Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3975/08.8YYPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
TÍTULO EXECUTIVO
APLICAÇÃO DE SANÇÕES AOS CONDÓMINOS
Nº do Documento: RP202002203975/08.8YYPRT-A.P1
Data do Acordão: 02/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A ata de assembleia de condóminos que aprova a aplicação de sanções a condóminos que não paguem as prestações a que se obrigam, enquanto condóminos, não é título executivo nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3975/08.8YYPRT-SA.P1.
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1). Relatório.
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que Condomínio do edifício B…, sito na Rua …, …/.., Porto, em concreto em relação a cumulação de execuções, veio o executado, C…, residente na Rua …, n.º …, …, Porto, deduzir embargos de executado pedindo a extinção dessa parte da execução.
Alega, em resumo, que:
como menciona o exequente, foi proprietário das frações designadas pelas letras «LR» e «MT», do edifício em causa;
é falso que não tenha pago quotas de condomínio;
a execução foi instaurada sem título executivo válido pois a ata de Assembleia Geral que acompanha o requerimento executivo não pode ser considerada como tal;
na ata junta pelo exequente não se faz uma única referência ao executado nem foi deliberado qualquer valor que este pudesse dever relativo a quotas de condomínio;
só se faz referência, como planeamento daquela assembleia «b) Ponto da situação de estado financeiro do condomínio (recuperação de dívidas de condomínios)» não tendo sido referidos valores, devedores, quais os períodos de tempo das supostas dívidas, qual o prazo para o seu pagamento;
não foi junto pelo exequente qualquer documento anexo à ata;
a ata reporta-se ao ano de 1998;
supondo-se (nunca é referido a que datas se reportam as supostas dívidas) que a dívida remonta a 1998 ou até a anos anteriores, já há muito estão prescritas face ao decurso de cinco anos - alínea g), do artigo 310.º, do C. C. – começando a correr desde a data em que a prestação pode ser exigida;
o executado já não é proprietário do imóvel em causa desde 2004.
Pede a extinção da execução nessa parte.
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O exequente/embargado apresentou contestação onde alegou em síntese que:
o embargante sabe que tem em débito as quotas cobradas entre 2001 e 2005 que não foram objeto de qualquer oposição;
não tem razão quanto à inexistência de título executivo dado à execução na cumulação deduzida;
as penalizações peticionadas constam do artigo 31.º, n.º 2, do Regulamento de Condomínio aprovado na Assembleia Geral de 15/12/1998 onde se estabelece que «o condómino que não efetuar o pagamento da sua quota parte no prazo previsto no n.º 1 fica sujeito ao pagamento de uma multa de 5% no primeiro mês e 10% por cada mês ou fração.»;
é hábito da administração do exequente/embargado liquidar as penalizações apenas e tão só quando se prevê que os condóminos irão pagar os montantes em dívida, o que aqui sucede, por estar penhorado um imóvel da propriedade do embargante;
têm força executiva não apenas as atas em que se delibera o montante da quota parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar, mas também as atas em que, por o condómino não ter pago, conforme o deliberado em assembleia anterior, se delibera sobre o montante da dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial;
assim o exequente pode peticionar não apenas os montantes constantes da ata em que, por o condómino não ter pago, conforme o deliberado em assembleia anterior, se delibera sobre o montante da dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial, como também os montantes a título de quotas de condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum que não devam ser suportados pelo condomínio e sejam resultantes do orçamento aprovado nessa assembleia para vigorar para o ano seguinte e as respectivas sanções previstas no regulamento do condomínio;
a administração do exequente/embargado procedeu à cobrança e cálculo das penalizações dos anos de 2013 a 2015;
quanto à prescrição, as penalizações peticionadas referem-se aos anos de 2013, 2014 e parte de 2015, não sendo «prestações periodicamente renováveis», pelo que não se aplica o vertido no artigo 310.º,g) do C. C.;
é abuso de abuso de direito invocar a alegada prescrição.
Termina pedindo a improcedência dos embargos.
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Após realização de tentativa de conciliação que se frustrou no seu intento, foi proferida decisão que julgou procedente a exceção de inexistência de título executivo e, em consequência julgou extinção a execução na parte cumulada.
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Inconformado, recorreu o exequente formulando as seguintes conclusões:
«1. A decisão proferida não faz a mais correta interpretação e aplicação das regras jurídicas pertinentes e aplicáveis a este caso concreto.
2. O Recorrente intentou uma cumulação à execução de que os embargos de executado são apenso juntando como título executivo a ata da Assembleia Geral realizada em 15/12/1998, que aprovou o regulamento do condomínio, que por sua vez prevê no art.º 31.º a aplicação de penalizações pelo atraso no pagamento das quotas de condomínio.
3. O Recorrido/Embargante, em virtude de não ter pago diversas quotas de condomínio, que são peticionadas na execução inicial, à qual não deduziu embargos, é devedor, por aplicação do art.º 31.º do Regulamento do Condomínio, de penalizações peticionadas na execução cumulada.
4. Na exposição dos factos insertos no requerimento executivo cumulado ao afirmar “O executado não efetuou o pagamento pontual das quotas de condomínio, que se encontram peticionadas nos autos principais. Na Assembleia Geral de 15/12/1998 (doc.º n.º 1) foi aprovado o Regulamento do condomínio (doc.º n.º 2) que prevê no art.º 31.º a aplicação de penalizações pelo atraso no pagamento das quotas de condomínio.”
5. Foi efetivamente dada à execução a ata da Assembleia Geral de 15/12/1998 que aprovou o regulamento de condomínio, sendo do ponto de vista do Recorrente título executivo.
6. Se tivermos em conta que a ata de aprovação do orçamento anual constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, à luz do art. 6.º do DL 268/94 de 25/10, uma vez que documenta deliberação onde nasce a obrigação de pagamento de contribuição por parte do condómino (fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns) e estipule o prazo e o modo de pagamento, não é despiciendo concluir que não estando declarado o montante da dívida (tout court) na ata, a mesma não deixa e ser titulo executivo.
7. O Recorrente entende que nenhuma diferença qualitativa haverá se a aprovação das penalizações estiverem expressas na ata ou no regulamento anexo à mesma.
8. Mais, ainda que houvesse alguma diferença qualitativa, ao abrigo dos princípios da adequação e do dispositivo, o tribunal a quo sempre poderia (deveria) considerar que o recorrente invocou os factos e fundamentos necessários, suficientes e documentados para que se considerasse que as penalizações por falta de pagamento do condomínio, são devidas.
9. A Meretíssima Juiz do Tribunal a quo entende que “A jurisprudência não é unanime na resposta à questão de saber, se também estas penalidades são suscetíveis de serem objeto de um titulo executivo, plasmado inequivocamente numa ata que delibere sobre o pagamento dessas penalizações.”
10. Sendo devido ao Recorrente o pagamento das quotas peticionadas na execução principal, será de concluir-se que serão igualmente devidas as penalizações pela falta de pagamento dessas mesmas quotas e peticionadas na cumulação à execução.
11. A mesma ata da Assembleia Geral de 15/12/1998 foi dada à execução contra outros dois condóminos do edifício, então Executados/Embargantes (Proc.º n.º 8249/11.4YYPRT-A, e 7837/12.6YYPRT que correram termos nos juízos de Execução do Porto) e culminou com a improcedência dos referidos embargos, sendo os mesmos, em consequência do prosseguimento das respetivas execuções obrigados ao pagamento de penalizações ora aprovadas.
12. Na segunda execução supra citada, após recurso para o Tribunal da Relação do Porto, por douto Acórdão proferido em 30/09/2014, foi o mesmo julgado improcedente, confirmando-se a decisão de primeira instância que condenava o então recorrente no pagamento de quotas de condomínio e respetivas penalizações.
13. Conforme estabelece o douto Acordão da Relação do Porto de 03/03/2008, que “I - A acta da assembleia do condomínio é título executivo da deliberação não só sobre o montante das contribuições periódicas, mas também das sanções que o regulamento impuser para a falta de pagamento.”
14. Estabelece igualmente o douto Acordão do Tribunal da Relação de Évora, de 30/06/2011, Proc.º 318/10.4TBLLE.E1, que “ III – A acta, que aprovou o regulamento do condomínio, será também titulo executivo para a cobrança de quantias devidas a título de penalização pelo atraso no pagamento das contribuições dos condóminos, desde que tal resulte do Regulamento do Condomínio.”.
15. Devem pois as conclusões constantes das alegações de recurso proceder totalmente, revogando-se, em consequência a decisão ora recorrida.».
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida, com as demais consequências legais.
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Contra-alegou o recorrido pugnando pela manutenção do decidido.
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As questões a decidir são:
existência de título executivo na execução cumulada;
na afirmação dessa existência, análise da prescrição da obrigação exequenda.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Foram julgados assentes os seguintes factos:
«1. O exequente requerendo cumulação de execuções, em 22.1.2018, apresentou à execução, de que estes autos constituem um apenso a acta da assembleia de condóminos realizada em 15 de Dezembro de 1998, denominada “ACTA nº 8”, na qual foi aprovado, para além do mais, a qual foi aprovado o regulamento do condomínio do edifício B…” nos termos constantes do documento junto aos autos de execução a fls. 222 a 230, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
2.A aquisição das fracções LR e MT do edifício constituído em propriedade horizontal, que são fracções do edifício referido em 1., esteve registada a favor do executado/embargante desde 211.1995 a 26.7.2006.
4. No requerimento executivo a que refere a cumulação referida em 1., que tem como suporte a acta aí referida, são peticionadas as penalizações por atraso de cumprimento das quotas do condomínio peticionadas no requerimento executivo inicial, e que respeitam aos anos de 2001 a 2006.
5. Os títulos que servem de base à execução primitiva referida em 4., são os que se encontram juntos aos autos a fls. 17 a 129, cujo teor se dá aqui por reproduzido.»
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Para maior facilidade da nossa parte para apreciação do título executivo ora em causa, acrescenta-se o teor da acima referida ata n.º 8 na parte que aqui pensamos assumir relevância:
Na ordem de trabalhos constavam também as alíneas:
«b). Ponto de situação do estado financeiro do condomínio (recuperação de dívidas dos condomínios)»;
«d). Recolha de directivas da Assembleia Geral, com vista à correta elaboração do orçamento para o exercício de 1999».
«Aprovação do Regulamento do Condomínio na generalidade».
Escreveu-se ainda, quanto à alínea b) que «…os montantes ainda em débito em 31/12/1998 seriam cobrados judicialmente no primeiro trimestre de 1999.».
Mais adiante escreve-se:
«4). Proposta de alteração do Regulamento do Condomínio quanto à penalização da falta de pagamento das quotas de condomínio em atraso no mesmo.
«A coima a aplicar deverá ser no mínimo de 50% do valor do débito. Só assim a coima atingirá … » (segue-se parte não legível).
Depois é colocada à votação o regulamento do condomínio, afirmando-se já ter sido aprovado na especialidade em anteriores sessões e que era imprescindível para a atuação da administração a sua aprovação na generalidade.
O regulamento foi aprovado por unanimidade.
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2.2). De direito.
A procedência dos embargos teve por base duas premissas, a saber:
inexistência de título executivo in totum;
admitindo-se que a execução cumulada tinha título executivo (ata de assembleia de condóminos), as quantias peticionadas não fazem parte da legislação que confere caráter executório a tal documento.
Na realidade, escreveu-se na decisão que «no caso dos autos, o que foi dado efectivamente à execução (cumulada) foi o regulamento do condomínio. E o regulamento do condomínio não constitui executivo pois não é dotado dos requisitos de exequibilidade plasmados no art. 6º, do D.L. nº 268/94, de 25 de Outubro. (…). Na presente execução (cumulada), o que é peticionado são penalidades por falta de cumprimento atempado das quotas devidas ao condomínio, as peticionada na execução inicial.
A jurisprudência não é unanime na resposta à questão de saber, se também estas penalidades são susceptíveis de serem objecto de um título executivo, plasmado inequivocamente numa acta que delibere sobre o pagamento destas penalizações.
No entanto, uma coisa é certa, mesmo a jurisprudência que admite a sua exequibilidade, não dispensa a existência de uma acta que delibere o seu pagamento. Ou seja, que com base no regulamento do condomínio que preveja tais penalizações exista uma deliberação concreta a aplicá-las.
Com efeito, o título executivo não é o regulamento do condomínio, mas sim a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado, neste caso a aplicação das penalizações. E essa acta não existe no caso dos autos, porquanto à execução (cumulada) foi dado apenas o dito regulamento de condomínio, que não é título executivo como se disse.».
Vejamos então.
O artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10 dispõe que «a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.».
Existe alguma divergência sobre qual o concreto teor que este título deve revestir pois:
ora se defende que na ata tem de constar o montante que já está vencido e não pago e, que assim é reconhecido em deliberação de condóminos;
ora se entende que as dívidas em causa são aquelas que venham a ser devidas em função de deliberação da assembleia de condóminos que fixa as comparticipações a pagar por cada condómino.
Tal como explanado no Ac. da R. P. de 18/02/2019 e no do S. T. J. de 14/10/2014, www. dgsi.pt, também pensamos que o que tem de constar na referida ata para constituir título executivo é a deliberação da assembleia de condóminos que fixa as comparticipações a pagar por cada condómino e não o valor das obrigações vencidas e não pagas.
Mas também entendemos que o que tem de constar na ata é a fixação do montante que será devido ao condomínio sem ter de se especificar quanto cada condómino terá de pagar.
Em sede de execução, seja pela análise do teor da ata seja, na falta dessa menção, pela análise de outros documentos complementares, pode concluir-se qual o valor concreto a pagar.
Assim, fixando-se em assembleia de condóminos o valor global das despesas, e se o condomínio intenta execução contra um condómino, quando pela análise da ata ou de documento que a acompanhe, se consegue determinar, por exemplo, a permilagem de cada condómino, fica a saber-se quanto é que o condómino/executado tinha de pagar e, por uma liquidação meramente aritmética, obtém-se assim o valor em dívida pelo executado, podendo a execução ser recebida – Ac. da R. P. de 09/06/2010, www. dgsi -.
Foi objetivo do legislador facilitar a cobrança deste tipo de dívida do legislador ao criar este título executivo com a «simples» menção do valor da obrigação a pagar e de onde se pudesse retirar o valor da dívida; se o valor não resulta da ata em si, importa que seja apresentado documento que a complemente de modo a que se possa calcular o valor sem necessidade de realização de prova – estatutos, anexo onde conste a permilagem de cada condómino, por exemplo -.
Assim, importa desde logo determinar se na execução em causa foi adotada uma deliberação que tenha fixado um valor a pagar pelo condomínio e, em seguida, se essa deliberação constitui título executivo nos termos da referida norma.
A ata em causa, datada de 15/12/1998 (ata n.º 8), pode conter uma deliberação relativa a aplicação aos condóminos de sanções por atraso/falta de pagamento de quotas pelo condómino.
Mencionamos «pode» já que, na nossa visão, o que se consegue extrair da ata é, por um lado, que aí não constava expressamente de uma primeira ordem de trabalhos esta questão mas depois surge mencionada num ponto 4 (Proposta de alteração do Regulamento do Condomínio quanto à penalização da falta de pagamento das quotas de condomínio em atraso no mesmo) e, por outro, acabou por se aprovar o regulamento do condomínio sendo que estaria em causa a fixação de uma coima a aplicar no mínimo de 50% do valor do débito.
Aparenta estar em causa uma deliberação em que se aprovou (por unanimidade dos presentes) que, ao valor das prestações em dívida pelo hipotético condómino, acresce uma penalização de 50% desse valor.
E, assim sendo, aparenta igualmente existir uma ata em que se delibera aprovar um montante de um tipo de contribuições que o exequente entende que se enquadram no citado artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10.
Não é necessário, na nossa perspetiva, que se delibere que ao condómino x se aplica a penalidade pois, existindo uma deliberação que determina que, quando ocorre atraso no pagamento aplica-se uma sanção, «basta» que se alegue que há dívidas ao condomínio (com base na respetiva ata) e que o regulamento estipula sanções para esse atraso.
Tal como somente exigimos que se exare na ata qual o valor das contribuições a pagar ao condomínio, também «só» se deve exigir que haja uma ata onde foi aprovada a referida sanção, podendo recorrer-se ao regulamento para determinar o seu valor.
As dúvidas que existam sobre se foi ou não efetivamente deliberado esse tipo de pagamento (face à ilegibilidade ou falta de parte da ata) sempre poderiam ser dissipadas ou no momento previsto no artigo 726.º, n.º 4, ex vi artigo 855.º, n.º 2, b), ambos do C. P. C. (se o agente de execução suscitasse essa questão junto do tribunal) ou no decurso dos embargos de executado, aqui ou na altura do saneamento do processo (artigos 590.º, nºs. 2, 597.º, do C. P. C.) ou na instrução da causa.
Não estando completa a parte da ata onde se terá proposto o aumento da penalidade a fixar, poderia sempre questionar-se afinal o que tinha sido aprovado.
Saber se podia ter adotado essa deliberação face ao teor da ordem de trabalhos é algo que também poderia ser analisado em sede de embargos de executado, não impedindo a instauração da execução.
Mas, mesmo existindo aquela primeira dúvida sobre o que pode ter sido efetivamente deliberado em termos concretos, a decisão recorrida deve manter-se.
Apesar de se afigurar que poderia existir efetiva deliberação sobre esse ponto, a questão é que, para nós, a deliberação que incide sobre a aplicação de penalidades aos condóminos não constitui título executivo nos termos do acima referido diploma legal.
O tribunal recorrido aborda que existirá divergência sobre esta questão mas que no caso não teria de se analisar pois não havia título executivo; já vimos que, à partida existia uma deliberação que podia constituir título executivo, pelo que se analisará agora se a deliberação pode dar origem à execução cumulada em causa.
A divergência efetivamente existe e é enunciada claramente pelo Ac. da R. L. de 22/01/2019, www.dgsi.pt., no sentido de existir dualidade de entendimentos sobre se a fixação de penalidades aos condóminos que não cumprem as suas obrigações em sede de deliberação de assembleia pode ou não constituir título executivo.
Quem defende a afirmativa, no fundo, entende que não há motivo para distinguir se está em causa a falta de pagamento da quota ou a sanção que é inerente a essa falta de pagamento e ainda que não há motivo para dificultar a agilidade que o legislador pretendeu determinar ao condomínio no exercício da administração dos seus interesses, incluindo cobrança de dívidas dos condóminos.
Se a lei visou tornar mais eficaz o regime de propriedade horizontal, então seria contraditório e incoerente permitir, para a cobrança das contribuições e despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns que se pudesse avançar para a ação executiva e, para a cobrança do montante resultante das penas pecuniárias legalmente estabelecidas, o condomínio estivesse impedido de instaurar execução, tendo previamente de instaurar uma ação declarativa condenatória – Ac. da R. P. de 17/05/2016, no mesmo sítio -.
Sandra Passinhas igualmente o defende mencionando a necessidade de se ampliar a finalidade literalmente prevista no artigo 6.º em questão - deve ser amplo o campo de aplicação da expressão contribuições devidas ao condomínio, incluindo as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, as despesas com as inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva, o pagamento do prémio do seguro contra o risco de incêndio, as despesas com a reconstrução do edifício e as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434.º (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2000, página 310).
Porém, com o devido respeito, não entendemos desse modo.
A lei fixa que é título executivo a ata onde se tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum; as penalidades não são «contribuições», nem «despesas», mas obrigações que nascem do incumprimento do pagamento daquelas outras duas.
Como se refere no Ac. da R. P. de 07/05/2018, no mesmo sítio, os «encargos de condomínio a que se referem o artigo 1424.º do Código Civil e o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 apenas respeitam à conservação e fruição das partes comuns do edifício, bem como aos serviços de interesse comum, traduzindo-se na contribuição proporcional de cada condómino para tais despesas.
(…), a contribuição referente a uma penalização deliberada pela assembleia de condóminos nada tem a ver com a previsão legal do artigo 1424.º do Código Civil, não se integrando na previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, encontrando-se prevista, no n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil, que permite a fixação de «penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador».
A lei, ao definir os limites do título executivo, não abrange aquelas penalidades pelo que o título em causa não tem esse âmbito conforme o exige o artigo 10.º, n.º 5, do C. P. C. -.
É certo que é inquestionavelmente mais favorável para o condomínio que, perante um atraso no pagamento por um condómino, mais facilmente consegue obter, por um lado, o pagamento da prestação em dívida e da sanção com a ação executiva e, por outro lado, mais rapidamente desmotiva o condómino (e outros que se apercebam da rapidez com que se consegue regularizar a omissão) de voltar a incumprir.
Mas daí a permitir que se aumente o âmbito do título executivo para algo que não é imanente à prestação em dívida mas que se trata de uma possível consequência da omissão de pagamento e cujo valor não é necessário para que o condomínio possa ter ao seu dispor os fundos necessários para fazer às suas despesas, é algo que se nos afigura que não cabe na letra da lei nem pode ser assim ampliada.
O condomínio necessita de obter o pagamento das prestações em dívida (ordinárias ou extraordinárias) para poder enfrentar a multiplicidade de despesas e encargos que tem de suportar e foi nestas que o legislador, na nossa opinião, terá pensado ao permitir a sua rápida cobrança.
O pagamento de penalidades já não está relacionado com a necessidade de obtenção fundos para a sobrevivência do condomínio mas antes com a fixação de regras que visam que os condóminos cumpram.
A instauração de uma ação executiva visa a reparação efetiva de um direito violado, realizando-se coativamente a prestação devida – Lebre de Freitas, «A Ação Executiva à luz do Código de Processo civil de 2013», página 16 -.
O legislador, ao enunciar aquele tipo de prestações, terá entendido que o direito violado pelo condómino era a falta de pagamento desse tipo de prestações que representam a essencialidade do funcionamento do condomínio e assim o protegeu, não se detetando que essa necessidade também exista em relação a um acréscimo de dívida aplicada a título de sanção opcional (no sentido de as penalidades em questão não poderem servir de base a execução, Rui Pinto, «A execução de dívidas do condomínio, in Novos estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, página 192 – ).
Deste modo, as penalidades que são o sustento da execução cumulada em 2018, não podem servir de base a uma execução contra o condómino, pelo que foi correta a decisão de procedência dos embargos de executado.
É assim, consequentemente, desnecessária a análise da questão da prescrição.
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3). Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente.
Registe e notifique.
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Porto, 2020/02/20.
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
Fernando Baptista