Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
433/13.2TTGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
FALTAS POR MOTIVO DE FALECIMENTO DE CÔNJUGE
PARENTE OU AFIM
UNIÃO DE FACTO
Nº do Documento: RP20141006433/13.2TTGDM.P1
Data do Acordão: 10/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O trabalhador pode faltar justificadamente até cinco dias consecutivos por falecimento de parente ou afim no 1.º grau da linha recta, situação extensiva aos casos de falecimento de pessoa com quem viva em união de facto ou em economia comum, nos termos previstos em legislação específica [artigo 251.º, n.º 1, alínea a) e n.º2 do artigo 251.º do Código do Trabalho];
II - Estando em causa o falecimento do pai da pessoa com quem o trabalhador vivia em comum, a situação não tem enquadramento no disposto no artigo 251.º, pelo que as faltas não podem considerar-se justificadas ao abrigo de tal normativo;
III - Assim, tendo o trabalhador faltado ao trabalho durante três dias e meio e justificado tais faltas com o falecimento do pai da pessoa com que vive em comum – falecimento esse que, efectivamente, ocorreu –, que junto do empregadora invocou como sendo “sogro”, tais faltas são de considerar injustificadas;
IV - Mas não obstante essas faltas e a justificação para as mesmas apresentada (falecimento do “sogro”), a conduta do trabalhador assume escassa relevância disciplinar, atenta a equiparação das situações uniões de facto à dos cônjuges, seja decorrentes da lei, maxime da Lei n.º 7/2001, seja até do um sentimento social que vai generalizando, incluindo quanto à utilização nas uniões de facto de denominações próprias das relações de parentesco ou afinidade decorrentes do casamento;
V - Por isso, e tendo em conta ainda que o trabalhador tinha cerca de 28 anos de antiguidade na empregadora, é de considerar ilícito o despedimento do trabalhador com aquele fundamento, por destituído de justa causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 433/13.2TTGDM.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B… (NIF ………, residente na Rua …, n.º .. .º ..ª esq. poente, ….-… …) intentou em 05-08-2013, no Tribunal do Trabalho de Gondomar e mediante formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra C… (NIPC ………, com sede na Rua …, …, ….-… …), requerendo, subsequentemente, a declaração de ilicitude ou de irregularidade do mesmo, com as devidas consequências.

Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, veio a empregadora, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 98.º-I, n.º 4, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, apresentar articulado a justificar o despedimento do trabalhador.
Para tanto alegou, muito em síntese, que a trabalhador faltou ao trabalho entre o dia 29 de Abril (a partir das 14h00) de 2013 e o dia 3 de Maio seguinte, tendo justificado com o falecimento de um familiar (sogro); porém, tal justificação não corresponde à verdade, uma vez que o trabalhador tem o estado civil de divorciado.
Acrescentou que é (a Ré) de pequena dimensão e que presta serviços de socorro e apoio clínico (transporte de doentes), que as funções do Autor consistiam na condução de ambulâncias de transporte múltiplo e que com as referidas faltas dadas pelo mesmo teve que retirar pessoal de tarefas e horários habituais, com todos os transtornos que tal causa, “designadamente com a diminuição da produtividade dos demais funcionários”.
Concluiu, por isso, que o comportamento do trabalhador foi grave e justificou o seu despedimento com justa causa.
O trabalhador contestou o articulado da empregadora, sustentando que as referidas faltas que deu ao trabalho o foram por motivo de falecimento de familiar (sogro), ocorrido em 29 de Abril de 2013, do que deu oportuno conhecimento à Ré.
Isto não obstante reconhecer que tem o estado civil de divorciado, mas afirmando que desde 1999 vive em união de facto com D… e que as faltas dadas o foram por motivo do falecimento do pai desta.
Concluiu, por isso, que deve ser declarada a ilicitude do despedimento e, em consequência, a Ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare o mesmo ilícito, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde o seu vencimento até integral pagamento.
Mais pediu a condenação da Ré por litigância de má fé, uma vez que, sustenta, esta sabe que ele vive há mais de 13 anos em união de facto com D… e que as faltas foram dadas pelo falecimento do pai desta.

Respondeu a empregadora, a reiterar o constante do articulado que motivou o despedimento quanto às faltas injustificadas do trabalhador.

Após vicissitudes processuais que ora não relevam, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, que se prolongou pelos dias 27-11-2013 (fls. 204 a 207 dos autos), 17-12-2013 (fls. 228 a 233 dos autos) e 13-01-2014 (fls. 248 a 253; na acta refere-se o ano de 2013, mas trata-se de manifesto lapso), tendo nesta última data o tribunal respondido à matéria de facto, sem reclamação das partes.

Em 31 de Março de 2014 foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
«Termos em que julgo a acção improcedente e julgo procedente o pedido reconvencional, declarando ilícito o despedimento de que o Autor trabalhador foi objecto por parte da Ré Empregadora, e, em consequência, condeno a Empregadora a reintegrar o Trabalhador no seu posto de trabalho e a pagar-lhe todas as prestações vencidas desde o despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde o respectivo vencimento.
Custas pela Ré.
Valor da acção: € 5.000,01.».
Inconformada com o assim decidido, a Ré empregadora interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«1º Salvo o devido respeito o Recorrente não concorda com a douta decisão recorrida, na parte em que este decaiu.
2º O Recorrente carreou para o processo factos integradores da causa de pedir e que sustentaram a decisão de despedimento tomada no aludido processo disciplinar.
3º Tendo presente a prova testemunhal efectuada (e antes aludida: E…; F…; G… e H…) os factos constantes dos arts. 23º a 28º e 29º da petição inicial deveriam ter sido dados como provados.
4º A serem provados teríamos, tal como consta da decisão do processo disciplinar, a verificação de grave incómodo e inconveniente de serviço (impossibilidade/diminuição de resposta em emergência pré-hospitalar) e lesão patrimonial séria para a entidade patronal.
5º Independentemente de tal facto, e sem prescindir, é inequívoco que o Recorrido apresentou justificação falsa para a falta dos dias co[ns]tantes do item 6 dos factos provados.
6º Tal constitui justa causa de despedimento por parte da entidade patronal, ora Recorrente.
7º Pelo que a cessação de contrato de trabalho foi lícita.
8º Com o acto em causa o Recorrido violou e colocou em causa a confiança inerente à relação laboral, colocando em causa princípio fundamental para a manutenção de tal relação.
9º Tal constitui justa causa de despedimento por parte da entidade patronal, ora Recorrente.
10º O Recorrido nem sequer tentou, durante o processo disciplinar, apresentar defesa que evitasse a situação de despedimento (ainda que apresentando os argumentos da presente acção), bem sabendo que estava em causa o seu despedimento.
11º A contestação que veio, assim, apresentar nos autos recorridos assenta, assim, num verdadeiro venire contra factum próprio.
12º Todo o processo disciplinar foi rigoroso e pautou-se pela tentativa de obtenção de resposta do ora Recorrido.
13º Os factos apurados no processo disciplinar, tendo em atenção a prova documental e testemunhal apresentada, conduziram à existência de justa causa para despedimento do ora Recorrido.
14º Tal matéria transitou para os presentes autos e, quer por força da confissão do Recorrido, pela prova produzida e pela não impugnação (designadamente do contido no processo disciplinar) por parte do Recorrido, ter-se-á como provada.
15º Existe, assim, violação dos deveres do trabalhador e justa causa para o seu despedimento, nos termos e fundamentos antes indicados.
16º A decisão recorrida viola o disposto no n.º1 e alíneas d), e), f) e g) do art. 351º do Código de Trabalho.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado provado por procedente, revogando-se, em conformidade a douta sentença recorrida, e determinando-se a condenação do Recorrido nos termos peticionados nos autos recorridos (verificação da existência de justa causa e da validade da decisão de despedimento proferida), tudo como única forma de se repor e fazer inteira e sã JUSTIÇA.».

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, sendo o efeito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal em 18-07-2014, aqui o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual concluiu que o recurso deve ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto e que “não merece provimento na parte sobrante”.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

II. Objecto do recurso
Como é sabido, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam.
Assim, tendo em conta as conclusões da recorrente são as seguintes as questões essenciais decidendas:
1.ª saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto, o que pressupõe a análise e decisão sobre a questão prévia de determinar se a recorrente cumpriu o ónus que a lei lhe impõe quanto à impugnação da matéria de facto;
2.ª saber se existe justa causa para o despedimento do trabalhador.
III. Factos
A) A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. O Trabalhador foi admitido ao serviço da Empregadora em 1/03/1985, para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, mediante retribuição.
2. Tendo exercido as funções inerentes à categoria profissional de motorista, conduzindo ambulâncias de serviços de socorro e apoio clínico, inseridos na actividade da Empregadora.
3. A Empregadora remeteu, por carta registada com A/R que o Autor recebeu em 4/6/2013, a nota de culpa constante de fls. 54 a 57 destes autos.
4. Por carta registada com A/R, que o Autor recebeu em 2/8/2013, a Empregadora comunicou-lhe a decisão de despedimento sob alegação de justa causa, pelos factos constantes da referida nota de culpa.
5. No dia 13 de Fevereiro de 2013, o Trabalhador faltou ao serviço durante 3 horas e 50 minutos, tendo o Trabalhador apresentado justificação com fundamento em doença.
6. Igualmente faltou durante os dias 11 e 12 de Março de 2013, tendo o Trabalhador apresentado justificação com fundamento em doença.
7. O Trabalhador faltou ainda nos dias 29 (durante o período da tarde, entre as 14:00 e as 17:30 horas), 30 de Abril, 2 e 3 de Maio de 2013, tendo apresentado justificação por motivo de falecimento do “sogro” I…, cujo funeral ocorreu em 30 de Abril.
8. O dia 1 de Maio foi feriado nacional e os dias 4 e 5 fim-de-semana, tendo o Trabalhador retomado o serviço no dia 6 de Maio.
9. O Trabalhador é divorciado, tal como então constava da ficha profissional da Empregadora.
10. O Trabalhador iniciou pelo menos em 2000 uma relação amorosa com D…, filha do referido I…, falecido, com quem desde então passou a viver em comunhão de cama, mesa e habitação e da qual tem uma filha.
11. Em Dezembro de 2010, o Trabalhador e a referida D… interromperam tal relação, tendo-se aquele mudado de casa e passado a viver na casa em que então vivia a sua ex-cônjuge, casa que é pertença do Trabalhador.
12. Decorridos entre 3 a 12 meses sobre a referida separação, o Trabalhador retomou a vida em comum com a referida D…, que ainda se mantém.
13. A Empregadora tinha, ao tempo, conhecimento do referido relacionamento.
14. A Empregadora declarou no processo opor-se à reintegração do trabalhador.

B) O Tribunal afirmou quanto aos factos não provados:
«Não se provou nenhum outro facto, nomeadamente a existência de prejuízos para a Empregadora, por absoluta ausência de elementos probatórios.»

C) O tribunal motivou a resposta à matéria de facto nos seguintes termos:
«A convicção do Tribunal sobre a sua resposta afirmativa à matéria de facto baseou-se na confissão operada nos articulados quanto aos factos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º, sendo que os factos 3º e 4º resultam também dos documentos particulares de fls. 57 a 61, 71 a 73 e 97 a 98 (documentos CTT), não impugnados. E o facto 8º é também notório e do conhecimento comum.
Quanto aos factos 10º, 11º, 12º e 13º, baseou-se o tribunal no depoimento das testemunhas E…, F…, J…, D…, K… e L…, sendo que todos foram unânimes na versão provada, não tendo havido declarações em contrário.
O facto 14º consta dos elementos do processo.
As referidas testemunhas depuseram com isenção e convicção, tendo conhecimento directo dos factos. As demais testemunhas foram inócuas para os factos em litígio.».

IV. Fundamentação
Como resulta do que se expôs supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir centram-se em saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto e se o despedimento deve ser declarado ilícito, com as consequências daí decorrentes.
Analisemos, de per si, cada uma das questões.

1. Da alteração da matéria de facto
1.1. Nas conclusões das alegações de recurso, sustenta a recorrente, em suma, que face aos depoimentos das testemunhas E…, F…, G… e H… deviam os factos constantes dos artigos 23 a 29 do articulado que motivou o despedimento ter sido dados como provados.
E nas alegações de recurso indica em concreto a passagem da gravação de cada um dos depoimentos em que se baseia.

1.2. De acordo com o disposto no artigo 640.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
E nos termos do n.º 2, alínea a) do mesmo preceito, quando os meios probatórios tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Não basta, pois, que o recorrente se limite a fazer uma impugnação genérica: ele tem de concretizar, e individualizar, qual a matéria que considera incorrectamente julgada, seja matéria que foi dada como provada, seja matéria que foi dada como não provada.
Além disso, como resulta dos aludidos preceitos, o recorrente deve também indicar, em relação a cada um dos pontos/factos que considera incorrectamente julgados, quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente, e quando esses meios de prova tenham sido gravados o recorrente terá de indicar ainda quais os depoimentos em que fundamenta a sua impugnação, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda.
Sobre esta problemática, cabe referir que, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [vide, entre outros, os acórdãos de 18-03-2006 (Proc. n.º 3823/05), de 13-07-2006 (Proc. n.º 1079/06) e de 01-03-2007 (Proc. n.º 3405/06), disponíveis em www.dgsi.pt; a jurisprudência refere-se às regras processuais vigentes antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24-04, mas mantém-se actual face a essas alterações], entendemos que impondo quer o artigo 685.º-B, do anterior Código de Processo Civil, quer o artigo 640.º, do novo Código de Processo Civil, um especial ónus de alegação, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, já não exigem os referidos normativos legais que o recorrente leve às conclusões a indicação dos concretos meios probatórios em que se baseia a sua discordância relativamente à decisão de primeira instância.
Na verdade, sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, e constituindo o erro de julgamento da matéria de facto um dos fundamentos invocados no recurso, justifica-se que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser especificados nas conclusões do recurso.
Porém, o mesmo já não se verifica quanto à indicação nas conclusões dos concretos meios de prova, na medida em que estes mais não são do que argumentos invocados pelo recorrente para que a questão (de impugnação da matéria de facto) seja resolvida no sentido por ele sustentado.
Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-02-2010 (Proc. n.º 1718/07.2TVLSB.L1.P1), “[n]ão se exige ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza nas conclusões tudo o que alegou no corpo alegatório e preenche os requisitos enunciados no art. 690º-A, nº1, als. a) e b) e nº2, do Código de Processo Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara.
Esta consideração não dispensa, todavia, o recorrente de nas conclusões fazer alusão àquela pretensão sobre o objecto do recurso, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados, de modo a que delas resulte, inquestionavelmente, que pretende impugnar o julgamento da matéria de facto”.

No caso em apreço, nas conclusões das alegações a recorrente indica os factos que pretende que sejam dados como provados: os referidos nos artigos 23.º a 29.º do articulado que motivou o despedimento.
É, pois, de afirmar que cumpriu o disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º.
E o mesmo se deve concluir em relação à alínea b) do mesmo número, com referência ao n.º 2, alínea a), também do artigo 640.º.
Com efeito, nas alegações (e, como se disse, entende-se que em relação aos meios de prova não têm que ser, necessariamente, levados às conclusões, sendo suficiente que constem das alegações) a recorrente indica em relação a cada depoimento em que se baseia a concreta passagem da gravação.
Ora, tendo o tribunal a quo afirmado que «[n]ão se provou nenhum outro facto, nomeadamente a existência de prejuízos para a Empregadora, por absoluta ausência de elementos probatórios.» – ou seja, tendo o tribunal afirmado que não deu como provados outros factos por não ter existido prova sobre os mesmos – , entende-se que a recorrente cumpriu o ónus que a lei lhe impõe ao afirmar que a matéria deveria ter sido dada como provada tendo em conta os elementos probatórios consistentes nas passagens concretas dos depoimentos que referiu.
Nada obsta, pois, a que se conheça da impugnação da matéria de facto.

1.2.1. Da concreta impugnação
Os artigos 23.º a 29.º do articulado que motivou o despedimento são do seguinte teor:
«23º
Tais serviços são previamente programados por entidade externa à entidade patronal Ministério da Saúde) através de plataforma informática (SGTD).
24º
Não sendo possível à entidade patronal efectuar qualquer alteração aos horários e doentes programados, sob pena de colocar em causa o transporte dos mesmos e a consequente realização de exames ou tratamentos agendados para estes.
25º
Situação que igualmente geraria a perda das receitas decorrentes da realização dos transportes em causa.
26º
Com as faltas atrás referidas a entidade patronal foi obrigada a alterar o funcionamento programado para tais veículos, tendo de usar um motorista que se encontrava afecto a actividade de emergência pré-hospitalar, com vista a manter dessa forma o cumprimento daqueles serviços.
27º
Foi, assim, necessário retirar pessoal das tarefas e horários habituais, com todos os transtornos que tal causa, designadamente com a diminuição de produtividade dos demais funcionários.
28º
Tais faltas provocaram problemas ao funcionamento da entidade patronal dado que esta deixou de poder contar, de forma imprevisível, com tal trabalhador para o seu normal funcionamento.
29º
Ficou seriamente abalada a confiança no Autor, atenta a divergência entre as suas declarações relativas ao estado civil e a justificação apresentada para as faltas em causa.».

Cabe, desde logo, assinalar que o alegado neste último artigo assume natureza conclusiva.
Com efeito, saber se a confiança no Autor ficou ou não abalada é conclusão a extrair da diversa factualidade, sendo que, como resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, à semelhança do que já resultava do artigo 646.º, n.º 4, do anterior CPC, o tribunal apenas deve dar como provados factos.
Mas avancemos.
Procedeu-se à audição dos depoimentos invocados pela Ré e o que deles resulta, de forma concisa, é o seguinte:
a) a testemunha E… (Comandante do Corpo de Bombeiros da Ré) declarou que o Autor desempenha as concretas funções de motorista de “transportes clínicos” (doentes não urgentes), que esses transportes são programados e que nos dias em que o Autor faltou o transporte programado foi feito por outro trabalhador, não conseguindo “medir o prejuízo” que daí possa ter decorrido;
b) a testemunha F… (“Coordenador de Serviço” e 2.º Comandante do corpo de Bombeiros da Ré), afirmou, no essencial, o mesmo que a testemunha anterior, precisando que o transporte de doentes não urgentes é programado em articulação com a plataforma informática da ARS do Norte, pelo que o mesmo deve ser realizado, e que em razão da falta do Autor esse transporte foi assegurado por um “elemento que estava afecto à emergência médica”, não sabendo se em razão desses factos houve alguma recusa de socorro/emergência por parte da Ré;
c) a testemunha G… (operadora de comunicação na Ré) de relevante apenas mencionou que face às faltas do Autor, houve necessidade de colocar um outro trabalhador a desempenhar as tarefas que seriam desempenhadas por aquele;
d) finalmente, a testemunha H… (no CD é apenas identificado como “H1…”) apenas confirmou que substituiu o Autor nos dias em que este faltou, desempenhando as funções que ele desempenha (transporte de doentes não urgentes).
A testemunha declarou ainda que na Ré desempenha as funções de motorista, podendo ser de emergência médica, de transporte de doentes não urgentes ou até na condução de veículos pesados no combate a incêndios.
Ora, da conjugação destes depoimentos o que se extrai, de seguro e relevante, é que face à falta do Autor, as tarefas que por ele seriam desempenhadas (de motorista de transporte de doentes não urgentes) tiveram que ser desempenhadas por um outro trabalhador, que nesses mesmos dias estava afecto a motorista de emergência médica.
Assim irá aditar-se um facto com tal conteúdo.
Nesta sequência, adita-se à matéria de facto, com o n.º 15, o seguinte facto:
«Em razão da falta do Autor nos dias referidos em 7. a Ré colocou nesses dias um outro trabalhador, que estava afecto às funções de motorista de emergência médica, a desempenhar as tarefas, programadas com terceiras entidades e que se encontravam cometidas ao Autor, de motorista de transporte de doentes não urgentes».

II. Da licitude ou ilicitude do despedimento
A este propósito a 1.ª instância após afirmar que “aparentemente” as faltas dadas pelo trabalhador devem ser consideradas justificadas, e, por isso, que não existe justa causa de despedimento, acrescentou ainda que mesmo que assim se não entendesse as referidas faltas não constituíam justa causa de despedimento.
Escreveu-se para tanto na referida sentença:
«A Empregadora soube que o Trabalhador faltou invocando o direito de faltar por se tratar do falecimento do pai da sua companheira (a palavra “sogro” tem um significado meramente social, designando impropriamente também o pai da companheira, pelo que não pode a Empregadora dizer que o Trabalhador prestou falsa declaração).
Será que o trabalhador tinha tal direito? Aparentemente, sim. O trabalhador tinha uma relação marital com a companheira, de quem tem uma filha de 12 anos (tal como a Empregadora assume na sua alegação). Aparentemente a Empregadora desconhecia aquele direito.
Mas, admitindo que o trabalhador não possuía o direito de faltar pelo motivo invocado, tendo o trabalhador agido na pressuposição da sua existência, poderíamos concluir que o trabalhador culposamente? Quando muito, apenas ao nível da negligencia, por não ter cuidado de averiguar melhor o seu direito. Mas não podemos considerar tal culpa como grave e nem as suas consequências tornam impossível a subsistência do contrato de trabalho, pois as consequências para a Empregadora (para além do incómodo de ter de substituir o trabalhador, situação para que uma empresa terá de estar permanentemente preparada) não são nenhumas.
Mas, como vimos, a Empregadora nem sequer considerou a hipótese da existência do direito do Autor a faltar por aquele motivo (certamente porque desconhecia a existência da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio).
E no entanto, o Trabalhador não tinha o direito a faltar, pois que a aplicação da referida Lei 7/2001 depende de a união de facto durar há mais de 2 anos, como prescreve o nº 1 do seu art. 1º. E a união de facto do trabalhador, que se havia interrompido, apenas tinha reiniciado, com toda a certeza, em Dezembro de 2011, pelo que em Abril de 2013 ainda não tinha completado os 2 anos.
Todavia, ao nível da culpa e da gravidade, este facto é irrelevante, pois que não foi tido em consideração no procedimento disciplinar, por nenhuma das partes.
Por tudo o exposto, entendemos não ter existido justa causa para despedimento, pelo que se impõe a declaração da sua ilicitude.».

A recorrente, retomando a argumentação aduzida nos articulados, sustenta, em suma, que as faltas do Autor dadas em razão do falecimento do pai da sua companheira não podem ser consideradas justificadas e que aquele invocou um motivo falso ao justificar as faltas com o falecimento do “sogro”.
Vejamos.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho de 2009, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
A referida noção de justa causa corresponde à que se encontrava vertida no artigo 9.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) e, posteriormente, no n.º 1, do artigo 396.º, do Código do Trabalho de 2003 e pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho; (iii) a verificação de um nexo de causalidade entre o referido comportamento e tal impossibilidade.
A ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão.
Relativamente à culpa, a mesma deve ser apreciada segundo o critério do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, pela diligência de um bónus pater família, em face das circunstâncias de cada caso, o mesmo é dizer, de acordo com “um trabalhador médio, normal” colocado perante a situação concreta em apreciação.
Verifica-se a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.

No caso em apreciação a empregadora invocou a violação por parte do trabalhador do disposto nas alíneas d), e), f) e g) do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho, ou seja, não só as faltas ao trabalho, como também as falsas declarações relativamente a essas faltas, como ainda a lesão de interesses patrimoniais que daí decorreram.
Resulta da matéria de facto que o Autor não prestou trabalho para a Ré entre os dias 29 de Abril de 2013 (das 14h00 às 17h30) e o dia 3 de Maio de seguinte, tendo apresentado como justificativo dessas faltas o falecimento do “sogro”, I….
Refira-se que não vem questionada a justificação das ausências parciais dadas pelo trabalhador nos dias 13 de Fevereiro de 2013 e 11 e 12 de Março seguinte, pelo que as mesmas irrelevam na apreciação da justa causa de despedimento.
A falta envolve a ausência física do trabalhador do seu local de trabalho (cfr. artigo 128.º, n.º 1, alínea b) e 248.º, n.º 1, do Código do Trabalho].
E nos termos do n.º 1 do artigo 249.º do Código do Trabalho, as faltas podem ser justificadas ou injustificadas; no n.º 2 do mesmo artigo consideram-se justificadas as dadas por um dos motivos indicados nas diversas alíneas, designadamente as motivadas por falecimento de cônjuge, parente ou afim, nos termos do artigo 251.º [alínea b)], ou as que foram autorizadas ou aprovadas pelo empregador [alínea i)].
O trabalhador pode faltar justificadamente até cinco dias consecutivos por falecimento de parente ou afim no 1.º grau da linha recta, situação extensiva aos casos de falecimento de pessoa com quem viva em união de facto ou em economia comum, nos termos previstos em legislação específica [artigo 251.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código do Trabalho].
Quanto à legislação específica, importa ter presente o disposto na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio (diploma que aprovou medidas de protecção das uniões de facto), alterada pela Lei n.º23/10, de 30 de Agosto.
E nos termos do n.º 1 do seu artigo 1.º, em conjugação com a alínea c) do artigo 3.º do referido diploma legal, quem viva em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos tem direito a beneficiar do regime jurídico das faltas, em termos equiparados ao dos cônjuges.
Note-se, porém, que o referido n.º 2 do artigo 251.º apenas remete para o regime constante da alínea a) em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador (a letra da lei parece ser expressiva ao declarar “[a]plica-se o disposto na alínea a) do número anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador (…)”), não remetendo para a alínea a) quanto aos regimes de afinidade, o que significa que, por exemplo, a morte do pai da pessoa com quem o trabalhador vive em união de facto não é de considerar justificada ao abrigo de tal preceito (neste sentido, Paula Quintas e Hélder Quintas, Código do Trabalho Anotado e Comentado, 2012, 3.ª Edição, Almedina, pág. 697)..
Assim, estando em causa o falecimento do pai da companheira do Autor, a situação não tem enquadramento no disposto no artigo 251.º, pelo que as faltas não podem considerar-se justificadas ao abrigo de tal normativo, sendo certo, ainda, que não se invoca qualquer outro motivo de justificação das mesmas faltas.
Refira-se que mesmo que se entendesse que a situação em análise tinha enquadramento no disposto no artigo 251.º, n.º 2 – por equiparação total entre o trabalhador casado e o que vive em união de facto no que respeita ao regime de faltas para situações de afinidade –, ainda assim no concreto caso o trabalhador não podia beneficiar do regime em apreciação por não ter demonstrado que vivesse em condições análogas à dos cônjuges com D… (cfr. facto n.º 11 e 12).
Conclui-se, pois, mais uma vez que as faltas não podem ser consideradas justificadas.
Mas não obstante tal conclusão, pergunta-se: a circunstância de as faltas não serem justificadas e de o despedimento assentar, além do mais, em tal fundamento, permite concluir que este foi com justa causa?
Entendemos que não.
Expliquemos porquê.

Como a jurisprudência tem repetidamente afirmado, não basta para a verificação da justa causa de despedimento a simples materialidade dos factos, como sejam as faltas injustificadas ao trabalho durante certo número de dias, ou o risco ou prejuízo para a empresa decorrente dessa faltas, sendo necessária a demonstração do comportamento culposo do trabalhador, revestido de gravidade que torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; isto é, e concretizando, o facto de em razão das faltas do trabalhador terem decorrido prejuízos ou transtornos para a empresa, não determina, de forma automática, a verificação de justa causa de despedimento: torna-se também necessário que se alegue e prove que tais faltas assumiram tal gravidade e consequências que se verifica a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho nos termos exigidos pelo nº 1 do artigo 351.º do mesmo Código.
O princípio geral consignado neste preceito, complementado pelos critérios de apreciação prescritos no seu n.º 2, baseia-se em princípios de necessidade, adequação e da proporcionalidade, inerentes ao direito sancionatório, e tem aplicação a todas as situações exemplificativamente enumeradas nas alíneas do n.º 3 do mesmo artigo (vide, por todos, embora no domínio da anterior legislação, mas cujos princípios se aplicam, mutatis mutandis, no âmbito do actual Código do Trabalho, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07-11-2007, de 25-06-2008 e de 08-10-2008, Recursos n.º 2360/07, 835/08 e 1326/08, respectivamente, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido se tem pronunciado a doutrina.
Assim, a este propósito afirma Bernardo Lobo Xavier (Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 741): «o quadro normativo quanto à «justa causa» utiliza uma descrição de vários comportamentos exemplificativamente previstos, cuja relevância só é detectável pelo recurso a uma cláusula geral, em que a situação causa e justifica o despedimento. Tal clausula utiliza-se, seguindo-se o critério de verificação de uma situação de impossibilidade prática e imediata, impossibilidade que se deve analisar em concreto e de modo racional, isto é, pela comparação das reais conveniências contrastantes das duas partes à luz dos valores presentes no nosso ordenamento, em especial revelados pelo elenco das típicas «justas causas» de despedimento constantes da própria lei».
Também Maria do Rosário Palma Ramalho escreve sobre esta matéria (Direito do Trabalho – Parte II, 3.ª Edição, Almedina, págs. 909-910): «Tem sido entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que qualquer situação de justa causa – seja ela directamente subsumível ao art. 351.º n.º 2 ou decorrente da violação de qualquer outro dever do trabalhador, com fundamento legal, negocial ou convencional colectivo – tem que se subsumir à cláusula geral de justa causa estabelecida no n.º 1 do artigo, para efeitos de verificação dos respectivos elementos integrativos []. Assim, o comportamento do trabalhador apenas consubstancia uma situação de justa causa para despedimento se for ilícito, culposo e grave e se dele resultar a impossibilidade prática e imediata de subsistência do contrato de trabalho, nos termos indicados».

Volvendo ao caso dos autos, é certo que o Autor faltou entre os dia 29 de Abril (das 14h00 às 17h30) e o dia 3 de Maio de 2113 e que tais faltas não são de considerar justificadas.
Mais resulta que em função dessas faltas, a Ré teve que colocar outro trabalhador a desempenhar as tarefas que deveriam ser desempenhadas pelo Autor.
E verifica-se ainda que o trabalhador justificou as faltas com fundamento no falecimento do “sogro”.

Refira-se, em breve parêntesis e quanto a este último facto, que, como resulta do disposto no artigo 1578.º do Código Civil, o parentesco é o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um progenitor comum; por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 1584.º do Código Civil, a afinidade é o vínculo que liga um dos cônjuges aos parentes do outro.
Assim, não sendo o Autor casado com D… não é exacta a afirmação/declaração do mesmo à empregadora, do falecimento do “sogro”, referindo-se com tal expressão, ao pai da pessoa com que vive em comum.
Contudo, não poderá deixar de se ter presente que é hoje frequente na nossa sociedade, diremos até que é comum, sobretudo em certos meios sociais e/ou regiões, a aplicação ou equiparação das denominações decorrentes da afinidade por virtude do casamento a situações de união de facto.
É assim que se compreende que o Autor se refira ao pai da pessoa com que vive como “sogro”.
Por isso, e ao contrário do que parece sustentar a recorrente, não vislumbramos qualquer comportamento censurável do Autor, em termos de configurar infracção disciplinar (e é só neste âmbito que nos compete analisar nos presentes autos), decorrente da referência ao falecimento do “sogro”.
Isto, quando é certo, resulta da matéria de facto, a empregadora tinha conhecimento da relação que o Autor mantinha com D… (cfr. factos n.ºs 10 a 14).

Fechado o parêntesis, avancemos.
O que resulta então de concreto, quanto à apreciação da existência ou não de justa causa de despedimento, é que o trabalhador faltou ao trabalho durante três dias e meio e que em razão dessa falta a empregadora teve que colocar outro trabalhador a desempenhar as funções de motorista de transporte de doentes não urgentes que àquele competiam.
Resulta também que tais faltas devem considerar-se injustificadas (cfr. artigos 248.º, n.º 1 e 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho).
Todavia, não obstante a actividade da Ré, designadamente de socorro e transporte de doentes, o que decorreu para aquela, em razão das faltas do Autor, foi tão só a necessidade de o substituir por outro trabalhador.
Naturalmente que tal situação causou transtornos na organização do trabalho da Ré, mas não mais que isso, já que, de concreto, nenhuns prejuízos ou resultados graves no seu funcionamento se provaram.
Importa também ter presente, na apreciação da existência ou não de justa causa de despedimento, que o trabalhador tinha cerca de 28 anos de antiguidade, sem que se dê nota de qualquer anterior procedimento ou sanção disciplinar.
Ora, perante tais elementos, em termos objectivos e tendo em conta um “empregador normal”, não se pode concluir que se tenha tornado impossível a subsistência da relação de trabalho pelo facto do trabalhador ter faltado ao trabalho durante três dias e meio, justificado tais faltas com o falecimento do pai da pessoa com que vive em comum – falecimento esse que, efectivamente, ocorreu – e que junto do empregadora invocou como sendo “sogro”.
O comportamento do trabalhador, ao faltar ao trabalho pelo motivo descrito e ao justificar tais faltas com o falecimento do “sogro”assume escassa relevância disciplinar, atenta a equiparação das situações de união de facto à dos cônjuges, seja decorrentes da lei, maxime Lei n.º 7/2001, seja até do um sentimento social que vai generalizando, incluindo quanto à utilização nas uniões de facto de denominações próprias das relações de parentesco ou afinidade decorrentes do casamento.
Nesta sequência, é de concluir – como concluiu a 1.ª instância – que não se verifica justa causa de despedimento.
Improcedem, por consequência, nesta parte as conclusões das alegações de recurso.

Vencida no recurso, a Ré/recorrente deverá suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, do Código de Processo Civil).
Isto tendo em conta que o aditamento à matéria de facto não interfere com o sentido da decisão final.

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
1. Aditar à matéria de facto, sob o n.º 15, o facto supra descrito;
2. julgar improcedente o recurso interposto por C…, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Ré/recorrente.

Porto, 06 de Outubro de 2014
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
______________
Sumário elaborado pelo relator (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
i) O trabalhador pode faltar justificadamente até cinco dias consecutivos por falecimento de parente ou afim no 1.º grau da linha recta, situação extensiva aos casos de falecimento de pessoa com quem viva em união de facto ou em economia comum, nos termos previstos em legislação específica [artigo 251.º, n.º 1, alínea a) e n.º2 do artigo 251.º do Código do Trabalho];
ii) estando em causa o falecimento do pai da pessoa com quem o trabalhador vivia em comum, a situação não tem enquadramento no disposto no artigo 251.º, pelo que as faltas não podem considerar-se justificadas ao abrigo de tal normativo;
iii) assim, tendo o trabalhador faltado ao trabalho durante três dias e meio e justificado tais faltas com o falecimento do pai da pessoa com que vive em comum – falecimento esse que, efectivamente, ocorreu –, que junto do empregadora invocou como sendo “sogro”, tais faltas são de considerar injustificadas;
iv) mas não obstante essas faltas e a justificação para as mesmas apresentada (falecimento do “sogro”), a conduta do trabalhador assume escassa relevância disciplinar, atenta a equiparação das situações uniões de facto à dos cônjuges, seja decorrentes da lei, maxime da Lei n.º 7/2001, seja até do um sentimento social que vai generalizando, incluindo quanto à utilização nas uniões de facto de denominações próprias das relações de parentesco ou afinidade decorrentes do casamento;
v) por isso, e tendo em conta ainda que o trabalhador tinha cerca de 28 anos de antiguidade na empregadora, é de considerar ilícito o despedimento do trabalhador com aquele fundamento, por destituído de justa causa.

João Nunes