Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
128/15.2T8VNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADEIRA PINTO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITOS
DIREITO DE RETENÇÃO
EFICÁCIA REFLEXA
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP20180711128/15.2T8VNG-B.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º142, FLS.74-96)
Área Temática: .
Sumário: I - Havendo impugnação por credora da insolvente de créditos reclamados por outros credores e constantes da lista de credores reconhecidos pelo AI seguem-se os termos dos artº 130º a 140º CIRE, impondo o artº 134º, ex vi artº 25º, do CIRE que os meios de prova sejam indicados/juntos, respectivamente, com os impugnações e as respostas. Sobre os credores reclamantes impende o respectivo ónus da prova da existência, exigibilidade e natureza comum, subordinada ou privilegiada ou garantida do seu crédito, com vista ao seu pagamento pelo produto dos bens apreendidos à insolvente, para os efeitos dos artºs 47º, nº4, 48º, e 174º a 177º CIRE, devendo o tribunal, na dúvida sobre a realidade de um facto, decidir contra aquele que da sua prova beneficiaria- artºs 5º, nº1 e 552º, nº 1, al. d), do NCPC e artºs 342º, nº1 do Código Civil de 1966 e 414º NCPC.
II - O declarado no texto do contrato promessa junto por cópia a fls 8 do processo de insolvência “(…) dando a primeira outorgante quitação do valor de esc. 7.000.000$00 por ter recebido como sinal e princípio de pagamento”, não constitui prova suficiente de que tal facto ocorreu, para efeitos da presente reclamação de créditos e sua impugnação. Tal documento particular assinado pelo apelante e pelos representantes da insolvente apenas fazem prova plena quanto às declarações atribuídas a estes- artº 376º, nos 1 e 2, Código Civil- não se impondo à credora reclamante que impugnou o efectivo negócio e pagamento do sinal.
III - Não se verifica caso julgado, autoridade de caso julgado ou ainda EFICÁCIA REFLEXA de decisões anteriores que reconheçam créditos sobre a insolvência com base em incumprimento de contratos promessa de compra e venda pela insolvente e antes da propositura da insolvência e o direito de retenção em virtude de tradição do bem imóvel objecto do contrato, enquanto direito real de garantia que prevalece no pagamento sobre a hipoteca, nos termos dos artºs 755º, nº 1, al. f), 759º, nº 2 e artºs 686º, nº1, 687º, 688º, nº1, al. a), todos do Código Civil.
IV - Não se verifica a tríplice identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido e a autoridade de caso julgado nunca diz respeito aos factos provados mas à decisão e aos seus fundamentos lógicos.
V - Impõe a Justiça dos interesses proteger o credor hipotecário surpreendido com um reconhecimento de direito de retenção de terceiro (direito real de garantia que não está sujeito a registo predial), numa acção em que não interveio, assente na consideração de que o credor hipotecário não é terceiro juridicamente indiferente relativamente aquelas sentenças.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 128/15.2T8VNG-B.P1
Relator: Madeira Pinto
Adjuntos: Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
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Sumário:
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I - Relatório:
Por apenso ao processo n.º 128/15.2T8VNG no qual foi declarada a insolvência de “Sociedade de Construções B…, Lda.” veio o Sr. Administrador da insolvência nomeado juntar aos autos a relação de credores reconhecidos, a que se refere o artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A C…, SA, credora reclamante, veio impugnar os créditos reconhecidos a D…, E… e F…, G… e I…, J… e K….
Alegou, em suma, que não teve qualquer intervenção nas ações declarativas que esses credores intentaram contra a insolvente pelo que as sentenças proferidas não lhe são oponíveis. Mais alega que só quando intentou contra a insolvente ação executiva é que surgiram “caídos do céu” vários contratos-promessa, estando convencida que os mesmos são simulados. Acresce que das reclamações de créditos apresentadas não se podem retirar factos que permitam concluir que esses credores estão na posse dos imóveis e que os mesmos não invocaram qualquer incumprimento definitivo dos contratos antes da declaração de insolvência.
K… respondeu à impugnação apresentada pela C… (cfr. fls. 122 e seguintes), alegando que no processo 316/09.0TBVFR do 4.º Juízo Cível de Santa Maria da Feira foi proferida sentença, já transitada em julgado, que condenou a insolvente a pagar a L… e esposa a quantia de 240.000,00 acrescida de juros e reconheceu o direito de retenção sobre os prédios inscritos na matriz sob o n.º 920-I, 920-G, 819 e 821 e, portanto, reconheceu o crédito por si reclamado pelo que o caso julgado vale erga omnes, tendo a impugnante que se conformar com tal decisão.
Essa reclamante havia reclamado créditos ao Sr. administrador da insolvência pedindo que lhe fosse reconhecido um crédito sobre a insolvente no valor de 132.000,00 garantido por direito de retenção sobre a fração autónoma designada pela letra “G” descrição 447/20001025 (verba 7 do auto de apreensão).
G… e I… responderam, igualmente, à impugnação invocando o caso julgado uma vez que no processo 321/09.7TBVFR do 3.º Juízo de Santa Maria da Feira foi-lhes reconhecido o direito de retenção sobre a fração prometida vender. No mais reiteram o alegado na reclamação de créditos, sendo que nesta haviam pedido que lhes fosse reconhecido um direito de crédito sobre a insolvente no valor de €200.000,00, acrescido de juros que se computavam já em €48.000,00, reconhecendo-se o direito de retenção sobre as frações designadas pelas letras “D” e “E” (verbas 4 e 5 do auto de apreensão).
J… respondeu à impugnação apresentada pela C… alegando que outorgou com a insolvente um contrato-promessa de compra e venda e entrou de imediato na posse da fracção “F”, dela usufruindo como se fosse sua propriedade, dando por reproduzido o invocado na reclamação de créditos sendo que, nesta, esta reclamante alegou que outorgou com a insolvente, em 27/8/2006, um contrato promessa de compra e venda referente à verba 6 do auto de apreensão, tendo pago a título de sinal a quantia de €50.000,00, sendo que nessa data a reclamante tomou posse dessa fração, detendo os contratos de fornecimento de água e energia elétrica, bem como suporta as quotas de condomínio, tendo já requerido o averbamento na respectiva caderneta predial daquela fracção autónoma em seu nome.
E… e F… responderam à impugnação apresentada alegando que, por contrato de cessão de créditos celebrado no dia 10/12/2009, adquiriram a M… e N… pelo valor de 250.000,00 um crédito que a estes havia sido reconhecido por sentença proferida em 26/6/2009 pelo 4.º juízo cível de Santa Maria da Feira já transitada em julgado, sendo que, por força desse contrato, adquiriram ainda o direito de retenção sobre o lote .. (verba 26 do auto de apreensão), propriedade da insolvente, tendo estado na posse desse lote desde essa data, tendo, inclusivamente, procedido a obras de vedação, limpeza e arranjo do mesmo e diligenciaram junto da respetiva Camara Municipal pela obtenção de confirmação de eventual possibilidade construtiva, tendo comunicado à insolvente essa cessão. Assim, detêm um crédito no valor de 80.000,00 e o direito de retenção sobre esse imóvel.
D… respondeu à impugnação alegando que, em 31/3/2001, outorgou com a insolvente um contrato-promessa de compra e venda respeitante ao lote .. (verba 24 do auto de apreensão), tendo procedido ao pagamento, a título de sinal, da quantia de 34.915,85, da qual recebeu a respetiva quitação, sendo que aquando da outorgada do mesmo foi convencionada expressamente a tradição do prédio prometido, sendo-lhe conferida imediata e exclusiva posse. Assim, desde essa data que se encontra na posse desse imóvel, tendo procedido a obras de vedação, limpeza e arranjo e diligenciou junto da Câmara a eventual possibilidade de construção. Mais alegou que a insolvente não realizou a escritura apesar de todas as interpelações que lhe foram dirigidas, limitando-se a reiterar a sua absoluta e total impossibilidade de marcação e realização da venda prometida. Ora, tais declarações aliadas à perda de interesse do requerente na manutenção do contrato, conforme transmitiu à insolvente, conferiu-lhe o direito de resolução do contrato, sendo certo que o incumprimento temporal e consequente mora integram, por si só, justa causa de resolução. Mais, alegou, como o havia feito no reclamação do seu crédito apresentada em 06.04.2015 (fls 264 ss) que:
O Sr. administrador da insolvência respondeu à impugnação, alegando que os reclamantes se encontravam na posse dos imóveis em causa, pelo que lhes reconhece a existência do direito de retenção.
O tribunal a quo proferiu despacho em 20.09.2016, onde julgou improcedente a excepção de caso julgado quanto à credora C…, invocada pelos credores reclamantes E… e F… e os convidou a virem concretizar os factos de onde resulte o seu pretenso direito de crédito e o direito de retenção enquanto consumidores. Ainda foi proferido pela Senhora juíza a quo o despacho de esclarecimento de 25.10.2016, ao requerimento da credora reclamante K…, concedendo-lhe um prazo suplementar para o efeito de 5 dias.
Os reclamantes E… e F… vieram, a fls. 309 e seguintes, alegar que a insolvente outorgou com L… e O…, em 27/5/2007, um contrato-promessa de compra e venda sobre um lote de terreno designado por lote .., pelo valor de 60.000,00 euros, tendo os promitentes-compradores pago a quantia de 20.000,00 euros na data da outorgada do contrato. Posteriormente, em 14/12/2007, reforçaram o sinal com o pagamento de 20.000,00 euros, sendo que estipularam que o restante seria pago na data da escritura estipulada até ao final de Setembro de 2008. Ademais convencionaram que os promitentes-compradores tomariam a posse efetiva do imóvel com vista a iniciar as obras necessárias à implantação naquele terreno de uma edificação. Assim, desde 27/5/2007 até 2/12/2009 aqueles promitentes-compradores estiveram na posse daquele imóvel, tendo procedido à sua limpeza e encetado contatos junto de técnicos no sentido de serem elaborados os projetos de construção; os referidos promitentes-compradores, por si e através de um advogado, notificaram a insolvente para outorgaram uma escritura sob pena de, não o fazendo, se verificar a perda de interesse; mas, a insolvente não compareceu, pelo que os mesmos perderam o interesse na realização da escritura, tendo recorrido a juízo, intentando contra a mesma uma ação que correu termos sob o n.º 316/09.0TBVFR no 4.º juízo cível de Santa Maria da Feira, na qual foi decidido declarar resolvido o contrato e a insolvente condenada no pagamento da quantia de €80.000,00, tendo-lhes sido reconhecido o direito de retenção; os promitentes-compradores outorgaram, em 2/12/2009, com M… e N… um contrato de cessão de créditos através do qual, pelo preço de 20.000,00, o qual foi pago, lhes cederam o seu crédito sobre a insolvente, bem como lhes cederam o direito de retenção, sendo que estes, em 10/12/2009, cederam aos reclamantes pelo preço de €25.000,00 esse crédito e o direito de retenção, sendo que os reclamantes, desde essa data, estão na posse do prédio, tendo procedido a obras de vedação, limpeza e arranjo.
A reclamante K… veio, a fls. 337 e seguintes, alegar que os cedentes se arrogaram titulares de um crédito sobre a insolvente no valor de 110.000,00 resultante do incumprimento do contrato-promessa referente à fração “G” e de um crédito no valor de €50.000,00 resultante do incumprimento do contrato-promessa referente a lote .., tendo-lhes sido reconhecido por sentença transitada em julgado o direito de retenção sobre esses imóveis; os cedentes haviam pago o preço relativo à fração “G” através de três prestações no valor de €35.000,00, 10.000,00 e 10.000,00 euros e quanto ao lote .. em duas prestações de 15.000,00 e 10.000,00 euros, sendo que lhes foi entregue as chaves da fração na data da outorga do contrato; mais alegou que por documento de cessão de créditos celebrado em 9/4/2010 os cedentes lhe transmitiram o direito de crédito e o direito de retenção.
Por decisão de fls. 345 e seguintes foi dispensada a realização de tentativa de conciliação, por se revelar inútil face às posições das partes e foi elaborado despacho saneador onde não foi conhecida, em concreto, qualquer excepção e foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo-se elaborado despacho saneador e fixado o objeto do presente litígio e os temas de prova, sem que tivesse havido reclamação. Mais foi proferida decisão que julgou reconhecidos os créditos reclamados pela C…, SA no montante de €7.680.463,15 e pela Fazenda Nacional no montante de €43.699,10, relegando-se para a decisão final a graduação de todos os créditos.
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Entretanto, no apenso respectivo deste processo de insolvência encontram-se apreendidos os seguintes bens:
Verba 1: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 447/20001025
Verba 2: fração autónoma designada pela letra “A” descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 447/20001025-A
Verba 3: fração autónoma designada pela letra “B” descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 447/20001025-B
Verba 4: fração autónoma designada pela letra “D” descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 447/20001025-D
Verba 5: fração autónoma designada pela letra “E” descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 447/20001025-E
Verba 6: fração autónoma designada pela letra “F” descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 447/20001025-F
Verba 7: fração autónoma designada pela letra “G” descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 447/20001025-G
Verba 8: fração autónoma designada pela letra “H” descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 447/20001025-H
Verba 9: fração autónoma designada pela letra “K” descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 447/20001025-K
Verba 10: fração autónoma designada pela letra “I” descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 447/20001025-I
Verba 11: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 464/20001025 (lote ..).
Verba 12: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 449/20001025 (lote ..).
Verba 13: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 448/20001025 (lote ..).
Verba 14: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 467/20001025 (lote ..).
Verba 15: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 466/20001025 (lote ..).
Verba 16: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 465/20001025 (lote ..).
Verba 17: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 463/20001025 (lote ..).
Verba 18: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 462/20001025 (lote ..).
Verba 19: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 460/20001025 (lote ..).
Verba 20: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 459/20001025 (lote ..).
Verba 21: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 458/20001025 (lote ..).
Verba 22: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 456/20001025 (lote ..).
Verba 23: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 455/20001025 (lote ..).
Verba 24: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 454/20001025 (lote ..).
Verba 25: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 453/20001025 (lote ..).
Verba 26: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 451/20001025 (lote ..).
Verba 27: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 441/20000926.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença, em 05.01.2018 que decidiu:
a) Julgar procedentes as impugnações apresentadas pela C…, SA quanto aos créditos reclamados por D…, E… e F…, G…. e I…, J… e K… e, em consequência, não reconhecer os créditos reclamados por tais reclamantes.
b) Graduar os créditos reconhecidos e determinar que se proceda ao pagamento dos respetivos créditos através do produto dos bens da massa insolvente (artigo 46.º) – depois de observada a regra do art. 172.º, que impõe que antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduza da massa os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta (artigo 51.º), incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo – pela ordem seguinte:
1) Em primeiro lugar o crédito reconhecido à Fazenda Nacional classificado como garantido.
2) Em segundo lugar o crédito reconhecido à C…, SA classificado como garantido.
3) Em terceiro lugar os créditos reconhecidos à Fazenda Nacional e à C…, SA, classificados como comuns, em paridade e em rateio, se necessário.
A sentença recorrida contém a seguinte Fundamentação de Facto:
Com interesse para a decisão resultaram provados os seguintes factos:
1. Em 8/1/2015 D… intentou ação de insolvência contra “Sociedade de Construções B…, Lda.”.
2. A “Sociedade de Construções B…, Lda.” não deduziu oposição, pelo que foi declarada a sua insolvência por sentença proferida em 26/2/2015, transitada em julgado.
3. Em 2/4/2009 a C… intentou contra a, aqui, insolvente uma execução que correu termos sob o n.º 1916/09.4TBVFR no 2.º juízo cível do Tribunal de Santa Maria da Feira.
4. Sobre as verbas 4 a 7, 24 e 26 apreendidas para a massa insolvente foram registadas, em 23/12/2009, penhoras a favor da C…, SA realizadas na execução referida em 3.
5. D… e a insolvente subscreveram o contrato que denominaram “Contrato Promessa de compra e venda” cuja cópia se encontra junta a fls. 8 do processo de insolvência e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual consta que “a primeira outorgante promete vender ao segundo outorgante, e este promete comprar (…) o lote de terreno” designado por lote .. pelo valor de Esc. 9.000.000$00, dando a primeira outorgante quitação do valor de esc. 7.000.000$00 por ter recebido como sinal e princípio de pagamento.
6. Nem na data que consta desse contrato – 31/3/2001 –, nem posteriormente, o reclamante D… pagou à insolvente qualquer montante a título de sinal e princípio de pagamento.
7. Foi remetida à C… uma cópia do contrato referido em 5.
8. D… ou contra a, aqui, insolvente uma ação declarativa, que correu termos sob o n.º 3492/09.9TBVFR no 3.º juízo cível de Santa Maria da Feira, pedindo que fosse declarado resolvido o contrato-promessa outorgado com a “Sociedade de Construções B…, Lda.” em 31/3/2001, a condenação da ré no pagamento da quantia de €70.000,00 acrescida de juros e ainda o reconhecimento do direito de retenção sob o lote n.º ...
9. Essa ação foi julgada procedente e, em consequência, por sentença transitada em julgado, foi declarado resolvido esse contrato-promessa e a, aí, ré condenada a pagar a quantia de 70.000,00 euros, tendo sido reconhecido ao, aqui, reclamante o direito de retenção sob o lote ...
10. O reclamante D… liquidou o IMT devido pela aquisição do lote .. em 2013.
11. O reclamante D… vedou o lote .. em finais do ano de 2009.
12. G… e I… instauraram contra a, aqui, insolvente uma ação declarativa que correu termos sob o n.º 321/09.7TBVFR do 2.º juízo do Tribunal de Santa Maria da Feira pedindo que fossem declarados resolvidos dois contratos promessa que haviam celebrado a 3/8/2007 e a sua condenação a pagar, em dobro, as quantias que haviam entregue a título de sinal, bem como que fosse reconhecido o direito de retenção sobre as frações “D” e “E”.
13. Nessa ação foi proferida sentença datada de 17/6/2009 que julgou a ação procedente e, em consequência, condenou a insolvente a pagar aos autores a quantia de 200.000,00 acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e até efetivo e integra pagamento e reconheceu aos autores o direito de retenção sobre as frações “D” e “E”.
14. L… e O… deduziram, em 2012, reclamação de créditos no processo de execução n.º 1916/09.4T8VFR referido em 3., conforme cópia junta a fls. 21/22 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pedindo que lhes fosse reconhecido um crédito no valor de €169.600,00 e direito de retenção sobre fração designada pela letra “G” e sobre o lote...
15. Alegaram, em suma, que, em 27/5/2007, celebraram com a, aqui, insolvente vários contratos promessa de compra e venda, designadamente para aquisição da fração “G” tendo pago a quantia global 55.000,00 euros e para aquisição do lote .. pelo qual pagaram 25.000,00 euros.
16. A fls. 243/245 encontra-se junta a cópia de um contrato denominado “Contrato-promessa de compra e venda” datado de 7/5/2007 no qual consta que a insolvente declara prometer vender a L… a fração autónoma designada pela letra “G” (…) pelo preço total de €75.000,00, tendo a insolvente recebido nessa data a quantia de €35.000,00.
17. Mais consta desse contrato que “com a assinatura do presente contrato serão entregues pela Promitente Vendedora aos Promitentes compradores, as chaves da referida fração, a quem conferem a posse imediata sobre o dito imóvel.
18. A fls. 148/149 encontra-se junta a cópia de um contrato denominado “Contrato-promessa de compra e venda” datado de 27/5/2007 no qual consta que a, aqui, insolvente declara prometer vender a L… o lote de terreno denominado pelo lote .. (…) pelo preço total de €60.000,00, tendo a insolvente recebido nessa data a quantia de €20.000,00.
19. Mais consta desse contrato que “com a assinatura do presente contrato poderá de imediato o segundo outorgante tomar posse do terreno nele podendo iniciar as obras necessárias à implantação do mesmo de futura edificação”.
20. L… remeteu à insolvente, que a recebeu, em 23/10/2008 uma carta subscrita pelo seu advogado cuja cópia se encontra junta a fls. 149/150 através da qual lhe comunica que procedeu à marcação das escrituras de compra e venda das frações designadas pelas letras “I” e “G” e dos lotes .. e .. para o dia 3/11/2008, fazendo constar dessa carta que caso não comparecessem à escritura consideraria os contratos promessa resolvidos.
21. No dia 3/11/2008 foi lavrado o certificado cuja cópia se encontra junta a fls. 151/152 no qual consta que a sociedade, aqui, insolvente não compareceu para a realização das escrituras de compra e venda.
22. L… e O… intentaram contra a, aqui, insolvente uma ação, que correu termos no 4.º juízo cível de Santa Maria da Feira sob o n.º 316/09.0TBVFR, na qual pediram que se condene a, aí, ré a pagar aos autores a quantia de €240.000,00, acrescida de juros, e que se reconheça o direito de retenção sobre os prédios objeto do contrato promessa nos termos constantes da petição inicial cuja cópia se encontra junta a fls. 135 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
23. A ré, aqui insolvente, não deduziu qualquer contestação.
24. Assim, por sentença proferida a 26/6/2009, transitada em julgado, foi a ação julgada procedente e, em consequência, foram declarados resolvidos os contratos-promessa de compra e venda celebrados em 27/5/2007 entre autores e ré, condenada a ré a pagar a quantia de 240.000,00 euros, acrescida de juros à taxa legal desde a citação e reconhecido aos autores o direito de retenção sobre os prédios para garantia do crédito.
25. No dia 2/12/2009 foi outorgada por escritura pública uma “cessão de Direitos” cuja certidão se encontra junta a fls. 334 e seguintes cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual ficou a constar que L… e O… cedem a M… os seus créditos e o direito de retenção reconhecidos por sentença proferida em vinte e seus de Junho de dois mil e nove pelo valor de vinte e cinco mil euros que já receberam.
26. No dia 10/12/2009 foi outorgada por escritura pública uma “cessão de Direitos” cuja certidão se encontra junta a fls. 219 e seguintes cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual ficou a constar que M… e N… cedem a favor de E… os seus créditos e o seu direito de retenção reconhecidos por sentença pelo valor de 25.000,00 euros.
27. E… vedou o lote .. em data não apurada.
28. A fls. 256/258 foi junta a cópia de um contrato denominado “Documento Particular de cessão de Direitos” datado de 9/4/2010 no qual ficou a constar que O… e L… cederam a favor de K… o crédito que detinham sobre a insolvente no valor de €110.000,00 que lhes fora reconhecido por sentença, assim como o direito de retenção que lhes fora igualmente reconhecido sobre a fração “G” pelo valor de €15.000,00 que declaram já ter recebido.
29. K… celebrou contrato de seguro respeitante à fração “G” com início em 1/11/2014 – cfr. fls. 259 e contratos de fornecimento de gás, eletricidade e água em finais de 2014/inícios de 2015.
30. A fls. 276/277 encontra-se junta a cópia de um contrato denominado “Contrato promessa de compra e venda” datado de 27/8/2006 outorgado entre a, aqui, insolvente e a reclamante J… cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual consta que a insolvente prometeu vender a fração “F” pelo preço de 70.000,00 euros do qual foi pago, a título de sinal e princípio de pagamento, o valor de 50.000,00 euros.
31. A insolvente entregou à reclamante J… as chaves da referida fração “F”.
32. Na fração “F” (verba 6 apreendida para a massa insolvente) foram realizadas, em data não apurada, obras a mando da reclamante J… (fls. 279)
33. A 26/10/2012 compareceu no serviço de finanças uma representante dessa reclamante declarando que a mesma pretende liquidar o IMT – fls. 280.
34. Em Fevereiro de 2013 foi registado um contrato de arrendamento sobre essa fração por parte da reclamante.
35. Em Novembro de 2012 a reclamante apresentou um pedido de averbamento em seu nome dessa fração - cfr. fs. 284
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Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos e, designadamente, não se provou que:
1. D… pagou, em 31/3/2001, à “Sociedade de Construções B…, Lda.” a quantia de 7.000.000$00 (€34.915,85) a título de sinal e princípio de pagamento do lote ...
2. Esse reclamante interpelou a insolvente para cumprir o contrato-promessa, tendo a insolvente comunicado a esse reclamante que não iria cumprir com o referido contrato-promessa.
3. O reclamante D… está na posse do lote .. (verba 24 do auto de apreensão) desde 31/3/2001.
4. Os reclamantes E… e F… comunicaram à insolvente a cessão de direitos referida no ponto 26 dos factos provados.
5. Em 3/8/2007 G… e I… pagaram à insolvente, a título de sinal, a quantia de 50.000,00 relativamente a cada uma das frações “D” e “E”.
6. A insolvente entregou aos reclamantes G… e I… as frações “D” e “E” em 3/8/2007.
7. Esses reclamantes detêm na sua titularidade os contratos de fornecimento de água e energia elétrica, bem como suportam o pagamento das quotas de condomínio.
8. Os mesmos já efetuaram o pagamento do IMT devido pela transição, tendo procedido ao averbamento das mesmas na sua titularidade junto do serviço de Finanças, liquidando ainda o IMI.
9. Esses reclamantes realizaram obras nessas frações as quais totalizaram o valor de €11.700,00, acrescido de IVA.
10. Após essas obras, os mesmos realizaram contratos de arrendamento das identificadas frações.
11. A reclamante J… pagou à insolvente em 27/8/2006 a quantia de €50.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento.
12. L… e O… pagaram à insolvente, em 27/5/2007, a quantia de €20.000,00 a título de sinal para aquisição do lote ...
13. E em 14/12/2007 reforçaram o sinal com a quantia de €20.000,00.
14. Desde 27/5/2007 até 2/12/2009 L… e O… estiveram na posse efetiva do lote .., tendo encetado contatos junto de técnicos no sentido de serem elaborados projetos para a construção de moradia nesse lote.
15. A reclamante K… pagou a O… e L… os €15.000,00 referidos no contrato mencionado em 28 dos factos provados.
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Desta sentença interpuseram recurso os credores D…, E… e F…, G… e I…, J… e K…, tendo apresentado as alegações com as conclusões.
A C… apresentou contra alegações quanto aos recursos dos credores D… e E… e mulher, concluindo pela manutenção dos julgados.
Os recursos interpostos pelos credores G… e I…, J… e K…, foram rejeitados pelo despacho de 15.03.2018 e não foi apresentada reclamação nos termos do artº art° 643° do NCPC.
Quanto aos recursos interpostos D…, E… e mulher F…, foram admitidos pelo mesmo despacho e nesta Relação.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir destes dois recursos.
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II - Objecto dos recursos:
Os recursos são balizados pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal superior apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido e que o tribunal ad quem não aprecia razões ou argumentos, antes questões- artºs 627º, nº1, 635º e 639º, nºs 1 e 2, CPC, na redacção da Lei nº 41/2013, de 26.06.2013, aplicável ao presente processo por força do disposto nos artº 8º do diploma preambular[1].
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Os apelantes E… e F…, apresentaram as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso da circunstância dos ora Apelantes não se conformarem com a douta Sentença proferida nestes autos de apenso “B”, sob a Ref.ª 387672225 (de 05/01/2018), porquanto no mesmo se decidiu pela não verificação do crédito (e consequentemente, a não graduação do mesmo) de €:80.000,00 (dobro do sinal) por si reclamado.
B. Com efeito, na douta sentença recorrida pode ler-se «A factualidade ínsita nos pontos 12 a 14 dos factos não provados foi considerada como não provada atendendo à ausência de prova. (…) Ora, a verdade é que não foi feita prova nos autos que os referidos L… e O… tinham qualquer direito de crédito sobre a insolvente porquanto não foi feita prova de que estes pagaram à insolvente os sinais referidos nos contratos-promessa invocados, sendo certo que, como acima dissemos, a sentença referida não constitui caso julgado neste processo. (…) A verdade é que a falta de prova dos direitos de crédito e de retenção dos originários (alegados) credores – L… e O… – determina que não se possa reconhecer aos cessionários tais direitos, razão pela qual tem que proceder, igualmente, a impugnação deduzida pela C… quanto a tais créditos reclamados.»
C. Ora, é precisamente no que respeita a estes considerandos, quanto ao conceito de caso julgado e à interpretação da prova produzida (documental e testemunhal) e ao reflexo daquela prova (nomeadamente, documental) que assenta a discordância dos aqui Apelantes.
ASSIM,
A/ Em primeiro lugar, é objecto do presente recurso a decisão tomada pela Dign.º Juiz “a quo” quanto ao instituto do caso julgado.
D. Com efeito, e desde logo, não podemos deixar de referir que, quer seja por força do instituto do “caso julgado” quer seja por força do instituto “da autoridade do caso julgado”, sempre haveria de considerar-se um tal crédito – decorrente da sentença proferida nos autos de processo n.º 316/09.0TBVFR, do extinto 4.º Juízo Cível de Santa Maria da Feira – como assente e, nesta sede – de reclamação de créditos por parte dos Credores, aqui Apelantes -, inatacável.
E. A propósito da temática veja-se o recente Acórdão do TRC, processo n.º 826/14.8T8GRD.C1, Rel. Des. JORGE ARCANJO, 14-11-2017, consultado em www.dgsi.pt: “I – A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas. II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica), não se exigindo a tríplice identidade”.
F. Ou, o Acórdão da TRC, processo n.º 3435/16.3T8VIS-A.C1, Relator Isaías Pádua, 12-12-2017, consultado em www.dgsi.pt. “II- O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto que a segunda de manifesta-se através de exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica”).
G. Constituindo a sentença caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (art. 621º do CPC), importa não confundir a “excepção do caso julgado” com a “força e autoridade do caso julgado”, esclarecendo que, como tem vindo a ser sustentado, se a primeira pressupõe a aludida tríplice identidade (de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a segunda dispensa-a, ou seja, a autoridade do caso julgado pressupõe uma decisão (transitada) de determinadas questões que já não podem voltar a ser discutidas e, diversamente daquela excepção, pode funcionar independentemente da verificação de tal tríplice identidade.
H. Recentrando a atenção neste processo o que importa indagar são quais os efeitos do julgamento e decisão proferida naquele referido processo, em que, se discutiu e decidiu da resolução contratual e efeitos da mesma, no que respeita ao contrato promessa de compra e venda em que foram outorgantes a Insolvente e L… (factos provados sob os n.º 18. a 24.)
I. Seja, antes de mais, importa começar por salientar que não foram parte naquele processo qualquer um dos sujeitos aqui intervenientes em sede de impugnação da lista de créditos reconhecidos: não foi parte a aqui Impugnante “C…”, nem os Reclamante E… e mulher.
J. Naqueles autos, ajuizou-se da relação contratual entre a Insolvente e L…, assente em contrato promessa de compra e venda, datado de 27/05/2007, sendo que, por decisão transitada em julgado, foi uma tal acção julgada procedente e, em consequência, foi um tal contrato promessa declarado resolvido e condenada a Ré (aqui insolvente) no pagamento do correspondente sinal em dobro (€:80.000,00) e, ainda, no reconhecimento do direito de retenção sobre o lote .., em causa.
K. Isto para dizer que, que sentido faz, que seja possível que numa outra acção, com outros sujeitos processuais (já não o L…) em que está em causa não o contrato promessa daquele L…, mas antes sim, um contrato de “cessão de Direitos”, outorgado por escritura pública, seja feita “tábua rasa” de sentença transitada em julgado.
L. É no mínimo estranho, que julgamentos e decisões de um processo não se reflectiam n`outros, exponenciando a possibilidade de proferir decisões contraditórias, com as inerentes consequências nefastas de desprestígio para os tribunais, sentenças não harmonizáveis e incoerência incompreensível para os cidadãos.
M. Como é compreensível para um qualquer cidadão, neste caso os aqui Apelantes, ver declarada a inexistência do seu crédito, quando, o mesmo nasce precisamente daquela sentença. Note-se que a “cessão de direitos” em causa não foi outorgada pelos aqui Apelantes, ainda, “em vida” daquele contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Insolvente e L… e mulher; foi celebrado sim, quando os efeitos decorrentes daquele contrato promessa já se mostravam “destruídos” por força da dita sentença proferida nos autos de processo n.º 316/09.0TBVFR.
N. Deste modo, pelos motivos assinalados, essa convicção/decisão daquela instância, deve vincular também nestes autos de processo, impondo-se pela autoridade do caso julgado.
O. Até porque, a “C…”, expressamente, não impugnou uma tal factualidade, dada como assente na decisão proferida. De facto, em sede de impugnação da Lista de Credores esta limitou-se a afastar de si a excepção do caso julgado, alegando, em suma, que não teve qualquer intervenção nas acções declarativas que esses credores intentaram contra a insolvente; pelo que, as sentenças proferidas não lhe são oponíveis.
P. No entanto, não impugna aquela Credora Impugnante o teor da sentença em causa, a qual, nos termos do vertido no ponto 10. da resposta à impugnação apresentada pelo Apelantes - «cabe aqui aduzir, dando por integralmente reproduzida, à factualidade e documentação, que sustenta o crédito reconhecido e faz, assim, “precludir” a impugnação apresentada» -foi dada por integralmente reproduzida.
Q. Assim, por força da autoridade do caso julgado - pelo facto de ter nascido o direito de crédito dos aqui Reclamantes de decisão doutamente proferida - pela circunstância daquela sentença ter produzido nos aqui Apelantes a fé, que julgavam inabalável, da seriedade e validade do crédito que adquiriram (com base, reitere-se, numa decisão judicial), impõe-se julgar reconhecido e verificado o crédito por si reclamado.
R. Sob pena se, assim não sendo, se mostrar violado o princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da Republica Portuguesa, e que se concretiza, pois, através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos.
S. No sentido de tudo o quanto acabado de proferir, vide douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17-12-2015, proferido no proc. 7469/12.1TBBRG-J (disponível em www.dgsi.pt) «II. O fundamento do caso julgado reside no prestígio dos tribunais e numa razão de certeza ou segurança jurídica. III. A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil, o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. IV. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da identidade de sujeitos, de pedido e da causa de pedir, prevista no artigo 581º do Código de Processo Civil.».
SEM PRESCINDIR - ACRESCE QUE,
B/ Em segundo lugar, é ainda fundamento do presente recurso, a decisão proferida quanto à matéria de facto, enquadrando-se, assim, este recurso no âmbito dos arts. 639.º e 640.º, do C.P.C., sendo pois, questão a debater no presente recurso: o erro de julgamento / da impugnação da matéria de facto – (re)apreciação da prova; e, consequentemente, a análise jurídica -subsunção dos factos ao direito.
T. Com efeito, tendo por base a factualidade tida como provada e não provada, a que já supra se aludiu, e transcreveu nos seus precisos termos, pretendem os aqui Apelantes impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art.º 640.º C.P.C., remetendo-se então para o registo/gravação realizado em audiência de julgamento, devidamente assinalado nos locais próprios.
U. Isto porque, e desde logo, entendem os ora Apelantes ter sido incorrectamente julgada a factualidade constante da matéria provada sob o ponto 27. e a matéria não provada sob os pontos 12. a 14., a qual, ao invés, deveria ter merecido resposta contrária, e, por isso, impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto, havendo que reapreciar a prova produzida nos autos.
V. Considerou o Dign.º Tribunal “a quo” não provada tal matéria fáctica, em que assentava a posição dos aqui Credores, ora Apelantes, limitando-se a considerar apenas e só o teor literal dos documentos juntos a fls. 148/149 – contrato promessa de 27/5/2007 – de fls. 149/150 – carta de interpelação para marcação de escritura – de fls. 151/152 – certificado notarial – de fls. 135 – petição inicial e sentença proferida no processo n.º 316/09.0TBVFR -, no entanto, afirmando que «não foi feita prova nos autos que os referidos L… e O… tinham qualquer direito de crédito sobre a insolvente porque não foi feita prova de que estes pagaram à insolvente os sinais referidos dos contratos-promessa invocados.»
W. Porém, com todo o devido respeito e salvo melhor opinião, fê-lo de forma desconsiderada, pois, salvo a devida vénia, que é sempre muita pela Meret.ª Juiz “a quo”, sempre se entende que a mesma não avaliou criticamente a prova documental e testemunhal produzida em julgamento, que autorizava (e “impunha”) a confirmação dos factos deduzidos pelos ora aqui Apelantes, designadamente, aquela matéria de facto considerada não provada sob os pontos 12. a 14) e ainda, demais, actos materiais no que respeita ao ponto 27.
X. Isto porque, estamos em crer, que com base na prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, coadjuvada pela prova documental presente nos autos, se revelava adequado que o Dign.º Tribunal “a quo” desse como provado que:
a) No ponto 27. dos factos provados deveria constar que, além, de ter vedado o lote .., E…, procede, com a regularidade necessária, à limpeza daquele lote de terreno desde 2009 até à presente data – por recurso à prova por declarações de parte e testemunhal produzida nos autos [cujas passagens dos depoimentos – que se revelavam importantes para que a decisão sobre a matéria de facto apontada fosse apreciada e proferida de modo diferente - supra se transcreveu (e por razões de economia processual se dá aqui por integralmente reproduzida)],
b) Toda a matéria constante dos pontos 12. a 14. Dos factos não provados –por recurso à prova documental supra aludida e, por força, da autoridade do caso julgado (conforme se alude no ponto A/ das presentes alegações).
ASSIM,
Y. Não podemos senão concluir: é entendimento dos aqui Apelantes que o Dign.º Tribunal valorou erroneamente a matéria fáctica supra, na parte em que é contingente com a prova documental produzida nos autos.
Z. De facto, quando alegaram os aqui Apelantes a existência de um direito de crédito, sustentado, em contrato de “cessão de direitos”, o qual, por sua vez, se fundava em sentença judicial, transitada em julgado, e pugnou pelo reconhecimento do seu crédito no valor de €80.000,00 (montante prestado em dobro), beneficiando do direito de retenção, nos termos em que o mesmo foi reconhecido por aquela sentença, procederam à junção aos autos de prova documental para o alegado.
AA. Prova documental essa, conforme supra alegado, demonstrativa de relação contratual entre os ora Apelante e M… e N… – única que importava apurar nestes autos, e, que, aliás, foi dada como provada no ponto 26. Dos factos provados – e os efeitos decorrentes na mesma – na sequência da declaração de insolvência dos autos,
BB. Sendo pois, claro que, em virtude de tal factualidade, não só devidamente documentada, mas, também, atestada testemunhalmente, conforme decorre dos depoimentos supra transcritos, deveria o Dign.º Tribunal “a quo” ter considerado provado que aos Reclamantes, aqui Apelantes, assiste o direito de crédito reclamado.
CC. Sendo que, ao ter decidido em sentido diverso - não se vislumbra como pôde o Dign.º Tribunal “a quo” deixar de ponderar/levar em conta os documentos em causa, conjugados com a prova testemunhal produzida, pois que, da conjugação dos mesmos facilmente decorria a sustentabilidade dos factos alegados pelos aqui Apelantes – resulta inequivocamente que tal prova foi, erroneamente, ponderada pelo Dign.º Tribunal “a quo”, violando, pois, o espírito subjacente ao disposto nos artigos 362.º e ss. do C.C., bem assim, nos artigos 410.º, 413.º e 414.º do NCPC.
DD. De modo que, atento tudo o exposto, e após correcta valoração de toda a prova produzida nos autos, deverá a matéria factual supra referida, designadamente, os pontos supra identificados como tendo sido incorrectamente julgados, ser alterada por forma a constar a factualidade ali vertida na matéria de facto provada.
EE. Donde, em suma, no modesto entender dos aqui Apelantes, e salvo melhor opinião, conclui-se que o Tribunal “a quo” não ponderou devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada,
FF. Termos em que, enfermando a douta decisão sob recurso de erro de julgamento nos termos do art.º 712.º do C.P.C., impõe-se a modificação da decisão de facto nos termos supra expostos, ou seja, a alteração da resposta a tais quesitos, supra elencados, de forma a que sejam incluídos na fundamentação de facto como factos provados.
GG. E, consequentemente, aplicando as normas jurídicas correspondentes, deve ser revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue improcedente, por não provada, a impugnação do crédito dos aqui Credores Apelantes.
Termos em que, decidindo V. Exas. dar provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença nos termos expostos, julgarão, como sempre, com inteira e sã JUSTIÇA!
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Por sua vez, o apelante D… apresentou as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso da circunstância do ora Apelante não se conformar com a douta Sentença proferida nestes autos de apenso “B”, sob a Ref.ª387672225 (de 05/01/2018), porquanto no mesmo se decidiu pela não verificação do crédito (e consequentemente, a não graduação do mesmo) de €:70.000,00 (dobro do sinal) por si reclamado.
ASSIM,
A/ Em primeiro lugar, da insuficiência da douta Decisão de facto (no que toca aos pontos 8. e 9. supra transcritos), nos termos do n.º 4 do art.º 607.º do NCPC
B. Resulta dos factos provados que (8.) D… intentou contra a, aqui, insolvente uma ação declarativa, que correu termos sob o n.º 3492/09.9TBVFR no 3.º juízo cível de Santa Maria da Feira, pedindo que fosse declarado resolvido o contrato-promessa outorgado com a “Sociedade de Construções B…, Lda.” em 31/3/2001, a condenação da ré no pagamento da quantia de €70.000,00 acrescida de juros e ainda o reconhecimento do direito de retenção sob o lote n.º ... E, bem assim, resultou ainda provado que (9.) Essa ação foi julgada procedente e, em consequência, por sentença transitada em julgado, foi declarado resolvido esse contrato-promessa e a, aí, ré condenada a pagar a quantia de 70.000,00 euros, tendo sido reconhecido ao, aqui, reclamante o direito de retenção sob o lote ...
C. Ora, sucede que, olhando para o quadro fáctico dos autos, tal como alegado, discutido e finalmente, julgado provado e não provado, temos por certo que verifica-se insuficiência da matéria de facto, considerada como provada sob os pontos 8. e 9. supra, nomeadamente, por falta de indicação das datas em que tal factualidade se produziu.
D. Discutindo-se na acção a dita “simulação” – tendo que por referência que a Impugnante sustenta tal afirmação alegando que só «quando intentou contra a insolvente é que surgiram “caídos do céu” vários contratos promessa » - com valoração de direito/conclusiva na sentença, cabia, pois, indagar da alegação e veracidade dos factos de suporte, aliás, objecto de prova documental, constante dos autos.
E. Quer dizer, na sentença ora recorrida, elaborou-se de forma parcial a fundamentação de facto, descurando-se de tal concretização temporal – a qual era essencial ao desfecho da acção e à improcedência da impugnação apresentada, pois que, faria “cair por terra” a sustentada tese da Impugnante no sentido da simulação do dito contrato promessa de compra e venda.
F. Ocorre, pois, nesta parte, insuficiência da matéria de facto – notória e relevante face ao desfecho da lide, e, que não foi vertida na parte fáctica da sentença ora recorrida. Impondo-se, por conseguinte, a anulação da sentença recorrida.
B/ Em segundo lugar, é objecto do presente recurso a decisão tomada pela Dign.º Juiz “a quo” quanto ao instituto do caso julgado.
G. Com efeito, e desde logo, não podemos deixar de referir que, quer seja por força do instituto do “caso julgado” quer seja por força do instituto “da autoridade do caso julgado”, sempre haveria de considerar-se um tal crédito – decorrente da sentença proferida nos autos de processo n.º 3492/09.9TBVFR, do extinto 3.º Juízo Cível de Santa Maria da Feira – como assente e, nesta sede – de reclamação de créditos por parte do Credor, aqui Apelante -, inatacável.
H. A propósito da temática veja-se o recente Acórdão do TRC, processo n.º 826/14.8T8GRD.C1, Rel. Des. JORGE ARCANJO, 14-11-2017, consultado em www.dgsi.pt: “I – A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas. II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica), não se exigindo a tríplice identidade”.
I. Ou, o Acórdão da TRC, processo n.º 3435/16.3T8VIS-A.C1, Relator Isaías Pádua, 12-12-2017, consultado em www.dgsi.pt. “II- O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto que a segunda de manifesta-se através de exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica”).
J. Constituindo a sentença caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (art. 621º do CPC), importa não confundir a “excepção do caso julgado” com a “força e autoridade do caso julgado”, esclarecendo que, como tem vindo a ser sustentado, se a primeira pressupõe a aludida tríplice identidade (de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a segunda dispensa, ou seja, a autoridade do caso julgado pressupõe uma decisão (transitada) de determinadas questões que já não podem voltar a ser discutidas e, diversamente daquela excepção, pode funcionar independentemente da verificação de tal tríplice identidade.
K. Recentrando a atenção neste processo o que importa indagar são quais os efeitos do julgamento e decisão proferida naquele referido processo, em que, se discutiu e decidiu da resolução contratual e efeitos da mesma, no que respeita ao contrato promessa de compra e venda em que foram outorgantes a Insolvente e o aqui Credor D….
L. Acção essa que foi julgada procedente e, em consequência, foi um tal contrato promessa declarado resolvido e condenada a Ré (aqui insolvente) no pagamento do correspondente sinal em dobro (€:70.000,00) e, ainda, no reconhecimento do direito de retenção sobre o lote .., em causa.
M. Isto para dizer que, que sentido faz, que seja possível que numa outra acção, seja feita “tábua rasa” de sentença transitada em julgado. É no mínimo estranho, que julgamentos e decisões de um processo não se reflectiam noutros, exponenciando a possibilidade de proferir decisões contraditórias, com as inerentes consequências nefastas de desprestígio para os tribunais, sentenças não harmonizáveis e incoerência incompreensível para os cidadãos.
N. Como é compreensível para um qualquer cidadão, neste caso o aqui Apelante, ver declarada a inexistência do seu crédito, quando, o mesmo nasce precisamente daquela sentença. Note-se que a reclamação de créditos apresentada nestes autos não foi apresentada “em vida” daquele contrato promessa de compra e venda, antes, tendo sido apresentada já quando os efeitos decorrentes daquele contrato promessa se mostravam “destruídos” por força da dita sentença proferida nos autos de processo n.º 3492/09.9TBVFR.
O. Deste modo, pelos motivos assinalados, essa convicção/decisão daquela instância, deve vincular também nestes autos de processo, impondo-se pela autoridade do caso julgado.
P. Até porque, a “C…”, expressamente, não impugnou uma tal factualidade, dada como assente na decisão proferida. De facto, em sede de impugnação da Lista de Credores esta limitou-se a afastar de si a excepção do caso julgado, alegando, em suma, que não teve qualquer intervenção nas acções declarativas que esses credores intentaram contra a insolvente; pelo que, as sentenças proferidas não lhe são oponíveis.
Q. No entanto, não impugna aquela Credora Impugnante o teor da sentença em causa – tanto mais que, segundo a motivação da douta sentença recorrida, os pontos 8. e 9. Só foram dados como provados porque a Impugnante os aceitou.
R. Assim, por força da autoridade do caso julgado - pelo facto de ter nascido o direito de crédito do aqui Reclamante de decisão doutamente proferida -pela circunstância daquela sentença ter produzido no aqui Apelante a fé, que julgavam inabalável, da validade do seu crédito, impõe-se julgar reconhecido e verificado o crédito por si reclamado.
S. Sob pena se, assim não sendo, se mostrar violado o princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da Republica Portuguesa, e que se concretiza, pois, através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos.
T. No sentido de tudo o quanto acabado de proferir, vide douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17-12-2015, proferido no proc. 7469/12.1TBBRG-J (disponível em www.dgsi.pt) «II. O fundamento do caso julgado reside no prestígio dos tribunais e numa razão de certeza ou segurança jurídica. III. A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil, o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. IV. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da identidade de sujeitos, de pedido e da causa de pedir, prevista no artigo 581º do Código de Processo Civil.».
SEM PRESCINDIR - ACRESCE QUE, C/ Em segundo lugar, é ainda fundamento do presente recurso, a decisão proferida quanto à matéria de facto, enquadrando-se, assim, este recurso no âmbito dos arts. 639.º e 640.º, do C.P.C., sendo pois, questão a debater no presente recurso: o erro de julgamento / da impugnação da matéria de facto – (re)apreciação da prova; e, consequentemente, a análise jurídica -subsunção dos factos ao direito.
U. Com efeito, tendo por base a factualidade tida como provada e não provada, a que já supra se aludiu, e transcreveu nos seus precisos termos, pretendem o aqui Apelante impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art.º 640.º C.P.C., remetendo-se então para o registo/gravação realizado em audiência de julgamento, devidamente assinalado nos locais próprios.
V. Isto porque, e desde logo, entende o ora Apelante ter sido incorrectamente julgada a factualidade constante da matéria provada sob o ponto 6. e a matéria não provada sob os pontos 1. a 3., a qual, ao invés, deveria ter merecido resposta contrária, e, por isso, impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, havendo que reapreciar a prova produzida nos autos.
W. Considerou o Dign.º Tribunal “a quo” não provada tal matéria fáctica, em que assentava a posição do aqui Credor, ora Apelante, limitando-se a considerar apenas e só o teor literal do documento juntos a fls. 8 do processo de insolvência – contrato promessa de 31/3/2001 – de fls. 149/150 - no entanto, afirmando que não foi feita prova que o aqui Reclamante pagou à insolvente qualquer montante a título de sinal e princípio de pagamento.
X. Porém, com todo o devido respeito e salvo melhor opinião, fê-lo de forma desconsiderada, porquanto, salvo a devida vénia, que é sempre muita pela Meret.ª Juiz “a quo”, sempre se entende que a mesma não avaliou criticamente a prova documental e testemunhal produzida em julgamento, que autorizava (e “impunha”) a confirmação dos factos deduzidos pelo ora aqui Apelante, designadamente, aquela matéria de facto considerada não provada sob os pontos 1. a 3. e, “a contrario”, não provada a matéria feita constar do artigo 6. dos factos provados.
Y. Isto porque, estamos em crer, que com base na prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, [cujas passagens dos depoimentos - que se revelavam importantes para que a decisão sobre a matéria de facto apontada fosse apreciada e proferida de modo diferente - supra se transcreveu (e por razões de economia processual se dá aqui por integralmente reproduzida)], coadjuvada pela prova documental presente nos autos, se revelava adequado que o Dign.º Tribunal “a quo” desse como provado que:
a) A Insolvente, por conta do contrato promessa celebrado, em 31/3/2001, com D… recebeu a título de sinal e pagamento do lote.., a quantia de 7.000.000$00 (€:
34.915,85), por força da rescisão de contrato anterior com a sociedade “P…”.
b) Esse reclamante interpelou a insolvente para cumprir o contrato promessa, tendo a insolvente comunicado a esse reclamante que não iria cumprir com o referido contrato-promessa - tal qual, dado como provado na douta sentença proferida nos autos de processo; c) O reclamante D… está na posse do lote .. (verba 24 do auto de apreensão) desde 31/3/2001, onde fez, limpezas, vedações, pagou IMT e IMi`s e projectou, inclusive, a construção no mesmo –conforme dado como provado na douta sentença proferida nos autos de processo e, aliás, resulta dos documentos junto com a petição inicial sob o n.º 4, das fotos juntas com a resposta à impugnação e documentos juntos a 17/02/2017.
ASSIM,
Z. Não podemos senão concluir: é entendimento do aqui Apelante que o Dign.º Tribunal valorou erroneamente a matéria fáctica supra, na parte em que é contingente com a prova documental e testemunhal produzida nos autos.
AA. Sendo que, ao ter decidido em sentido diverso - não se vislumbra como pôde o Dign.º Tribunal “a quo” deixar de ponderar/levar em conta os documentos em causa, conjugados com a prova testemunhal produzida, pois que, da conjugação dos mesmos facilmente decorria a sustentabilidade dos factos alegados pelo aqui Apelantes- resulta inequivocamente que tal prova foi, erroneamente, ponderada pelo Dign.º Tribunal “a quo”, violando, pois, o espírito subjacente ao disposto nos artigos 362.º e ss. do C.C., bem assim, nos artigos 5.º, 410.º, 413.º e 414.º do NCPC.
BB. De modo que, atento tudo o exposto, e após correcta valoração de toda a prova produzida nos autos, deverá a matéria factual supra referida, designadamente, os pontos supra identificados como tendo sido incorrectamente julgados, ser alterada por forma a constar a factualidade ali vertida na matéria de facto provada.
CC. Termos em que, enfermando a douta decisão sob recurso de erro de julgamento nos termos do art.º 712.º do C.P.C., impõe-se a modificação da decisão de facto nos termos supra expostos, ou seja, a alteração da resposta a tais quesitos, supra elencados, de forma a que sejam incluídos na fundamentação de facto como factos provados.
DD. E, consequentemente, aplicando as normas jurídicas correspondentes, deve ser revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue improcedente, por não provada, a impugnação do crédito do aqui Credores Apelantes.
Termos em que, decidindo V. Exas. dar provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença nos termos expostos, julgarão, como sempre, com inteira e sã JUSTIÇA!
*
II.1 - Impugnação da matéria de facto:
Nas conclusões dos recursos em apreço, os apelantes pretendem a alteração da matéria de facto considerada como não provada na sentença recorrida. Tendo essa questão de facto relevância para a questão de Direito segundo as plausíveis interpretações jurídicas, impõe-se o seu conhecimento prévio à decisão de direito e, por razões de melhor compreensão e raciocínio conhece-se dessa questão relativamente a ambos os recursos.
*
Os apelantes E… e F… fazem-no nas conclusões T. a X. da seguinte forma:
(…)com base na prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, coadjuvada pela prova documental presente nos autos, se revelava adequado que o Dign.º Tribunal “a quo” desse como provado que:
a) No ponto 27. dos factos provados deveria constar que, além, de ter vedado o lote .., E…, procede, com a regularidade necessária, à limpeza daquele lote de terreno desde 2009 até à presente data – por recurso à prova por declarações de parte e testemunhal produzida nos autos [cujas passagens dos depoimentos – que se revelavam importantes para que a decisão sobre a matéria de facto apontada fosse apreciada e proferida de modo diferente - supra se transcreveu (e por razões de economia processual se dá aqui por integralmente reproduzida)],
b) Toda a matéria constante dos pontos 12. a 14. dos factos não provados”.
O artº 640º, nºs 1 e 2 NCPC impõe aos apelantes ónus rigorosos, cujo incumprimento acarreta a imediata rejeição do recurso, como expressamente ali se diz, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento das conclusões – conforme vem sendo entendimento dominante da doutrina e da jurisprudência, quer no âmbito da versão do CPC introduzida pela Lei 41/13, quer no âmbito da versão anterior (redacções do DL 329-A/95, de 12.12 e do DL 303/07, de 24.08).
Os apelantes relativamente aos referidos factos impugnados nas conclusões de recurso indicam os meios de prova em que concretamente se fundam: documentos, declarações de parte do credor E… e depoimentos das testemunhas Q…, S… e T…, por si arroladas na resposta à impugnação, depoimentos que foram gravados em registo áudio e cuja localização indica no corpo das alegações recursivas e transcreve parcialmente.
A jurisprudência maioritária do STJ é no sentido de que a indicação dos concretos meios de prova em que assenta a impugnação da matéria de facto pode apenas constar do corpo das alegações de recurso e não constarem integralmente nas conclusões recursivas, exigindo-se que nestas constem os demais ónus expressos naquela norma legal, já que é por elas que se delimita o âmbito do recurso – nº 4 do artº 635º do NCPC- uma vez que a intervenção do Tribunal da Relação não é nessa parte oficiosa. Sintetiza-se tal entendimento jurisprudencial no seguinte trecho do Acórdão do STJ de 23.02.10, in wwwdgsi.pt:
Não se exige que o recorrente, nas conclusões, reproduza o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art. 690º-A, nº1, a) e b) e nº2, do Código de Processo Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas uma complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório. Mas, esta consideração não dispensa o recorrente de fazer alusão àquela questão que pretende ver apreciada, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados, de modo a que ao ler as conclusões das alegações resulte inquestionável que o recorrente pretende impugnar o julgamento da matéria de facto”.[2]
Assim, admite-se o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, dessa questão se tratando de seguida.
Após a reforma do Código de Processo Civil operada pela Lei nº 41/2013, de 26.06, a doutrina e jurisprudência dominantes são no sentido que a Relação tem o dever de realizar um efectivo novo julgamento da matéria de facto, nos termos do artº 662º, nº 1, NCPC, fixando em definitivo a factualidade que interessa à decisão da causa[3].
Mas, concordamos com o douto Acórdão do STJ de 07.09.2017, in www.dgsi.pt, que mitiga essa sindicância da forma que consta deste seu sumário:
1. É hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.
2. No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.
3. Todavia, a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal.
4. Também nada obsta a que o tribunal de recurso secunde ou corrobore a fundamentação dada pela 1.ª instância, desde que esta se revele sólida ou convincente à luz da prova auditada e não se mostre fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, sustentada em elementos concretos que defluam da prova produzida, em termos de caracterizar minimamente o erro de julgamento invocado ou que, como se refere no artigo 640.º, n.º 1, aliena b), do CPC, imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida.
5. O nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”.
Debrucemo-nos, pois, sobre a impugnação da matéria de facto objecto deste recurso:
Cabe aos credores reclamantes o ónus da alegação dos factos essenciais constitutivos dos seus pretensos direitos de crédito sobre a insolvente e as garantias de que estes disponham, dado que tal constitui a causa de pedir das reclamações de crédito, devendo apresentar os documentos probatórios de que disponham-artº 128º CIRE[4] e artºs 5º, nº1 e 552º, nº 1, al. d), do NCPC ex vi artº 17º CIRE.
Havendo impugnação por credora da insolvente, como é o caso, de créditos reclamados por outros credores e constantes da lista de credores reconhecidos pelo AI seguem-se os termos dos artº 130º a 140º CIRE, impondo o artº 134º, ex vi artº 25º, do CIRE que os meios de prova sejam indicados/juntos, respectivamente, com os impugnações e as respostas. Sobre os credores reclamantes impende o respectivo ónus da prova da existência, exigibilidade e natureza comum, subordinada ou privilegiada ou garantida do seu crédito, com vista ao seu pagamento pelo produto dos bens apreendidos à insolvente, para os efeitos dos artºs 47º, nº4, 48º, e 174º a 177º CIRE, devendo o tribunal, na dúvida sobre a realidade de um facto, decidir contra aquele que da sua prova beneficiaria- artºs 5º, nº1 e 552º, nº 1, al. d), do NCPC e artºs 342º, nº1 do Código Civil de 1966 e 414º NCPC.
Faz-se aqui um parêntesis para deixar claro que apenas podem ser considerados provados ou não provados factos, ou seja realidades da vida que sejam perceptíveis e não conceitos, juízos de valor ou conclusões de direito, por força do disposto nos artº 607º, nº 2 e 3, NCPC.
Pretendem estes apelantes que no ponto 27. dos factos provados deveria constar que, além, de ter vedado o lote .., E…, procede, com a regularidade necessária, à limpeza daquele lote de terreno desde 2009 até à presente data.
Para tal invocan as declarações de parte do próprio E… e os depoimentos das testemunhas atrás referidas nos excertos que transcreve e que aqui se dão por reproduzidos.
Ora, a matéria de facto relevante foi alegada pelos ora recorrentes nos artigos 6. a 8. da sua reclamação de créditos apresentada em 06.04.2015 (fls 212 a 217), reiterada na sua resposta à impugnação do seu crédito apresentada em 22.10.2015 (fls 161 a 168).
Na motivação de facto da sentença recorrida quanto a este ponto diz-se: “Quanto à factualidade ínsita no ponto 27) dos factos provados a mesma foi considerada assente atendendo às fotografias juntas a fls. 166/168, assim como ao depoimento da testemunha Q… que confirmou ter ido, com o reclamante E…, ver o terreno em causa após o mesmo o ter “adquirido” e, posteriormente, se ter deslocado ao mesmo, tendo constatado que o seu amigo o havia vedado”. Daquelas fotografias juntas em 22.10.2015 resulta que se vê uma vedação do referido lote .. em barrotes de madeira e rede de malha sol larga e todo o terreno se encontrava com vegetação constituída por arbustos, silvas e ervas daninhas de baixo porte. Em declarações de parte, o recorrente E… disse que desde a aquisição do terreno, em 2009, faz “umas limpezas de vez em quando”, “quando é necessário”, “de ano a ano”, “de dois em dois anos”. Enfim, nada de preciso. A testemunha Q… diz que o terreno agora está “limpo” porque vê quando “volta e meia” passa lá. Ignora-se quando foram as “voltas” em que viu que o terreno estava limpo. As demais testemunhas indicadas por estes apelantes nada disseram sobre a limpeza do terreno em causa.
Perante este cenário, apenas é possível considera como provado o ponto 27. nos termos em que o foi na sentença “E… vedou o lote .. em data não apurada”.
Quanto à matéria dos pontos não provados 12. a 14., os ora apelantes pretendem que sejam considerados provados com base na prova documental e testemunhal produzida em julgamento.
Foram por si alegados nos artigos 5), 8), 10) e 12) do requerimento de aperfeiçoamento de 10.11.2016 (fls 304 ss), a convite do despacho de 20.09.2016 (fls 300 e 301).
Ora, limitam-se, no corpo das alegações, a indicar as testemunhas já atrás referidas e a transcrever partes dos seus depoimentos já apreciados quanto ao pretendido complemento da resposta ao ponto provado 27. Como se vê desses depoimentos em nada se referem a esta matéria dos pontos não provados 12. a 14. Daí que em nada relevam para pretendida alteração.
Quanto a prova documental, os ora apelantes não indicam em concreto os documentos em que fundamentam a pretendida alteração. Com a sua reclamação de créditos de 06.04.2015 juntaram fotocópia da escritura pública intitulada “Cessão de Direitos”, de 10.12.2009, outorgada no Cartório Notarial sito na Rua …, nº …, …, Porto, da notária U…, acto notarial que ficou a constar do ponto 26. dos factos provados. A referida escritura apenas faz prova das declarações prestadas perante o oficial público que as recebeu e não da veracidade dos factos declarados. Não foi junta aos autos certidão da sentença, transitada em julgado, que tivesse reconhecido o crédito ali referido, bem como o eventual direito de retenção do lote .. ou a posse, enquanto mero poder de facto sobre o referido lote e, obviamente, que aquela escritura pública não prova por si estes factos e direitos inerentes, mas apenas cópia de escritura de “Cessão de Direitos”, datada de 02.12.2009 (oito dias antes daquela e no mesmo Cartório Notarial) - fls 334 vº a 336- e cópia de um translado de uma sentença proferida em 26.06.2009, transitada em julgado em 01.09.2009, no processo referido nos pontos 22. a 24. dos factos provados da sentença e da respectiva petição inicial. Não bastam estes meios de prova para demonstrar as realidades de facto constantes dos aludidos pontos não provados 12. a 14. da sentença, sendo que a parte do ponto 14. “(…) estiveram na posse efectiva do lote …” é conclusiva e sempre deveria ser excluída.
Assim, não vem infirmada pelos ora apelantes a livre convicção do julgador a quo para considerar essa factualidade não provada, nos termos do artº 607º, nºs 4, 1ª parte e 5, NCPC e que expôs nestes termos na sentença recorrida:
Por outro lado, relativamente ao lote .. não foi feita qualquer prova de que esse L… praticou no mesmo qualquer ato material de posse e que encetou contatos junto de técnicos no sentido de serem elaborados projetos para a construção de uma moradia nesse lote.
Acresce que analisada a cópia da petição inicial junta a fls. 316 e seguintes que o referido L… e mulher intentaram contra a, aqui, insolvente e referida no ponto 22) dos factos provados, dela resulta que esses autores alegaram que, em 27/5/2007, celebraram com a insolvente 4 contratos-promessa de compra e venda para aquisição de 4 imóveis – duas frações (“G” e “I”) e dois lotes de terreno (lotes .. e ..) – pelos montantes de €80.000,00, €80.000,00, €60.000,00 e €50.000,00 (totalizando €270.000,00), que nessa data pagaram um total de €105.000,00 a título de sinal e que em Dezembro de 2007 e Junho de 2008 reforçaram os sinais pagos, pagando mais €70.000,00.
Ora, atendendo aos elevados montantes que alegam terem sido pagos estranha-se que não tenham sido juntos aos autos documentos que comprovassem que o referido L… tivesse, sequer, capacidade económica para efetuar tais avultados pagamentos, sendo certo que os extratos bancários juntos a fls. 403 e seguintes não atestam que o mesmo tivesse tais avultadas quantias e que as declarações de IRS de fls. 56 a 58 atestam a existência de rendimentos bastante parcos.
A filha desse L… – K… – veio a juízo tentar fazer-nos crer que o seu pai fez tais pagamentos em numerário e que tem por hábito guardar elevados montantes em casa. Ora, não é minimamente credível, atendendo a regras de experiência comum, que tal corresponda à realidade, sendo certo que a mesma também acabou por admitir que não teve qualquer intervenção na elaboração dos contratos que o seu pai subscreveu e que não presenciou a outorga de nenhum deles, pelo que não demonstrou ter qualquer conhecimento direto sobre essa factualidade.
Atendendo, portanto, a toda a prova produzida entende este tribunal que não foi feita qualquer prova de que o referido L… pagou à insolvente qualquer valor a título de sinal e princípio de pagamento em relação a qualquer um dos 4 imóveis relativamente aos quais outorgou contratos-promessa”.
Mantem-se, pois, os pontos não provados 12. a 14.
*
Por sua vez, o apelante D…, nas conclusões B. a F., invoca uma “insuficiência da matéria de facto, considerada como provada sob os pontos 8. e 9., nomeadamente, por falta de indicação das datas em que tal factualidade se produziu(…). Impondo-se, por conseguinte, a anulação da sentença recorrida”.
Concretiza, no corpo das alegações, dizendo que:
Datas essas que importavam ser “discutidas” nos autos, para a boa decisão da causa, vista a causa de pedir apresentada pela Credora Impugnante C….
Com efeito, alegou aquela Credora Impugnante que só quando intentou contra a insolvente ação executiva é que surgiram “caídos do céu” vários contratos promessa, estando convencida que os mesmos são simulados.
Ora, acontece que, tais datas, quer de início do processo declarativo instaurado pelo ora Apelante contra a aqui Insolvente, quer de prolação de sentença e respectivo trânsito em julgado, e que seriam decisivas para o desfecho da acção quanto a uma tal alegação de “simulação” por parte da Credora Impugnante, não constam do elenco dos factos provados (nem dos não provados), não formando, pois, a matéria de facto considerada para a decisão da causa.
(…)
Foram tais factos considerados como provados – a acção e a sentença proferida - em sede de decisão da sentença, mas, na verdade, não foi concretizada a data respectiva, o que, necessariamente, resulta dos documentos juntos aos autos”.
Os factos que foram considerados provados nos pontos 8. e 9. da sentença foram alegados pelo ora recorrente nos artigos 11. a 15 da sua reclamação de créditos apresentada em 06.04.2015 (fls 264 a 270). Como meio de prova indicou o “documento nº 5 junto com a petição inicial que instruiu os presentes autos e que, por razões de economia processual, aqui se considera integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos”.
Foram considerados provados esses factos naqueles pontos 8. e 9. da sentença, nos precisos termos alegados e com a motivação seguinte:
O mesmo alegou, ainda, que interpôs contra a, aqui, insolvente uma ação que correu termos sob o n.º 3492/09.9TBVFR, no 3.º juízo cível de Santa Maria da Feira pedindo que fosse declarado resolvido esse contrato promessa e a, ali, ré condenada a pagar-lhe 70.000,00, acrescida de juros, e ainda o reconhecimento do direito de retenção sobre o lote .., ação essa a foi julgada procedente, o que a C… admitiu na sua impugnação (razão pela qual foram dados como assentes os pontos 8 e 9 dos factos provados).
Do atrás exposto, resulta que, quer em 2009 – data em que intentou essa ação – , quer em 2015 – data da reclamação de créditos que apresentou ao Sr. administrador da insolvência – este credor invocou sempre que outorgou com a insolvente, em Março de 2001, um contrato-promessa de compra e venda respeitante ao lote .. e que na data do mesmo, ou seja, em de 2001, pagou à insolvente, a título de sinal, 7.000.000$00, o que, afinal, veio confirmar em audiência que não correspondia à verdade”.
Ora, estando provado que foi o ora apelante quem requereu, como credor, a insolvência da “Sociedade de Construções B…, Ldª”, em 08.01.2015 – ponto 1. dos factos provados-, face à aceitação da data da instauração daquela acção e não da sentença e seu trânsito pela credora impugnante C…, na falta de junção com a reclamação do seu crédito. como impunha o artº 128º, nº 1 do CIRE ou até da sua resposta à respectiva impugnação pela credora C…, de certidão judicial idónea, verifica-se fundamento para que esta Relação oficiosamente ao abrigo do disposto no artº 662º, nº 1, NCPC, altere a redacção do ponto 8. dos factos provados e não a anulação da referida decisão de facto na parte requerida pelo apelante, por não se verificar qualquer deficiência (sem pronúncia), obscuridade ou contradição da decisão sobre esses pontos concretos da matéria de facto, nos termos do artº 662º, nº2, al. c), NCPC.
O aludido ponto 8. passa a ter a seguinte redacção: “D… intento, em 2009, contra a insolvente acção declarativa, que correu termos sob o n.º 3492/09.9TBVFR no 3.º juízo cível de Santa Maria da Feira, pedindo que fosse declarado resolvido o contrato-promessa outorgado com a “Sociedade de Construções B…, Lda.” em 31/3/2001, a condenação da ré no pagamento da quantia de €70.000,00 acrescida de juros e ainda o reconhecimento do direito de retenção sob o lote n.º ..”.
*
Este apelante (D…), na conclusão V., entende ter sido incorrectamente julgada a factualidade constante da matéria provada sob o ponto 6. e a matéria não provada sob os pontos 1. a 3., a qual, ao invés, deveria ter merecido resposta contrária.
Cumpriu os ónus da impugnação da matéria de facto já atrás referidos, considerado o alegado no corpo das alegações, indicando e transcrevendo os depoimentos das testemunhas, que foram gravados e os documentos em que se apoia para pretendida alteração da decisão de facto por parte desta Relação.
Como acima se referiu, apenas podem ser considerados provados ou não provados factos, ou seja realidades da vida que sejam perceptíveis e não conceitos, juízos de valor ou conclusões de direito. Daí e porque é um conceito de direito e não de facto, antes deve ser aferido, mesmo para os efeitos da questão aqui em causa, enquanto mera detenção de facto da coisa sem animus possidendi de exercício do respectivo direito real, desde logo não pode manter-se a redacção dada ao ponto não provado 3. “O reclamante D… está na posse do lote .. (verba 24 do auto de apreensão) desde 31/3/2001”.
A senhora juíza a quo não fundamentou concretamente essa resposta na motivação de facto da sentença.
O que o credor ora apelante havia alegado sobre tal matéria consta dos artigos 17. a 19. da sua reclamação de créditos apresentada ao senhor AI em 06.04.2015 (fls 264 ss).
O ora apelante pretende a alteração da redacção desse ponto 3. por forma a incorporar aqueles factos que havia alegado, que considera provados, indica a nova redacção e os meios de prova em que se funda, na conclusão Y complementada pelo alegado no corpo das alegações, quando diz: “c) O reclamante D… está na posse do lote .. (verba 24 do auto de apreensão) desde 31/3/2001, onde fez, limpezas, vedações, pagou IMT e IMi`s e projectou, inclusive, a construção no mesmo – conforme dado como provado na douta sentença proferida nos autos de processo e, aliás, resulta dos documentos junto com a petição inicial sob o n.º 4, das fotos juntas com a resposta à impugnação e documentos juntos a 17/02/2017”.
Ora, com a reclamação de créditos deste apelante não foram juntos quaisquer documentos e não se vê nos autos qualquer requerimento do apelante datado de 17.02.2017 que tenha junto documentos. As cópias de fotos juntas de fls 177 e 178 vº, dizem respeito a um terreno inculto com arbustos e vegetação rasteira, vedado com barrotes de madeira e rede malha sol larga. Tais fotos não têm data e são em tudo semelhantes às acima referidas quanto ao recurso dos apelantes E… e mulher. Não alega o recorrente para o efeito qualquer prova testemunhal e dos depoimentos de testemunhas transcritos nas alegações nada é referido o tal respeito. Também não temos nestes autos certidão da sentença proferida no processo a que se referem os pontos dos factos provados 8. 9, sendo certo que do teor destes pontos provados não resulta qualquer prova dos aludidos factos alegados.
Sempre se dirá que a factualidade em causa mesmo que esteja provada na sentença referida nestes pontos dos factos provados 8. e 9. não faz caso julgado que se imponha também como provado, sem mais, nestes autos, dado que não se verifica a tríplice identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido e a autoridade de caso julgado não diz respeito aos factos provados mas à decisão e aos seus fundamentos lógicos[5].
Este é o nosso entendimento de acordo com o Acórdão em que fomos relator e primeiro adjunto, de 23.11.2017[6], recentemente confirmado pelo STJ, onde se diz no sumário “4- Os fundamentos de facto de uma sentença anterior transitada em julgado não formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente. A factualidade considerada provada na referida sentença anterior entre as mesmas partes, com o mesmo pedido e essencialmente a mesma causa de pedir não tem eficácia de caso julgado nestes autos, estando sujeitos os factos aqui alegados e que sejam essenciais, instrumentais ou complementares da causa de pedir (nesta acção e na reconvenção) à produção de prova e à sua inclusão com fundamentação devida na sentença, excluindo-se matéria que seja conclusiva”.
É este, aliás, o entendimento dominante na doutrina e jurisprudência, bastando citar estes arestos:
Acórdão do TRC de 11.10.2016 (Jorge Arcanjo):
A sentença considera, no entanto, que a decisão sobre os factos provados (cf. pontos 24 a 31) se impõe pela autoridade do caso julgado, mas sem qualquer consistência jurídica.
Com efeito, o caso julgado incide sobre a decisão e não abrange os fundamentos de facto, conforme orientação doutrinária e jurisprudencial prevalecente.
Neste sentido, elucida ANTUNES VARELA (Manual de Processo Civil, 1984, pág 697) – “Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”.
Acórdão do STJ de 2/03/2010, (proc. n.º 690/09.9), disponível em www.dgsi.pt/jstj, onde se afirma – “(…) a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se sobretudo ao nível da decisão, da sentença propriamente dita, e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela. Os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente: prova evidente do que acaba de ser dito é o que está estipulado no n.º 2 do artigo 96 do Código de Processo Civil – “A decisão das questões e incidentes suscitados não constituem, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia”.
Também TEIXEIRA DE SOUSA (Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 577), para quem “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado”.
Assim, exclui-se o teor do referido ponto 3. dos factos não provados da sentença e improcede a inclusão nos factos provados da matéria sugerida pelo ora apelante sob a alínea c) atrás referida.
Quanto aos pontos não provados 1. e 2. pretende o apelante D… que sejam considerados provados e, pelo contrário que o ponto provado 6. da sentença recorrida seja considerado não provado, “com base na prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, [cujas passagens dos depoimentos - que se revelavam importantes para que a decisão sobre a matéria de facto apontada fosse apreciada e proferida de modo diferente - supra se transcreveu (e por razões de economia processual se dá aqui por integralmente reproduzida)], coadjuvada pela prova documental presente nos autos, se revelava adequado que o Dign.º Tribunal “a quo” desse como provado que:
a) A Insolvente, por conta do contrato promessa celebrado, em 31/3/2001, com D… recebeu a título de sinal e pagamento do lote .., a quantia de 7.000.000$00 (€:34.915,85), por força da rescisão de contrato anterior com a sociedade “P…”.
b) Esse reclamante interpelou a insolvente para cumprir o contrato promessa, tendo a insolvente comunicado a esse reclamante que não iria cumprir com o referido contrato-promessa - tal qual, dado como provado na douta sentença proferida nos autos de processo;
Fique claro que o ora apelante reclamou o seu crédito com base no contrato promessa de compra e venda, datado de 31.03.2001, que celebrou na qualidade de promitente comprador com a insolvente, promitente vendedora, relativo ao lote .., e alegou, apenas, no artigo 5. da reclamação de créditos de 06.04.2015 (fls 264 ss ) que “No acto de celebração desse contrato, a título de sinal e princípio de pagamento desse preço, entregou à insolvente, a quantia de 7.000.000$00/€: 34.915,85, da qual recebeu a respectiva quitação”. E nos artigos 9. e 10. dessa reclamação, bem como artigos 23. e 24. da resposta à impugnação do seu crédito apresentada em 22.10.2015 (Fls 169 ss), alegou que procedeu a diversas interpelações à insolvente para realizarem a respectiva escritura pública de compra e venda. Cabia ao apelante o ónus da prova desses factos nos termos já acima referidos.
Não consta destes autos a certidão da sentença a que se alude nos pontos 8. a 9. dos factos provados. Ficou provada a celebração do invocado contrato promessa no ponto 5. dos factos provados e que o ora apelante liquidou o respectivo IMT por declaração fiscal sua, conforme facto provado 10.
Mesmo que os aludidos factos tivessem sido considerados provados por sentença transitada em julgado na acção que o apelante intentou contra a insolvente, anterior à instauração do processo de insolvência e da sua reclamação de créditos sobre a insolvente Sociedade de Construções B…, Ldª, pelas razões atrás referidas não se devem ter sem mais como provados nestes autos. Com efeito, não há, quanto a factos, autoridade de caso julgado.
Ora, a motivação de facto nesta parte da sentença recorrida é a seguinte:
Este tribunal considerou como assente a factualidade ínsita no ponto 5 atendendo à cópia do contrato junta a fls. 8 do processo de insolvência, sendo certo que se considerou provado que, nem na data que consta desse contrato – 31/3/2001 –, nem posteriormente, o reclamante D… pagou à insolvente qualquer valor a título de sinal e princípio de pagamento (ponto 6 dos factos provados) atendendo ao depoimento prestado por esse próprio reclamante em audiência de julgamento.
Com efeito, o mesmo em audiência de julgamento admitiu nunca entregou à insolvente qualquer montante a título de sinal, razão pela qual foi considerada não provada a factualidade ínsita no ponto 1 dos factos não provados.
Em audiência de julgamento esse credor veio a juízo dizer que havia celebrado com uma outra sociedade, P…, em Dezembro de 1999, um contrato promessa de compra e venda respeitante à aquisição de dois apartamentos em …, Ovar, tendo nessa data pago, através de cheque, a quantia de 7.000.000$00, sendo 3.500.000$00 para cada apartamento.
Tais declarações foram corroboradas pelo depoimento da testemunha V… que, de uma forma esclarecida, referiu que mediou, em 1999, esse negócio referente a dois apartamentos em … entre o reclamante e a tal sociedade P….
O reclamante D…, assim como a testemunha V…, referiram, ainda, que o reclamante perdeu o interesse na aquisição desses dois apartamentos e que em 2001 acabou por ser formalizado o contrato-promessa cuja cópia foi junta aos autos, tendo sido rescindido o primeiro contrato outorgado em 1999 com a P….
Embora o depoente e a testemunha V… tenham vindo dizer em audiência que o valor do sinal pago pelo reclamante D… “transitou” para o segundo contrato outorgado com a insolvente em Março de 2001, a verdade é que não conseguiram, minimamente, esclarecer por que forma ocorreu essa transição.
Com efeito, admitindo-se que o valor de 7.000.000$00 foi pago pelo reclamante D… à sociedade P…, nenhum dos dois conseguiu esclarecer se essa sociedade entregou à insolvente esse valor para pagamento do sinal que ficou a constar no contrato-promessa de Março de 2001, por que forma e em que data.
Aliás, o reclamante D… acabou mesmo por dizer em audiência que a P… não entregou à insolvente o valor do sinal que havia pago àquela. Ou seja, do próprio depoimento do depoente não resultou minimamente que a P… pagou à insolvente qualquer valor.
Assim, não ficou este tribunal convencido, por total ausência de prova, que a insolvente tenha, efetivamente, recebido qualquer sinal e princípio de pagamento no valor de 7.000.000$00 pago por esse credor reclamante.
Por outro lado, analisada a reclamação de créditos que esse credor apresentou ao Sr. administrador da insolvência nomeado no presente processo de insolvência e que se encontra junta a fls. 264 e seguintes, verificamos que o mesmo nessa reclamação alega que outorgou com a insolvente, em 31/3/2001, um contrato-promessa de compra e venda referente ao lote .. tendo pago, no ato da celebração desse contrato, à insolvente o valor de 7.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento.
O mesmo alegou, ainda, que interpôs contra a, aqui, insolvente uma ação que correu termos sob o n.º 3492/09.9TBVFR, no 3.º juízo cível de Santa Maria da Feira pedindo que fosse declarado resolvido esse contrato promessa e a, ali, ré condenada a pagar-lhe 70.000,00, acrescida de juros, e ainda o reconhecimento do direito de retenção sobre o lote .., ação essa a foi julgada procedente, o que a C… admitiu na sua impugnação (razão pela qual foram dados como assentes os pontos 8 e 9 dos factos provados).
Do atrás exposto, resulta que, quer em 2009 – data em que intentou essa ação –, quer em 2015 – data da reclamação de créditos que apresentou ao Sr. administrador da insolvência – este credor invocou sempre que outorgou com a insolvente, em Março de 2001, um contrato-promessa de compra e venda respeitante ao lote .. e que na data do mesmo, ou seja, em Março de 2001, pagou à insolvente, a título de sinal, 7.000.000$00, o que, afinal, veio confirmar em audiência que não correspondia à verdade.
Ora, em audiência, esse credor não conseguiu, minimamente, explicar por que razão a versão que apresentou em audiência não foi aquela que invocou nessa ação e na reclamação de créditos, não se compreendo por que razão optou por invocar uma realidade que, refere agora, não corresponde à verdade.
Salientamos que a versão que o mesmo trouxe à audiência de julgamento também não foi dada como assente porquanto este tribunal não ficou, minimamente, convencido que o sinal pago em 1999 à P… foi entregue à insolvente e que as partes acordaram que esse sinal passaria a corresponder ao sinal previsto no contrato de Março de 2001.
Com efeito, como acima dissemos, não foi feita qualquer prova de que essa P… tivesse, por alguma forma, aceite a rescisão do contrato-promessa que havia outorgado com esse reclamante e que tenha entregue à insolvente o aludido valor que passaria a corresponder ao sinal e princípio de pagamento do contrato de Março de 2001.
Ante o referido, não obstante termos ficado convencidos que as partes reduziram a escrito o contrato-promessa cuja cópia foi junta ao processo de insolvência, a verdade é que não foi feita qualquer prova de que esse reclamante, por qualquer forma, pagou a título de sinal à insolvente o valor de 7.000.000$00 para aquisição do lote ..”.
O apelante D… veio sustentar a pretendida alteração de facto, para além da autoridade do caso julgado de factos provados noutra acção e que já vimos que não procede, no seu próprio depoimento de parte (excertos) e depoimentos das testemunhas (excertos), W…, administrador da insolvente (acta de fls 688 vª) e V…, mediador/consultor imobiliário que declarou ter mediado um negócio para a insolvente em 2001 e que fez um negócio com o apelante D…, depoimentos que transcreveu nas suas alegações recursivas e que não vamos aqui reproduzir por redundância.
Vistos os aludidos depoimentos de parte e das indicadas testemunhas, nenhum deles aborda o facto dado como não provado no ponto 2. da sentença: “Esse reclamante interpelou a insolvente para cumprir o contrato promessa, tendo a insolvente comunicado a esse reclamante que não iria cumprir com o referido contrato-promessa”.
Assim, tal facto mantem-se como não provado.
Quanto ao ponto 1. não provado da sentença deve ser abordada a resposta do facto contrário considerado provado no ponto 6. da sentença, cuja resposta foi impugnada também pelo apelante.
A razão acima desenvolvida pela qual não pode ser considerada a eventual prova desse facto na acção a que se referem os factos provados 8. e 9. da sentença mantem-se.
Ora, o depoimento de parte do ora apelante não é confessório no sentido de que não pagou qualquer montante a título de sinal e princípio de pagamento relativo ao contrato promessa em causa. Isto porque a confissão judicial por depoimento de parte apenas tem valor probatório sujeito à livre apreciação do julgador[7], se for referente a factos desfavoráveis ao depoente e que favoreçam a parte contrária, in casu a credora impugnante do seu crédito, e se for inequívoca e indivisível- artºs 352º, 355º, nº 1 e 2, 356, nº2, 358º, nº 4 e 360º, todos do Código Civil de 1966. Por outro lado, como já referimos, são os factos essenciais da existência e exigibilidade do seu crédito reclamado nesta insolvência para ser verificado, classificado e graduado no pagamento pelo produto dos bens apreendidos para a massa insolvente que devem ser provados para a procedência da reclamação de créditos do apelante. A esta cabe o respectivo ónus da prova com a correspondente cominação de a falência dessa prova determinar decisão contra o seu interesse- artº 342º, nº1 CC e artº 414º NCPC. O facto provado sob o número 6. da sentença é um facto negativo que foi alegado pela credora reclamante C… nos artigos 17 e 18 da impugnação de 25.06.2015 (Fls 4 a 12). Assim, pela razão exposta e porque nenhuma prova foi feita e também não vem indicada na motivação de facto da sentença, retira-se dos factos provados o ponto 6. da sentença recorrida.
O depoimento de parte do ora recorrente revela o teor complexo de um negócio de aquisição de dois apartamentos, em Dezembro de 1991, em …, Ovar, a uma “empresa” denominada “P…”, de que seria sócio o senhor B1…, também sócio da insolvente e que, posteriormente foi celebrado o contrato promessa em causa nos autos, celebrado em Março de 2001, tendo o depoente já entregue a título de sinais pelos dois anteriores apartamentos as quantias de 3.500,000$00, ou seja um valor total de 7.000.000$00, que passou a servir de sinal para este novo contrato promessa, tendo pago posteriormente, em cheque, “no gabinete da anterior advogada”, o restante pagamento de € 10.000,00. Essa versão foi corroborada, em parte, pelos depoimentos das testemunhas W…, que assinou o contrato promessa referido no ponto 5. dos factos provados, como sócio da ora insolvente, mas que quanto às negociações não foram consigo, antes com o sócio B1… e pelo mediador imobiliário V…, que declarou que a imobiliária onde trabalha havia promovido a venda de dois apartamentos ao apelante, sitos em …, Ovar, em 1999, sendo “vendedora” a empresa “P…, Ldª” e que a concretização da aquisição dessa propriedade pelo apelante não se consumou, tendo, posteriormente, assistido à assinatura deste último contrato promessa (o dos autos) o qual “foi feito no seu escritório, em Ovar”.
Não consta dos autos nenhum documento que prove que as referidas quantias de 3.500,000$00 foram entregues à dita anterior empresa “P…, Ldª”, que entraram na contabilidade desta e que, de alguma forma contabilisticamente lícita, entraram em crédito na ora insolvente; não consta dos autos rasto do cheque do restante do pretenso sinal (10.000,00 €) e não estão provadas as qualidades de sócios ou gerentes naquela primeira sociedade do dito B1…, da testemunha W… ou dos dois.
Perante este quadro factual o declarado no texto do contrato promessa junto por cópia a fls 8 do processo de insolvência “(…) dando a primeira outorgante quitação do valor de esc. 7.000.000$00 por ter recebido como sinal e princípio de pagamento”, não constitui prova suficiente de que tal facto ocorreu, para efeitos da presente reclamação de créditos e sua impugnação. Tal documento particular assinado pelo apelante e pelos representantes da insolvente apenas fazem prova plena quanto às declarações atribuídas a estes- artº 376º, nos 1 e 2, Código Civil- não se impondo à credora reclamante que impugnou o efectivo negócio e pagamento do sinal.
Acresce que, para o efeito, nada releva o pagamento do IMT pelo apelante em 2013, dado que tal não era necessário para efeitos de mero contrato promessa e nada foi alegado e demonstrado que tal pagamento foi prévio a celebração da eminente e respectiva escritura de compra e venda, que previamente à sua outorga a lei impõe. Ignora-se o motivo pelo qual foi liquidado esse imposto naquela data, dois anos após a data do aludido contrato promessa e dois anos antes do requerimento de insolvência apresentado pelo ora apelante no processo principal.
Face ao exposto, a convicção desta Relação não é diferente da que expôs, clara e motivadamente, a Senhora juíza a quo na sentença recorrida, pelo que se mantem o referido facto- ponto 1.- como não provado.
Quanto ao facto não provado do ponto 2. da sentença, as testemunhas indicadas pelo apelante nada disseram, não existe qualquer prova documental e o declarado pelo apelante em depoimento de parte não tem valor confessório para o efeito. Sempre se dirá que este apenas referiu que “falei com o senhor B2… e disse-lhe, se não fizermos a escritura vou avançar para tribunal”. Ora, estranhamente, não falou com o senhor B1…, afinal com quem tinha sido realizado “todo” o negócio, sem se saber o motivo. E, apenas falou uma vez com o senhor B2…? De todo o modo, não declarou que o senhor B2… ou outro legal representante da insolvente tivesse comunicado que não queria cumprir o aludido contrato promessa.
Daí que este facto deve manter-se não provado.
*
II.2 - Do caso julgado:
Em ambos os recursos invocam os apelantes o caso julgado das sentenças proferidas, respectivamente, na acção nº 316/09.0TBVFR, do 4º Juízo Cível de Santa Maria da Feira, a que se referem os factos provados 22. a 26.-quanto à apelação de E… e mulher – e na acção n.º 3492/09.9TBVFR, do 3.º Juízo Cível de Santa Maria da Feira, a que se referem os factos provados 8. e 9. - quanto à apelação de D….
Nos recursos em apreço não está em causa a recusa do AI na celebração dos contratos promessa, porquanto os apelantes reclamaram os seus créditos com base em sentenças transitadas em julgado em acções propostas contra a insolvente antes da instauração da insolvência. Daí que não há que trazer à colação o AUJ nº 4/2014, publicado no DR Iª Série, de 19/05/2, referente a contratos promessa em curso, com eficácia meramente obrigacional. Nessa matéria expressamos o nosso entendimento no acórdão desta Relação[8], de 26.04.2018, relatado pelo ora relator e subscrito pelo primeiro adjunto, cujo sumário parcialmente se transcreve:
I - O artigo 106.º do CIRE regula especificamente a situação em que o insolvente se encontra vinculado a contrato promessa de compra e venda totalmente incumprido à data da declaração de insolvência: nenhum dos contraentes emitiu a declaração negocial correspondente ao contrato prometido, nem realizou na íntegra a prestação que deste resultaria.
III - O requisito da tradição da coisa a favor do promitente adquirente constitui a condição essencial para que ao AI não seja reconhecida a faculdade potestativa de escolha do destino final do negócio. Ambas as partes estão vinculadas a celebrar o contrato definitivo. Entendemos que é indiferente ter havido ou não sinal entregue.
V - A doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2014, publicado no DR Iª Série, de 19/05/2, nos termos do qual, “o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil”, é, apenas, aplicável:
- aos contratos promessa de compra e venda de eficácia meramente obrigacional;
- nos quais se tenha verificado o pagamento de sinal por parte do promitente comprador;
- em que tenha existido traditio da coisa objeto do contrato promessa; e
- que o promitente comprador seja um consumidor”.
Já abordamos a relevância para o caso da eficácia de caso julgado da matéria de facto eventualmente provada nas anteriores acções, que não é nenhuma, a nosso ver, para as reclamações de créditos e suas impugnações que agora nos ocupam.
Resta a questão do caso julgado ou da eficácia do caso julgado das referidas sentenças, transitadas em julgado, relativamente a estas reclamações/impugnações de créditos.
Nesta matéria não podemos deixar de concordar com a sentença recorrida, aliás em consonância com a doutrina e jurisprudência nacional maioritária e actual nela referida e que se resume a considerar que não se verifica caso julgado, autoridade de caso julgado ou ainda EFICÁCIA REFLEXA dessas decisões que reconheçam créditos sobre a insolvência com base em incumprimento de contratos promessa de compra e venda pela insolvente e antes da propositura da insolvência e o direito de retenção em virtude de tradição do bem imóvel objecto do contrato, enquanto direito real de garantia que prevalece no pagamento sobre a hipoteca, nos termos dos artºs 755º, nº 1, al. f), 759º, nº 2 e artºs 686º, nº1, 687º, 688º, nº1, al. a), todos do Código Civil.
Transcreve-se parte do sumário do douto acórdão do STJ de 12-04-2018 (ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA) que justifica este entendimento: “A credora hipotecária é um terceiro juridicamente interessado, por ser titular de uma relação jurídica de garantia que se prefigura como incompatível com aquela que foi estabelecida na aludida sentença e, por tal motivo, aquela decisão não faz caso julgado, quanto a ela”.
Impõe a Justiça dos interesses proteger o credor hipotecário surpreendido com um reconhecimento de direito de retenção numa acção em que não interveio, direito real de garantia que não está sujeito a registo predial, assente na consideração de que o credor hipotecário não é terceiro juridicamente indiferente relativamente aquelas sentenças[9].
Pelas razões expostas na sentença recorrida, é manifesto, como nela se escreve que, quanto ao apelante D…, “esse credor não logrou fazer a prova da existência de qualquer crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nem tão pouco que houve incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda por parte da insolvente.
Ante o exposto, entendemos que deve a impugnação apresentada pela C… quanto a esse crédito ser julgada procedente e, em consequência, não se julga verificada a existência de qualquer crédito sobre a insolvente detido pelo reclamante D…”.
No que diz respeito aos credores E… e mulher F…, invocaram nos autos terem um direito de crédito sobre a insolvente, garantido por direito de retenção sobre o lote .. (verba 7 do auto de apreensão).
Concorda-se com a sentença recorrida quando ali se escreve:
“Para tanto alegaram que a L… e O… foi reconhecido, por sentença, um direito de crédito sobre a insolvente e o direito de retenção sobre tais imóveis, tendo os reclamantes outorgado contratos de cessão de direitos através dos quais adquiriram tais créditos e direito de retenção.
Ora, a verdade é que não foi feita prova nos autos que os referidos L… e O… tinham qualquer direito de crédito sobre a insolvente porquanto não foi feita prova de que estes pagaram à insolvente os sinais referidos nos contratos-promessa invocados, sendo certo que, como acima dissemos, a sentença referida não constitui caso julgado neste processo.
Também não resulta provado nos autos quaisquer atos de posse que esses L… e O… tenham exercido sobre esses imóveis, nem que houve traditio.
Assim, não vemos como poderá ser reconhecido aos reclamantes qualquer direito de crédito sobre a insolvente e qualquer direito de retenção sobre essas frações, sendo certo que nos autos nem sequer foi feita prova de que as cessões em causa pudessem produzir efeitos em relação à insolvente uma vez que não se provou que lhes foram comunicadas (art. 583.º, n.º 1, do Código Civil)”.
Daí a procedência das impugnações da C… relativamente aos créditos reclamados pelos ora apelantes e que resta confirmar por esta Relação.
*
III- DECISÃO:
Nestes termos, ACORDAM os juízes nesta Relação em julgar improcedentes ambas as apelações e confirmar a sentença recorrida.
Custas de cada apelação pelos respectivos apelantes.

Porto, 11-07-2018
Madeira Pinto
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
_____
[1] Neste sentido Acórdão do STJ de 28.05.2009, in www.dgsi.pt. “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Conselheiro Abrantes Geraldes, Almedina,2013, p. 84 e 118.
[2] Na doutrina, pronunciaram-se Abílio Neto, CPC Anotado, 22ª ed., pág. 1051, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª ed., págs. 158 e 159 e obra citada na nota anterior, pág. 128, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 170, nota 331, Lebre de Freitas, CPC Anotado, 3º, I, 2ª ed., págs. 61 a 63 e Lopes do Rego, Comentário ao CPC, I, pág. 466. Na jurisprudência, ver, por todos, o Ac. do STJ de 09.02.12, www.dgsi.pt.
[3] Ver Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, p.222 a 229, Castro Caldas, recursos, na Revista do Ministério Público, Cadernos II, A Reforma do Processo Civil, p.129. Acórdão do STJ de 19.01.2017 (António Piçarra) e Acórdão do TRP de 18.12.2013 (Carlos Portela).
[4] Doravante assim designado o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18.03.
[5] Mais desenvolvimentos sobre esta matéria em Consº Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 253, Acórdão STJ (Salvador da Costa), CJ/STJ, T1, 2007, pág. 100, in www.dgsi.pt.
[6] www.dgsi.pt
[7] Ao contrário da confissão judicial escrita que tem força probatória plena (artº 358º, nº 1, CC).
[8] www.dgsi.pt
[9] Na doutrina: Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 312; Lebre de Freitas, em estudo denominado “ Sobre a prevalência, no apenso de reclamação de créditos, do direito de retenção reconhecido por sentença” - Rev. da Ordem dos Advogados, Ano 66 II, Lisboa, pág, 606 a 611; Salvador da Costa, in “Concurso de Credores”, 2015, pág. 227; Rui Pinto, in Manual da acção Executiva, pág. 879.
Na jurisprudência (entre muitos): acórdãos do STJ de 18/2/2015 e de 09-01-2018 (PINTO DE ALMEIDA), desta Relação do Porto de 23-03-2017 (FREITAS VIEIRA e em que foram adjuntos os dois primeiros subscritores deste acórdão) e de 27-11-2017 (CARLOS QUERIDO) e da Relação de Lisboa, de 15-03-2018 (LUÍS CORREIA MENDONÇA), todos in www.dgsi.pt.