Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
151325/13.7YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: CUSTAS
ISENÇÃO
SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP20150323151325/13.7YIPRT.P1
Data do Acordão: 03/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A isenção de custas que resulta do artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do Regulamento das Custas Processuais não se restringe ao processo de insolvência, aplicando-se a acções que se reportam a outros litígios travados fora daquele processo, desde que a sociedade esteja em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa.
II - Encerrado o processo de insolvência e não se evidenciando que a requerida esteja em nova situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa entretanto instaurado, nomeadamente, Plano Especial de Revitalização, não opera o seu enquadramento na aludida norma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 151325/13.7YIPRT.P1
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I- A isenção de custas que resulta do artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do Regulamento das Custas Processuais não se restringe ao processo de insolvência, aplicando-se a acções que se reportam a outros litígios travados fora daquele processo, desde que a sociedade esteja em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa.
II- Encerrado o processo de insolvência e não se evidenciando que a requerida esteja em nova situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa entretanto instaurado, nomeadamente, Plano Especial de Revitalização, não opera o seu enquadramento na aludida norma.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
B…, S.A., instaurou o presente procedimento de injunção, contra C…, S.A., ambas melhor identificadas nos autos.
1.1 A requerente reclama da requerida o pagamento da quantia global de € 67.281,30, acrescida de juros de mora.
1.2 A requerida, C…, S.A., deduziu oposição e reconvenção; no final do respectivo articulado e sob o título “Do Apoio Judiciário”, alega:
«28
A Reqda/Reconvinte foi declarada insolvente por sentença transitada em 23 de Maio de 2012, sendo que, por deliberação da assembleia de credores de 10/07/2012, foi aprovado um PER que foi homologado por sentença transitada em 14 /11/2012 – ut certidão ao deante – doc. 8.
29
Está assim a Reqda/Reconvinte dispensada de custas – ex vi art.º 4.º n.º 1 u) do Regulamento de Custas Judiciais.»
O documento (“doc. 8”) para o qual remete, a fls. 69, consubstancia-se em certidão emitida pelo então 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes, no qual se certifica que nesse Tribunal e Juízo corriam termos uns autos de insolvência de pessoa colectiva (apresentação), com o n.º 2892/11.9TBPRD, em que é insolvente C…, S.A., apresentados em juízo em 15-09-2011.
Aí se certifica ainda, com referência ao aludido processo:
- A sentença que declarou a insolvência foi proferida em 16-09-2011, tendo transitado em julgado em 23-05-2012.
- Por deliberação da Assembleia de Credores de 10-07-2012 foi aprovado o plano de insolvência tendo o referido plano sido judicialmente homologado, por sentença transitada em julgado em 14-11-2012.
- Do referido plano não está previsto qualquer período de fiscalização a que alude o artigo 220.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), pelo que por despacho proferido em 23-11-2012, notificado e transitado em julgado em 28-12-2012, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE “foram encerrados os presentes de insolvência, com os efeitos do disposto nos artigos 233.º n.º 1 e 234.º do CIRE”.
- Do plano de insolvência aprovado “consta, para os créditos comuns, que o plano de pagamentos terá um período de carência de 18 meses, um perdão correspondente a 60% do valor do capital sendo o remanescente pago em cento e duas prestações não se considerando juros vencidos e vincendos”.
1.3 No prosseguimento dos autos, foram os mesmos com vista ao Ministério Público que se pronunciou no sentido da requerida não estar em condições de beneficiar da isenção alegada.
Apreciando esta questão, foi proferida a seguinte decisão:
«Quanto à alegada isenção de custas por parte da Requerida, que, de modo inapropriado (por dele não beneficiar), refere “apoio judiciário” e se diz “dispensada de custas” (cf. fls. 9), pronunciou-se a Digna Magistrada do MP, a fls. 133, entendendo que a requerida não está em condições de beneficiar de tal isenção, afirmando que, efetivamente, nos termos do disposto no art. 4.º n.º 1, al. u), do RCP, gozam de isenção de custas “As sociedades civis ou comerciais […] que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação”.
Sustenta que, porém, em relação à situação de insolvência, a jurisprudência tem entendido que a sentença que declara a insolvência de uma sociedade comercial faz cessar a situação de insolvência em que a mesma se encontrava, determinando a constituição de uma massa insolvente à qual já não é aplicável a isenção subjetiva constante da norma supra referida – cf., neste sentido, Ac. RP de 06-11-2012 (Proc. 352/11.7TBVZ-B.P1) e Ac. de 18-04-2013 (Proc. RL 1398/10.8TBMTJ.L1-2), ambos consultáveis em http://www.dgsi.pt.
A requerida parece pretender, no entanto, estar em processo de recuperação (“foi aprovado um PER”), remetendo para a certidão de fls. 69. Ora, do teor da certidão referida consta que nos autos em causa houve aprovação e homologação de um plano de insolvência e foram encerrados, pelo que não se pode afirmar que a requerida está em processo de recuperação. Acresce que a mesma aparece nos autos representada pelos seus administradores (cf. procuração de fls. 12), aparentando estar numa situação de atividade normal.
Tem inteira razão a Digna Magistrada do MP pois que do teor da certidão referida consta que nos autos em causa houve efetivamente aprovação e homologação de um plano de insolvência mas que foram encerrados, pelo que não se pode afirmar que a requerida está em processo de recuperação. Para além disso, a mesma aparece nos autos representada pelos seus administradores (cf. procuração de fls. 12), aparentando estar numa situação de atividade normal pelo que não beneficia da isenção que refere, não [r]esultando beneficiar de apoio judiciário.
Concordamos inteiramente com a posição assumida pela Digna Magistrada do MP, face ao que dispõem os preceitos legais acabados de citar, sendo que efetivamente não goza a Ré da isenção de custas estatuída pelo art.º 4.º, n.º 1, al. u), do Regulamento das Custas Processuais, antes sendo responsável pelas mesmas, pelo que anteriormente se expôs.
Não se podendo considerar estar isenta, deve proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta, o que se determina seja feito.
D.N.»
2.1 A requerida, inconformada com a decisão, veio interpor o recurso que aqui se aprecia, concluindo assim a respectiva motivação:
«1. Flui da certidão junta que a Recorrente se encontra em situação de insolvência.
2. O facto de se encontrar em situação de Plano Especial de Revitalização não lhe retira a sua situação de insolvente nem as prerrogativas de que frui em sede de protecção no que tange a custas judiciais.
3. A decisão em apreço violou o disposto no art.º 4.º n.º 1 u) do Regulamento de Custas.
Termina afirmando que deve ser revogado o despacho recorrido, julgando-se que a recorrente goza da isenção de custas previstas no diploma referido, devendo a acção prosseguir os seus trâmites até final.
2.2 A requerente não respondeu.
3. Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pela apelante definem a matéria que é objecto de recurso e que cabe aqui precisar, em face do que se impõe decidir a seguinte questão:
● A pretensa isenção de custas da recorrente.
II)
Fundamentação
1. Relevam os factos que se deixaram sumariamente enunciados no relatório que antecede.
2.1 Está em causa, essencialmente, o alcance do artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do Regulamento de Custas Processuais.
Como regra geral, todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados neste diploma – artigo 1.º do aludido regulamento.
No campo dos direitos e deveres fundamentais, o artigo 20.º da Constituição estabelece que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, o que justifica o regime de apoio judiciário.
Sem prejuízo deste regime e apesar do acesso à justiça não ser tendencialmente gratuito, estabelecem-se excepções; neste âmbito e de acordo com a citada alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º, estão isentos de custas as sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho.
Resulta desta norma, nomeadamente quando exclui do âmbito da isenção os litígios relativos ao direito do trabalho, que a isenção não se restringe ao processo de insolvência, mas que se aplica a acções que se reportam a outros litígios travados fora daquele processo. Essencial é que se verifiquem os pressupostos enunciados (que a sociedade esteja em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa).
Na leitura de Salvador da Costa, “trata-se, para as referidas situações, de uma isenção objectiva, duplamente condicionada, por um lado, em quadro de sujeição a medidas de recuperação da empresa ou de situação de insolvência e, por outro, não se tratar de processo do foro laboral, por isso com uma forte vertente objectiva” – “Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado”, 4.ª edição, página 205.
Nos termos do artigo 3.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (n.º 1); as pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis (n.º 2); equipara-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência (n.º 4).
Caso seja declarada a insolvência, todo o património do devedor nessa data, incluindo os bens e direitos entretanto adquiridos na pendência do processo, passa a constituir a massa insolvente, destinando-se esta à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, segundo o conceito enunciado no artigo 46.º, n.º 1, do CIRE.
Assim, declarada a insolvência, a sociedade em causa passa a constituir uma massa patrimonial destinada à satisfação dos credores daquela sociedade.
A massa insolvente, que sucede à sociedade em situação de insolvência, deixa de beneficiar da isenção de custas prescrita na alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, pois esta isenção visa, específica e literalmente, a sociedade “em situação de insolvência”, realidade diversa da situação de massa insolvente, o que também se evidencia perante o disposto no artigo 304.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Este entendimento é afirmado, entre outros, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6 de Novembro de 2012, proferido no processo 352/11.7TBPVZ-B.P1, disponível nas bases jurídico-documentais do IGFEJ (www.dgsi.pt).
2.2 Na decisão recorrida, anteriormente transcrita, considerou-se que a requerente não beneficiava de isenção de custas dado que no processo de insolvência houve efetivamente aprovação e homologação de um plano de insolvência mas que os autos foram encerrados, pelo que não se pode afirmar que a requerida está em processo de recuperação; a isto acresce que, na presente acção, a mesma aparece nos autos representada pelos seus administradores, conforme resulta da procuração de fls. 12, aparentando estar numa situação de atividade normal pelo que não beneficia da isenção que refere.
A isto opõe a recorrente que se encontra na situação prevista no artigo 17.º-A do CIRE, que explicitamente invoca na motivação de recurso e que diz fluir da certidão por si apresentada, “sendo que, por mor da decisão ali proferida, a Administração foi confiada à própria insolvente”. Pretende então que o facto de se encontrar em situação de Plano Especial de Revitalização não lhe retira a sua situação de insolvente nem as prerrogativas de que frui em sede de protecção no que tange a custas judiciais.
Importa começar por salientar que, contrariando a qualificação feita pela recorrente, tendo em conta os elementos que integram os autos, particularmente a certidão por ela apresentada, é manifesto que não se demonstra que estejamos perante situação que configure ou decorra de processo especial de revitalização, nos termos dos artigos 17.º-A a 17.º-I do CIRE, na certeza de que o processo em questão se destina a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil (definida no artigo 17.º-B) ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização (artigo 17.º-A, n.º 1), o que evidencia que não tenha sido declarada a insolvência, ainda que esta esteja iminente, podendo a gestão ser efectuada pela administração da empresa, com a intervenção de administrador judicial provisório. No caso dos autos e nos termos da certidão, foi declarada a insolvência por decisão transitada em julgado.
Por outro lado e independentemente desta qualificação, também não se demonstra que os administradores da requerida tenham sido nomeados no âmbito desse procedimento: tal não resulta do teor da certidão apresentada pela requerida e a que se vem fazendo referência, não resultando também da procuração de fls. 12, aliás, datada de Abril de 2008.
Também não se evidencia, perante os termos da certidão, que o plano de insolvência configure um plano de recuperação, a que se reporta o artigo 192.º, n.º 3, do CIRE, visando antes a satisfação de créditos, nos termos enunciados nos artigos 192.º, n.ºs 1 e 2, e normas subsequentes, do citado diploma.
Nos termos antes mencionados, no referido plano não está previsto qualquer período de fiscalização, nos termos enunciados no artigo 220.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), pelo que por despacho entretanto proferido e transitado em julgado, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE foram encerrados os autos de insolvência, com os efeitos do disposto nos artigos 233.º n.º 1 e 234.º do mesmo diploma, de onde resulta, nomeadamente, a cessação de todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência e a possibilidade dos credores da insolvência exercerem os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do plano de insolvência e plano de pagamentos, sendo que, baseando-se o encerramento do processo na homologação de um plano de insolvência que preveja a continuidade da sociedade comercial, esta retoma a sua actividade independentemente de deliberação dos sócios.
No caso dos autos, encerrado o processo de insolvência e não se evidenciando que a requerida esteja em nova situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa entretanto instaurado, nomeadamente, o alegado Plano Especial de Revitalização, não opera o seu enquadramento na norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do Regulamento das Custas Processuais – o que determina a improcedência do recurso.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas e negando provimento ao recurso, mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso da recorrente.
*
Porto, 23 de Março de 2015.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Rita Romeira