Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4878/12.7TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
ASSEMBLEIA GERAL
DELIBERAÇÕES
CONFIRMAÇÃO DOS ACTOS ANULÁVEIS
Nº do Documento: RP201412174878/12.7TBVNG.P1
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A “Mesa da Assembleia Geral” não constitui um órgão da Instituição (integra-se na Assembleia Geral, regendo os respectivos trabalhos), e não pode ver-se atribuída competências que a lei expressamente reserva a outros órgãos.
II – À Mesa da Assembleia Geral não cabe agir como órgão interino, tomando deliberações reservadas à Assembleia Geral, entre duas sessões desta, pois que até se não trata de um órgão autónomo, como tal eleito, da Instituição Ré.
III - Os actos que são anuláveis, por inválidos, são sanáveis por confirmação, nos termos do artº 288º CCiv, mas esta confirmação, por se tratar da renúncia ao direito potestativo de invocar a invalidade, compete apenas à pessoa a quem pertence o direito de anulação – nº2 do artº 288º CCiv.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 4878-12.7.TBVNG.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Desembargadores Maria Eiró e João Proença Costa. Decisão recorrida de 9/5/2014.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

A Questão
Recurso de apelação interposto na acção com processo comum e forma sumária nº4878/12.7TBVNG, do ex-1º Juízo Cível de Vila Nova de Gaia.
Autores – B… e C… (este por via de intervenção principal espontânea admitida).
Ré – D… (Associação – IPSS).

Pedido
Que seja declarada a invalidade da deliberação da Assembleia Geral da Associação Ré, tomada em Assembleia Geral de 2/12/2011, que elegeu os elementos da lista A para ocuparem os corpos gerentes da associação Ré, para o triénio 2012/2014, e decretar-se a sua anulação.

Tese do Autor
É associado da Requerida.
A Assembleia Geral da Requerida foi convocada e reuniu no dia 2/12/2011, tendo como ordem de trabalhos a eleição de corpos gerentes.
A estes corpos gerentes candidataram-se duas listas – A e B.
Diversos elementos da lista A candidataram-se após terem cumprido dois ou mais mandatos consecutivos nos órgãos associativos.
Ao Autor não foi permitido votar nesse acto, com a alegação de que mantinha quotas em atraso; todavia, imediatamente antes da assembleia, o Autor tinha manifestado vontade de pagar as quotas em atraso, o que lhe não foi permitido.
Tais questões foram colocadas por outro associado à mesa da Assembleia, a qual deliberou não dar provimento aos protestos e, dessa forma, não colocar a questão sequer à apreciação da assembleia.
A referida deliberação viola os estatutos da Ré, pelo que a também deliberação da A.G. que elegeu os corpos gerentes da associação é anulável, nos termos do disposto nos artºs 20º nº1 dos Estatutos da Ré, 57º nº4 D-L nº119/83 de 25/2 e 177º e 178º CCiv.
A confirmação dessa deliberação, efectuada por deliberação da Assembleia Geral de 8/3/2013, é ineficaz, já que não proveniente dos associados que exerceram o seu direito de anulação.
Tese da Requerida
A pretensão do Autor caducou, pelo decurso de seis meses sobre a data das deliberações, considerando a data da citação da Ré.
O Autor carecia; à data, de legitimidade activa e passiva para o acto, isto é, para eleger ou para ser eleito, face ao não pagamento das quotas.
As quotas não foram pagas até ao fecho, no dia referido, dos serviços da Secretaria da Ré.
A lista B possuía também, nos seus propostos membros dos corpos sociais, diversas irregularidades, daí que a mesa da A.G. tenha optado por aceitar as duas candidaturas, entregando a escolha ao eleitorado.

Saneador-Sentença Recorrido
Na decisão final da acção, considerando a violação dos estatutos da Ré e da lei aplicável, foi julgado o pedido procedente e declarada a anulação da deliberação da Assembleia Geral da Associação Ré, tomada em Assembleia Geral de 2/12/2011, que elegeu os elementos da lista A para ocuparem os corpos gerentes da associação Ré, para o triénio 2012/2014.

Conclusões do Recurso:
1. (…).
2. Não se conforma a Recorrente com a decisão do Tribunal “a quo” porque, no caso em apreço, declara a anulação de um acto eleitoral sufragado maioritariamente por uma assembleia com plenos poderes e capacidade para o fazer, nos termos estatutários e legais aplicáveis.
3. Considerou o Tribunal de 1ª Instância apenas a questão da impugnação deduzida, pelo Autor e pelo Interveniente, de que a maioria dos membros integrantes da designada Lista “A” apresentada a sufrágio na Assembleia Eleitoral de 2 de Dezembro de 2011, tinham pelo menos dois mandatos consecutivos nos designados órgãos associativos – facto 8 do despacho em crise. Não considerou a Mertª Juiz, em conta, o que consta do relatório factual do douto despacho posto em crise – Facto 20 – que no dia 8 de Março de 2013 se realizou uma assembleia geral da Associação Recorrente e que nessa Assembleia Geral deliberaram os associados da Recorrente ratificar o acto eleitoral impugnado pelos Autor e Interveniente, dando cumprimento ao consignado na parte final do artº 20 nº 1 dos Estatutos da Ré. A Mertª Juiz consigna no mesmo relatório: “A impossibilidade ou inconveniência na substituição dos membros a que se faz referência nas disposições supra citadas há de resultar claramente do sentido da votação efectuada em Assembleia Geral.” – 3º parágrafo pag. 13 do despacho saneador – fls.
4. Ora foi mesmo isso que aconteceu e que a Mertº não levou em conta e não aceitou o que consta dos Estatutos da Associação e também Legislação aplicável, que dispõe: “Não é permitida a eleição de quaisquer membros por mais de 2 mandatos consecutivos para qualquer órgão da associação, salvo se a assembleia geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição”. E foi o consignado na parte final do artigo supra citado o que aconteceu no caso “sub judice”.
5. Perante a situação de duas Listas, com algumas irregularidades, via-se a Mesa da A.G. na contingência de declarar a recusa das duas Listas em confronto, por inelegibilidade de alguns dos seus membros, o que colocava a Instituição perante uma crise directiva, sem órgãos sociais eleitos em A.G. ou, ter de optar pelo mal menor - aceitar a candidatura das duas Listas, embora com as desconformidades supra mencionadas, por ambas as Listas, entregando a decisão de escolha ao eleitorado, isto é, aos associados do D…. Assim, deliberou a Mesa da Assembleia Geral optar pelo mal menor, e os associados fizeram a sua opção democrática com o seu voto, elegendo uma das Listas, neste caso a “Lista A”, reconhecendo-se com uma expressiva votação de 77,5% na mesma, contra 22,5%, na “Lista B”, pelo que a Assembleia Geral Eleitoral optou, clara e expressamente, pela “Lista A”, relevando o facto de ter na sua constituição personalidades que já tinham cumprido dois mandatos.
6. No despacho/sentença aqui sindicada deliberou a Mertª. Juiz de 1ª Instância que “…tal deliberação é por força de lei e dos estatutos anulável pelo que o seu destino depende do exercício ou não exercício do direito de anulação…” No entanto olvida a Mertª. Juiz que também a lei dispõe que o acto poderá ser ratificado – vide “… salvo se a Assembleia Geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição…” - artº 57º nº 4 do D.L. 119/83, de 25/2 “in fine”.
7. Foi assim a legitimidade da “Lista A” ratificada expressamente pela A.G. reconhecendo e considerando, com tal votação, a inconveniência e impossibilidade de de proceder às substituições dos elementos em causa – Facto
20 do relatório do despacho aqui em crise. Tal reconhecimento não poderia ter sido efectuado na própria Assembleia Geral de 2/12/2011 uma vez que ao ser convocada não se conhecia da necessidade de acrescentar tal ponto, por um lado. Por outro lado, não se poderia acrescentar tal ponto à ordem de trabalhos já depois desta convocada com apenas um ponto da ordem de trabalhos, por resultar uma ilegalidade, a não ser que se tratasse de assembleia universal… o que não era. Assim apenas posteriormente pode ser posta à consideração da Assembleia Geral a ratificação da eleição efectuada, o que aconteceu na A.G. realizada em 08/03/2013.
8. A Mertª Juiz reconhece na parte final do seu douto despacho que: “não obstante saber-se que a anulabilidade pode, em principio, ser sanada, seja porque a pessoa ou as pessoas a quem pertença o direito de o anular deixem transcorrer o lapso de tempo que a lei prevê sem exercitarem esse mesmo direito, seja porque essas pessoas confirmem o mesmo acto (o que aconteceu) ou seja, declarem considera-lo sanado, a verdade é que da validade ou invalidade da ratificação não cuidam estes autos, por inadmissibilidade da ampliação do pedido deduzido, não sendo, pois esta acção, a sede própria para se conhecer da ratificação da deliberação cuja anulação se pretende ver declarada nesta acção”… Isto é. A Mertª Juiz declara expressamente que não se pronuncia sobre questão essencial que devia apreciar e conhecer, admite e não reconhece o direito de contraditório exercido pela Recorrente, que, nos termos permitidos pela legislação já supra sobejamente citada, procedeu à ratificação do acto eleitoral.
9. Tal ratificação foi votada por uma maioria substancial de associados da Recorrente, foi certificada pela Mesa da assembleia geral e enviada para as diversas Instituições que a aceitaram, nomeadamente: Instituto da Segurança Social – aceitou a ratificação dos corpos sociais eleitos naquela assembleia; Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – aceitou a ratificação dos corpos sociais eleitos naquela assembleia. Assim com tal deliberação de anulação dos órgãos sociais eleitos, mesmo reconhecendo que estão juntos aos autos tais documentos e ratificação, a Mertª Juiz não reconhece o direito do contraditório e omite deliberadamente tomar posição sobre tal matéria violando a legislação em vigor. Nestes termos reitera-se que relativamente à decisão se diga em conclusão que foi denegada justiça por omissão de pronúncia do Mertº Juiz “a quo” porquanto não foi apreciado um facto essencial para a decisão da causa, sendo violada a legislação em vigor nomeadamente: artº 608º nº 2, artº 615º nº 1, al. d), artº 665º, todos no C.P.C., e ainda do regime jurídico ínsito na parte final do artº 57º nº 4 do D.L. 119/83, de 25/2. No entender da Recorrente são, também, violadas normas constitucionais – artºs. 20º nº 4, 202º e 205º todos da C.R.P.

Factos Provados:
1. A R. é uma associação que foi constituída por escritura pública outorgada no dia 8 de Agosto de 1985, lavrada de fls. 102 e ss. do livro de notas para escrituras diversas n.º 92-A do Cartório Notarial de Espinho, e que, nos termos dos seus estatutos, tem os seguintes objectivos:
a) apoio à terceira idade através da criação e manutenção de um lar e de centro de dia;
b) apoio à infância e juventude através da criação e manutenção de um centro infantil e ocupação de tempos livres;
c) outros objectivos de carácter social, humanitário, recreativo e cultural (cf. Diário da República, III Série, n.º 216, de 19.09.1985, fls. 10380).
2. A R. tem o estatuto de Instituição Particular de Solidariedade Social, encontrando-se como tal registada na Direcção Geral da Acção Social sob o n.º ../88.
3. O A. é associado da R., com o n.º …..
4. Em 9 de Novembro de 2011, o presidente da assembleia geral da associação, E…, emitiu uma convocatória através da qual procedeu à convocação de uma assembleia geral para o dia 2 de Dezembro de 2011, entre as 15 e as 23 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: “ponto único – eleição dos corpos gerentes para o triénio 2012/2014. A eleição decorrerá em sistema de urna aberta, por escrutínio secreto, entre as 15.00 e as 23.00 horas. (As listas concorrentes devem ser entregues na secretaria da sede até às 18.00 horas do dia 30 de Novembro de 2011. Os associados só podem eleger e ser eleitos desde que cumpram o estipulado nos art.º 10 e 12 dos estatutos)”.
5. Em 2 de Dezembro de 2011, na sua sede social, reuniu a assembleia geral da associação R.
6. Apresentaram-se à eleição para os corpos gerentes da associação duas listas de associados, seriadas pela mesa da assembleia geral com as letras “A” e “B”.
7. A lista “A” era composta pelos seguintes associados:
Assembleia Geral
Presidente – F…, associado n.º …;
1º Secretário – G…, associado n.º ….;
2º Secretário – H…, associada n.º …..
Conselho Fiscal Presidente – I…, associado n.º …;
1º Vogal – J…, associado n.º ….;
2º Vogal – K..., associada n.º ….;
Suplente – L…, associado n.º ..;
Suplente – M…, associado n.º ..;
Suplente – N…, associado n.º …..
Direcção
Presidente – O…, associada n.º ….;
Vice-Presidente – P…, associada n.º ….;
Tesoureiro – Q…, associado n.º …;
Secretário – S…, associado n.º …;
Vogal – T…, associado n.º …;
1º Suplente – U…, associado n.º .;
2º Suplente – V…, associado n.º ..;
3º Suplente – W…, associado n.º …;
4º Suplente – X…, associado n.º ….;
5º Suplente – Y…, associado n.º ….
8. A maioria dos membros que integraram a lista “A” que se candidatam à eleição para os corpos gerentes da associação têm pelo menos dois mandatos consecutivos nos órgãos associativos.
9. Na assembleia geral de 2 de Dezembro de 2011, o mandatário da lista “B”, o associado n.º …., Z…, apresentou um escrito, dirigido à mesa da assembleia, pelo qual protestou não ter sido permitido ao A. pagar as suas quotas e participar no acto eleitoral.
10. Na assembleia geral foi também apresentada pelo mesmo associado uma reclamação dirigida ao presidente da mesa, através da qual, para além do mais, foi requerido que:
a) fosse declarada a inelegibilidade dos associados que integravam a lista “A” que tivessem cumprido mais de dois mandatos consecutivos em órgãos da associação;
b) fosse permitido o pagamento das quotas a todos os associados que o pretendessem fazer, admitindo-se a sua participação no acto eleitoral;
c) alternativamente, fosse anulado o processo eleitoral.
11. A mesa da assembleia geral não colocou tal reclamação à apreciação da assembleia.
12. A mesa da assembleia geral reuniu em 5 de Dezembro de 2011, pelas 18 horas e 30 minutos, na sede social, “(…) em continuidade e conclusão do acto eleitoral ocorrido (…)” no dia 2 de Dezembro de 2011, “(…) a fim de analisar os protestos e reclamação apresentados durante aquele sufrágio (…)” e sobre eles deliberar.
13. A mesa da assembleia geral deliberou “(…) não dar provimento (…)” ao protesto referido em 13 supra, bem como indeferir a reclamação aludida em 14 supra.
14. Mais deliberou a mesa da assembleia geral declarar a elegibilidade dos membros da lista “A” e não anular o processo eleitoral.
15. Da convocatória da assembleia geral de 2 de Dezembro de 2011 não constava nenhum ponto no âmbito do qual estivesse prevista a discussão e deliberação pelos associados sobre a impossibilidade ou inconveniência da substituição de algum ou alguns dos membros dos corpos sociais.
16. Na assembleia geral de 2 de Dezembro de 2011 não foi tomada nenhuma deliberação expressa no sentido de reconhecer a impossibilidade ou inconveniência em proceder à substituição de algum ou alguns dos membros dos corpos sociais.
17. A mesa da assembleia geral deixou exarado no escrito que corporizou a deliberação que tomou sobre a reclamação referida em 10 supra, o seguinte:
“Na verdade a maioria dos membros da Lista “A” tem mais de dois mandatos consecutivos, pelo que, em princípio violaria a primeira parte da previsão do art.º 57º, n.º 4 do DL 119/83, de 25/2, bem como o art.º 20º, n.º 1 dos Estatutos do D…. (…) Perante esta situação de duas Listas com algumas irregularidades via-se a Mesa da A.G. na contingência de declarar a recusa das duas Listas em confronto, por inelegibilidade de alguns dos seus membros, o que colocava a Instituição perante uma crise directiva, sem órgãos sociais eleitos em A.G. ou, ter de optar pelo mal menor – aceitar a candidatura das duas Listas, embora com as desconformidades supra mencionadas, por ambas as Listas, entregando a decisão de escolha ao eleitorado soberano nestes casos, ou seja, aos associados do D… (…)”.
18. C… é Associado da Associação Ré, com o nº … .
19. C… não votou a deliberação da assembleia geral da associação Ré tomada na assembleia de 2/12/2011 que elegeu os elementos da lista “A” para ocuparem os corpos gerentes da associação Ré para o triénio 2012/2014.
Factos a Considerar Provenientes do Articulado Superveniente
20. No dia 8 de Março de 2013 realizou-se uma assembleia geral da associação Ré, conforme acta que constitui o documento de fls. 87 vº a 89 vº dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Fundamentos
Em função da esquematização das conclusões da Recorrente, as matérias a abordar na solução do presente recurso são as que consistem em conhecer do bem fundado da sentença recorrida, com fundamento no disposto nos Estatutos da Ré e na lei aplicável, que autorizam a eleição de membros de corpos gerentes que tenham já, pelo menos, dois mandatos consecutivos, por reconhecimento da impossibilidade ou inconveniência da substituição, facto que expressamente foi constante da ratificação da deliberação anterior, ratificação essa efectuada em A.G. de 8/3/2013.
Vejamos pois.

Por mero arrimo de raciocínio, cabe recordar o teor das normas legais e estatutárias aplicáveis à solução do presente litígio:
O artº 57º Estatuto das Instituições Particulares de Segurança Social (D-L 119/83 de 25/2), em epígrafe “corpos gerentes”, regendo sobre o respectivo mandato, estatui no nº4 que “não é permitida a eleição de quaisquer membros por mais de 2 mandatos consecutivos para qualquer órgão da associação, salvo se a assembleia geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição”.
O artº 20º nº1 dos Estatutos da Ré, no capítulo sobre os corpos gerentes, rege igualmente que “os membros dos corpos gerentes só podem ser eleitos consecutivamente para dois mandatos para qualquer órgão da associação, salvo se a assembleia geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição”.
Está em causa a deliberação da Assembleia Geral Ordinária da Ré, de 2/12/2011, sobre o ponto único da ordem de trabalhos “eleição dos corpos gerentes para o triénio de 2012/2014” – da acta da referida assembleia se extrai que foi exclusivamente essa a única matéria abordada nesse acto, tendo-se procedido a votação e eleito uma lista (“A”), na qual a maioria dos membros tinha, à data, mais de dois mandatos consecutivos.
A questão relativa ao reconhecimento expresso pela Assembleia Geral de ser impossível ou inconveniente proceder à substituição dos membros eleitos com mais de dois mandatos consecutivos não foi colocada à apreciação da Assembleia Geral.
Da reclamação apresentada em Assembleia, como dão nota os factos provados, resultou apenas a reunião da mesa da Assembleia Geral, não na referida assembleia, mas em 5/12/2011, mesa essa que, nessa data ulterior, deliberou declarar a eligibilidade dos membros da lista A referida, basicamente com o fundamento de que ambas as listas apresentavam irregularidades e que a inelegibilidade dos membros de quaisquer listas poria a instituição perante uma grave crise directiva, preferindo-se assim o mal menor de aceitar as duas listas (com irregularidades, que se reconheceram), a sufrágio.
Ora, o que cabe salientar é que, embora a denominada “Mesa da Assembleia Geral”, estatutariamente, dirija os trabalhos e decida sobre protestos e reclamações relativos aos actos eleitorais, por um lado, ela própria não constitui um órgão da Instituição (integra-se na Assembleia Geral, regendo os respectivos trabalhos), e, sobretudo, não pode ver-se atribuída competências que a lei expressamente reserva a outros órgãos.
Ora, no caso, a Mesa da Assembleia Geral, face ao teor do protesto do associado que lhe foi apresentado, teria apenas que o receber e, eventualmente, formular um juízo sobre a sua oportunidade ou conformidade com a lei ou com os estatutos, que poderia expressar – porém, deixando à Assembleia decidir, pois tratava-se sempre de uma competência expressa da mesma Assembleia, como verificámos, do teor das normas legais que supra citámos.
Menos ainda poderia a Mesa da Assembleia Geral, como no caso, agir como órgão interino, tomando deliberações reservadas à Assembleia Geral, entre duas sessões desta – pois que até se não trata de um órgão autónomo, como tal eleito, da Instituição Ré (veja-se, a propósito, neste sentido, Dr. Vilar de Macedo, As Associações no Direito Civil, Coimbra, 2007, pg. 96).
Por esse motivo, a deliberação de eleição de corpos gerentes nos quais os membros respectivos provinham de mais de dois mandatos consecutivos, desde que não acompanhada de outra deliberação relativa à impossibilidade ou inconveniência da substituição rectius da conveniência da eleição de corpos gerentes nessas condições, era contrária à lei e, como tal, era anulável, visto o regime dos artºs 177º e 178º CCiv.
Decidiu como tal a douta sentença recorrida, no que a acompanhamos.
Os actos que são anuláveis, por inválidos, são sanáveis por confirmação, nos termos do artº 288º CCiv (não tanto por “ratificação”, que a nossa ordem jurídica reserva para a representação sem poderes).
A confirmação não depende apenas da cessação do vício – em primeiro lugar, deve ser posterior à cessação do vício, e, em segundo lugar, compete à pessoa a quem pertence o direito de anulação – nº2 do artº 288º.
Trata-se da renúncia ao direito potestativo de invocar a invalidade – cf. Prof. Manuel de Andrade, Teoria Geral, 1983, II, pg. 423.
No caso, como acto de renúncia, pertenceria aos associados Autores, e só a estes, e teria que ter-se verificado em data posterior à da Assembleia que se pronunciou, em 8/3/2013, sobre a inconveniência e a prejudicialidade para a Ré da substituição dos membros dos corpos gerentes com mais de dois mandatos consecutivos.
Salvo o merecido e devido respeito, é óbvio que nada disto aconteceu, no caso vertente.
Para finalizar, as normas constitucionais invocadas nas doutas alegações, relativas à tutela jurisdicional efectiva e acesso ao direito, à função jurisdicional e às decisões dos tribunais, não saem em causa por força do teor da decisão recorrida.

Resumindo a fundamentação:
I - A “Mesa da Assembleia Geral” não constitui um órgão da Instituição (integra-se na Assembleia Geral, regendo os respectivos trabalhos), e não pode ver-se atribuída competências que a lei expressamente reserva a outros órgãos.
II – À Mesa da Assembleia Geral não cabe agir como órgão interino, tomando deliberações reservadas à Assembleia Geral, entre duas sessões desta, pois que até se não trata de um órgão autónomo, como tal eleito, da Instituição Ré.
III - Os actos que são anuláveis, por inválidos, são sanáveis por confirmação, nos termos do artº 288º CCiv, mas esta confirmação, por se tratar da renúncia ao direito potestativo de invocar a invalidade, compete apenas à pessoa a quem pertence o direito de anulação – nº2 do artº 288º CCiv.

Dispositivo (artº 202º nº1 C.R.P.):
Julga-se improcedente, por não provado, o recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Porto, 17/XII/2014
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença