Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1298/09.4JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: CRIMES SEXUAIS
BEM JURÍDICO TUTELADO
IDADE DO MENOR
Nº do Documento: RP201406041298/09.4JAPRT.P1
Data do Acordão: 06/04/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: REENVIADO O PROCESSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Os crimes sexuais protegem, por um lado, a liberdade sexual dos adultos; e, por outro, o livre desenvolvimento dos menores no campo da sexualidade, considerando-se aqui que, determinados actos ou condutas de natureza sexual podem, mesmo sem violência, em razão da pouca idade da vítima prejudicar gravemente o seu crescimento harmonioso e, por consequência, o livre desenvolvimento da sua personalidade.
II - No domínio dos crimes sexuais relativamente a menores, o legislador optou, muitas vezes, por uma protecção escalonada em razão da idade, reconhecendo que tal circunstância confere especificidades ao bem jurídico protegido que justificam a autonomia da densificação normativa típica.
III – Assim, no abuso sexual de crianças [art. 171°] é punido quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o importunar com acto de carácter exibicionista ou ainda sobre ele actuar por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos.
IV - Nos crimes de abuso sexual de dependentes [art. 172°] e prostituição de menores [art. 174°] confere-se protecção a menores com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos.
V - No crime de actos sexuais com adolescentes [art. 173°] protege-se a faixa etária dos menores entre os 14 e os 16 anos relativamente a actos sexuais de relevo.
VI - A integração harmónica dos diversos preceitos inculca, por si só, que o limite temporal mínimo nas duas últimas hipóteses corresponde à data em que se completem os 14 anos e, por seu turno, o limite superior é balizado pela data em que se completam os 18 ou 16 anos, respectivamente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 1298/09.4JAPRT.P1
Secção Criminal
CONFERÊNCIA

Relatora: Maria Deolinda Dionísio[1]
Adjunta: Maria Dolores Sousa

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
Por sentença proferida a 3 de Julho de 2012, no âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Singular n.º 1298/09.4JAPRT, do Tribunal Judicial de Mesão Frio, foi o arguido B…, com os demais sinais dos autos, condenado pela prática de 1 (um) crime de actos sexuais com adolescentes, previsto e punível pelo art. 173º n.º 2, do Cód. Penal, em 170 (cento e setenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete) euros no total de € 1.190,00 (mil cento e noventa euros).
Depois de designada data para a audiência de julgamento mas antes do seu início, o arguido apresentou requerimento em juízo peticionando o arquivamento dos autos por virtude de, em seu entender, o crime imputado só poder “ser cometido com menor cuja idade se compreenda entre os 14 e os 16 anos, não abrangendo quem já tenha completado essa idade limite, como sucedia com a queixosa”, mas viu a sua pretensão desatendida por despacho proferido a 16/12/2011, onde se decidiu o seguinte: (transcrição)
“De acordo com o art. 173º do CP é punível acto sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos.
O menor de 16 anos só deixa de ter 16 anos quando completa 17 anos.
A redacção daquela norma inculca, por isso, a ideia de que a vítima do crime em causa é qualquer pessoa que tenha completado 14 anos e que ainda não tenha completado 17 anos.
Afigura-se-nos, assim, que a conduta imputada ao arguido, porque praticada com menor que, na data dos factos, ainda tinha 16 anos, se subsume ao crime pelo qual vem pronunciado.
Atento o exposto, inexiste fundamento para a extinção da responsabilidade criminal do arguido, pelo que indefiro o requerido pelo mesmo.
Notifique.”
Inconformado com tal entendimento e também com a subsequente condenação, o arguido B… interpôs recurso formulando as seguintes conclusões: (transcrição sem destaques)
Recurso Interlocutório
1. O arguido/recorrente encontra-se pronunciado pela prática do crime de actos sexuais com adolescentes p. e p. pelo art. 173º do C. Penal, sendo que a respectiva actuação delituosa teria ocorrido no mês de Agosto de 2009.
2. Uma vez que, conforme consta da pronúncia a ofendida nasceu em 20 de Setembro de 1992, à data dos factos já tinha mais de 16 anos, faltando pouco mais de um mês para completar 17 anos.
3. Assim sendo, mesmo a ser verdade a factualidade integradora do crime imputado ao arguido, o certo é que, atenta a indicada idade da vítima (mais de 16 anos), não era possível o cometimento desse mesmo crime, em virtude de se verificar ultrapassado o limite de idade estabelecido no preceito incriminador.
4. Isso porque, ao estatuir esse preceito que o crime nele previsto é cometido com menores com a idade entre 14 e 16 anos, está fora de tal previsão o menor que, embora ainda não tenha completado 17 anos, já tenha mais de 16 anos.
5. Assim não se tendo entendido e decidido, consideramos que o despacho recorrido traduz incorrecta interpretação e aplicação ao caso do citado art. 173º do C. Penal, pelo que
No provimento do presente recurso deve revogar-se o despacho recorrido e, deferindo-se o requerimento do arguido sobre o qual o mesmo foi proferido, decidir-se pela não verificação do crime imputado àquele e, em consequência, determinar-se o arquivamento do processo, assim resultando melhor interpretada e aplicada a Lei e realizada a JUSTIÇA.
Recurso da Sentença
1. Mesmo entendendo-se, ao contrário do propugnado no recurso já interposto e recebido para subir juntamente com o ora interposto da sentença, que apesar de já ter mais de 16 anos, embora ainda não tendo completado os 17 (faltando apenas pouco mais de um mês) que ainda estava incluída na previsão do preceito incriminador, nunca a acusação poderia ser julgada procedente, em virtude de nada se ter demonstrado quanto ao conhecimento pelo arguido, da idade da queixosa-assistente dado tratar-se de um elemento objectivo essencialmente constitutivo do crime imputado ao arguido.
2. Outro dos elementos objectivos e também constitutivos do crime em causa é o abuso da inexperiência da vítima.
Uma vez que também não se demonstrou que o arguido soubesse que a queixosa -assistente era inexperiente, também esse desconhecimento constitui fundamento bastante para não se poder dar como preenchidos todas as condições objectivas de punibilidade, igualmente implicando a improcedência da acusação.
2-A. Para o caso de assim não se entender, sempre se imporia dar como provado o alegado pelo recorrente no tocante à sua vivência no dia dos alegados factos -7 de Agosto de 2009 - e que, só por si implicaria dar-se como não provada a matéria dos pontos 5 a 10 e 13 a 14 dos factos provados da sentença e, em consequência, ser julgada improcedente a acusação.
É que, a nosso ver e ao contrário do decidido pela M.ma Juiz recorrida, a prova oferecida pelo recorrente sobre essa matéria (requerimento e certidão de nascimento, de fls.) foi de molde a que a mesma fosse dada como provada.
Tanto que todas as testemunhas, no essencial a confirmaram, de forma alguma se podendo justificar decisão contrária por uma divergência meramente circunstancial entre os depoimentos de três delas (C…, D… e E…, respectivamente, esposa, irmã e cunhado do arguido) ignorando por completo o depoimento das outras ditas testemunhas que também depuseram sobre a mesma matéria (F… e G…) cujos depoimentos se mostraram consistentes e credíveis, baseados no conhecimento e percepção directa de toda a situação em causa e que, nessa medida, podiam colmatar qualquer falha dos restantes.
3. Subsidiariamente, em relação aos fundamentos já anteriormente expostos, o recorrente invoca erro notório na apreciação da prova, desde logo no tocante às declarações da queixosa-assistente em que a Sra. Juiz acreditou por consideram terem sido prestadas de forma sincera, franca e espontânea quando assim não podia entender atentas as muitas e flagrantes divergências entre as suas declarações para memória futura e as prestadas em audiência de julgamento, bem como as que prestou inicialmente perante os Srs. Agentes da PJ e que, de todo, poderiam ser ignoradas, muito menos branqueadas.
4. Acresce que, certamente por entender não ser possível explicar tantas e tão importantes contradições, a Sra. Juiz recorrida chegou ao ponto de, no tocante à matéria da acusação, ignorar por completo, deles não fazendo qualquer valoração ou referência, os depoimentos da maior parte das testemunhas da acusação incluindo as pessoas mais próximas da assistente (pais e irmãos) bem como o de um Sr. Inspector da P.J. (H…) o que só se compreende por ter sido este que procedeu à primeira inquirição da queixosa na qual esta apresentou uma versão quase totalmente diferente das duas que veio a apresentar posteriormente (em declarações para memória futura e em audiência de julgamento) uma vez que na primeira referiu que os factos teriam ocorrido no dia 13 de Agosto enquanto que nas outras duas já assegurou que foi no dia 7.
Também quanto ao lugar, nas primeiras disse que foi nas imediações de Mesão Frio e que depois de se libertar do arguido veio a pé para Mesão Frio, enquanto que, segundo as outras duas versões, já teria sido na … (perto da Régua) e que voltou para Mesão Frio no carro do arguido.
5. Como nos parece evidente e inquestionável, são as contradições da maior relevância porque reportadas às mais importantes circunstâncias factuais do crime em termos de não poderem ser branqueadas ou explicadas, como se fez na sentença recorrida, por se considerarem meras "imprecisões" decorrentes de hesitações provocadas por perturbações emocionais que interferem na memória".
6. Ora, o mencionado Sr. Inspector H… foi assertivo e peremptório em assegurar que o constante do auto de inquirição da queixosa por ele elaborado corresponde exactamente ao que por ela foi declarado (como, aliás, não podia deixar de ser) e que ao prestar essas declarações a queixosa esteve perfeitamente à-vontade, nada tendo notado nela de menos normal.
Assim sendo, não se compreende porque é que a sentença recorrida não fez qualquer referência a esse depoimento tendo-se limitado a invocar o depoimento do outro Sr. Inspector apenas porque este depôs sobre os contactos telefónicos havidos entre o arguido e queixosa.
7. Importa ainda notar que, apesar de a Sr.ª Juiz consignar na sua motivação ter acreditado na queixosa, parece não ter acreditado nela completamente como pensamos ser legítimo concluir, por não ter incluído nos factos provados que depois do alegado envolvimento entre aquela e o arguido, ela (assistente) voltou a Mesão Frio de novo no carro dele (arguido) o que certamente sucedeu por considerar isso demasiado absurdo para merecer credibilidade, por mínima que fosse.
8. Como se mais fosse necessário, até contradições igualmente inexplicáveis se verificam entre as declarações da assistente para memória futura e as que prestou em audiência de julgamento.
Para referir apenas as principais, nas primeiras disse que no dia em causa ia a Mesão Frio para ir ter com umas amigas, enquanto que nas segundas já disse que era para tratar (na Câmara Municipal) da sua ida para uma colónia de férias.
Nas primeiras disse que quando estava na colónia de férias o arguido telefonava enviava mensagens, enquanto nas segundas assegurou que foram só mensagens.
9. As versões da queixosa também se mostram eivadas das maiores inverosimilhanças das quais, para além da já referida quanto ao seu regresso a Mesão Frio, destacamos as seguintes:
- ter-se libertado do arguido com um pontapé quando ele estava em cima dela a penetrá-la, o que nos parece de todo impossível;
- não se lembrar se o arguido a penetrou mais que uma vez;
- o arguido ter-lhe enviado várias mensagens a perguntar-lhe se tinha gostado e se queria voltar a sair com ele, o que nos parece absolutamente inverosímil atenta a forma como ela (assistente) disse que as coisas se passaram e
- segundo consta do relatório de fls. 353 ter dito que o arguido lhe deu dinheiro mas que o deitou fora num contentor do lixo quando chegou a Mesão Frio para além de certamente ninguém acreditar que isso possa ter acontecido, porque a ter essa reacção seria perante o próprio arguido, nunca mais fez qualquer alusão a essa circunstância.
10. Por outro lado, há também contradições importantes entre o depoimento da própria monitora, I… e as declarações da assistente nomeadamente:
- enquanto que a monitora disse que notou a assistente se mostrava nervosa e não interagia com os colegas, aquela disse precisamente o contrário;
- a monitora disse que a assistente lhe referiu que no dia dos factos usava calças, enquanto que a segunda disse que vestia calções.
- também disse que a J… lhe referiu que depois de se livrar do arguido, saiu do carro e foi a pé, o que só era possível se tudo tivesse acontecido, de acordo com a primeira versão, nas imediações de Mesão Frio e não na …, perto da Régua porque aí era longe e, precisamente por isso é que a assistente justificou ter exigido ao arguido que a transportasse de volta.
11. A M.ma Juiz recorrida também justificou a sua decisão da matéria de facto pela circunstância de a assistente ter indicado de forma segura o local da ocorrência.
Ora, de acordo com o que consta do auto de inspecção ao local, a indicação feita pela queixosa era mais um motivo para a desacreditar dado que sempre tinha dito que tudo se passara na …, quando o local que indicou foi mais de 6 quilómetros à frente e três freguesias depois.
12. A tudo acresce ainda que as versões da assistente estão em contradição com o que consta de documentos cujo conteúdo devia dar-se como provado, desde que nenhuma prova melhor se tivesse feito em sentido contrário ou divergente.
Ora, quanto às circunstâncias factuais da ocorrência e em divergência com todas as versões que chegaram ao processo, consta do exame médico-legal de fls. 353 que o táxi foi chamado pelo pai da assistente para esta ir à feira.
13. Enquanto que relativamente à penetração vaginal, tanto nesse (relatório de fls. 353) como nos restantes, incluindo o de fls. 801 (em que consta "não parece claro que a jovem tenha sido violada"), os exames efectuados terem sido inconclusivos quanto ao contacto sexual, a própria assistente sempre referiu aos respectivos peritos que apenas houve uma tentativa de contacto entre ambos os órgãos genitais (não consumada).
14. Assim, com o devido respeito de forma alguma a Sra. Juiz recorrida podia ter dado como provada a penetração vaginal (facto 9) e quanto à história do evento não podia a Sr.ª juiz desconsiderá-la apenas "por se desconhecer em que circunstâncias foi recolhida", antes se lhe impondo confrontar a assistente com essa história e só depois, retirar as conclusões que considerasse pertinentes.
15. De outra forma, nunca poderia desconsiderar o que consta desses relatórios, tanto mais que no tocante ao contacto sexual a decisão de não se dar como provado seria a mais consentânea com a fragilidade da restante prova produzida a esse propósito tanto porque a assistente nem sequer conseguiu precisar se foi uma vez ou mais e a própria monitora também disse que tinha ideia de ela (assistente) ter referido apenas tentativa.
16. De acordo com tudo quanto fica exposto, tanto de acordo com a prova tida em conta pela M.ma Juiz, atentas as suas contradições, divergências e inverosimilhanças, pelo menos pela dúvida de forma alguma era possível dar-se como provada a factualidade constante dos pontos 5 a 10, 13 e 14 dos factos provados da sentença recorrida.
17. Por maioria de razão tal se impunha pela restante prova testemunhal produzida em audiência também por força dos indicados vícios (divergências, contradições e inverosimilhanças) de que também padece e que a Sra. Juiz desconsiderou completamente não lhe tendo feito a mínima alusão ou referência, o que a nosso ver integra nulidade prevista na al. a) do n.º l do ar t. 389º-A ex-vi al. a) do n.º l do art. 379º, ambos do C.P.P.
18. Relativamente ao pedido cível ainda que se mantivesse a condenação, devia o mesmo ser julgado improcedente uma vez que de acordo com o alegado pela própria demandante (v. art. 13 do respectivo requerimento) e como veio a ser dado por provado na sentença (v. ponto 16 dos factos provados), as alegadas consequências do também alegado abuso sexual não teria resultado desse mesmo abuso mas sim do conhecimento dos pais da assistente, assim se impondo concluir pela inexistência de nexo de causalidade entre o facto e o dano.
De resto, isso mesmo foi referido pela irmã (da assistente) K… que, partilhando o quarto com ela, não hesitou em afirmar que no dia dos factos ela chegou a casa perfeitamente normal e que até se saber da queixa por ela (assistente) apresentada tudo assim continuou, acrescentando mesmo que se os pais não tivessem sabido, nada teria mudado.
19. Mas ainda que assim não se entenda, como por mera hipótese se admite, quando muito apenas se poderia dar como provado que a ocorrência em causa acentuou um pouco mais a tendência depressiva da assistente porque depressiva, nervosa, reservada e fechada já ela era antes, como também o permite concluir o referido pela já citada sua irmã K…, a qual referindo-se ao ocorrido no dia dos alegados factos disse "como todos os dias, comeu qualquer coisa e foi directamente para o quarto".
O mesmo tendo sido confirmado pelas suas amigas que depuseram sobre essa matéria, dizendo, no essencial, que muitas vezes a viam nervosa e aborrecida, mas por problemas de casa (de família).
20. O que, deforma alguma, se podia dar como provado é o constante do ponto 32, uma vez que, quanto a isso o que se podia ter considerado demonstrado era precisamente o contrário uma vez que ela própria e os pais disseram que, a partir da data em que a situação foi despoletada, só sai com eles.
21. Em conformidade com as conclusões expostas a sentença recorrida traduz incorrecta análise e valoração da prova, decorrendo de uma motivação perfeitamente arbitrária e de mera impressão com violação do princípio do in dubio pro reo e do estabelecido no art. 127° do C.P. Penal assim como, por total omissão de qualquer análise ou referência à maior parte da prova da acusação está ferida da nulidade prevista na al. a) do n.º l do art. 389º-A ex vi al. a) do n.º l do art. 379º, ambos do C.P.P. sendo que, no tocante ao pedido cível traduz violação do disposto no n.º l do art. 483º do C. Civil.
Termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que julgue improcedente a acusação e pedido de indemnização civil contra si formulados.
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Houve resposta do Ministério Público, sufragando a improcedência de ambos os recursos e a manutenção do decidido, rematando a douta motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem:
Recurso Interlocutório
1) O objecto do presente recurso é o despacho datado de 16-12-2011;
2) Não se conformando com a decisão, dela interpuseram recurso no qual concluem, pelas razões atrás descritas;
3) Sucede que nenhuma das razões invocadas pelo recorrente é procedente, não havendo lugar, por outro lado, fundamentos oficiosos para revogar o douto despacho recorrido, no todo ou em algum dos seus segmentos.
4) Na verdade, constata-se que a M.ma Juiz, apreciou correctamente o citado artigo 173° do C. Penal
5) De resto, é entendimento, que se perfilha, que o recurso próprio onde são analisadas as questões de direito, será no recurso da sentença que amplo em matéria de facto não se traduz na renovação do julgamento já realizado, mas num mero reexame da decisão da primeira instância, o que implica que o Tribunal superior, tendencialmente, deverá respeitar o critério e a sensibilidade - que só os princípios da oralidade e principalmente da imediação podem proporcionar - do julgador de primeira instância, desde que estes não colidam, de forma inconciliável, com o que resulta da gravação da prova e demais elementos existentes no processo.
Recurso da Sentença
Deverá pois aquela douta decisão judicial, ora posta em crise, ser integralmente mantida, julgando-se improcedente o presente recurso, assim se alcançando BOA JUSTIÇA!
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Respondeu também a assistente J…, igualmente no sentido de nenhum dos recursos merecer provimento, sem sumariar conclusões quanto ao recurso da decisão final condenatória, e rematando a motivação do recurso interlocutório com as conclusões que seguem:
A) A Assistente terá sempre 16 anos, até completar os 17 anos de idade.
B) A data dos factos objecto dos autos ocorre no mês de Agosto de 2009, portanto, tinha 16 anos de idade.
C) A assistente só completou 17 anos de idade, no dia 20 de Setembro de 2009.
D) O Douto Despacho Recorrido traduz a correcta interpretação e aplicação ao caso concreto.
E) Nenhuma das razões invocadas pelo recorrente é procedente.
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Admitidos os recursos, por despachos proferidos a fls. 832/33 e 970 subiram os autos a este Tribunal da Relação onde a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso interlocutório por virtude da infracção em causa não punir o acto sexual praticado com maior de 16 anos como era o caso da ofendida e, aliás, foi admitido na decisão final pelo próprio julgador.
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Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, respondeu a assistente insistindo na sua tese.
Realizado o exame preliminar, nada obstando ao conhecimento do mérito, foram colhidos os vistos legais prosseguindo os autos para conferência, na qual foi observado o formalismo legal.
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II- Fundamentação
1. Decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica,[2] que as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso (art. 410º n.º 2, do mesmo Código).
Assim, no caso sub judicio, as questões suscitadas, na sua preordenação lógica, são as seguintes:
RECURSO INTERLOCUTÓRIO
• Falta de requisitos típicos do crime de actos sexuais com adolescente
RECURSO DO ACÓRDÃO
● Insuficiência da matéria de facto para a decisão
● Nulidade da decisão por insuficiência de fundamentação
● Erros de julgamento da matéria de facto[3]
- Ausência, contradição e falta de credibilidade probatória
- Violação do princípio in dubio pro reo
- Violação da livre apreciação da prova [art. 127º, do Cód. Proc. Penal]
● Errada subsunção jurídica dos factos ao direito
● Inexistência da obrigação de indemnizar [falta de nexo causal entre o facto e o dano]
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2. A fundamentação de facto realizada pelo tribunal a quo na decisão recorrida e no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição)
A) Factos Provados
1. O arguido B… nasceu em 8-5-1966 e é taxista;
2. A ofendida J… nasceu em 20-9-1992, é estudante e possui uma compleição física franzina;
3. Os familiares do arguido e da ofendida residem na mesma freguesia, sendo conhecidos de longa data;
4. Pelo menos desde o mês de Junho de 2009 que os membros da família da ofendida recorriam aos serviços de transporte do arguido com frequência;
5. No dia 7 de Agosto de 2009, pelas 15h, a ofendida J…, à data com 16 anos, solicitou através do seu telemóvel n.º ………, o serviço de transporte de táxi do arguido, B…, tendo a chamada sido realizada pela sua irmã K…, para transportar J…, desde a sua residência, sita no …, até Mesão Frio;
6. Durante o referido trajecto, o arguido, fez um desvio no seu percurso, perto de …, parando o seu táxi num local ermo, junto de uma vinha, onde não existiam habitações, na freguesia …, Peso da Régua;
7. De seguida, e sem que nada o fizesse prever, o arguido esgueirou-se para o banco traseiro da viatura, onde se encontrava a ofendida, e sentando-se a seu lado, começou a beijá-la, satisfazendo a sua lascívia e impulsos libidinosos;
8. A ofendida mostrando o seu desagrado, pediu ao arguido para a deixar ir embora, tendo o mesmo respondido, que não, que há muito tempo que andava em cima dela, procurando acariciar e beijar a ofendida, sempre com resistência da mesma;
9. O arguido, por sua vez, e em virtude da sua supremacia física, puxou os calções que a ofendida trazia vestidos, e depois as cuecas e tirando o pénis para fora das calças, através de contacto físico sexualizado entre ambos os genitais, penetrou o seu pénis na vagina da ofendida, agindo contra a vontade da mesma;
10. Entretanto, o arguido afrouxou a força que fazia e a ofendida, nessa altura, conseguiu desprender-se do arguido, empurrando-o e fugindo para o exterior do táxi;
11. Após os factos descritos, o arguido ainda ligou e mandou mensagens para o telemóvel da ofendida, de forma contínua, e mesmo entre o dia 18 e 29 de Agosto de 2009, encontrando-se a ofendida numa colónia de férias em Espanha, esta continuou a receber telefonemas e mensagens do arguido;
12. Já no Campo de Férias, a ofendida foi assistida, tendo sido posteriormente encaminhada para o Hospital de Viana do Castelo;
13. Com a descrita conduta, o arguido, comandado tão só pela satisfação dos seus impulsos libidinosos, obrigou a adolescente J… de 16 anos de idade, a praticar consigo acto sexual de relevo, de cópula, gravemente violador da sua consciência, decência e pudor sexuais, abusando da sua inexperiência, mormente do facto de ser pessoa conhecida da família da ofendida e a cujos serviços recorriam com frequência;
14. O arguido agiu sempre de vontade livre, e conscientemente, bem sabendo ser ilícita a sua conduta e que agia contra a vontade e resistência da ofendida, não obstante tal consciência, não se coibiu de a levar a cabo, alcançando os correspectivos resultados delituosos;
15. No Hospital de Viana do Castelo, a Assistente foi encaminhada e assistida pela especialidade de ginecologia;
16. Quando regressou do campo de férias e encontrando-se já na comarca de Mesão Frio, a Assistente deu entrada no Serviço de Urgências do Hospital de Trás-os-Montes e Alto Douro, com crise de ansiedade em consequência do facto dos seus pais terem tido conhecimento do abuso sexual que a mesma fora alvo;
17. E em resultado disso ficou, por aconselhamento clínico, internada nesse Hospital;
18. Tendo sido encaminhada desde então a frequentar consultas de psicologia nesse Hospital com a psicóloga, Dr.ª L…;
19. Para esse efeito, a Assistente fez-se acompanhar com os seus pais a Vila Real para as ditas consultas;
20. Todas as deslocações entre Mesão Frio e Vila Real para as referidas consultas ficaram a cargo da Assistente, apesar de serem os seus pais a custear;
21. Mercê da situação descrita, a Assistente efectuou também terapia farmacológica, designadamente anti-depressivos e calmantes;
22. Desde a data dos factos, a Demandante alterou a sua maneira de ser e de estar, tendo modificado o seu comportamento, estando sob vigilância e terapia clínica, mais precisamente na especialidade de psicologia;
23. Em virtude do sucedido, a Demandante ainda hoje apresenta alterações emocionais (psicopatologias) associadas a abuso sexual, perturbação de stress pós-traumática, tais como reacção aguda de stress, medo intenso, sentimento de desprotecção, sonhos perturbadores, mau estar psicológico, interesses diminuídos, sentir-se desligada, dificuldade em adormecer, instabilidade e hipervigilância, perturbação do humor/depressão;
24. Após o sucedido, a Demandante apresentou fenómenos dissociativos, designadamente desmaios;
25. A Demandante não consegue esquecer o acontecido;
26. Os factos constantes dos pontos 7 a 10 provocaram na Demandante perturbações psicológicas severas, culpa, baixa auto-estima e auto-responsabilização, dificuldades relacionais/isolamento, alteração da percepção da realidade, havendo um estado de alerta permanente/hipervigilância, perturbação do sono e perturbação alimentar, sentimentos de confusão, revolta, depressão e culpa;
27. A Demandante padece de mágoa com o sucedido e ainda hoje não se sente à vontade para falar do sucedido, nem com os seus pais e irmão, nem com a psicóloga do gabinete de acção social de Mesão Frio que a acompanhou;
28. Apresenta sofrimento psicológico e reactividade fisiológica quando exposta a estímulos (internos e externos) que a lembrem ou simbolizem algum aspecto do evento traumático, o que faz com que evite conversas sobre o sucedido;
29. Quando exposta a estes estímulos, a Demandante manifesta sintomas de activação psico-fisiológica, tais como taquicardia, agitação e sudorese, e descreve sentir um mal-estar geral e nervosismo intenso;
30. O relacionamento social e familiar da Demandante ficou prejudicado pelo sucedido, na medida em que apenas sai de casa para ir à escola, por medo do agressor e pelo seu estado depressivo;
31. Antes dos factos descritos em 7 a 10, a Demandante era uma adolescente que gostava de conviver com os amigos após as aulas, aos fins-de-semana e nas férias;
32. Agora a Demandante isola-se no seu quarto, afastando-se dos pais por vergonha, raiva, humilhação e tristeza;
33. A Demandante tornou-se uma pessoa mais fechada e reservada e sofre por vergonha da família e de toda a gente;
34. A Demandante nunca se relacionou sexualmente com ninguém;
35. Em virtude do sucedido, a Demandante rejeita qualquer relação de namoro; Mais de provou:
36. O arguido não tem antecedentes criminais;
37. O arguido é taxista, auferindo no exercício de tal actividade, pelo menos, € 485 por mês líquidos;
38. Como empresário em nome individual, trata de vinhas em regime de empreitada;
39. Vive com a mulher, com dois filhos (de 15 e 12 anos), estudantes, e com o sogro em casa própria, pela qual paga a prestação mensal de € 400 relativa ao empréstimo que contraiu para a sua aquisição;
40. O arguido é proprietário de um veículo automóvel da Marca Mercedes, …, do ano de 2011;
41. Para adquirir tal veículo o arguido contraiu um empréstimo pelo qual paga a prestação mensal de € 400;
42. É proprietário de uma carrinha Mitsubishi …, do ano de 2000;
43. O arguido não tem outros bens nem outros rendimentos;
44. Como habilitações literárias, tem a 4.ª classe.
*
B) Factos não provados
Não resultaram provados outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que o arguido no dia 07/08/2009 esteve num almoço de família e que depois do almoço foram a pesca na …, Mesão Frio, os restantes factos constante da pronúncia [al. M)]e do pedido de indemnização civil (arts. 17.º, 19.º, 20.º, 34.º, 43.º, parte final).
*
C) Motivação
O Tribunal formou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência de julgamento e constante dos autos, analisada à luz das regras de experiência comum e da lógica e de acordo com o princípio da livre apreciação (cfr. art. 127.º, do CPP).
O arguido prestou declarações, negando a prática dos factos que lhe foram imputados na pronúncia. Afirmou que a factualidade constante da pronúncia é uma invenção da Assistente, que a conhece por ter "crescido com a mãe", que a chegou a transportar no seu táxi com o irmão M…, e que se lembra de ter transportado a Assistente e o irmão M… num dia, que não consegue precisar, do Verão de 2009. Negou ainda que alguma tivesse transportado sozinha a Assistente no seu táxi.
Contudo, não conseguiu explicar que razões teria a Assistente para inventar os factos que lhe imputou e também não conseguiu explicar de forma convincente porque motivo ligou e mandou mensagens à Assistente quando esta se encontrava no campo de férias, em Espanha.
Na verdade, o arguido referiu que o relacionamento com a Assistente era meramente de trabalho, mas depois acabou por afirmar que tinha ficado combinado entre ambos que aquela lhe dissesse se tinha chegado bem.
Estas afirmações do arguido não são minimamente verosímeis: se era uma relação meramente de trabalho porque motivo haveria de a Assistente lhe dizer se tinha chegado bem?
Daí que o tribunal não tenha atribuído a menor credibilidade à versão dos factos apresentada pelo arguido.
Por outro lado, a alegação de que, no dia 07/08/2009, o arguido esteve num almoço de família a comemorar o aniversário do seu cunhado N… e que depois foi para a pesca, com familiares e amigos, na …, não se mostrou também credível, pese embora as testemunhas que aquele indicou para depor tenham confirmado ter existido tal almoço e a pesca, da parte de tarde.
Na verdade, o depoimento das referidas testemunhas que não foram minimamente credíveis porquanto não foram espontâneos e escorreitos, apresentando incongruências e contradições em si mesmos e quando conjugados entre si.
Por exemplo, a mulher do arguido, C… referiu que fez o serviço de táxi na tarde do dia 07/08/2009, enquanto o marido e os restantes convivas (homens apenas) fora para a pesca. Contudo, a irmã do arguido, D…, depois de confirmar o almoço, a afirmou que o táxi ficou toda a tarde na garagem, o que também foi afirmado pela testemunha E… (cunhado do arguido).
Por outro lado, as testemunhas referidas não conseguiram explicar porque razão se lembravam especificamente do almoço de aniversário daquele ano e a testemunha E… acabou por afirmar que o cunhado N…, o aniversariante, não esteve no almoço (almoço que foi realizado para comemorar tal aniversário!).
Enfim, os depoimentos das testemunhas indicadas para depor sobre o referido almoço foram parciais, a que não é alheio o facto de serem familiares próximo do arguido e, por isso, terem interesse em afastar a responsabilidade criminal do mesmo, e inverosímeis.
Porém, da falta de credibilidade da versão dos factos apresentada pelo arguido não decorre a responsabilidade criminal do mesmo.
O que foi determinante para convencer o tribunal de que a factualidade constante da pronúncia se deu nos moldes aí descritos foram as declarações da Assistente conjugadas com os relatórios periciais juntos aos autos, complementados em audiência de julgamento com os esclarecimentos dos peritos que os subscreveram, os depoimentos das psicólogas que acompanharam a Assistente (Dr.ª L… e O…), o inspector da PJ P… e os monitores do campo de férias I… e Q….
A Assistente, quer nas declarações para memória futura, quer quando foi ouvida em audiência de julgamento, apontou como dia dos acontecimentos relatados na pronúncia o dia 07/08/2009 e relatou de forma coerente o desenrolar dos acontecimentos nesse dia, designadamente o os factos provados em 5 a 10.
Durante a produção de prova, o tribunal fez de táxi o percurso que a Assistente diz ter percorrido e a mesma indicou de forma segura o local onde se deram os factos, em …, como consta do respectivo autos.
Pese embora as dificuldades em descrever o sucedido e as hesitações que revelou no que tange à circunstância de o arguido ter ejaculado e a duração da penetração, a Assistente prestou declarações de uma forma sincera, franca e espontânea, razão pela qual o tribunal não teve dúvidas em as considerar credíveis.
Além disso, a Assistente foi sujeita a exames periciais que apontam no sentido de conferir credibilidade ao que relatou, como resulta do relatório de perícia legal de fls. 352-358, apresenta sintomatologia que é compatível com o episódio que relatou, conforme consta daquele relatório e do relatório de acompanhamento psicológico de fls.334-335.
Finalmente, os depoimentos das psicólogas que acompanharam a Assistente e do inspector da PJ foram no sentido de que dar credibilidade à versão dos factos apresentada pela Assistente.
As dificuldades, hesitações e uma ou outra imprecisão no relato dos factos por parte da Assistente são compreensíveis, atenta a idade da vítima e o facto de o reviver dos factos através do seu relato acarretar, neste tipo de crime, perturbações emocionais que interferem na memória.
Consta dos relatórios periciais de fls. 242-245 e de fls. 352-358, quanto à história do evento, versão dos factos diferente daquela que a Assistente relatou em tribunal, o que poderia suscitar dúvidas sobre a veracidade dos factos relatados pela Assistente.
Porém, o tribunal desconhece em que circunstâncias foi recolhida a história do evento. A Assistente foi ouvida pelo tribunal duas vezes e nas duas vezes que o fez foi credível, razão pela qual, reafirma-se, o tribunal valorou as suas declarações.
As testemunhas I… e Q… descreveram o comportamento da Assistente no campo de férias e a perturbação no seu comportamento compatível com sintomatologia que normalmente apresentam as vítimas deste tipo de crime, bem como confirmaram o facto provado em 12. Quanto a este facto, o tribunal teve ainda em conta a informação de fls. 313 e o relatório de fls. 331.
Não foi possível através da perícia de natureza sexual (realizada em 07/09/2009) comprovar a agressão sexual relatada pela Assistente porquanto não foram encontrados vestígios físicos, biológicos e não biológicos, conforme resulta do relatório de fls. 242-245, mas tal perícia não afastou a possibilidade de ter ocorrido a agressão apenas não permitiu a sua comprovação médica.
No que tange aos factos provados em 11, o tribunal considerou o depoimento de P…, inspector da PJ, que sugeriu a recolha da facturação de telemóveis, a facturação de telemóveis de fls. 45 a 219 e o auto de análise de facturação de telemóveis de fls. 246.
No que tange aos factos constantes do pedido de indemnização civil que se consideraram provados (factos provados em 15 a 35), o tribunal considerou as declarações da assistente e das testemunhas por esta indicadas (designadamente irmã, irmão, pai, mãe, tia), as quais de forma credível (porque simples, pouco elaborada, espontânea e sem contradições de maior) confirmaram, com mais ou menos pormenor, as consequências que do comportamento do arguido resultaram para a Assistente.
O tribunal teve ainda em conta as informações médicas e hospitalares de fls. 313 e 331, bem como o relatório de acompanhamento psicológico de fls. 334 e 335, bem como os depoimentos das psicólogas que acompanharam a Assistente, L… e O….
Através de constatação visual, verificou a julgadora constituição física da Assistente e a supremacia física do arguido em relação à mesma.
A ausência de antecedentes criminais do arguido resultou do CRC junto aos autos. No que tange à situação económica, pessoal e familiar do arguido, o tribunal atendeu às declarações dos mesmos.
Os factos não provados assim foram considerados por ausência de prova ou ausência de prova credível nos moldes atrás descritos.
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3. E da fundamentação jurídica, mais propriamente da subsunção dos factos ao direito realizada pelo tribunal recorrido importa, por ora, considerar o seguinte:
“Enquadramento jurídico - penal
Fixados os factos, cabe proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
O arguido vem pronunciado pela prática, em autoria material e na forma consumada,
do crime de abuso sexual de actos sexuais com adolescentes p. e p. pelo art.º 173.º, n.º 2, do CP.
Estabelece o art.º 173.º do CP Penal o seguinte:
1- Quem sendo maior, praticar acto sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos ou levar a que ele seja por este praticado com outrem, abusando da sai inexperiência, é punido com pena de multa até 240 dias.
2- Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.
O bem jurídico protegido neste tipo de crime é o livre desenvolvimento da vida sexual do adolescente, a sua liberdade e auto-determinação sexuais.
Trata-se de um crime de perigo abstracto, quanto ao grau de lesão do bem jurídico, e de mera actividade, quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção.
No que respeita aos elementos objectivos deste tipo de crime, cumpre referir que o autor do crime é uma pessoa e só pode ser uma pessoa maior de idade.
A acção típica consiste num acto sexual de relevo, incluindo cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, praticado com abuso de inexperiência de menor entre 14 e 16 anos.
Assim, o acto sexual praticado com maior de 16 anos não é criminalmente punível.
O abuso de inexperiência consiste na exploração pelo agente da falta de experiência de vida do adolescente. Essa falta de experiência dever aferir-se em função, designadamente, da maturidade, condição psíquica e grau de educação da vítima.
O tipo subjectivo deste crime, admite qualquer modalidade de dolo.
Revertendo ao caso dos autos, resulta da factualidade provada que o arguido tem mais de 18 anos (é maior) e a Assistente, na data dos factos ainda tinha 16 anos, embora estivesse quase a fazer 17 anos.
Resultou igualmente provado que o arguido beijou e acariciou a Assistente e penetrou com o seu pénis na vagina da Assistente.
Quanto ao segmento do tipo relativo ao abuso da inexperiência, resulta da factualidade apurada que o arguido mantinha relações de amizade com a família da Assistente e que o arguido prestava frequentemente serviços de transporte em táxi à família da Assistente. Essa relação de amizade e a frequência com que prestava os serviços de transporte em táxi à sua família levaram a Assistente a confiar no arguido, razão pela qual foi sozinha com ele no táxi.
A falta de experiência de vida Assistente, resultante da sua idade e de viver em meio rural, levou-a a não desconfiar, nas circunstâncias descritas, das intenções do arguido, mesmo quando este mudou de percurso e depois entrou repentinamente no carro. Se a Assistente tivesse experiência de vida, teria percebido ou, pelo menos, desconfiado que algo de errado se passava quando o arguido fez um desvio no percurso e que, estando com ele sozinha, num carro as condições eram propícias para que o arguido fizesse, como fez, aquela investida sexual.
Em resumo, o arguido criou as condições propícias para praticar um acto sexual (levando-a para um local ermo) e explorou a menor capacidade ou força de resistência, em razão da aludida inexperiência, da Assistente perante tal acto.
O arguido agiu com dolo directo porquanto projectou a sua actividade delituosa e quis concretizá-la, como concretizou.
Não resultou provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
O arguido praticou, assim, o crime de que vem acusado.
(…).”
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4. Apreciando do mérito.
4.1 Do recurso interlocutório
Consoante facilmente se extrai do já exposto o recurso interlocutório interposto pelo arguido, no que concerne falta de verificação dos requisitos típicos do crime que lhe foi imputado, interfere directa e necessariamente com a subsunção e qualificação jurídica dos factos considerados provados na sentença proferida visto que aí se reproduz, no essencial e com pequenas e inócuas diferenças de pormenor, a matéria vertida inicialmente na acusação e depois no despacho de pronúncia, aqui objecto de censura.
A questão suscitada tem na sua base o entendimento divergente do arguido e do Tribunal a quo a propósito da janela temporal da protecção concedida pelo art. 173º n.º 2, do Cód. Penal.
Assim, enquanto o primeiro sufraga que a tutela se limita aos menores entre os 14 e os 16 anos, cessando logo que esta última idade seja atingida, o julgador foi mais além considerando que a subsunção legal é admissível enquanto a vítima não completar os 17 anos pois que, até aí, continuará a ser menor e a ter 16 anos.
Cremos, porém, que a razão se encontra manifestamente do lado do arguido.
Com efeito, no domínio dos crimes sexuais relativamente a menores, o legislador optou, muitas vezes, por uma protecção escalonada em razão da idade, reconhecendo que tal circunstância confere especificidades ao bem jurídico protegido que justificam a autonomia da densificação normativa típica.
Deste modo, no vasto campo da autodeterminação sexual que este segmento penal visa tutelar protege-se, por um lado, a liberdade sexual dos adultos e, por outro, o livre desenvolvimento dos menores no campo da sexualidade, considerando-se aqui que, determinados actos ou condutas de natureza sexual podem, mesmo sem violência, em razão da pouca idade da vítima prejudicar gravemente o seu crescimento harmonioso e, por consequência, o livre desenvolvimento da sua personalidade.
Assim, no abuso sexual de crianças [art. 171º] é punido quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o importunar com acto de carácter exibicionista ou ainda sobre ele actuar por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos
Depois nos crimes de abuso sexual de dependentes [art. 172º] e prostituição de menores [art. 174º] confere-se protecção a menores com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos.
Por seu turno, no crime de actos sexuais com adolescentes [art. 173º] protege-se a faixa etária dos menores entre os 14 e os 16 anos relativamente a actos sexuais de relevo.
A integração harmónica dos diversos preceitos citados inculca, por si só, que o limite temporal mínimo nas duas últimas hipóteses corresponde à data em que se completem os 14 anos e, por seu turno, o limite superior é balizado pela data em que se completam os 18 ou 16 anos, respectivamente.
Na verdade, se o crime de actos sexuais com adolescentes não é punido se praticado com maior de 16 anos, como expressamente reconhecido pelo tribunal a quo na sentença proferida, é contraditório afirmar que quem já atingiu e ultrapassou tal idade – embora sem atingir o patamar seguinte, ou seja os 17 anos – não é maior de 16 anos.
De todo o modo, ainda que se quisesse arredar o argumento lógico-formal, o entendimento em causa não subsiste à análise da génese típica da infracção em causa.
Vejamos.
O crime de actos sexuais com adolescentes pressupõe sempre como agente infractor alguém maior de idade enquanto a vítima há-de ser menor com idade entre os 14 e os 16 anos.
Depois, a tutela legal é reservada a condutas que configurem a prática de acto sexual de relevo, quando levado a cabo com abuso da inexperiência da vítima, elemento constitutivo imprescindível e distintivo da infracção.
Está, pois, aqui em causa a concretização de determinado acto sexual, por parte de adulto, na pessoa de menor entre os 14 e os 16 anos, conseguido com base na imaturidade/ingenuidade deste e aproveitada por aquele em benefício próprio para, mediante a sua maior experiência de vida, o deslumbrar e obter resultado que, de outro modo, não lograria.
Assim, este crime pressupõe acto consentido pelo menor, embora tal consentimento seja o resultado da sedução exercida pelo adulto que, mercê dos conhecimentos e domínio que possui, explora e aproveita as fragilidades de alguém que, face à jovem idade, ainda não desenvolveu totalmente a sua personalidade e, por consequência, não domina inteiramente os meandros da sexualidade.
Ora, como é sabido, no nosso sistema jurídico-criminal a idade da imputabilidade foi estabelecida por referência precisamente aos 16 anos, reconhecendo o legislador que esse será o marco em que o jovem, sendo ainda menor, é já capaz de se auto-determinar e de perceber e avaliar as consequências dos seus actos, por virtude de ter atingido um grau de maturidade que lhe permite ter plena consciência da substância inerente à acção praticada.
Nesse conspecto, mal se perceberia a manutenção de tutela penal relativamente comportamento sexual consensual para além de tal limite de idade, afirmando-se, por um lado, a imputabilidade dos menores que completam os 16 anos, assente num estádio de desenvolvimento pessoal suficiente para o efeito, mas continuando-se, por outro lado, a considerá-los inaptos e a negar-lhes a capacidade de assentimento à prática de determinada actividade sexual, dizendo-os incapazes de perceber, em toda a extensão, as consequências desse consentimento e, portanto, irresponsáveis e carecidos de protecção penal nesse domínio.
Conclui-se, pois, que assiste razão ao arguido porquanto, por virtude da ofendida, à data dos factos, já ser maior de 16 anos é impossível imputar-lhe a prática do crime de actos sexuais com adolescentes, previsto e punível pelo art. 173º, do Cód. Penal.
Todavia, tal reconhecimento não impõe, necessariamente, a absolvição do arguido sendo ainda necessário cotejar a factualidade imputada/apurada[4], para se perceber se esta admite alguma censura penal.
No entanto, a possibilidade de subsunção mostra-se agora claramente diminuída pelo facto de apenas o arguido ter impugnado a decisão recorrida, circunstância que obsta ao agravamento da sua situação, atento o princípio da proibição de reformatio in pejus, previsto no art. 409º n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
Anotada tal restrição, a que há-de juntar-se, por inerência, a da previsão do art. 359º, do mesmo diploma legal, vejamos agora a validade formal e substancial da sentença proferida.
***
4.2 Do recurso da decisão final
Atento o anteriormente exposto, cumpre agora e antes de mais verificar se a factualidade imputada ao arguido admite a subsunção a algum outro ilícito que não aquele que já se arredou por falta dos necessários requisitos típicos.
Como decorre da motivação da decisão e das próprias alegações do recorrente, a factualidade considerada assente pelo tribunal a quo corresponde quase inteiramente aquela que no despacho de pronúncia lhe era imputada, excepcionando-se tão-só a referência a anteriores comportamentos desajustados do arguido relativamente a clientes do sexo feminino que haviam solicitado os seus serviços enquanto taxista [alínea M] que foi elencada nos factos não provados.
Neste pressuposto, forçosa é a conclusão que a matéria subsistente é ainda de molde a admitir a responsabilização criminal do arguido dentro dos apertados limites em que agora nos movemos e já antes referidos e que, em suma, se resumem à viabilidade dos factos serem qualificados juridicamente de modo diverso sem que a sua posição seja agravada.
E a questão não é despicienda já que os pontos 5 a 10 da matéria provada apontam claramente para uma relação sexual de cópula imposta à assistente por via da força e superioridade física do arguido, pese embora a recusa claramente verbalizada por aquela e a resistência que tentou opor a tais intentos, cujo enquadramento jurídico natural seria o crime de violação, previsto pelo art. 164.º n.º 1 a), do Cód. Penal [Quem, por meio de violência (…) constranger outra pessoa a praticar, consigo ou com outrem, cópula][5], e punível com pena de 3 a 10 anos de prisão, cuja imputação é agora definitivamente inviável – pois que o Ministério Público não acusou, conformou-se e sustentou condenação por crime muito menos gravoso - e que sempre careceria de explicitação por virtude da contradição resultante do confronto com o ponto 13 onde se consegue afirmar, a um só tempo, a existência de contacto sexual forçado e consentido, como decorre do anteriormente explicitado, já que a referência à inexperiência só faz sentido relativamente a actos sexuais aceites.
No entanto, em consequência directa do imposto afastamento de infracção mais grave, torna-se possível a imputação do crime de importunação sexual, previsto e punível pelo art. 170º, do Cód. Penal, pois que não depende de qualquer aditamento factual e não agrava a situação do arguido visto que a pena abstractamente prevista (prisão até 1 ano ou multa até 120 dias) é muito inferior à da previsão do crime de actos sexuais com adolescentes pelo qual havia sido acusado, pronunciado e condenado.
Tal solução carece, porém, do prévio esclarecimento das reais circunstâncias que rodearam a ocorrência porquanto se os contactos mencionados nos pontos 7, 8 e 9 da matéria provada foram concretizados contra a vontade e resistência da ofendida (v. também ponto 14) será possível a responsabilização criminal do arguido[6]. Mas se foram consentidos por ela, ainda que por meio de sedução e artifícios do arguido, já escapam à tutela penal, pois que sendo a vítima maior de 16 anos, a sua eventual inexperiência ou imaturidade não colhem protecção, conforme anteriormente esclarecido.
E desde já se adiantará que tal cotejo não poderá ser concretizado nesta sede, pese embora a previsão do art. 431º, do Cód. Proc. Penal, atentas as questões de perfectibilização da sentença que se colocam.
Senão vejamos.
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4.2.1 Da validade formal e substancial da decisão
4.2.2 Das nulidades
Partindo do seu próprio entendimento e valoração da prova produzida, destacando para o efeito pormenores que, na sua perspectiva, demonstram divergências, contradições e inverosimilhanças dos meios probatórios atendidos pelo tribunal a quo, invoca o recorrente que a decisão é nula por insuficiência de fundamentação pois que desconsidera e omite a análise da maior parte da prova da acusação, nos termos do art. 389-A, n.º 1 a), ex-vi art. 379º n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
Sendo certo que a invocação do primeiro normativo não faz aqui qualquer sentido, visto que relativo ao processo especial sumário não sendo essa a forma de processo aqui em causa, é inegável que o legislador, considerando o especial dever de fundamentação e o rigor imposto aos actos que revistam a forma de sentença, autonomizou, do regime geral [art. 118º e segs., do citado Código], as nulidades que a podem inquinar, consagrando no seu art. 379º, que:
“1 – É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do art. 374º;
b) Que conhecer de factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos arts. 358º e 359º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
O referenciado art. 374º n.º 2, estatui que a fundamentação há-de constar da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
É consabido que o dever de fundamentação constitui um elemento indispensável para assegurar o efectivo exercício do direito ao recurso, constitucionalmente garantido pelo art. 32º n.º 1, da nossa Lei Fundamental (Constituição da República Portuguesa) e tornar funcional a relação entre o primeiro e o segundo graus de jurisdição. Ou seja, é a motivação que, por um lado, permite às partes não só ponderar melhor a necessidade e oportunidade da impugnação mas também individualizar e exprimir os seus motivos específicos e, por outro lado, que vai dotar o juiz de recurso de mecanismos – argumentação de facto e de direito - que hão-de fortalecer o juízo que terá que formular sobre os a sentença impugnada.
Em termos sintéticos, já que a matéria em causa é perfeitamente pacífica na jurisprudência, pode dizer-se que a fundamentação decisória tem em vista não só permitir a fiscalização da observância dos princípios da legalidade, imparcialidade e independência, postergando a mera arbitrariedade em benefício do legítimo e fundado exercício da livre convicção, mas também potenciar – pela compreensibilidade - a adesão dos destinatários e comunidade em geral ao respectivo teor.
A obrigação de enumeração da matéria de facto provada e não provada – restrita à factualidade relevante para a qualificação do crime e graduação da responsabilidade do arguido - tem a sua génese na garantia de que o Tribunal contemplou, para além de qualquer dúvida, todos os factos submetidos à sua apreciação.
Por seu turno, a indicação e exame crítico das provas não carece de qualquer resumo alargado ou a uma assentada descritiva de todo e cada um dos meios de prova produzidos, nem tão-pouco do cotejo pormenorizado do seu conteúdo, mas há-de ter em conta a complexidade e circunstâncias particulares de cada caso, de forma a possibilitar uma reconstituição do iter que conduziu a considerar cada facto provado ou não provado. Isto é, pretende-se a exteriorização clara e inequívoca do raciocínio seguido pelo tribunal na formação da convicção, de modo a tornar apreensível o juízo que o levou a proferir sua decisão em determinado sentido.
E, sendo ele compreensível e consentâneo com as regras de normalidade do acontecer, terá que concluir-se pela adequação e suficiência do exame crítico da prova, independentemente da sua maior ou menor extensão ou profundidade de análise.
No que ao caso interessa, patenteia o próprio teor das conclusões que perante versões divergentes o julgador optou por uma delas e indicou os meios de prova que atendeu para o efeito.
Todavia, sob aparente análise exaustiva do acervo probatório disponível, não logra perceber-se o fio condutor do raciocínio que subjaz à convicção adquirida e intrinsecamente contraditória já que perante uma descrita e afirmada relação sexual forçada – em que a vítima é despojada da roupa e subjugada pela força física do agressor – se faz depois apelo à inexperiência daquela, tudo com base, diz-se, nas declarações da própria, relatórios médicos e exames periciais cuja substância é muito pouco consistente para o efeito pretendido e, muitas vezes, assente em juízos de valor sobre a postura e comportamento da examinada que parece determinado, em grande parte, pela reacção familiar e de terceiros (v.g. teor da informação de fls. 313). Aliás, não pode deixar de referir-se que a ofendida aceita o acompanhamento psicológico mas não seguiu a prescrição medicamentosa nem compareceu pontualmente às consultas do serviço de psiquiatria do CHTMAD, como decorre do relatório de fls. 331, sendo certo que, na motivação da convicção, se alude genericamente ao valor e credibilidade dos relatórios juntos aos autos sem qualquer cotejo do seu real conteúdo que é tudo menos linear no que ao cerne da questão diz respeito.
Depois, salvo o devido respeito, a existência de penetração do órgão sexual masculino na vagina da ofendida não é uma questão lateral ou irrelevante, sobretudo quando existe um exame pericial que atesta a existência de hímen íntegro que não é permeável a mais do que a polpa do dedo indicador da perita médica não podendo confundir-se a elasticidade natural daquele com o denominado hímen complacente que admite a introdução completa de, pelo menos dois dedos justapostos, sem sofrer soluções de continuidade, ou seja sem romper.
E o número de sms enviadas pela ofendida ao arguido (6 no dia 13, 9 no dia 14 e 1 no dia 29/8) e bem assim as chamadas telefónicas/tentativas para ele (1 no dia 13, 1 no dia 14 e 2 no dia 30/8/2009), após a data da ocorrência, não se compagina naturalmente com a gravidade dos factos que a este se atribuem nem com o temor e trauma que se diz que aquela experienciou, nenhuma justificação se apresentando para a compreensão/desvalorização de tal comportamento.
No fundo - embora tendo-se explicado clara e exemplarmente porque se considerou que o arguido, na data em causa, transportou a ofendida no seu táxi, ao contrário do que afirmava -, no preciso segmento que sustenta a responsabilização criminal – contactos de natureza sexual havidos entre arguido e ofendida, respectivo âmbito e contexto - lida a motivação apenas se extrai a indicação dos meios de prova, alguma referência genérica do respectivo conteúdo e a afirmação pura e simples de credibilidade, sem real cotejo da versão apresentada e das eventuais inverosimilhanças que apresenta, por si ou em conjugação com outros meio de prova produzidos. Por outro lado, as hesitações e imprecisões que se dizem ter sido detectadas nas declarações da assistente só serão aceitáveis se não se reportarem ao núcleo essencial dos acontecimentos ou tiverem uma explicação lógica, circunstância que também não transparece da fundamentação.
A tudo isto acresce o facto da matéria provada inculcar que grande parte dos traumas da ofendida não resultam directamente dos contactos havidos com o arguido mas antes da comoção familiar que se verificou quando os pais descobriram o que se passara entre ambos, não evidenciando a motivação da convicção qualquer destrinça desses acontecimentos e eventual influência dessa reacção no comportamento daquela.
Aliás, a leitura conjugada dos factos provados e não provados e da respectiva motivação da convicção evidencia não só erros evidentes como também contradições inultrapassáveis (algumas intimamente conexionadas com a falada insuficiência de fundamentação) que extravasam para a própria apreciação jurídica, como adiante se verá.
E, obviamente, os termos em que a motivação foi realizada só ganha relevo por força das evidentes contradições que se detectam na fundamentação de facto e de direito e que relevam muito para além da própria sentença afectando a validade da própria audiência.
Assim, sendo certo que se evidencia a nulidade da decisão por insuficiência de exame crítico da prova, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 379º n.º 1 a) e 374º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, importa antes de mais determinar a extensão e consequências dos demais vícios que se detectam e que, a prevalecer, prejudicarão a necessidade de reparação daquela.
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4.2.3 Dos vícios
É consabido que anomalias há que, tendo ainda a sua fonte na decisão recorrida, podem extravasá-la e inquinar, total ou parcialmente, o próprio julgamento, se não puderem ser colmatados no tribunal de recurso, como decorre do estatuído nos arts. 410º n.º 2, 430º n.º 1 e 431º a) e c), do Cód. Proc. Penal.
São vícios que devem patentear-se no texto da decisão, por si ou em conjugação com as regras de experiência, sem esforço de análise ou apelo a elementos que lhe sejam estranhos,[7] designadamente declarações ou depoimentos, ainda que produzidos no julgamento.
Tal circunstância justifica o seu conhecimento oficioso devendo, pois, ser declarados independentemente de requerimento nesse sentido ou mesmo que a impugnação se limite a matéria de direito, já que o tribunal superior mantém intactos os poderes de cognição dos vícios documentados no texto da decisão proferida pelo tribunal a quo, que contendam com a apreciação do facto.
O elenco legal destes vícios abrange nas alíneas:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (reportada, essencialmente, a hiatos factuais que podiam e deviam ter sido averiguados e se mostram necessários à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição);
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (desdobrável em três hipóteses - contradição insanável de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e contradição entre os factos); e
c) O erro notório na apreciação da prova (em regra associado desconformidades de tal modo evidentes que não passam despercebidas a qualquer pessoa minimamente atenta, ou seja é um erro patente que não escapa ao homem comum).[8]
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In casu, o recorrente invocava a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por referência ao imputado - mas já afastado - crime de actos sexuais com adolescentes, tendo, pois, perdido utilidade a sua apreciação.
Porém, sustentava ainda, expressamente, a existência de erro notório na apreciação da prova mas fazendo apelo à sua própria interpretação dos elementos probatórios produzidos, afirmando a existência do vício por entender que aqueles que foram considerados pelo tribunal a quo não eram suficientes nem credíveis para sustentar a opção que exprimiu na decisão recorrida, designadamente a propósito da factualidade que suporta a sua responsabilização criminal.
Ora, tendo em vista o âmbito de aplicação dos vícios aludidos e a circunstância do recorrente fazer apelo ao exame da prova produzida, sem indicar qualquer erro que se autonomizasse, por si ou em conjugação com as regras de normalidade do acontecer, do texto da decisão, é óbvio que a sua pretensão se reconduz aos erros de julgamento da matéria de facto, únicos que admitem a reapreciação da prova produzida, mas que se mostram submetidos ao regime legal do art. 412º, do Cód. Proc. Penal, e não à matéria dos vícios da decisão.
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4.2.4 Do conhecimento oficioso
Pese embora a constatação de que o recorrente não invocou, fundada e adequadamente qualquer dos vícios da decisão estatuídos no citado art. 410º n.º 2, cremos que já resulta do anteriormente exposto que a decisão impugnada evidencia desarmonias tão extensas e profundas que nem sequer permitem concluir a priori se o arguido perpetrou alguma conduta punível pela lei penal, impondo-se, pois, o seu conhecimento oficioso em conformidade com a citada estatuição legal e nos moldes supra expressos.
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Da contradição insanável
Desconsiderando aqui, por desnecessária, a apreciação da já demonstrada impossibilidade de subsumir a matéria de facto apurada à previsão legal do crime de actos sexuais com adolescentes, denunciadora de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, cremos que a antecedente exposição denuncia já a contradição existente em sede dos próprios factos provados pois que aí se sustentam, em simultâneo, duas realidades incompatíveis: a concretização forçada e consentida de determinados actos sexuais relativamente à ofendida, a par de um subsequente quotidiano aparentemente normal só interrompido quando os pais desta tiveram conhecimento do sucedido com o arguido (pontos 11 e 16 e segs.).
Acresce a completa desadequação dos considerandos feitos em sede de qualificação jurídica a propósito do “abuso da inexperiência da vítima” reportado ao facto da ofendida ter ido sozinha no táxi com o arguido - tão só porque confiava nele porque fazia transportes para a sua família -, como se a simples contratação de um serviço de táxi pudesse, noutras circunstâncias, representar um risco ou resultar em acto temerário imputável à vítima e como se tivesse que se justificar o facto de esta não desconfiar das intenções criminosas do mesmo, finalizando-se com a frase lapidar de que: “Em resumo, o arguido criou as condições propícias para praticar um acto sexual (levando-a para um local ermo) e explorou a menor capacidade ou força de resistência, em razão da aludida inexperiência, da Assistente perante tal acto”, não havendo qualquer unidade intrínseca com a exposição anterior e parecendo confundir-se actos de sedução com violência física.
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4.3 Síntese
Considerando o supra exposto é inegável que para além da nulidade prevista no art. 379º n.º 1 a), do Cód. Proc. Penal [insuficiência de fundamentação na vertente do exame crítico da prova], a decisão recorrida enferma ainda de evidentes contradições de fundamentação, circunstância que integra o vício, previsto no art. 410º n.º 2 al. b), do Cód. Proc. Penal, e que pela sua natureza são insusceptíveis de suprimento neste Tribunal.
Nesta conformidade e tendo presentes os segmentos anteriormente assinalados, forçosa é a conclusão que haverá que recolher e esclarecer devidamente os factos provados e não provados [especialmente na parte que se relaciona com a prática de actos sexuais entre arguido e ofendida, respectivo âmbito, natureza e circunstâncias que os determinaram e rodearam] e, de seguida, harmonizar a motivação da convicção e proceder à integração jurídica do acervo probatório, de forma a expurgar as desconformidades referidas e estabelecer a (ir)responsabilidade criminal do arguido e bem assim proceder à comunicação e trâmites previstos no art. 358º, do Cód. Proc. Penal, se vier a considerar-se a possibilidade de qualificação jurídica diversa dos factos imputados/apurados, com a reserva imposta pela proibição de reformatio in pejussupra mencionada.
Nesta conformidade, considerando o exposto, é inegável que a fundamentação de facto da decisão recorrida se mostra indelevelmente inquinada por omissões, incongruências e contradições, vícios que pela sua extensão são insusceptíveis de suprimento neste Tribunal, até porque afectam igualmente e por arrastamento, a fundamentação jurídica levada a efeito pelo tribunal a quo, outro caminho não restando senão o de decretar o reenvio do processo para novo julgamento quanto à totalidade do seu objecto, de harmonia com o disposto nos arts. 426º n.º 1 e 426º-A[9], do mesmo diploma legal, ficando, assim, prejudicada a questão da nulidade da decisão por insuficiência de fundamentação (exame crítico da prova), bem como a apreciação das demais questões suscitadas pelo recorrente.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação:
1 – JULGAR parcialmente procedentes o recurso interlocutório e da sentença apresentados pelo recorrente B… e em consequência, julgando-se inviável a imputação do crime de actos sexuais com adolescentes, previsto e punível pelo art. 173º n.º 2, do Cód. Penal, por virtude da assistente ser maior de 16 anos, à data dos factos, decretar, nos termos dos arts. 426º n.º 1, parte final, e 426º-A, todos do Cód. Proc. Penal, o reenvio do processo para novo julgamento com vista ao apuramento/afastamento de responsabilidade criminal residual do arguido, devendo a nova sentença a proferir suprir todas as invalidades assinaladas.
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Sem tributação – art. 513º n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 4 de Junho de 2014
Maria Deolinda Dionísio – Relatora
Maria Dolores da Silva e Sousa - Adjunta
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[1] Por redistribuição dos autos, em 12/05/2014, devido a baixa por doença do titular inicial.
[2] Cfr., entre outros, Ac. STJ, de 19/6/1996, BMJ n.º 458, pág.98.
[3] O recorrente invoca aqui o erro notório na apreciação da prova mas a alegação produzida não integra tal vício como adiante se verá.
[4] Pese embora o tribunal a quo tenha apreciado a questão da subsunção jurídica em despacho autónomo, considerando que fora proferido despacho de pronúncia e que já se designara data para audiência, parece que o momento adequado para o efeito seria o da elaboração da sentença.
[5] É consabido que a emissio seminis não é actualmente elemento constitutivo do crime de violação.
[6] Sem prejuízo da prévia comunicação da alteração da qualificação jurídica, imposta pelo art. 358º n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
[7] Cfr., Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, pág. 339. E Ac. STJ de 11/7/2007 - Proc. 07P1416/relator Armindo Monteiro -, in dgsi.pt.
[8] Cf. Acs. do STJ de 5/12/2007 e de 26/11/2008, Processos n.ºs 07P3406 e 08P3372, disponíveis in dgsi.pt; Simas Santos/Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª Ed., págs. 75/76, e Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 340.
[9] Sendo competente o mesmo tribunal mas estando impedido o magistrado que presidiu à audiência anterior.