência deverá comunicar imediatamente e fundamentadamente qualquer circunstância que desaconselhe a subsistência da situação referida em b) ou que implique violação do dever de colaboração, nos termos do art. 226.º/1 do CIRE; e
d) decido não admitir a proposta de plano constante no requerimento junto aos autos a 28/12/2020.
Notifique.
Conclua os autos logo que seja apresentado plano de insolvência/recuperação, ou decorrido o prazo concedido para o efeito.
Caso seja apresentado algum requerimento pelo Sr. administrador da insolvência nos termos do decidido na alínea c), notifique a devedora e os membros da comissão de credores, para eventual pronúncia, em três dias, concluindo os autos logo após o decurso desse prazo.”
Em 23.2.2021 “M..., S.A.” veio apresentar requerimento com o seguinte teor:
“A ora credora é proprietária das viaturas com as matrículas ...-PB-... e ...-OM-....
As referidas viaturas foram objetos de dois contratos de Locação Financeira Mobiliária celebrados com a Insolvente.
Os contratos foram resolvidos por incumprimento, ficando a Insolvente, nos termos contratualmente previstos, obrigada à proceder à devolução dos bens à sua legítima proprietária, a ora credora, tudo melhor explicado na reclamação de créditos apresentada e cuja cópia se junta.
A Insolvente foi notificada, por diversas vezes, via e-mail pelo Sr. Administrador da Insolvência para agendar dia e hora com a ora Credora para que esta proceda ao levantamento das viaturas.
Contudo até à data a Insolvente não contactou a Credora, nem procedeu à devolução dos bens ignorando desta forma as solicitações do Exmo Senhor Administrador da Insolvência.
Face ao exposto, vem a ora Credora requerer a V.Exa se digne notificar a Insolvente para vir aos autos indicar no prazo máximo de 5 dias, data, hora e local para a ora Credora fazer o levantamento das viaturas sua propriedade.”
Em 25.2.2021 a insolvente veio responder a este requerimento pedindo:
a) Que seja reconhecido que não houve qualquer interpelação que tivesse dado origem à resolução contratual por incumprimento;
b) Que seja decretada a suspensão contratual dos contratos de locação imobiliária n.ºs ... e ..., que a devedora e a credora “M..., S.A.” celebraram;
c) Que a credora tenha de apresentar que ações deram entrada antes de 15 de Janeiro de 2021 (ou até mesmo após), e a documentação que diz existir sobre as livranças terem sido avalizadas a título pessoal pelos representantes legais da devedora;
d) Que o Administrador da Insolvência e a credora “M..., S.A.” se abstenham de comunicar com os representantes legais da devedora, no sentido de coagi-los a abdicar de direitos legalmente estipulados, através de diligências alheias quer aos presentes autos, quer ao direito, na esteira do papel judicial que a cada um compete.
Nessa mesma data a insolvente veio requerer também a declaração de nulidade da reserva de propriedade veículo automóvel da Marca Honda, matrícula ...-SS-... a favor do Banco ..., credora nos presentes autos, sempre se apreendendo o referido veículo para o mesmo integrar a massa da insolvência, já que a referida reserva de propriedade, é um direito real de gozo, não constituindo qualquer direito real de garantia.
E em 25.2.2021 a insolvente apresentou ainda requerimento visando a destituição do Sr. Administrador da Insolvência com os seguintes fundamentos:
“1. Em síntese, o requerimento pende por 4 razões de ordem, nomeadamente e a saber:
i) Prática de atos de administração da massa insolvente, apesar de reiteradamente ter sido emanados despachos que determinam que a administração da massa corre pela Devedora, originando quebra do Princípio da Confiança e prejuízo quer para a massa insolvente, quer para os credores reclamantes;
ii) Prática de atos grosseiros de erro no cálculo das votações, da duplicação de créditos reclamados, da confusão das fases processuais em curso, e da ausência da prática de autos e reconhecimento de questões fundamentais, consubstanciando na falta de capacidade técnica para os presentes autos, que originam prejuízo quer para a massa insolvente, quer para os credores reclamantes;
II | Das Funções do Administrador nos Presentes Autos:
1. O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (nº 1 do artigo 1º do CIRE).
2. A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (nº 1 do artigo 46º do CIRE).
3. Ora no presente processo de insolvência o Administrador ficou incumbido da fiscalização da administração da massa da insolvência, já que a administração da mesma ficou na tutela da Devedora, cfr. vários despachos a fls., e a saber:
a) Sentença da Declaração de Insolvência (SIC): ”c) Defiro ao pedido de atribuição da administração da massa insolvente à devedora, sob fiscalização do Sr. administrador da insolvência (…)” (…)
b) Despacho de 13-12-2020, com a refª eletrónica n.º 113892517 (SIC):”Consigna-se igualmente que, enquanto a administração da massa insolvente estiver confiada à insolvente, é com ela que a manutenção ou cessação dos contratos deve ser abordada, apenas intervindo o Sr. administrador da insolvência a título de fiscalização (art. 226.º do CIRE).” (…)
c) Despacho de 04-02-2021, com a referência eletrónica n.º 114699190 (SIC):”b) declaro a manutenção da administração da massa insolvente pela própria devedora, sob fiscalização do Sr. administrador da insolvência;” (…)
4. Pelo que não há nenhuma razão, salvo melhor entendimento, para que o MD AI atuasse como se a administração da massa insolvente lhe tivesse sido atribuída.
5. Ora MD AI atuou dessa forma, permitindo que vários mal-entendidos dessem origem a uma enorme confusão a nível processual, mormente relativamente às credoras M..., S.A (doravante só M...) e Banco ... (doravante Banco…),
A saber,
III | Da Aceitação de Resolução Contratual por Incumprimento Invocada pela Credora M..., sem prova dos factos alegados, e com prova do contrário
6. O MD AI aceitou que havia resolução contratual por incumprimento, feita através da devida interpelação por parte da credora M..., sem nunca ter aferido da prova que demonstrasse cabalmente, que a credora havia intimado a Devedora, para que ocorresse o respectivo cumprimento em 8 dias, advertindo-a das consequências de resolução, no caso do não cumprimento (tal como postulado na cláusula 15.º dos contratos), cfr. exposto pela Devedora em requerimento que antecede e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. Ou seja, aceitando sem oferecimento de prova e, apesar da Devedora ter vindo alegar o contrário, o MD AI, encetou várias diligências, e continua a encetar, através de contactos sucessivos, estipulando prazos, sugerindo a inevitabilidade da solicitação da intervenção da Guarda Nacional Republicana, sugerindo, ainda, a existência de ações judiciais em nome singular, criando o “temor” nos representantes legais da Devedora, para que as mesmas entregassem as carrinhas afetas aos contratos celebrados, à Credora M....
8. E que nunca chegaram quaisquer cartas de interpelação à Devedora conforme atesta pesquisa no site dos CTT, já junto a fls. nos presentes autos.
9. Sabendo o MD AI que não tem a administração da massa insolvente, e de que tais contratos estão suspensos, nos termos do art. 102.º, n.º 1 do CIRE.
IV | Da Decisão de Não Cumprimento do Contrato com a Credora Banco …
10. No caso do Banco… o mesmo assumiu-se com as competências para a 15.10.2020, comunicar por escrito, através de carta, a opção pelo não cumprimento do contrato, como se estivesse a administrar a massa insolvente.
11. Diligência que nunca poderia ter feito!
12. E que tanto a Credora Banco ... como o MD AI, sabem, que a administração da massa insolvente, ficou ao cargo da Devedora.
13. Acresce que em requerimento datado de 14-11-2020, com a referência eletrónica n.º 10792295, a Devedora peticionou desde logo que fosse anulada a reserva da propriedade em nome da Credora …, por ser contrária a uma disposição de natureza imperativa, nomeadamente, o disposto no n.º 1 do art.º 409.º do CC.
14. E que o veículo automóvel da Marca Honda, matrícula ...-SS-..., fosse apreendido para a massa insolvente.
15. O que deveria ter sido efetuado de forma imediata, e aquando da apreensão dos restantes bens, já que a reserva de propriedade, é um direito real de gozo, e não um direito real de garantia.
16. Devendo ser a Credora, a posteriori, e caso se sentisse lesada, quem deveria requerer a separação do bem, da massa insolvente.
17. Ora o supramencionado requerimento, no que a esta matéria concerne, ainda não mereceu pronúncia por este douto Tribunal, facto que se peticionará, em novo requerimento autónomo, que se sucederá ao presente.
V | Atos Grosseiros de Erro no Cálculo das Votações, da Duplicação de Créditos Reclamados, da Confusão das Fases Processuais em Curso, e da Ausência da Prática de Atos e Reconhecimento de questões fundamentais:
18. Ora a Devedora tem quer feito comunicações directamente ao MD AI, quer feito vários requerimentos a este douto Tribunal, no sentido de identificar atos grosseiros de erro no cálculo das votações, da duplicação de créditos reclamados, da confusão das fases processuais em curso, e da ausência da prática de autos e reconhecimento de questões fundamentais.
19. Tudo matéria já do conhecimento deste douto Tribunal, e que por economia processual, serão mencionados só alguns dos acontecimentos mais flagrantes, nomeadamente:
i) Os cálculos das votações do 1.º Plano, foram incorretamente aferidas, cfr. requerimento datado de 25/01/2021, com a referência eletrónica n.º 114560625, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
ii) Inclusive, incluindo as votações do relatório, como sendo votações do Plano;
iii) Não incluiu no relatório os Créditos que pendem a favor da massa da insolvência, não tendo ainda vindo oferecer retificação apesar de já ter sido devidamente solicitado, já que os mesmos constam da contabilidade da Devedora, à qual o MD AI, teve cabal conhecimento;
iv) Confundiu o determinado no douto despacho para decisão ou não de apresentação de um novo Plano, ou da Liquidação, tendo vindo a concluir que houve votação contra e, requerendo a liquidação da devedora;
v) Aliás o MD AI, e salvo o devido respeito, desde o início dos presentes autos, uma ideia pré-concebida de ir de forma imediata para a liquidação.
vi) O que expressa através de quase todos os seus requerimentos aos presentes autos.
vii) E não apreendeu o veículo Marca Onda, matrícula ...-SS-..., apesar de sobre o mesmo só penderem direitos reais de gozo;
20. Ora a Devedora não tem mais como manter a confiança na capacidade técnica do AI, salvo todo e o merecido respeito.
21. Seguindo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/02/2010, in www.dgsi.pt, a justa causa abrange aquele tipo de situações que “tornem objectivamente insustentável a sua manutenção no cargo, mormente por constituírem sinal de quebra irreversível do elo de confiança que a legitima ou por serem susceptíveis de revelar inaptidão ou incompetência para o respectivo desempenho”.
22. E ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08/06/2017 (SIC): “justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta [pessoal ou indirecta] do administrador que pela sua gravidade inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções e terá sempre de ser apreciada casuisticamente, tendo por referência os actos susceptíveis de comprometer a manutenção do vínculo estabelecido entre a Administração da Justiça e o Administrador Judicial.”
23. E assim a justa causa assenta na ideia de inexigibilidade de continuação da relação, por violação de deveres e do princípio da confiança que está subjacente a estas relações, cfr. decorre ainda do acervo jurisprudencial supracitado.
24. Dúvidas não podem existir que a conduta do administrador ao longo de todo o processo, é reveladora, salvo devido respeito, de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo.
25. Acresce que a sua conduta, pela sua gravidade, em especial com a pressão exercida para a entrega dos veículos da credora M..., que foi exercida de forma pessoal e directa às pessoas responsáveis legalmente pela Devedora, justificam a quebra de confiança, inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que o mesmo foi nomeado.
26. Bem como os erros de cálculo, reiterados, que fazem temer que na votação do próximo Plano, voltem a ocorrer, o que não merece censura enquanto juízo de prognose de grande probabilidade de se virem a efetivar.
27. Com graves consequências para a massa da insolvência, para todos os credores reclamantes e para a almejada recuperação da Devedora.
28. O MD AI tinha conhecimento da verdade material, quer no caso da credora M..., quer no caso da credora Banco ..., e ainda assim procurou realizar diligências em desconformidade com o Direito e com a legalidade da prática dos actos e funções que lhe estão confiadas.
29. Tendo actuado assim, salvo o devido respeito, de forma negligente.
30. Ora, reiteramos, esta atuação é contrária ao interesse da massa insolvente e todos os credores reclamantes reconhecidos dos presentes autos.
31. A finalizar, requer-se, a notificação do MD AI, para a sua audição prévia, nos termos do artigo 56º do CIRE.”
Em 27.2.2021 o Sr. Administrador de Insolvência, notificado do requerimento apresentado pela credora “M...”, veio expor o seguinte:
“- Confirma que por diversas vezes solicitou a entrega das viaturas à credora, contudo, até ao momento presente, não obtiveram tais solicitações qualquer desenvolvimento.
Alegou apenas, a insolvente, que estavam em curso negociações com a credora, credora que, no entanto, veio informar não estarem a decorrer quaisquer negociações.”
Em 3.3.2021 foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Pedido de destituição (requerimento de 25/2): Ouça-se o Sr. administrador da insolvência e os membros da comissão de credores, por sete dias, ao abrigo do princípio do contraditório e do disposto no art. 56.º do CIRE.
*
Veio a credora M... requerer a notificação da insolvente para indicar nos autos, no prazo máximo de cinco dias, data, hora e local para concretização da entrega das viaturas de matrícula ...-PB-... e ...-OM-....
A insolvente pugnou pelo indeferimento e pediu, para além de outras diligências, que seja decretada a suspensão contratual dos contratos de locação celebrados com aquela credora.
Pediu também a insolvente seja declarada a nulidade da reserva de propriedade, a favor do Banco ..., SA, referente ao veículo de matrícula ...-SS-..., apreendendo-se a referida viatura para a massa insolvente.
Apreciando e decidindo:
Salvo o devido respeito, o requerimento da credora M... carece de fundamento legal. Acresce que, como foi decidido no despacho de 3/12/2020, enquanto a administração da massa insolvente estiver confiada à insolvente, é com ela que a manutenção ou cessação dos contratos deve ser abordada, apenas intervindo o Sr. administrador da insolvência a título de fiscalização (art. 226.º do CIRE). Daí que a cessação ou a execução do contrato, nos termos do art. 102.º/1 do CIRE, a nosso ver, ou deva ser tratada entre credora e devedora, ou terá de aguardar, se for caso disso, que cesse a administração da massa insolvente pela própria devedora e que o Sr. administrador da insolvência possa legitimamente exercer o direito de opção referido na parte final da referida norma legal.
Em consequência, procede o pedido de declaração da suspensão do contrato.
No mais, no entanto, segundo se crê, os pedidos da insolvente contendem com matéria reservada em exclusivo ao Sr. administrador da insolvência (apreensão de bens: art. 150.º/1 do CIRE) e exorbitam o objecto dos autos principais do processo de insolvência, apenas podendo ser apreciados em acções de separação de bens ou intentadas contra a massa insolvente (arts. 89.º, 141.ºss e 146.ºss do CIRE).
Pelo exposto, declaro a suspensão dos contratos de locação relativos às viaturas de matrícula ...-PB-... e ...-OM-..., até que a devedora ou o Sr. administrador da insolvência, na administração da massa insolvente, faça a declaração a que alude o art. 102.º/1 do CIRE, ainda que mediante a interpelação a que alude o nº2.
No mais, indefiro ao requerido por M... e pela insolvente.
Notifique.
*
Consigno que está em curso o prazo para apresentação de plano de insolvência/recuperação por parte da insolvente e que se mantêm os poderes de fiscalização do Sr. administrador da insolvência, reiterando-se em conformidade o teor dos dois últimos parágrafos do despacho anterior.”
O Sr. Administrador da Insolvência, notificado do pedido de destituição apresentado pela insolvente, em 7.3.2021, respondeu pela seguinte forma:
“1º - É sem qualquer fundamento o pedido de destituição, porquanto o administrador de insolvência nunca praticou qualquer ato em contravenção com as funções de fiscalização que lhe foram concedidas judicialmente;
2º - O único ato praticado e relativo aos bens da insolvente foi o ato de apreensão de bens;
3º - Não tendo sido praticado qualquer ato de liquidação;
4º - Quanto aos bens em regime de locação financeira, limitou-se a comunicar à insolvente a pretensão formulada pelos respetivos credores, nos seus exatos termos, sem ter praticado qualquer remoção de bens;
5º - Até ao momento presente, sempre tem colaborado com a insolvente em tudo para que foi solicitado, incluído o pedido de pagamento de comida para o animal (cavalo) apreendido.
Pelo exposto, não compreende o a. i. a pretensão formulada pela insolvente, pelo que é de parecer que não pode proceder.”
Em 24.3.2021 a insolvente apresentou novo plano de recuperação.
No despacho de 7.4.2021, o Mmº Juiz “a quo” face à proximidade da realização da assembleia de credores, relegou para momento posterior a apreciação do pedido de destituição do Sr. Administrador da Insolvência.
Em 12.5.2021 realizou-se Assembleia de Credores para apreciação do plano de recuperação.
O Mmº Juiz “a quo” em 22.6.2021 proferiu o seguinte despacho:
“Conhecido o voto do Instituto da Segurança Social IP, veio o Sr. administrador da insolvência informar o resultado de não aprovação do plano de recuperação e propor o prosseguimento dos autos para liquidação.
A devedora pugnou pela consideração de votos que, a seu ver, são suficientes para reconhecer a aprovação do plano, requerendo ainda a homologação deste e a desconsideração dos requerimentos para a sua recusa.
Apreciando e decidindo:
A aprovação do plano depende, desde logo, da obtenção de 2/3 de votos favoráveis da totalidade dos votos emitidos (art. 212.º/1 do CIRE).
Tendo em vista a acta da assembleia de apreciação do plano e a relação de credores que, como nessa diligência foi decidido, determina o número de votos a considerar, verifica-se que, face aos credores presentes, votaram no sentido da aprovação do plano: Fazenda Nacional (89.620), DD (49.649), EE (3.647) e FF (3.744), no total de 146.660 votos.
Votaram contra M... (38.484), Banco ... (20.527), Banco 1… SA (40.812), W… (1.500), E... (4.362), GG (3.145), HH (3.561), II (3.336) e Segurança Social (86.842), no total de 202.569 votos desfavoráveis.
Por outro lado, considerando os votos favoráveis dos credores representados por DD (C...: 1.375, X...: 2.000, Y...: 6.007, F...: 12.374, JJ: 1.445, KK: 6.300, LL: 1.925 e MM: 35.895), a aprovação sobe (com os 146.600) a 213.981 votos.
Considerando ainda os votos favoráveis dos credores representados por EE (NN: 1.777, OO: 1.840), mesmo através de procurações indicadas na assembleia mas juntas depois dela (PP: 1.941, BB: 5.108 e QQ: 2.708), a votação favorável é de 227.355, o que corresponde a 52,88% dos votos no sentido da aprovação e está muito longe da maioria qualificada de 2/3 exigida pelo mencionado no art. 212.º/1 do CIRE.
Por outro lado, a pretensão de desconsiderar o voto do Instituto da Segurança Social do quórum de aprovação é destituída de fundamento legal, face ao disposto nos arts. 73.º, 211.º e 212.º do CIRE, e as questões respeitantes à homologação (como seria, devidamente enquadrada, a da posição da Segurança Social) perdem relevância, na justa medida em que o plano não pode considerar-se aprovado (sendo evidente que a aprovação dos credores precede logicamente a homologação do Tribunal, o que resulta ainda, claramente, do disposto no art. 214.º do CIRE).
Impõe-se, pois, na falta de alternativa válida, considerar a proposta do Sr. administrador da insolvência e aplicar o disposto nos arts. 156.º/4, al. b), e 228.º/1, al. e), e 2 do CIRE.
Pelo exposto, declaro não aprovado o plano de insolvência/recuperação apresentado pela insolvente, determino o prosseguimento dos autos para a realização das diligências de apreensão e liquidação, nos termos gerais, e declaro cessada a administração da massa insolvente pela própria devedora, que fica confiada, nos termos gerais, ao Sr. administrador da insolvência, ficando prejudicada a apreciação das questões relativas à homologação do plano.
Notifique.
Publicite e registe nos termos do art. 229.º do CIRE.”
Em 28.6.2021 a insolvente apresentou requerimento em que novamente pugna pela destituição do Sr. Administrador da Insolvência e agora também pelo encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, o qual tem o seguinte teor:
“I - Da Não Apreciada Destituição do Administrador de Insolvência, que ora se requer:
1. Ora certo é que ainda que o douto despacho supramencionado, e com a devida vénia, não tenha contemplado os votos de RR, bem assim, o mesmo com SS - procurações juntas a 11/05/2021, com a referência eletrónica n." 11467359, e reconhecidas na Assembleia de Credores,
2. A verdade é que a contabilização dos mesmos, sempre resultaria ainda, num défice de 8%, para se obter a aprovação do Plano de Recuperação.
3. Tudo contrário às declarações realizadas pelo MD AI, na Assembleia de Credores.
4. Ora é também verdade que este douto Tribunal deferiu para momento posterior a apreciação conforme despacho de 07/04/2021, com a referência eletrónica nº l15519635, do pedido de destituição do MD AI, o que urge ser agora o momento, em face de todos, e com o devido e merecido respeito, desacertados procedimentos, e estranhos ao direito, que o mesmo tem vindo a encetar no âmbito dos presentes autos e seus apensos.
5. Pelo que se requer a este douto Tribunal que aprecie agora a almejada destituição do MD AI.
6. E que para tal apreciação se tenha ainda em consideração, além dos demais fundamentos já invocados (requerimento de 25/02/2021 com a referência eletrónica nº 11186728, e ainda o requerimento da Sra. Presidente da Assembleia de Credores, de 09/03/2021 com a referência eletrónica nº 11222608) os últimos ocorridos:
- quer na Assembleia de Credores, com ausência de informação e documentação, bem como informação incorreta dada quer ao douto Tribunal, quer aos credores presentes, sobre votos e procurações patentes no processo;
- quer quanto ao recente envio massivo de cartas aos credores, informando-os que poderiam recorrer a este douto Tribunal, reclamando os seus créditos (quando há muito, no apenso de Reclamação de Créditos, se findou essa possibilidade;
- e ainda, quer quanto à solicitação que fez junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, para apensar a estes autos, autos de natureza administrativa, matéria que já tinha sido apreciada por este Tribunal em despacho e, ainda assim o MD AI, atuou de forma contrária.
7. Facto que originou, salvo o devido respeito, o também descontextualizado e descartado requerimento da credora E..., de 17/06/2021, com a referência eletrónica nº11638112, o que ora se impugna in totum, por extemporaneidade e inadequação - já que existe o apenso de reclamação de créditos e, é nesse, que todas estas questões devem ser suscitadas.
8. Demonstrando, salvo o devido respeito, e em face da complexidade do presente processo, que o MD AI, não detém, os conhecimentos técnicos devidos e necessários, para o exercício da função de Administrador.
9. Pelo que se requer a destituição urgente do Mui Digno Sr. Administrador da Insolvência, sob pena do mesmo continuar a onerar este processo, os credores e a devedora.
10. Tudo isto, o que se concebe, mas não se concede, caso, e que só remotamente consideramos, em face do que infra iremos cabalmente demostrar, não seja interrompida a liquidação - nos termos do nº 4 do art. 232.° do CIRE.
II – Da Interrupção da Liquidação
a) Das Dívidas da Massa Insolvente:
11. Ocorre que em face dos impasses criados pelo MD AI (já reclamados e sobejamente conhecidos por este douto Tribunal), a Insolvente só conseguiu dar início ao processo de despedimento coletivo (requerido a este douto Tribunal e ao MD AI), largos meses após o decretamento da insolvência, e apesar da normatividade de mitigação da pandemia indiciar que não se iriam realizar eventos, o que permitia desonerar a carga com recursos humanos.
12. O que acabou por onerar brutalmente a massa insolvente, com dívidas de remunerações aos trabalhadores, à Autoridade Tributária e à Segurança Social.
13. Ao que acresce a dívida com o contabilista, e os honorários com advogados.
14. E ainda custos com a eletricidade da sede, local onde se encontram em depósito, os bens apreendidos.
15. Tudo despesas decorrentes de actos de gestão corrente ou ordinária.
16. Que totalizam um valor de €49.615,32 (quarenta e nove mil, seiscentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos) cfr. doc. 1 - Tabela nº 1, doc. 2 ¬Remunerações, doc. 3 e doc. 4.
17. Um valor, frisamos, de €49.615,32.
18. E a estes valores se exorta o MD AI, a vir juntar os valores em dívida da massa insolvente, à presente data, resultantes da atuação do administrador de insolvência no exercício das suas funções, os honorários do Dr. TT (mandatário em sede administrativa e outras) e ainda, as que se prevê, para os atos de administração, liquidação e partilha.
b) Do auto de apreensão – Valor dos bens a liquidar
19. Ora o valor constante do inventário do Auto de Apreensão, no apenso 2708/20.5T8AVR-B, totaliza a tímida verba de €31.800.00 (trinta e um mil e oitocentos euros).
20. Cumpre, assim, em abono da verdade, determo-nos sobre as presentes verbas apreendidas.
21. Desde logo para não esquecer que existem bens que não conseguem ser vendidos seja por que valor for, pelo que para corroborar tal afirmação, basta visitar o site de vendas eletrónicas www.e-leiloes.pt.
22. E ainda a corroborar, também, as regras da experiência que permitem quer ao douto Tribunal, quer ao MD AI saber que as verbas nº 1 a nº 8, no valor de €4 200 euros serão de venda muito difícil, desde logo por que a par com a mobília - mais moderna e a preços acessíveis no I..., constando 240 verbas similares no www.e-leiloes.pt, a mesma se encontra em mau estado, empolada pela humidade.
23. Acresce que a verba 6 e a verba 7, com maior valor (€2.000,00) são, nomeadamente um motor para palco de rua e uma estrutura para luzes de eventos de rua - os tais impossibilitados pela pandemia.
24. Pelo que na visão ponderada e sensata de um homem médio, não é razoável que se consiga a venda de tais verbas, muito menos num espaço de um ano – acrescido dos custos para as conseguir vender, que superará em muito a sua retoma.
25. A verba nº 9 - o cavalo Visconde foi dado, em face da magreza por estar a passar fome - acervo fotográfico que está na posse do MD AI.
26. Os veículos de transporte de cavalos, verbas nº 10 e 14, estão em péssimo estado:
i) Sendo que a verba nº 10 - reboque, tem os interiores e piso a necessitar de ser substituído - diríamos que precisa de uma grande intervenção que rondará o valor de um reboque novo;
ii) E a verba nº 14, um camião de transporte de 5 cavalos, não tem quase parte nenhuma da mecânica a funcionar - motor, caixa de velocidades, travões, pneus, sistema hidráulico, elétrico, etc., e foi por isso que o MD AI atribui o valor de €1500 euros!!!! - Ou seja está bom para a sucata.
27. Os veículos constantes das verbas nº 11, nº 12, nº 13, nº 15, nº 16, nº 17 e nº 18, em abono da verdade se dirá que só o veículo da verba nº 13, e mal "acendendo luzes por todo o lado" - os restantes veículos em face de um uso fora do anormal, todos com muitos kms e sem caixa de velocidades, travões, e com problemas nos motores e afins.
28. Tudo que perito a nomear por este douto Tribunal, pode aferir e avaliar.
29. Sendo, pois, necessário o relatório de perito, que ateste o reduzido valor dos bens em causa e a clara demonstração de que o valor dos bens, por vezes de muito difícil venda, é manifestamente reduzido.
III Da Insuficiência de Bens da Massa Insolvente – artº 232º nº 1 do CIRE
30. Para determinar a insuficiência da massa será relevante não tanto o valor de inventário, ou o do auto de arrolamento, mas sim aquele pelo qual os bens poderão conseguir ser vendidos, já que é o produto da venda que será apto a satisfazer ou não as custas e as dívidas da massa.
31. Como vimos as dívidas da massa insolvente são já muito superiores ao valor dado pelo MD AI aos bens, no auto de apreensão dos mesmos.
32. Faltando ainda que o MD AI venha dizer de sua justiça as restantes dívidas da massa e as que se prevê ainda, em face da liquidação.
33. Pelo que cremos que existe além de uma já demonstrada impossibilidade de pagar as dívidas da massa insolvente até à presente data, ainda, uma impossibilidade prática de concluir a liquidação,
34. O que não foi de todo a intenção do legislador, cfr. as finalidades do processo art. 1º do CIRE.
35. E assim requeremos que aqueles bens não sejam liquidados, não pela sua insusceptibilidade para satisfazer dívidas da massa insolvente, mas por impossibilidade prática de se encontrar um comprador e/ou pelo facto de as despesas da venda serem superiores aos potenciais proveitos da massa.
Vejamos, ainda e assim,
36. Ora, no art. 230º, nº 1, al. d), do CIRE, respeitante ao encerramento do processo, estipula-se que o processo se encerra quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer, as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
37. O que sucede in casu, apesar do mesmo ainda não se ter pronunciado, o que com todo o devido respeito, já o devia ter feito.
38. Vindo ainda o artigo 232º, nº 1, do CIRE, prever o conhecimento oficioso da insuficiência pelo Meritíssimo Juiz de Direito.
39. O que se requer.
40. Por sua vez, no art. 234º, nº 4, desse mesmo diploma, preceitua-se que “No caso de encerramento por insuficiência da massa insolvente, a liquidação da sociedade prossegue nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, devendo o juiz comunicar o encerramento e o património da sociedade ao serviço de registo competente.”
41. O que se requer.
42. Ou seja, requer-se o encerramento por insuficiência da massa insolvente.
43. E a liquidação da insolvente nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, devendo o juiz comunicar o encerramento e o património da associação, ao serviço de registo competente.
44. Ou seja, após o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, a liquidação da sociedade insolvente prosseguirá através do procedimento administrativo de dissolução e liquidação de entidades comerciais previsto no Dec. Lei n° 76-A/2006, de 29.3 [RJP ADLEC] - versão atualizada pelo DL nº 250/2012, de 23/11.
45. Tudo para que não se fique um par de anos a aguardar pelo encerramento, acumulando dividas à massa, onerando os credores com honorários com advogados e os trabalhadores com uma situação indefinida, sem poderem recorrer ao Fundo de Garantia Salarial em face das remunerações que lhes são devidas pela massa.
46. Ou seja, decidindo-se pela liquidação, a mesma é contrária aos fins do processo, patentes no art.1º do CIRE.
Pelo que nestes termos e nos demais de Direito, doutamente supridos por V. Exa. se requer:
1) A destituição do MD Administrador de Insolvência;
2) Que encerre o processo de insolvência, por insuficiência da massa, nos termos do disposto nos artigos 230º, nº 1 al. d), 232º nº 1 e 2 e 234º nº 4 do CIRE.
(…)”
O Sr. Administrador da Insolvência, notificado deste requerimento, em 5.7.2021, ofereceu a seguinte resposta:
“1º - As razões deduzidas pela insolvente para requerer a destituição do a. i. são sem qualquer fundamento, na medida em que o a. i. não cometeu qualquer ilegalidade, incorreu em qualquer falta deontológica, ou merecedora de censura;
2º - Não foi o a. i. que requereu em Juízo a apresentação de Planos de Insolvência com pedidos expressos da administração pela devedora, mas sim a insolvente, administração pela devedora que o Tribunal sempre concedeu;
3º - Pelo que, não pode o a. i. ser responsabilizado pelo agravamento do passivo, já que, sendo a devedora responsável pela gestão do estabelecimento, é sobre a devedora que recai a responsabilidade pelo não pagamento das dívidas geradas após a declaração de insolvência, pois a esta caberia reconhecer que não tinha capacidade financeira para permanecer no mercado, requerendo, portanto, a suspensão da administração, evitando, assim, o agravamento do passivo de sua responsabilidade;
4º - Mas a verdade é que nunca o requereu, o que determinou o constante agravamento do passivo;
5º - Nem poderia o a. i. promover qualquer ato de liquidação, constante dos Planos de Insolvência, pois nunca os mesmos foram aprovados;
Pelo exposto, o a. i. é de parecer que não pode proceder o requerido pela insolvente, (…)
Em 14.7.2021 o Mmº Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho:
“Notifique os membros da comissão de credores para, em dez dias, emitirem parecer ou pronúncia sobre o pedido de destituição formulado contra o Sr. administrador da insolvência, atentos os fundamentos adicionais agora invocados pela devedora (art. 56.º/2 do CIRE).
*
Notifique o Sr. administrador da insolvência para, no mesmo prazo, tomar posição sobre o pedido de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente e sobre as dívidas da massa insolvente alegadas pela devedora (cfr. art. 232.º do CIRE).”
Em 26.7.2021 o Sr. Administrador da Insolvência apresentou o seguinte parecer:
“1º - O a. i. não tem conhecimento efetivo das alegadas dívidas da Massa Insolvente, pois até ao momento presente não foi notificado por qualquer credor com pedido de pagamento;
2º - O a. i. é de parecer que, mesmo confirmando-se que as dívidas da Massa Insolvente sejam superiores aos valores do Ativo, deverá prosseguir a liquidação, pois permitirá a arrecadação de valores da ordem dos 31.000,00€ para afetação às custas do processo e às alegadas dívidas da Massa.”
Nesse mesmo dia – 26.7.2021 – DD tomou posição no sentido da destituição do Sr. Administrador da Insolvência.
Em 28.7.2021 “M..., S.A.”, credora e Presidente da Comissão de Credores, veio expor o seguinte:
“1.º Carece de fundamento o alegado pela Insolvente para justificar o pedido de destituição do Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, pedido esse ao qual a ora Credora se opõe.
2.º Com efeito, não foram praticados pelo Senhor Administrador de Insolvência quaisquer atos de administração que tenham extravasado os poderes que lhe foram confiados, nem tão pouco praticados atos grosseiros conforme alega a Insolvente no seu requerimento de 25 de fevereiro de 2021.
3.º Bem sabe a Insolvente que a administração da massa insolvente lhe foi conferida sob a fiscalização do Senhor Administrador de Insolvência.
4.º Efetivamente e no que à aqui Credora concerne, o Senhor Administrador de Insolvência não procedeu de forma a extravasar os poderes de fiscalização que lhe foram conferidos, na medida em que não tendo a Insolvente impugnado a lista de credores quanto ao crédito reclamado pela ora Credora, o Senhor Administrador de Insolvência diligenciou pela entrega dos bens à sua legítima proprietária, a ora Credora.
5.º Aliás, a oposição da Insolvente à resolução do contrato operada pela Credora teria que ter sido efetuada através da impugnação à lista de credores apresentada pelo Senhor Administrador de Insolvência, o que como se referido não aconteceu.
6.º Esclareça-se que as diligências efetuadas pelo Senhor Administrador de Insolvência junto da Credora no sentido de proceder à restituição dos bens sua propriedade foram todas anteriores ao despacho de 3 de março de 2021.
7.º Pelo que se conclui que no caso que diz respeito à aqui Credora o Senhor Administrador de Insolvência agiu de acordo com os poderes que lhe foram conferidos.
8.º Quanto à questão suscitada pela Insolvente acerca dos cálculos da votação do plano, a mesma não tem qualquer fundamento, porquanto e como decorre da Sentença de não homologação do plano, efetivamente os votos favoráveis à homologação do mesmo não foram suficientes para o levar à sua aprovação.
9.º Em face do exposto, deverá o pedido de destituição do Senhor Administrador de Insolvência improceder por falta de fundamento legal.”
Também em 28.7.2021 EE tomou posição no sentido da destituição do Sr. Administrador da Insolvência.
Em 3.8.2021 o credor Instituto de Segurança Social veio comunicar a sua discordância relativamente ao pedido de destituição do Sr. Administrador da Insolvência por não estarem demonstrados factos que permitam concluir pela existência de justa causa de destituição.
Em 5.8.2021 o Sr. Administrador da Insolvência veio complementar o seu antecedente parecer de 26.7.2021 pela seguinte forma:
“(…)
- Para além do valor de venda do Ativo apreendido nos presentes autos, encontram-se a decorrer no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro os seguintes processos, nos quais a insolvente é autora:
- Processo Nº 1166/18.9BEAVR-A, no qual é peticionada a quantia de 75.141,32€, o qual se encontra em fase de recurso;
- Processo Nº 1044/15.3BEAVR, no qual é peticionada a quantia de 397.100,00€.
Pelo exposto, reforça o parecer de que não deve o processo ser encerrado por insuficiência de bens.”
Depois, em 8.9.2021 foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Veio a insolvente requerer a destituição do Sr. administrador da insolvência, por requerimento de 25/2/2021, o que reiterou no requerimento de 28/6.
Para o efeito e em síntese, invocou: a) prática de actos de administração da massa insolvente (aceitação da resolução contratual requerida por uma credora, relativo a um veículo automóvel, e decisão de não cumprimento do contrato referente a outro veículo), apesar de reiteradamente advertido de que a administração da massa insolvente havia sido atribuída à devedora; b) prática de erros grosseiros no cálculo das votações (primeiro a respeito da apreciação do relatório e depois na assembleia de credores de votação do plano), c) omissão de apreensão de um veículo, e d) o pedido de apensação junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de um processo cuja apensação havia sido já recusada no processo de insolvência (por este Tribunal).
O Sr. administrador da insolvência pugnou pela improcedência do requerido.
Ouvidos os membros da comissão de credores, pronunciaram-se M... SA e Instituto da Segurança Social, no sentido da ausência de fundamento bastante para a requerida destituição.
Foram emitidas duas outras pronúncias sobre a questão, as quais, porém, não provindo de membros da comissão de credores, não serão consideradas.
Os autos evidenciam, realmente, que o Sr. administrador incorreu em erros relevantes, quer na prática dos apontados actos de administração da massa insolvente, quando esta não lhe estava ainda confiada, quer no cálculo das votações a respeito da decisão dos credores quanto à finalidade dos autos e apreciação do relatório e a respeito da votação do plano, na assembleia de credores realizada de forma presencial.
Todavia, como bem refere a insolvente, a destituição pressupõe a existência de uma conduta de gravidade muito significativa e que torne objectivamente insustentável a manutenção de funções, por quebra irreversível de confiança (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/2/2010, disponível na base de dados do IGFEJ).
Ora, segundo pensamos, os erros cometidos pelo Sr. administrador da insolvência não assumiram gravidade suficiente para que possam determinar a quebra irreversível de confiança no desempenho do cargo.
É certo que os erros cometidos ocorreram com alguma frequência e isso poderá suscitar a questão, que envolve a elaboração de um juízo de prognose, de saber se podem fundar a criação de justo receio de que tais erros poderão persistir e repetir-se, com nefastas consequências para o processo, ou constituem erros episódicos que não fazem adivinhar a repetição.
Tudo ponderado, crê-se que não existem elementos para concluir pela primeira opção, sobretudo tendo em conta a mudança da finalidade do processo, que começou por visar a recuperação da devedora e a possível aprovação de um plano para o efeito, e que agora segue apenas para liquidação.
Ora, a maior simplicidade do procedimento de liquidação e a sua acentuada diferença para a fase anterior, na qual ocorreram os apontados erros, justificam que se considere não existir o referido fundado receio de repetição de prática de actos gravosos para o processo ou em contravenção com a lei aplicável.
Pelo exposto, decido indeferir o pedido de destituição.
Custas do incidente pela insolvente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
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Considerando que a proposta de encerramento por insuficiência da massa insolvente não foi acolhida pelo Sr. administrador da insolvência, que estão elencados bens e direitos susceptíveis de apreensão com valor relevante e o disposto no art. 232.º do CIRE, os autos prosseguem para liquidação, indeferindo-se ao requerido pela insolvente a esse respeito.”
Inconformada, a insolvente interpôs recurso desta decisão tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho do Tribunal Judicial de Aveiro – Juízo de Comércio – J2, que julgou:
iii) Improcedente o pedido de destituição do MD AI, e em consequência, decidiu (sic): “Ora, a maior simplicidade do procedimento de liquidação e a sua acentuada diferença para a fase anterior, na qual ocorreram os apontados erros, justificam que se considere não existir o referido fundado receio de repetição de prática de actos gravosos para o processo ou em contravenção com a lei aplicável.
Pelo exposto, decido indeferir o pedido de destituição.”
iv) Improcedente o pedido de liquidação administrativa, por insuficiente de bens e, em consequência decidiu (sic): “Considerando que a proposta de encerramento por insuficiência da massa insolvente não foi acolhida pelo Sr. administrador da insolvência, que estão elencados bens e direitos susceptíveis de apreensão com valor relevante e o disposto no art. 232.º do CIRE, os autos prosseguem para liquidação, indeferindo-se ao requerido pela insolvente a esse respeito”
Ora tais decisões surgem, salvo todo e o devido respeito, por manifesto erro de julgamento, de facto e de direito e, ainda por clara contradição entre a matéria de facto que foi dada como provada, e a respectiva fundamentação.
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II | Do Pedido de Destituição do MD AI – Contradição entre a matéria de facto que foi dada como provada, e a respectiva fundamentação.
1. O douto Tribunal a quo, deu como provado (sic) “que o Sr. Administrador incorreu em erros relevantes, quer na prática dos apontados actos de administração da massa insolvente, quando esta não lhe estava ainda confiada, quer no cálculo das votações a respeito da decisão dos credores quanto à finalidade dos autos e apreciação do relatório e a respeito da votação do plano, na assembleia de credores realizada de forma presencial.” (…)
2. Tendo, no entanto, considerado, em flagrante contradição com o supra exposto, que (sic): “(…) os erros cometidos pelo Sr. administrador da insolvência não assumiram gravidade suficiente para que possam determinar a quebra irreversível de confiança no desempenho do cargo. É certo que os erros cometidos ocorreram com alguma frequência e isso poderá suscitar a questão, que envolve a elaboração de um juízo de prognose, de saber se podem fundar a criação de justo receio de que tais erros poderão persistir e repetir-se, com nefastas consequências para o processo, ou constituem erros episódicos que não fazem adivinhar a repetição” (…)
3. Ora a reiterada ocorrência de erros graves (e o caos que ocorreu na própria Assembleia de Credores, em face da falta e erro sobre dados e informações do processo) só pode, através do bonus pater famílias, fazer antever que os erros poderão persistir e repetir-se.
4. Ora esta contradição levou a erro de julgamento de facto e de direito, desde logo, e também, a erro sobre o conceito de justa causa de destituição previsto na lei, já que os factos dados como provados pelo douto Tribunal a quo, são o bastante, quer em número, quer em relevância, quer em reincidência, para justificar a quebra de confiança.
III | Do Pedido de Destituição do MD AI – Erro de direito sobre o conceito de Justa Causa de Destituição
1. Ora a supra exposta contradição entre a matéria de facto que foi dada como provada pelo douto Tribunal a quo, e a respectiva fundamentação, levou a que houvesse uma errada apreciação da justa causa de destituição – erro de direito – violação do n.º 1 do art.º 59.º e do n.º 1 do art.º 56.º, ambos do CIRE.
2. O conceito de justa causa legitimadora da destituição do Administrador de Insolvência, num processo de insolvência preenche-se e concretiza-se segundo os seguintes requisitos:
a) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo – o que foi dado por provado pelo douto Tribunal a quo, conforme supra exposto;
b) ou com a conduta traduzida na “inobservância culposa” dos seus deveres, “apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado” (art. 59, nº1 do CIRE) – que também foi dado por provado pelo Tribunal a quo, conforme supra exposto;
c) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado” – a ora recorrente e a Presidente da Assembleia de Credores, e o representante da Comissão de Trabalhadores, manifestaram essa quebra de confiança, aliás MAIS do que plausível, em face de todos os graves “atropelos” processuais, protagonizados pelo MD AI;
3. Ou seja, constitui justa causa de destituição, a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo e por inobservância culposa dos seus deveres, apreciada de acordo com um juízo que um Administrador de Insolvência medianamente diligente e criterioso efetuaria, as situações invocadas pela ora recorrente e dadas como aceites pelo douto Tribunal a quo.
4. Pelo que andou mal o douto Tribunal a quo ao decidir como decidiu, já que tal decisão, salvo todo e o devido respeito, releva para que as classes de Administradores de Insolvência passem a ter a sua conduta pautada por critérios de diligência muito assaz [sic] da realidade que a profissão, seriedade e responsabilidade do cargo obriga.
5. Ora tal contradição levou à manifesta violação art.º 6.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “cumpre ao Juiz (…) dirigir activamente o processo (…) promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção (…) de forma a garantir a justa composição do litígio em prazo razoável” ex vi art.º 17.º do CIRE.
6. E ainda violação do n.º 1 do art.º 56.º do CIRE, já que o (sic) “conceito de “justa causa” a que alude o nº 1 do art. 56º do CIRE integra toda a conduta do Administrador de Insolvência susceptível de pôr em causa a relação de confiança com o juiz titular do processo e com os credores, dificultando ou inviabilizando o objectivo ou finalidade do processo, enunciado no art. 1º do referido diploma legal.”
7. Perda de confiança que foi através de requerimento manifestada quer pela Presidente da Assembleia de Credores, quer pelo representante da Comissão de Trabalhadores, que o douto Tribunal e uma vez mais, por erro não corrigido no processo pelo MD Administrador de Insolvência, pugnou, no despacho em crise, como sendo (sic): “Foram emitidas duas outras pronúncias sobre a questão, as quais, porém, não provindo de membros da comissão de credores, não serão consideradas”
IV | Do Pedido de Destituição do MD AI – Erro de facto
1. Ora em erro manifesto de julgamento sobre os factos, o douto Tribunal a quo ignorou a pronúncia da Presidente da Assembleia de Credores, quer pelo representante da Comissão de Trabalhadores – respectivamente, o requerimento 26/07/2021, com a referências eletrónicas n.º11791155, e requerimento de 28/07/2021 com a referência eletrónica n.º 11800061.
2. Nessas confusões reiteradas do MD AI, e conluios denunciados, com exercício de pressões pouco deontológicas sobre a ora recorrente, em “parceria” com a credora M... (veja-se a este respeito o requerimento de 25/02/2021 com a referência eletrónica n.º 11186728) foi o douto Tribunal induzido em erro,
3. Em face de mais um, dos muitos erros, reiterados, do MD AI, o mesmo instituiu como Presidente da Assembleia de Credores, a credora M..., violando o n.º 1 do art.º 66.º do CIRE.
4. E assim através do requerimento de 08/03/2021 com a referência eletrónica n.º 11217874, DD, reivindicou o cargo de Presidente da Assembleia de Credores, nos termos do n.º 1 do art.º 66.º do CIRE, i. e. enquanto a maior credora do processo.
5. Ou seja, por esta ser, nos termos da lista dos créditos reconhecidos, a maior credora da ora recorrente, facto logo não reconhecido pelo MD AI., em virtude de erro propalado pelo mesmo, que não transitou correctamente os créditos do Processo Especial de Revitalização, tornando assim a credora M..., a maior credora, e por isso elegível a presidente da comissão.
6. Em decorrência, e tendo tomado conhecimento do pedido de destituição do MD AI, a credora e Presidente da Assembleia de Credores, DD, em face de todo o prejuízo decorrente do erro MD AI, que a impediu inicialmente de acompanhar o processo, a mesma requereu, ainda, a ....
7. Desde essa data a credora DD, sempre se dirigiu ao douto Tribunal nesta qualidade, inclusive na Assembleia de Credores, onde representou vários credores por procuração, sem que tivesse qualquer oposição ou reparo, quer da própria Assembleia de Credores, quer o MD AI, quer o douto Tribunal, quer ainda da própria credora M... que NUNCA exerceu tal cargo, tendo-o exercido a credora DD, estabelecendo contactos com os restantes credores, preconizando contactos via email e telefone com o MD AI.
8. No que concerne ao representante da Comissão de Trabalhadores foi nomeado BB, tendo mesmo a 26/04/2021, através de requerimento com a referência eletrónica n.º 11394483, renunciado ao cargo, (sic) “(…) solicitando a nomeação de EE, o qual poderá estar presente na Assembleia de Credores de 12 de Maio de 2021 e, manifestou a aceitação, sem reservas, de assumir tal cargo.”
9. A 11/05/2021 com a referência eletrónica n.º 11470052, EE, veio informar o Tribunal que (sic) “aceita a nomeação para o cargo de representante da Comissão de Trabalhadores, uma vez que o mesmo foi renunciado, por motivos pessoais e profissionais, por BB.” (…)
10. E a partir daí sempre se apresentou ao Tribunal nesta qualidade, inclusive na Assembleia de Credores, tendo exercido o seu cargo, inclusive como procurador dos restantes trabalhadores, sem que ninguém lhe exercesse oposição.
11. Pelo que andou mal o Tribunal a quo ou não apreciar os pedidos de destituição do MD AI, efetivados pela Presidente da Assembleia de Credores e do representante da Comissão de Trabalhadores, os mesmos que diligentemente, quer junto dos restantes credores, quer junto do douto Tribunal a quo, sempre exerceram diligentemente os seus cargos.
12. Mais uma vez, fruto também dos erros constantes e das omissões do MD AI, que não cumpriu com zelo e negligência, as funções que tinha junto do processo sub judice, levando a que o douto Tribunal a quo violasse o disposto no art.º 56.º do CIRE.
13. Ora dúvidas não podem restar que andou mal o douto Tribunal a quo, por erro manifesto de julgamento quer de facto, quer de direito, pelo que sempre deveria ter sido o MD AI destituído das suas funções nos termos e para os efeitos do art.º 56.º do CIRE.
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V | Sobre o Pedido de Liquidação Administrativa por Insuficiência da Massa – Erro de Direito
1. Ora a douta decisão do Tribunal a quo, com todo e o devido respeito, violou o art.º 230º, n.º 1, alínea d) do CIRE.
2. Ao decidir como decidiu, o douto Tribunal a quo ocorreu erro manifesto de direito, por interpretar erradamente o preceito supramencionado, no sentido de que seria necessário: a) o acolhimento da proposta de encerramento por insuficiência da massa insolvente, por parte do MD AI; b) e ainda, que seria suficiente os bens e direitos elencados serem de valor relevante, para se poder considerar que não existe insuficiência da massa insolvente e, por isso, não pode haver encerramento do processo.
3. No entanto o que dita o art.º 230.º, n.º 1, alínea d) do CIRE é que o processo se encerra quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer, as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
4. Ou seja, cumulativamente, “as custas do processo” e as “restantes dívidas da massa insolvente”.
5. Pelo que a interpretação correta do supracitado preceito normativo é que não existindo bens que possam satisfazer, quer as custas do processo, quer as restantes dívidas da massa insolvente - isto é, ambas - a massa é considerada insuficiente, levando ao encerramento do processo.
6. Vindo ainda o artigo 232.º, n.º 1, do CIRE, prever o conhecimento oficioso da insuficiência pelo Meritíssimo Juiz de Direito.
7. Por sua vez, no art. 234.º, n.º 4, do CIRE, preceitua-se que ‘n[N] No caso de encerramento por insuficiência da massa insolvente, a liquidação da sociedade prossegue nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, devendo o juiz comunicar o encerramento e o património da sociedade ao serviço de registo competente.
8. Ora o douto despacho violou os supracitados normativos e concomitantemente, violou os fins do processo de insolvência, explanados no art.º 1.º do CIRE, já que o processo de insolvência tem como única finalidade, a satisfação dos credores.
9. Sabendo há muito, quer o douto Tribunal a quo, quer o MD AI, que tais finalidades não poderão ser prosseguidas, em virtude de insuficiência da massa, já que a mesma, nem consegue satisfazer por metade, quer as custas do processo, quer as restantes dívidas da massa insolvente.
10. Sendo que a prolação deste processo, só tem vindo, mensalmente, a fazer a crescer as dívidas da massa, com a total, salvo o devido respeito, desconsideração do MD AI, face às suas responsabilidades, nomeadamente as estipuladas no n.º 2 do art.º 59.º do CIRE, já que o mesmo chegou a negar, através de requerimento datado 26/07/2021, com a referência eletrónica n.º 11793631, o conhecimento da dimensão das dívidas da massa, que em face da sua inoperância cresciam mensalmente.
11. O que não era verdade, já que a atual única trabalhadora da insolvente sempre comunicou as dívidas crescentes da massa ao MD AI, sem que obtivesse resposta do mesmo, como se comprova por requerimento da mesma, ao douto Tribunal a quo, a fim de fazer prova disso, datado de 11/08/2021, com a referência eletrónica n.º 11844579.
12. Ora andou mal o douto Tribunal a quo ao não decretar o encerramento do processo, por insuficiência da massa para satisfazer, quer as custas do processo, quer as restantes dívidas da massa insolvente, violando o preceituado nos art.ºs 230.º, n.º 1, alínea d), artigo 232.º, n.º 1, art. 234.º, n.º 4, art.º 59.º, n.º2, todos do CIRE.
Pretende assim que seja revogado o despacho recorrido e que, em sua substituição, se determine: a) a destituição do Administrador de Insolvência, nos termos e para os efeitos do art.º 56.º do CIRE; b) o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, nos termos e para os efeitos do art.º 230.º, n.º 1, alínea d) do CIRE.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Em 29.11.2021 o recurso foi admitido como apelação com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.[1]
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
IDestituição do Administrador da Insolvência;
IIEncerramento do processo por insuficiência da massa insolvente.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.[2]
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Passemos à apreciação jurídica.
I – Destituição do Administrador da Insolvência
1. A insolvente insurge-se contra a decisão recorrida pretendendo, em primeiro lugar, que o Sr. Administrador da Insolvência seja destituído deste cargo nos termos e para os efeitos do art. 56º do CIRE.
Sucede que essa destituição foi recusada pelo Mmº Juiz “a quo” que principiou por escrever o seguinte: “Os autos evidenciam, realmente, que o Sr. administrador incorreu em erros relevantes, quer na prática dos apontados actos de administração da massa insolvente, quando esta não lhe estava ainda confiada, quer no cálculo das votações a respeito da decisão dos credores quanto à finalidade dos autos e apreciação do relatório e a respeito da votação do plano, na assembleia de credores realizada de forma presencial.”
Mas depois a seguir adiantou:
“…os erros cometidos pelo Sr. administrador da insolvência não assumiram gravidade suficiente para que possam determinar a quebra irreversível de confiança no desempenho do cargo.
É certo que os erros cometidos ocorreram com alguma frequência e isso poderá suscitar a questão, que envolve a elaboração de um juízo de prognose, de saber se podem fundar a criação de justo receio de que tais erros poderão persistir e repetir-se, com nefastas consequências para o processo, ou constituem erros episódicos que não fazem adivinhar a repetição.
Tudo ponderado, crê-se que não existem elementos para concluir pela primeira opção, sobretudo tendo em conta a mudança da finalidade do processo, que começou por visar a recuperação da devedora e a possível aprovação de um plano para o efeito, e que agora segue apenas para liquidação.
Ora, a maior simplicidade do procedimento de liquidação e a sua acentuada diferença para a fase anterior, na qual ocorreram os apontados erros, justificam que se considere não existir o referido fundado receio de repetição de prática de actos gravosos para o processo ou em contravenção com a lei aplicável.”
Em suma, o Mmº Juiz “a quo” terá entendido, apesar de não ter feito referência a essa norma legal, não estar verificado o condicionalismo previsto no art. 56º do CIRE, ou seja, considerou não existir justa causa que determinasse a destituição do Sr. Administrador da Insolvência.[3]
2. Dispõe este artigo, no seu nº 1, que «o juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substitui-lo por outro se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa
Acontece que a lei insolvencial não define o que seja justa causa nem tão-pouco apresenta critérios orientadores para o seu preenchimento[4], embora nela se refiram dois casos expressos de justa causa de destituição do administrador. O primeiro é a aquisição, direta ou através de interposta pessoa, de bens ou direitos compreendidos na massa insolvente, qualquer que seja a modalidade da venda, uma vez que aqui se desenha um manifesto conflito entre o interesse próprio do administrador e o interesse dos credores, que lhe cabe assegurar (art. 186º, nº 2 do CIRE). O segundo é o caso de o processo de insolvência não estar encerrado no prazo de um ano após a data da assembleia de apreciação do relatório, ou no final de cada período subsequente de seis meses, salvo havendo razões que justifiquem o prolongamento (art. 169º do CIRE).
A noção de justa causa, pela indeterminação que a caracteriza, fica sujeita à controvérsia que sempre envolve os conceitos abertos e onde, naturalmente, para o seu preenchimento desempenha importante papel o labor doutrinário e jurisprudencial.
Com efeito, a inexistência de uma definição de justa causa permite uma melhor adequação ao caso concreto e às particularidades que este reveste, conferindo uma maior liberdade de decisão ao juiz, mas simultaneamente gera também alguma incerteza jurídica decorrente da diversidade das possíveis interpretações jurisprudenciais.
No plano doutrinário, no domínio do direito civil, a propósito do art. 1170º, nº 2 do Cód. Civil referente à revogabilidade do mandato[5], PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[6] escrevem que a lei não define «justa causa», podendo o conteúdo desta ser assim apreciado livremente pelo tribunal. Aludem depois à doutrina italiana, na qual segundo afirmam é unanimemente reconhecida como justa não a causa subjetiva – falta de confiança, superveniente, do mandante no mandatário – mas sim a causa objetiva, considerando-se como tal toda a circunstância que torne contrário aos interesses do mandante o prosseguimento da relação jurídica.[7]
BAPTISTA MACHADO[8] entende que o conceito de justa causa é um conceito indeterminado cuja aplicação exige necessariamente uma aplicação valorativa do caso concreto. Será uma justa causa qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento do dever de correção e lealdade. A justa causa representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um incumprimento): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual.
PEDRO ROMANO MARTINEZ[9], por seu lado, depois de sublinhar que a justa causa é um conceito que serve de fundamento para a resolução de vários contratos de execução continuada, entende que esta sempre se baseia no incumprimento culposo ou em causas de força maior.
Passando para o domínio mais específico do direito laboral, onde o conceito de justa causa surge com uma relevante importância prática, uma vez que o legislador fez depender a resolução do contrato de trabalho promovida pelo empregador da sua existência, o art. 351º, nº 1 do Código do Trabalho diz-nos que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
A justa causa em sede laboral, enquanto fundamento do despedimento, mostra-se assim identificada com o incumprimento contratual[10], achando-se tipificados, de forma não taxativa, nas diversas alíneas do nº 2 do art. 351º do Cód. do Trabalho comportamentos do trabalhador suscetíveis de integrar aquele conceito.
De qualquer forma, ainda no âmbito do direito do trabalho, MENEZES CORDEIRO[11], referindo-se ao conceito de justa causa de despedimento afirma que “os conceitos indeterminados põem em crise o método da subsunção: a sua aplicação nunca pode ser automática, antes requerendo decisões dinâmicas e criativas que facultem o seu preenchimento com valorações. A concretização de um conceito indeterminado como o de justa causa obriga a uma ponderação dos valores vocacionados para intervir, perante o caso concreto.”
Como tal, “os conceitos indeterminados viabilizam fórmulas concretizadoras que, depois, devem ser confrontadas com o próprio conceito básico.”
Todavia, a especificidade que reveste a destituição do administrador da insolvência faz com que na definição do conceito de justa causa o acento tónico não seja colocado no incumprimento de deveres contratuais, mas sim nas próprias funções daquele, com recurso às normas do CIRE e, se necessário, a outras normas aplicáveis.
Ora, o administrador da insolvência assume, no exercício das suas funções, os deveres de um administrador diligente, devendo, assim, no silêncio do CIRE, integrar-se as lacunas com recurso ao art. 64º do Cód. das Sociedades Comerciais[12], ainda que com as adaptações devidas.
Tal como refere CATARINA SERRA[13], só uma violação grave dos deveres do administrador da insolvência, que torne infundada a expetativa ou a pretensão da sua continuidade em funções, pode dar origem à sua destituição. Haverá, pois, justa causa de destituição quando o administrador adote um comportamento geral ou pratique algum ato em particular que o torne desmerecedor da confiança dos restantes órgãos processuais ou das partes. A situação poderá ser imputável à inaptidão ou incompetência do administrador ou ainda à sua incapacidade para abstrair dos próprios interesses e manter-se equidistante em relação aos intervenientes no processo. Mas já não haverá justa causa para destituição quando se verifique o incumprimento de deveres que possam ser considerados menos significativos sob o ponto de vista da relação de confiança existente.
Na síntese efetuada no Acórdão da Relação do Porto de 3.2.2014[14] entende-se que o conceito de justa causa, enquanto fundamento da destituição do administrador judicial em processo de insolvência, preenche-se e concretiza-se: i) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo; ii) ou com a conduta traduzida na “inobservância culposa” dos seus deveres, “apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado” (art. 59º, nº 1 do CIRE)[15]; iii) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado.
Isto é, para preencher o conceito de justa causa a atuação do administrador da insolvência terá sempre que evidenciar inaptidão ou incompetência para o cargo ou objetivar-se no incumprimento culposo dos seus deveres funcionais, sem ignorar que deverá ser suficientemente grave a ponto de inviabilizar, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções.
Porém, o juiz tem que se mostrar prudente e avisado na avaliação da atuação do administrador da insolvência no que concerne ao preenchimento do conceito de justa causa, uma vez que as omissões ou falhas deste sempre têm que ser vistas em função da repercussão que as mesmas tiveram no andamento do processo e da sua complexidade, de forma a evitar que situações de incumprimento de relevo diminuto possam vir a servir de fundamento para a sua destituição.
Nesta linha, CATARINA SERRA[16], com inteira pertinência, considera não haver justa causa para destituição do administrador quando se verifique incumprimento de deveres que possam ser entendidos como menos significativos do ponto de vista da necessária relação de confiança, como o seja, por exemplo, o reconhecimento incorreto de algum crédito ou a falta de apresentação do plano de insolvência no prazo de 60 dias a partir da assembleia de apreciação do relatório, quando fique demonstrado que a tarefa se revestia de especial complexidade ou exigência.
Contudo, ocorrendo justa causa, o administrador deve efetivamente ser destituído pelo juiz, atendendo a que este exerce nesta matéria um poder vinculado, que não pode deixar de exercer quando aquela se verifique.
Já se inexistir justa causa o juiz não tem o poder discricionário de destituir o administrador da insolvência.[17]
3. Uma vez feitas estas considerações há que regressar ao caso concreto.
Em primeiro lugar, há a salientar que na sentença declaratória da insolvência, proferida em 17.9.2020, o Mmº Juiz “a quo” determinou que a administração da massa insolvente fosse assegurada pela própria devedora por ter considerado reunidos os pressupostos previstos no art. 224º, nº 2 do CIRE.
Porém, decidiu igualmente que essa administração se efetuasse sob fiscalização do Sr. Administrador da Insolvência, mais ordenando a apreensão de bens devendo este diligenciar no sentido da sua inventariação e descrição.
A fiscalização por parte do administrador da insolvência acha-se, inclusive, prevista no art. 226º, nº 1 do CIRE, cabendo-lhe comunicar imediatamente ao juiz quaisquer circunstâncias que desaconselhem a subsistência desta situação.
Sucede que apenas por despacho de 22.6.2021 foi declarada cessada a administração da massa insolvente pela própria devedora, ficando esta confiada a partir daí, nos termos gerais, ao Sr. Administrador da Insolvência.
Ou seja, durante este longo período compreendido entre 17.9.2020 e 22.6.2021 a administração da massa insolvente coube à devedora e não ao administrador da insolvência, remetido este para um papel secundário de fiscalização da devedora e de inventariação e descrição de bens.
Apesar de não os considerar de gravidade suficiente de modo a justificar a sua destituição, o Mmº Juiz “a quo” apontou erros ao Sr. Administrador da Insolvência, designadamente no que toca ao cálculo das votações realizadas pelos credores para aprovação do plano, aí incluindo a que foi efetuada de forma presencial na assembleia de credores.
Tais lapsos foram objeto de expressa alusão no despacho judicial proferido em 4.2.2021, onde se escreveu que “salvo o devido respeito, parece-nos que ocorreu um equívoco (naturalmente involuntário e certamente explicado pela ausência da diligência na forma presencial), por parte de alguns credores e do Sr. administrador da insolvência, pois não esteve em causa, substituída pela audição por escrito, uma assembleia de apreciação e votação do plano, a que aludem os arts. 209.º e segs. do CIRE, na qual se discute se o plano de insolvência/recuperação é ou não aprovado.”
Mas no que tange a erros, imprecisões e hesitações evidenciados na posterior conduta do Sr. Administrador da Insolvência na assembleia de credores realizada em 12.5.2021, nada se pode afirmar em sede recursiva, uma vez que a ata dessa assembleia não reflete qualquer momento menos feliz por parte do referido administrador.
E se um ou outro lapso circunstancial pode ter ocorrido nessa assembleia, quanto à contabilização de votos ou à organização de procurações, o mesmo não deixa de poder ser relevado face à dificuldade do próprio processo com a presença de elevado número de credores.
Também o Mmº Juiz “a quo” no despacho recorrido alude de forma genérica, e sem os concretizar, a erros do Sr. Administrador da Insolvência na prática de atos de administração da massa insolvente, sendo certo que no já referido período compreendido entre 17.9.2020 e 22.6.2021 a atividade deste se circunscrevia à tarefa de fiscalizar a administração realizada pela própria devedora e à apreensão de bens, com inventariação e descrição dos mesmos, o que se objetivou no auto de apreensão de bens móveis de 13.11.2020.
De qualquer modo, sempre há a realçar que os sucessivos planos de insolvência apresentados, e nunca aprovados, em que se pugnou pela atribuição da administração da massa insolvente à devedora, são da responsabilidade desta e se, entretanto, ocorreu agravamento do passivo não pode este ser imputado ao administrador da insolvência, apenas investido em funções de fiscalização.
Neste contexto, e tendo em conta tudo o que atrás se expôs em 2., entendemos que a conduta processual do Sr. Administrador da Insolvência, onde se evidenciam erros no tocante ao cálculo das votações realizadas pelos credores para aprovação dos planos de insolvência, não é suscetível de integrar o conceito de justa causa.
Com efeito, as omissões atribuídas ao administrador da insolvência, face à inegável complexidade do processo onde existe uma multiplicidade de credores e à pouca repercussão que tiveram no andamento deste, sempre sendo de realçar que a administração da massa insolvente estava confiada à própria devedora, não podem deixar de ser havidas como de diminuta gravidade, pelo que não constituem fundamento para a sua destituição nos termos do art. 56º do CIRE.
Impõe-se assim, neste segmento, a confirmação do despacho recorrido.
4. Prosseguindo, há também a referir que a devedora/recorrente, nas suas alegações de recurso, alude ainda à circunstância de na decisão recorrida se ter consignado que não se teriam em conta as pronúncias que sobre a destituição do administrador da insolvência foram tomadas por pessoas que não faziam parte da comissão de credores, mais concretamente por DD e EE.
Ambos se pronunciaram no sentido da destituição do Sr. Administrador da Insolvência, corroborando a pretensão que em idêntico sentido fora formulada pela devedora.
Ora, o indeferimento do pedido de destituição provindo da devedora significou também o não acolhimento das posições sustentadas, em sede de exercício de contraditório, por DD e EE, que, contudo, tal como refere o Mmº Juiz “a quo” no despacho recorrido, não faziam parte da comissão de credores, o que levou à sua desconsideração.
Com efeito, a comissão de credores nomeada na sentença de declaração de insolvência, nos termos do art. 66º do CIRE[18], é constituída por “M..., S.A.”, a quem cabe a presidência, Instituto da Segurança Social IP e BB, este na qualidade de credor privilegiado. Como suplentes, foram nomeados “Associação ...” e Banco ..., S.A..
E não resulta dos autos que esta composição tenha sido alterada, nomeadamente na assembleia de credores efetuada em 12.5.2021, que tinha competência para tal de acordo com o art. 67º do CIRE[19].
Ora, se a composição da comissão de credores não era a correta esta situação não pode ser imputada ao Sr. Administrador da Insolvência, como parece pretender a devedora/recorrente, atendendo a que este, conforme flui dos arts. 66º e 67º do CIRE, não tem intervenção no processo da sua nomeação, nem na eventual substituição dos seus membros, procedimentos que envolvem tão-só o juiz e a assembleia de credores.
Por isso, se erros foram cometidos no tocante à constituição da comissão de credores eles não são da responsabilidade do Sr. Administrador da Insolvência e, não fazendo parte desta comissão DD e EE, nenhuma censura há a fazer ao despacho recorrido quando nele se consigna que não se terão em consideração as suas pronúncias quanto ao pedido de destituição aqui em análise.
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II – Encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente
No despacho recorrido o Mmº Juiz “a quo”, considerando que a proposta de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente não foi acolhida pelo administrador da insolvência e que estão elencados bens e direitos suscetíveis de apreensão com valor significativo, determinou que os autos prosseguissem para liquidação, indeferindo assim o requerido pela insolvente ao abrigo do art. 232º do CIRE.
Sucede que a insolvente, em via recursiva, discordando do decidido, veio sustentar novamente haver fundamento para declarar encerrado o presente processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente.
Vejamos então.
O art. 230º, nº 1 do CIRE estatui na sua alínea d) que «prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento: (…) d) quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente
Por seu turno, o art. 232º do CIRE diz-nos o seguinte no seu nº 1:
«Verificando que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o administrador da insolvência dá conhecimento do facto ao juiz, podendo este conhecer oficiosamente do mesmo
E depois no nº 2 preceitua-se o seguinte:
«Ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente
Retornando ao caso dos autos, constata-se que se mostram apreendidos um largo conjunto de bens móveis, onde avultam diversos veículos automóveis, cujo valor constante do auto de apreensão, lavrado em 13.11.2020, ascende a 31.800,00€.
O Sr. Administrador da Insolvência, apoiando-se nestes valores, tomou posição no sentido de que, mesmo confirmando-se que as dívidas da massa insolvente sejam superiores ao ativo, deverá prosseguir a liquidação, atendendo a que permitirá a arrecadação de importância na ordem dos 31.000,00€ destinada à satisfação das custas do processo e das dívidas da massa.
Posteriormente, e no reforço da sua posição, o Sr. Administrador da Insolvência veio ainda comunicar que, para além do valor de venda do ativo apreendido nos autos, haverá ainda que ter em atenção que se encontram a decorrer no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro os seguintes processos, nos quais a insolvente é autora:
- Processo nº 1166/18.9BEAVR-A, no qual é peticionada a quantia de 75.141,32€, o qual se encontra em fase de recurso;
- Processo nº 1044/15.3BEAVR, no qual é peticionada a quantia de 397.100,00€.
É assim manifesto que o Sr. Administrador da Insolvência, diversamente da devedora, não constatou a situação de insuficiência da massa insolvente prevista no art. 230º, nº 1, al. d) do CIRE e, por isso, não acompanhou a proposta de encerramento do processo feita por aquela, no que foi secundado pelo Mmº Juiz “a quo”, o qual, podendo conhecer oficiosamente dessa situação de insuficiência da massa insolvente, também a rejeitou.
Acontece que no contexto dos autos, onde se deverá ter em conta o valor do ativo apreendido e a pendência de ações propostas pela insolvente em que são peticionadas importâncias expressivas, a decisão proferida pelo Mmº Juiz “a quo” não merece censura, uma vez que não há fundamento para declarar encerrado o processo ao abrigo dos arts. 230º, nº 1, al. d) e 232º do CIRE.
O presente processo de insolvência deverá assim seguir para a fase de liquidação, o que implicará, também nesta parte, a confirmação da decisão recorrida.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela insolvente “V...” e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Porto, 8.2.2022
Eduardo Rodrigues Pires
Márcia Portela
João Ramos Lopes
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[1] O requerimento apresentado em 9.12.2021 pela recorrente, como prova acrescida da pretendida destituição, por consubstanciar alegação complementar e ampliação do objeto do recurso, já depois de proferido despacho que o admitira, não será tomado em atenção, em sintonia com o entendido pelo Mmº Juiz “a quo” no seu despacho de 17.12.2021.
[2] No relatório, que contém os elementos processuais e factuais relevantes, teve-se em atenção o processo na sua globalidade e respetivos apensos, os quais se consultaram através da plataforma informática Citius.
[3] Pese embora no despacho recorrido sejam visíveis deficiências, nomeadamente no plano da explicitação dos fundamentos de facto e de direito, anota-se que não foi arguida relativamente ele qualquer das nulidades previstas no art. 615º do Cód. de Proc. Civil, as quais não são suscetíveis de conhecimento oficioso. De referir ainda, em complemento, que este tribunal de recurso não entendeu necessário recorrer à faculdade processual prevista no art. 662º, nº 2, c) do mesmo diploma.
[4] Cfr. MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, “Manual de Direito da Insolvência”, Almedina, 7ª ed., 2019, pág. 76.
[5] Preceitua-se nesta disposição que «se…o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.»
[6] In “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., 1986, Coimbra Editora, pág. 731.
[7] O conceito de justa causa no Cód. Civil surge também como fundamento da resolução do contrato de comodato antes do prazo nele fixado – art. 1140º. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (ibidem, pág. 679) acentuam na verificação dessa justa causa o incumprimento, por parte do comodatário, das suas obrigações legais e contratuais, designadamente as de não usar da diligência necessária na guarda ou conservação da coisa, de não fazer dela uma utilização prudente, de não a aplicar a fim diferente do convencionado, de não conceder o uso dela a terceiro sem autorização do comodante.
[8] ”Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in “Obra Dispersa”, vol. I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, págs. 143/144.
[9] In “Da Cessação do Contrato”, Almedina, 3ª ed., 2021, pág. 424.
[10] Cfr. PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Direito do Trabalho”, Almedina, 9ª ed., 2019, pág. 1004.
[11] In “Direito do Trabalho, II, Direito Individual”, Almedina, 2019, pág. 954.
[12] Neste preceito legal consagram-se para os gerentes e administradores da sociedade os deveres de cuidado e de lealdade.
[13] In “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, reimpressão, 2019, pág. 94.
[14] Proc. 1111/11.2 TJPRT-E.P1, relator Carlos Querido, disponível in www.dgsi.pt.
[15] Neste preceito dispõe-se que «o administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado.»
[16] In “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, 2019, reimpressão, pág. 94.
[17] Cfr. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, “CIRE Anotado”, 3ª ed., Quid Juris, págs. 335/336.
[18] No nº 1 deste preceito estatui-se que «anteriormente à primeira assembleia de credores, designadamente na própria sentença de declaração de insolvência, o juiz nomeia uma comissão de credores composta por três ou cinco membros e dois suplentes, devendo o encargo da presidência recair de preferência sobre o maior credor da empresa e a escolha dos restantes assegurar a adequada representação das várias classes de credores, com exceção dos credores subordinados
[19] No nº 1 desta norma estatui-se que «a assembleia de credores pode prescindir da existência de comissão de credores, substituir quaisquer dos membros ou suplentes da comissão nomeada pelo juiz, eleger dois membros adicionais, e, se o juiz não a tiver constituído, criar ela mesmo uma comissão, composta por três, cinco ou sete membros e dois suplentes, designar o presidente e alterar, a todo o momento, a respetiva composição, independentemente da existência de justa causa.»