Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3746/17.0T8MTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: CITAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
ERRO
OMISSÃO
SECRETARIA JUDICIAL
ATOS EQUÍVOCOS
DÚBIA INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RP202010213746/17.0T8MTS-B.P1
Data do Acordão: 10/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE, REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender e emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa. A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto - artigo 219º, nºs 1 e 2 do CPC.
II - A secretaria incorre em erro ao efetuar via e-mail comunicação a uma das partes, na sequência do promovido pelo Ministério Público no sentido desta ser notificada para se pronunciar através de mandatário e do habilus/citius, sem despacho judicial que o tivesse determinado.
“(…)
III - Ao erro ou omissão referentes a notificações da secretaria judicial são de equiparar atos equívocos, ou de dúbia interpretação, e que possam afetar negativamente direitos dos seus destinatários, desde que a interpretação lesiva que deles possa ser feita, aferido pelo standard interpretativo do destinatário normal – art. 236.º, n.º 1, do CC – possa ser acolhida.
IV - Na dúvida deve entender-se que a parte não pode ser prejudicada por atos praticados pela secretaria judicial, como estatui o art. 157.º, n.º 6, do CPC vigente e preceituava identicamente, o anterior n.º 6 do art. 161.º do CPC.
V - Esta norma constitui emanação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança e do princípio da transparência e da lealdade processuais, indissociáveis de um processo justo e equitativo”.
(Sumário parcialmente extraído do Acórdão do STJ de 30.11.2017, in www.dgsi.pt.)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3746/17.OT8MTS-B.P1
4ª Secção (Social)
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto,
Juízo do Trabalho de Matozinhos – Juiz 1
Recorrente: B…, S.A.
Recorrido: C…

Relatora: Teresa Sá Lopes
1ª Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão
2ª Adjunta: Desembargador Domingos Morais
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório:
No processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, a que se reportam os autos, houve acordo na fase conciliatória, alcançado na tentativa de conciliação, vindo o sinistrado C… intentar, em 13.04.2020, incidente inominado contra “B…, SA”, no qual requereu a reabertura dos autos e a condenação da referida entidade responsável no pagamento do montante global de €4.988,45, a título de despesas médicas que suportou com tratamentos às lesões/sequelas decorrentes do acidente aqui em causa, quantia acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Juntou documentos e requereu prova.
Em 16.04.2020 foi proferido despacho a ordenar a notificação da seguradora para, querendo, se pronunciar em 10 dias.
A seguradora foi notificada via citius, mediante comunicação expedida em 16.04.2020, com cópia daquele despacho, do requerimento apresentado pelo sinistrado e cópia do auto de tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória.
Datada de 20.04.2020, foi remetido aos autos a mensagem eletrónica dirigida ao Exmo. Sr. Procurador da República, na qual a entidade responsável comunicou manter a posição anteriormente assumida.
O Ministério Público pronunciou-se promovendo a notificação da seguradora para dar cumprimento ao despacho de 16.04.2020, através de mandatário e do habilus/citius.
Sem que tal promoção tenha sido objeto de prévio despacho, por correio eletrónico, em 22.04.2020, foi pelo Oficial de Justiça do Tribunal a quo comunicado à seguradora o seguinte:
“Com referência ao V. email de 20/04/2020, pelas 16:22 o qual consta no ficheiro anexo, solicita-se à V. Companhia de Seguros que se digne pronunciar nos moldes ordenados pela Mmª Juiz de Direito, no despacho de 16/04/20, sob a refª 413713357 e, que o faça através de mandatário utilizando o sistema “Citius”, uma vez que são colocadas questões de direito no requerimento apresentado pelo Sinistrado. PRAZO: 10 DIAS”.
Em 27.04.2020, a seguradora veio juntar aos autos procuração forense.
Em 07.05.2020, a seguradora veio deduzir oposição à pretensão do sinistrado, pugnando pela sua improcedência.
Notificado, o sinistrado veio invocar a extemporaneidade de tal oposição, aduzindo para tal:
“1.º No dia 16 de Abril de 2020, este douto Tribunal determinou (por despacho a fls. […]) a notificação da Seguradora para, em 10 dias, se pronunciar sobre o incidente apresentado pelo Sinistrado.
2.º Ao abrigo do disposto no art. 239.º n.º 1 do CPC, a notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando não o seja.
3.º No caso concreto, verificamos que o registo se verificou no dia 17 de Abril de 2020, pelo que a Entidade Responsável se considerou notificada no dia 20 de Abril de 2020.
4.º Ainda que em contexto de pandemia, a Lei n.º 4 – A/2020, de 6 de Abril, no seu art. 7.º n.º 7, determinou que “(…) os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos (…)” .
5.º À luz do art. 26.º n.º 1 al. e) do CPT, as ações emergentes de acidente de trabalho têm natureza urgente, sendo certo que, por partilhar a mesma ratio e o mesmo espírito, o presente incidente também terá que ter. Sobre isto, note-se o decidido pelo Tribunal da Relação do Porto (1) em cujo sumário se pode ler: “[o] incidente de revisão, como parte de um todo que é o processo para a efetivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho, tem natureza urgente (…)”. Ora, se assim é, cremos não existir fundamento para que o incidente de revisão e o presente incidente tenham natureza diversa.
6.º Ademais, não será de ignorar que, mesmo que os autos (ainda) estejam autuados por apenso, o Sinistrado, no Requerimento Inicial, peticiona, entre mais, a abertura dos autos principais.
7.º Neste seguimento, a Seguradora, ora Requerida, tinha até ao dia 30 de Abril de 2020 para se pronunciar sobre tudo o que o Sinistrado alegou e peticionou.
8.º Todavia, constatamos que a Seguradora apresentou a sua peça processual (oposição) apenas no dia 7 de Maio de 2020, ou seja, em data ulterior à que estava obrigada. Destarte, tem de se considerar essa apresentação extemporânea e, por isso, sujeita ao desentranhamento.
(…)”
A seguradora a seguir refutou a apontada extemporaneidade, aduzindo:
“(…), a Requerente foi notificada a 16.04.2020 para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o Incidente deduzido pelo trabalhador, O que fez! No entanto, na medida em que era obrigatória a constituição de mandatário, e na sequência da promoção do Senhor Procurador com a referência 413793917, o Tribunal efectuou nova notificação, desta feita a 22.04.2020, data a partir da qual se iniciou o aludido prazo. Desta forma, contrariamente ao invocado pelo trabalhador, a Oposição apresentada não é extemporânea, razão pela qual deve ser indeferido o sugerido desentranhamento da peça processual.”.
Pelo Ministério Público foi emitida promoção no sentido defendido pelo sinistrado.

Em 30.06.2020, foi proferida decisão, lendo-se no respetivo teor:
“Como se mostra comprovadamente demonstrado:
- por despacho de 16/04/2020 foi ordenada a notificação da seguradora para, no prazo de 10 dias, se pronunciar quanto ao requerimento do sinistrado (fls. 80),
- tal despacho foi cumprido nesse mesmo dia (cfr. plataforma citius),
- a seguradora rececionou a carta para notificação no dia 20/04/2020 (cfr. site CTT),
- a seguradora deduziu oposição no dia 07/05/2020 (fls. 86 e ss.).
Ora, se assim é, o prazo para apresentação da oposição terminava a 30/04/2020.
E não se diga que o atual contexto de pandemia pelo qual nos encontramos a atravessar altera a contagem de tal prazo.
Com efeito, rege o n.º 7 da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redacção conferida pela Lei n.º 4-A/2020 de 06/04, que “Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte: (…) c) Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1”.
Ora, os presentes autos de acidente de trabalho têm natureza urgente e, em momento algum, veio a seguradora alega estar impossibilitada de assegurar a tramitação dos autos (designadamente de poder apresentar tempestivamente a sua oposição).
Contudo, apenas deduziu oposição no dia 07/05/2020 pelo que, como bem defende o sinistrado e o Ministério Público, sempre a mesma se terá de considerar extemporânea.
Note-se que, ao contrário do invocado pela seguradora, ao acabado de expor não obsta o constante de fls. 81/82, assim como também não obsta o exarado a fls. 82/83 (sem prejuízo de que, na sequência do aí consignado, sempre a seguradora poderia ainda ter juntado aos autos a oposição até ao dia 30 de Abril, o que não fez – apenas juntou procuração forense a 27/04).
Aliás, mesmo que se entenda ter ocorrido uma nova concessão do prazo de 10 dias (o que não sucedeu), na sequência do email remetido à seguradora no dia 22/04 (fls. 83) – contando-se os 10 dias desde esta última data, como alega a seguradora a fls. 94v -, também a oposição seria extemporânea (sendo que, como refere o MP, nem sequer foi invocada qualquer situação que pudesse constituir justo impedimento).
Termos em que se julga a oposição deduzida pela seguradora extemporânea, razão pela qual não se admite a mesma, ordenando o seu desentranhamento e devolução à precedência.
Custas do incidente, pelo desentranhamento, a cargo da seguradora, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
Notifique.” (realce e sublinhado nossos).

Notificada, a Seguradora veio interpor recurso, terminando, após a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
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O Sinistrado veio contra-alegar, pronunciando-se no sentido de o recurso não merecer provimento, terminando com as seguintes conclusões:
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Em 11.08.2020, foi proferido despacho no qual a Mmº. Juiz a quo se pronunciou sobre a invocada nulidade do processado e admitiu o recurso, como de apelação, com subida imediata, em separado, e com efeito devolutivo, fixando o valor do recurso em € 4.988,45, lendo-se no teor do mesmo despacho:
“(…)
Não se conformando com o despacho proferido a fls. 97 e ss., pelo qual se julgou extemporânea a oposição que deduziu ao incidente intentado pelo sinistrado, veio a seguradora requerer:
- que seja revogado o referido despacho, o qual deverá ser substituído por outro que considere a oposição tempestiva;
ou, caso assim se não entenda,
- que seja declarada a nulidade de todo o processado a partir do despacho proferido a fls. 80 – pelo qual se ordenou a notificação da seguradora para, em 10 dias, se pronunciar quanto ao requerido pelo sinistrado -, já que entende que deveria ter sido citado para deduzir oposição, nos termos previstos pelo art. 227º do CPC.
O sinistrado exerceu o contraditório a fls. 112/112v, opondo-se ao defendido pela seguradora.
Cumpre apreciar.
No que concerne à primeira pretensão da seguradora vai a mesma indeferida por inadmissibilidade legal.
Com efeito, com a prolação do despacho que julgou extemporânea a oposição, esgotado ficou o nosso poder jurisdicional – cfr. art. 613º n.º 1 do CPC.
Consequentemente, nunca este tribunal poderá “revogar” tal despacho e substituí-lo por outro.
Já no que respeita à segunda questão, salvo melhor entendimento, uma vez mais, julgamos não assistir razão à seguradora.
Em primeiro lugar, não estamos no âmbito de uma qualquer ação para que fosse imposta a “citação” da seguradora, mas antes perante um incidente.
Na verdade, os autos estão já pendentes desde 2017 (data na qual se iniciaram com a participação do acidente efetuada pela própria seguradora – cfr. fls. 1), e sempre no tramitar dos mesmos a seguradora teve papel ativo.
E, se assim é, esta última apenas teria de ser notificada para deduzir oposição.
Contudo, mesmo que assim se não entenda, a verdade é que, após a prolação do referido despacho, a seguradora praticou vários atos processuais, sem que tivesse suscitado a nulidade que agora defende existir.
Mais concretamente: a) apresentou o requerimento de fls. 81/81v (a 20/04), b) juntou a competente procuração forense a fls. 84 e ss. (a 27/04) e c) deduziu a oposição de fls. 86 e ss. (a 07/05).
Em nenhum desses momentos alegou qualquer nulidade.
Acresce que, após o sinistrado ter invocado a extemporaneidade da sua oposição (fls. 92 e ss.), veio a seguradora defender estar a mesma em tempo (o que fez a 28/05 – fls. 94 e ss.), uma vez mais não invocando qualquer nulidade.
Ora, mesmo que se estivesse perante uma nulidade decorrente de falta de citação (o que não se concebe), sempre a mesma estaria sanada face ao previsto no art. 189º do CPC, segundo o qual, “Se o réu (…) intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade”.
Julgamos, pois, não se verificar qualquer nulidade, seja a invocada pela seguradora, seja qualquer outra (designadamente por violação dos arts. 248º e 249º do CPC), razão pela qual se indefere a pretensão da mesma.
(…)”.
Remetidos os autos a este Tribunal, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de não ser de emitir parecer por no recurso se tratar de questão meramente processual.
Questão prévia:
O sinistrado começa por suscitar a questão relativa ao incumprimento por parte da apelante do ónus imposto pelo artigo 639º nº 1 Código de Processo Civil (CPC), porquanto faz uma reprodução ipsis verbis do que verteu no corpo das alegações e tal circunstância é o mesmo que não apresentar conclusões.
Vejamos:
De harmonia com o disposto no artigo 637º, nº2 do Código de Processo Civil, “o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade (…)”.
Dispõe o artigo 641º, nº2, alínea b) do código de Processo Civil – “ex vi” artigo 652º, nº1 alínea b) do Código de Processo Civil – o recurso é indeferido quando “Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões”.
O artigo 641º, nº2, alínea b) do Código de Processo Civil, fala em falta de conclusões, ou seja, quando estas não existem.
Comparando as alegações com as conclusões do recurso interposto pela recorrente, constata-se efetivamente que estas últimas são praticamente idênticas às primeiras quase que tendo aquele se limitado a epigrafar de “conclusões” o que tinha transcrito nas alegações de recurso. Tal não significa, porém que as conclusões não existam mas antes que o apelante não cumpriu com a obrigação de as sintetizar, como determina o artigo 639º, nº1 do Código de Processo Civil.
Não acompanhamos assim a conclusão a que chegou o sinistrado, não ocorrendo motivo para rejeitar o recurso com fundamento no disposto na alínea b) do nº2 do artigo 641º do Código de Processo Civil.
Atenta a dimensão das conclusões afigura-se-nos outrossim não se justificar o convite ao recorrente para sintetizar as alegações, nos termos previstos no artigo 639º, nº3 do Código de Processo Civil.
Objeto do recurso:
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º, nº4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – aplicável “ex vi” do artigo 87º, nº1 do Código de Processo do Trabalho) – integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a resolver:
- nulidade da notificação;
- tempestividade da oposição deduzida.
2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
Os factos a considerar são os que resultam do relatório que antecede.
2.2. Fundamentação de direito:
Começamos por referir que aquando da dedução do incidente em causa, estava em vigor a Lei nº4-A/2020 de 06.04.2020, entrada em vigor em 07.04.2020, a qual procedeu à 1ª alteração da Lei nº1-A-2020 de 19.03. que aprovou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2 e da doença Covid-19, nomeadamente ao artigo 7º, desta última Lei, passando a estabelecer que «Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos».
Conclui a Apelante que a notificação efetuada em 16 de Abril de 2020, da qual consta que "fica notificado, na qualidade de Entidade Responsável, relativamente ao processo supra identificado, do conteúdo do despacho de que se junta cópia e, para no PRAZO DE 10 DIAS, querendo se pronunciar sobre o requerimento apresentado pelo Sinistrado: C…", deveria ter sido uma citação.
A este propósito lê-se no despacho do Tribunal a quo proferido em 11.08.2020 que “(…) não estamos no âmbito de uma qualquer ação para que fosse imposta a “citação” da seguradora, mas antes perante um incidente.
Na verdade, os autos estão já pendentes desde 2017 (data na qual se iniciaram com a participação do acidente efetuada pela própria seguradora – cfr. fls. 1), e sempre no tramitar dos mesmos a seguradora teve papel ativo.
E, se assim é, esta última apenas teria de ser notificada para deduzir oposição”, (sublinhado nosso).
Concordamos com o assim afirmado.
Com efeito, sob a epígrafe «Funções da citação e da notificação», dispõe o artigo 219º do Código de Processo Civil (CPC):
«1 - A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.
2 - A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.
3 - A citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto.
4 - Quando as citações e as notificações forem realizadas por via eletrónica:
a) Podem ser efetuadas através do envio de informação estruturada respeitante à identificação do processo e da interoperabilidade entre o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e o sistema de informação do citando ou notificando;
b) Os elementos e cópias referidos no número anterior podem constar de outro suporte eletrónico acessível ao citando ou notificando.
5 - As citações e as notificações dirigidas a pessoas coletivas podem ser efetuadas por via eletrónica nos termos do número anterior, quando:
a) Tratando-se de entidade pública da Administração direta ou indireta do Estado, tal se encontre previsto em portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e pela entidade pública em causa;
b) Tratando-se de outras pessoas coletivas, tal se encontre previsto em protocolo celebrado entre a pessoa coletiva e o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P., e homologado pelo membro do Governo responsável pela área da justiça.
6 - As citações e as notificações realizadas nos termos do número anterior presumem-se efetuadas no 3.º dia posterior ao do seu envio para o sistema informático do citando ou notificando.» (sublinhado nosso).
Concluiu ainda a Apelante que a notificação que lhe foi remetida em 16 de Abril de 2020, não cumpria os requisitos constantes do artigo 227º do CPC (cremos ocorrer lapso na referência ao artigo 277º do CPC), designadamente na parte em que é obrigatório transmitir a necessidade de patrocínio judiciário, bem como as cominações em que incorre o destinatário em caso de revelia.
Mais afirmando não ter arguido tal nulidade, nos termos e nos prazos constantes do artigo 189º do CPC, por, no seu entendimento, existir um dever entre as partes de colaboração processual e especial adequação à fase em que o país se encontrava e encontra, designadamente a provocada pela pandemia do vírus Covid-19.
Vejamos os preceitos legais invocados e os que importa atender:
Sob a epígrafe «Notificação às partes que constituíram mandatário», dispõe o artigo 247º do CPC:
«1 - As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
2 - Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também notificada a parte, pela via prevista no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou pela expedição pelo correio de um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência.
3 - Sempre que a parte esteja simultaneamente representada por advogado ou advogado estagiário e por solicitador, as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial são feitas sempre na do solicitador.
4 - Considerando o número elevado de partes, a dimensão do despacho ou da decisão a notificar ou o volume dos documentos a transmitir, a notificação pode realizar-se através do envio por carta registada de um código de acesso a endereço eletrónico onde os elementos a notificar ou a transmitir se encontrem disponíveis.
5 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de obtenção de cópias, pelo notificado, junto de qualquer tribunal judicial, de forma gratuita, mediante a apresentação do respetivo código de acesso.
6 - A notificação efetuada nos termos do n.º 4 presume-se feita no décimo dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
7 - A notificação à parte considera-se ainda efetuada, em qualquer circunstância, quando o notificando proceda à consulta eletrónica do processo, nos termos previstos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º».
Sob a epígrafe «Formalidades», dispõe o artigo 248º do CPC:
«1 - Os mandatários são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
2 - Sempre que por justo impedimento, determinado nos termos do artigo 140.º, não for possível ao mandatário aceder à área reservada do portal eletrónico onde são disponibilizadas as notificações, a notificação considera-se apenas efetuada quando for ultrapassado o justo impedimento.».
Sob a epígrafe «Notificações às partes que não constituam mandatário», dispõe por seu turno o artigo 249º do CPC:
«1 - Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
2 - A notificação efetuada por carta registada não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.
3 - Excetua-se o réu que se haja constituído em situação de revelia absoluta, que apenas passa a ser notificado após ter praticado qualquer ato de intervenção no processo, sem prejuízo do disposto no n.º 5.
4 - Na hipótese prevista na primeira parte do número anterior, as decisões têm-se por notificadas no dia seguinte àquele em que os autos tiverem dado entrada na secretaria ou em que ocorrer o facto determinante da notificação oficiosa.
5 - As decisões finais são sempre notificadas desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo.
6 - Sem prejuízo do disposto nos n.os 3 e 4, a notificação considera-se ainda efetuada, em qualquer circunstância, quando o notificando proceda à consulta eletrónica do processo, nos termos previstos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º.» (sublinhado nosso). .
Sob a epígrafe «Elementos a transmitir obrigatoriamente ao citando», dispõe o artigo 227º do CPC:
«1 - O ato de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, comunicando-se-lhe que fica citado para a ação a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição.
2 - No ato de citação, indica-se ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia.» (sublinhado nosso). .
Sob a epígrafe «Nulidade da citação», dispõe o artigo 191º, nº1 do CPC:
«1 – (…), é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
2 - O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.
3 - Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares.
4 - A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.» (sublinhado nosso).
Em concreto, considera-se efetuada em 20/04/2020 (19.04. domingo), a notificação da seguradora/Apelante, efetuada por carta registada, remetida em 16.04.2020, para querendo, se pronunciar em 10 dias, com cópia do despacho que determinou tal notificação, do requerimento apresentado pelo sinistrado e do auto de tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória.
Assim sendo, o prazo para a Apelante ter arguido nulidade da notificação, em causa, por preterição de qualquer formalidade, terminou em 30.04.2020.
Ainda assim, afigura-se-nos que o procedimento levado a cabo pelo Sr. Oficial de justiça, não deve aqui ser ignorado, mesmo que efetuado sem despacho judicial que o tivesse determinado e não obstante a forma como foi efetuado.
O procedimento, em causa, traduziu-se em, por correio eletrónico remetido a 22.04.2020, ter o Sr. pelo Oficial de Justiça do Tribunal a quo comunicado à seguradora que “Com referência ao V. email de 20/04/2020, pelas 16:22 o qual consta no ficheiro anexo, solicita-se à V. Companhia de Seguros que se digne pronunciar nos moldes ordenados pela Mmª Juiz de Direito, no despacho de 16/04/20, sob a refª 413713357 e, que o faça através de mandatário utilizando o sistema “Citius”, uma vez que são colocadas questões de direito no requerimento apresentado pelo Sinistrado. PRAZO: 10 DIAS”.
Com efeito, nos termos previstos no artigo 157º, nº6 do Código de Processo Civil, «Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial, não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes».
Ou seja, afigura-se-nos que o procedimento levado a cabo pelo Sr. Oficial de justiça foi suscetível de induzir em erro a seguradora, no sentido de o considerar como uma “notificação” de que o prazo 10 dias para deduzir oposição se reiniciaria após a receção daquela comunicação, remetida em 22.04.2020, por correio eletrónico.
Erro tanto mais justificado se considerarmos o circunstancialismo, a fase em que o país se encontrava e que justificou a legislação a que se fez já referência no início da presente fundamentação, ainda que nesta o mesmo procedimento não estivesse previsto.
Como se lê no sumário do Acórdão do STJ de 30.11.2017, in www.dgsi.pt:
“(…)
III - Ao erro ou omissão referentes a notificações da secretaria judicial são de equiparar atos equívocos, ou de dúbia interpretação, e que possam afetar negativamente direitos dos seus destinatários, desde que a interpretação lesiva que deles possa ser feita, aferido pelo standard interpretativo do destinatário normal – art. 236.º, n.º 1, do CC – possa ser acolhida.
IV - Na dúvida deve entender-se que a parte não pode ser prejudicada por atos praticados pela secretaria judicial, como estatui o art. 157.º, n.º 6, do CPC vigente e preceituava identicamente, o anterior n.º 6 do art. 161.º do CPC.
V - Esta norma constitui emanação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança e do princípio da transparência e da lealdade processuais, indissociáveis de um processo justo e equitativo.
(…)”.
Em suma, a secretaria errou ao efetuar a comunicação que fez, sem despacho judicial que o tivesse determinado, mas como referido na fundamentação do referido acórdão do STJ, “Na certeza do erro, o que há a fazer é retirar as devidas consequências, na certeza de que não pode ser prejudicado quem não errou”.
Assim sendo, é a partir de tal data (22.04.2020) que se impõe considerar como tendo início o prazo de dez dias para ser deduzida oposição.
Importa aqui atender ao disposto no artigo 149º, nº2 do CPC, onde se prevê que «O prazo para qualquer resposta conta-se sempre da notificação do ato a que se responde».
Ainda ao disposto no artigo 279º, alínea b) do Código Civil (CC), onde se prevê que «Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que incorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr».
Finalmente ao disposto no artigo 138º, nº2 do CPC, onde se prevê que «Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte».
O prazo iniciou-se em 23.04.2020 e terminou a 04.05.2020 (02.05. Sábado).
Porém, importa ainda considerar o prazo de condescendência previsto no artigo 139º, nº6 do CPC, impondo-se que a secretaria proceda como previsto no mesmo preceito, tendo o ato sido praticado no 3º dia útil seguinte subsequente ao termo do prazo, notificando a seguradora, aqui Apelante, para pagar a multa prevista no ponto 5, alínea c) do mesmo artigo, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa.
A apelação é assim procedente.
4. Decisão:
Por tudo o exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se que uma vez remetidos os autos à 1ª instância, a secretaria proceda aí como previsto no artigo 139º, nº6 do CPC.
Custas da apelação pelo sinistrado.

Porto, 21 de Outubro de 2020.
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Domingos Morais