Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
289/08.0TTOAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
COMPLEMENTARIDADE DE INDEMNIZAÇÕES
CUMULAÇÃO DE INDEMNIZAÇÕES
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
TRANSACÇÃO COMERCIAL
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RP20160118289/08.0TTOAZ-A.P1
Data do Acordão: 01/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 233, FLS.295-302)
Área Temática: .
Sumário: I – A autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artigo 581º do C.P.C., pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida. E não apaga os efeitos da autoridade do caso julgado a decisão material proveniente duma forma processual desadequada ou errónea no que concerne ao requerimento em que os fundamentos e pedidos foram expostos, que nunca foi suscitada por qualquer interveniente processual.
II – A decisão proferida no âmbito do processo principal no que concerne ao indeferimento de uma pretensão da recorrente formulada em requerimento autónomo tem autoridade de caso julgado quando a mesma formula a mesma pretensão, com os mesmos fundamentos, numa ação própria.
III – Dos nºs 2 e 3 do artigo 31º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, ressalta o seguinte:
- Se o sinistrado em acidente recebe de terceiro indemnização superior ou inferior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, e esta, se ainda não tiver pago, se considera desonerada da respetiva obrigação no limite do montante pago;
- Se o sinistrado recebe de terceiro indemnização superior ou inferior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, e esta, se já tiver pago, fica com o direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.
- O sinistrado ou seus representantes podem optar por qualquer uma das vias processuais ao seu dispor, ou pelas duas (processo emergente de acidente de trabalho e de indemnização comum).
IV – Contudo, caso receba determinada quantia por uma dessas vias a mesma terá de ser contabilizada ou levada em conta, no montante global indemnizatório a que tinha direito. É o chamado regime de complementaridade das indemnizações, cujo veda a possibilidade de cumulação das mesmas, sob pena de estarmos perante um enriquecimento sem causa, ou perante um injusto locupletamento do sinistrado ou seus beneficiários ou representantes. São assim essas indemnizações complementares no sentido de subsistir a emergente do acidente de trabalho, para além da medida em que venha ser absorvida pela estabelecida nos termos da lei geral.
V – O que se pretende, no fundo, é apenas ressarcir totalmente o prejuízo sofrido, não permitindo injustos enriquecimentos como sucederia no caso de ser permitida a acumulação das duas indemnizações.
VI – A transação lavrada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, consubstanciando um negócio jurídico efetivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita.
VII – As dúvidas que eventualmente acabem por surgir na determinação do conteúdo das declarações de vontade exaradas na transação terão de ser esclarecidas com recurso aos critérios legais de interpretação referentes aos negócios jurídicos adiantados pelo disposto no artigo 236.º, n.º1, do Cód. Civil, que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário, apenas com esta limitação: - para que tal sentido possa valer é preciso que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este possa razoavelmente contar com ele (art.º 236º, n.º1, in fine, do C.C.).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

PROCESSO Nº 289/08.7TTOAZ-A.P1
RG 502

RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. JORGE LOUREIRO
2º ADJUNTO: DES. JERÓNIMO FREITAS

PARTES:
RECORRENTE: B…, LDA.
RECORRIDA: C…

VALOR DA ACÇÃO: 7.700,00 €
◊◊◊
Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO
1. B…, LDA., com sede na Rua… São João da Madeira, por apenso aos autos de acidente de trabalho em que figura como sinistrada C…, intentou, contra esta, a presente ação especial para declaração de perda do direito a indemnização a que alude o artigo 151º do C. P. Trabalho, pedindo que:
Deve ser reconhecida e declarada a perda do direito à indemnização fixada à ré (e que se encontra a ser suportada pela autora) nos autos de acidente de trabalho apensos, por via da indemnização recebida pela ré no processo de acidente de viação que correu termos no 2º. Juízo do Tribunal Judicial de S. João da Madeira, com o nº. 402/09.7TBSJM,
Se assim não for de entender (e subsidiariamente):
Deve ser reconhecida e decretada a suspensão da pensão da ré emergente do acidente de trabalho até que os seus virtuais pagamentos esgotem os 110.000,00 € (cento e dez mil euros) por ela já recebidos.
Sempre e em qualquer caso (seja decretada a perda do direito à indemnização ou a suspensão da pensão), a perda do direito à indemnização ou a suspensão da pensão da ré fixada nos autos apensos deve ser decretada desde a data da propositura da acção judicial acima identificada, com a consequente condenação da ré a reembolsar as quantias recebidas da autora desde 18 de abril de 2009.
Se assim não for de entender:
A perda do direito à indemnização ou a suspensão da pensão da ré fixada nos autos apensos deve ser decretada desde a data da transação efetuada na acção judicial acima identificada, com a consequente condenação da ré a reembolsar as quantias recebidas da autora desde 7 de novembro de 2013.
Se assim não for de considerar:
A perda do direito à indemnização ou a suspensão da pensão da ré fixada nos autos apensos deve ser decretada desde a data da propositura desta acção judicial, com a consequente condenação da ré a reembolsar as quantias recebidas desde a apresentação desta petição em juízo.
Se assim não for entendido:
A perda do direito à indemnização ou a suspensão da pensão da ré fixada nos autos apensos deve ser decretada desde a data da citação da ré para estes autos, com a consequente condenação da ré a reembolsar as quantias recebidas desde a respetiva citação neste processo.

Para o efeito, alegou que nos autos apensos, a autora foi condenada a pagar à ré uma pensão anual de 437,85 €, a calcular de acordo com as regras constantes da Portaria nº. 11/2000, de 13.1.
Por via da diferença salarial aceite pela Companhia de Seguros e aquela que foi aceite pela autora - e que respeita ao subsídio de alimentação que a ré auferia na autora, enquanto sua trabalhadora e anteriormente ao acidente de que foi vítima.
Tratando-se de um acidente de trabalho que configura igualmente um acidente de viação, a ré propôs acção judicial que correu termos no (então) 2º Juízo do Tribunal Judicial de S. João da Madeira, com o nº 402/09.7 TBSJM.
Na referida acção, a (aqui) ré efetuou pedido de indemnização (por via do acidente de viação), onde solicitou, entre outros pedidos, o pagamento de uma quantia global, a título de indemnização, por danos patrimoniais e morais que ali liquidou.
E ali deixou dito depois de se referir ao processo neste Tribunal de Trabalho (artigo 47º da petição inicial), “…a autora pretende ser ressarcida de todos os danos emergentes do sinistro, pela via da acção de responsabilidade civil emergente de Acidente de Viação…” - artigo 48º da petição inicial.
E, a fim de sustentar o pedido, a ré refere na sua petição inicial (artigo 68º) “Face aos elementos descritivos do seu recibo de vencimentos, emitido pela sua entidade patronal, e que se reporta a 31- Março – 2007, portanto, mês que antecede o acidente, a sinistrada auferia a remuneração mensal de: Trabalho Normal € 440,00, de Prémio de assiduidade € 5,00 e de Subsídio de Alimentação - € 66,00
o que soma o valor total de € 511 (quinhentos e onze euros)…” .
E prossegue:
- Artigo 69º: “Porque a autora apenas tem vindo a receber da Companhia de Seguros de Acidente de Trabalho, 70% do seu vencimento mensal,”
-Artigo 70º: “reclama da ré os restantes 30% que faltam para completar o salário que teria ganho, se não tivesse sofrido o acidente…”.
Indicando, ainda nesse artigo 70º, a sua remuneração total.
Todos os restantes pedidos ali efetuados, designadamente os referentes à requerida incapacidade permanente, são efetuados tendo em conta o vencimento/remuneração total da ora ré, o que inclui o subsídio de alimentação.
O processo judicial acima identificado culminou num acordo entre a ré e a D… – Companhia de Seguros, S.A., através de transação efetuada entre as partes e homologada por sentença.
O que ocorreu em 7 de Novembro de 2013 - doc. nº. 1.
Por via dessa transação e de acordo com o respetivo teor, a ré (ali autora) declarou (na cláusula 1ª):
“A Autora reduz o pedido à quantia de 110.000,00€ (Cento e dez mil euros), com a qual se considera integralmente ressarcida de todos os danos morais e patrimoniais presentes e futuros decorrentes do sinistro dos autos”.
Assim, e por via de tudo o acima exposto
A ré foi indemnizada, pela companhia de seguros acima referida, “de todos os danos morais e patrimoniais presentes e futuros decorrentes do sinistro dos autos”.
Por via daquela quantia ali recebida foi a própria ré que se considerou integralmente ressarcida de todos os danos decorrentes do sinistro.
Além disso, sustentou o seu pedido naqueles autos e que veio a confirmar na transação, no seu vencimento total, integrando portanto o subsídio de alimentação.
A ré não só não ressalvou, descontou ou salvaguardou a parte respeitante ao subsídio de alimentação que havia exigido à autora e lhe estava a ser pago por esta, ou sequer deixou de se lhe referir, por estar contemplado nos autos aqui apensos.
Mas bem pelo contrário fez-lhe referência expressa, não só como integrando o seu vencimento, como se lhe referindo textualmente e ipsis verbis e detalhadamente.
Temos assim, de forma nítida e manifesta que o subsídio de alimentação foi pedido e integrado pela ré na quantia recebida a título de indemnização, da Companhia de Seguros, no processo judicial pelo acidente de viação.
A ré, aliás, desonerou a Companhia de Seguros, dando-lhe “quitação de todas as quantias que esta lhe viria a pagar” no processo apenso, “a correr termos no Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis, considerando-se igualmente ressarcida de todas as quantias que lhe seriam devidas pela Companhia de Seguros no referido processo do Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis em virtude do sinistro
dos autos…”.
O que demonstra que a aqui ré se considerou ressarcida, por completo, e por via da indemnização recebida no acidente de viação, daquilo que lhe era devido pelo (mesmo) acidente de trabalho.
Não é permitida, legal e lícita a acumulação de indemnizações fixadas pelo acidente de trabalho com indemnizações por danos patrimoniais atribuídas pelo acidente de viação, o que conduz à desoneração da entidade empregadora, aqui autora, do pagamento das prestações da sua responsabilidade.
Já que a sinistrada não pode ver duplicada a sua indemnização, recebendo por via de um processo (acidente de viação) e, ao mesmo tempo, por via de outro processo (acidente de trabalho).
Sendo seguro e incontornável que foi isso que sucedeu e é isso que se encontra a suceder.
As indemnizações resultantes de um acidente que simultaneamente seja de trabalho e de viação não são cumuláveis, já que o recebimento simultâneo de ambas representaria um verdadeiro enriquecimento sem causa.
O que não pode subsistir, devendo cessar de imediato a situação existente – sendo declarada a perda de direito à indemnização resultante do acidente de trabalho contemplado nos autos apensos.
Ou, se assim não for entendido, a suspensão da pensão da ré emergente do acidente de trabalho até que os seus virtuais pagamentos esgotem os 110.000,00 € (cento e dez mil euros) por ela já recebidos.
O que deve ocorrer não só desde a data de propositura deste processo, mas abranger todas as prestações entretanto recebidas pela ré, desde a data da propositura da acção judicial pelo acidente de viação - o que ocorreu em 18 de Abril de 2009, ou, pelo menos - desde a data da transação ali concretizada – com a consequente condenação da ré a proceder à restituição à autora das quantias desta recebidas.
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2. Realizada Audiência de Partes não foi possível obter qualquer conciliação, tendo a Ré apresentado contestação onde alega que embora na transação não tenha ficado pormenorizado, de modo percetível os danos a que se refere o montante, de acordo com a matéria factual estes não cobrem a responsabilidade da autora (entidade empregadora). O acordo de transação vinculou as partes intervenientes nesse mesmo acordo, sendo este autónomo, pelo que a entidade empregadora não beneficia do estipulado, já que o mesmo gerou efeitos jurídicos apenas para a ré e para a seguradora, mantendo-se na mesma a relação jurídica existente.
Termina pugnando pela improcedência da ação.
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3. Por despacho referência 84611696 e na perspetiva de se proferir decisão final (por ausência de matéria de facto carecida de instrução), foi determinada a audição das Partes sobre a eventual pertinência da exceção de caso julgado, considerando o que requerido fora nos autos principais a 3/07/2014 e o aí decidido a 15/10/2014 (fls. 420 a 439, 445, 446 e 447).
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4. Após pronúncia das partes foi proferido saneador/sentença, com o seguinte teor:
“ (…)
Suscita-se nos autos um problema de caso julgado, como sinalizámos no despacho de 13/04/2015, no qual conferimos às Partes a oportunidade de se pronunciarem sobre a matéria: a Requerente defendeu nesse contexto a ausência de caso julgado e a Requerida adotou posição oposta, nos termos que se mostram exarados a fls. 57 e seguintes.
Cumpre apreciar.
No processo principal a mesma Requerente, invocando a mesma transação judicial que aqui convoca, e no confronto com a mesma Requerida, pede que a pensão seja suspensa até ao limite fixado no art. 17º/3 da Lei nº 98/2009, de 4/09; esse pedido, quanto ao seu efeito prático-jurídico, é rigorosamente o mesmo que nesta acção deduz a título subsidiário (que seja «reconhecida e decretada a suspensão da pensão da Ré emergente do acidente de trabalho até que os seus virtuais pagamentos esgotem os 110.000,00 € por ela já recebidos»).
Os dizeres que a Requerente formula num espaço e noutro não são coincidentes, é certo, mas dirigem-se num mesmo e exato sentido: que a Requerente nada mais tenha a pagar à Requerida até que se esgote o capital por esta recebido da Entidade Seguradora.
Nessa medida, limitada embora, afigura-se-nos irrecusável considerar que se verifica a exceção de caso julgado, posto que temos duas «causas» (a configurada pelo incidente suscitado a fls. 420 e seguintes pela Requerente do Processo Principal, por um lado, e aquela em que se traduz a presente acção, por outro), sendo os mesmos os sujeitos, a causa de pedir e o pedido (cfr. o art. 581º do Código de Processo Civil).
E que assim é basta pensar no seguinte: imagine-se que o despacho proferido a fls. 447 no processo principal tinha deferido a pretensão aí deduzida pela Requerente; será que esta viria nesta acção peticionar, como peticionou, a suspensão da obrigação de pagamento da pensão até ao virtual pagamento dos € 110.000,00?
Decerto que não: a Requerente teria nessas circunstância e medida o seu interesse totalmente satisfeito por despacho transitado em julgado.
A única especificidade da questão, para a qual a Requerente alerta com alguma pertinência, é a que se traduz no facto de apenas termos uma «acção» em sentido estrito, e não propriamente duas.
Este é porém, ao que cremos, um falso problema, a partir do momento em que, quanto ao requerimento introduzido no processo principal, houve, após contraditório, uma apreciação de mérito.
Poderia eventualmente ter sido então suscitado um erro na forma de processo, posto que o meio processual à partida idóneo a lograr o efeito aí pretendido pela Requerente não era o que esta seguiu, mas o que seguiu agora, a saber, a acção a que se refere o art. 151º do Código de Processo do Trabalho.
Todavia, porventura numa lógica de celeridade e simplificação processuais, não foi suscitada e reconhecida a existência de um tal erro na forma de processo, com isso se evitando então uma nova acção sem prejuízo de nenhuma das Partes, o que não significa que a «causa», entendida ela em sentido substantivo e na medida em que se nos apresentava, não tivesse todos os elementos próprios de uma acção como a presente.
Recorde-se: tivesse o acima assinalado despacho deferido a pretensão da Requerente e ter-se-ia tornado desnecessário e inútil formular pedido idêntico na presente acção.
Caso julgado haverá pois no que toca ao pedido subsidiário deduzido na presente acção, nessa medida devendo ocorrer a absolvição da Requerida da instância [arts. 576º/2 e 577º/i) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 1º/2 a) do Código de Processo do Trabalho].
Face ao exposto, julgamos verificada a exceção de caso julgado no que toca ao pedido formulado pela Requerente a título subsidiário [«reconhecida e decretada a suspensão da pensão emergente do acidente de trabalho até que os seus virtuais pagamentos esgotem os 110.000,00 € (cento e dez mil euros)], quanto a ele se absolvendo a Requerida da instância.
Notifique.
*
Os elementos de prova constantes dos autos e a matéria de facto adquirida permitem desde já a prolação de uma decisão de mérito conscienciosa, o que se fará de seguida.
*
(…)
No despacho proferido a 15 de Outubro de 2014 no Processo Principal (fls. 447) fora indeferida a pretensão aí deduzida pela Requerente por duas ordens de razões: em primeiro lugar porque a transação havida na Acção Ordinária apenas vincula os nela intervenientes, entre os quais não figura a aqui Requerente; e em segundo lugar por se perceber, da leitura de tal transação, que os nela intervenientes aí cuidaram precisamente de regular o litígio entre si.
Ora, não vemos invocados motivos para tomar posição diversa, assim se aderindo por inteiro ao que ali já se escreveu, cujo alcance se estende pois a todo o demais diversamente peticionado pela Requerente na presente Acção.
A transação, acrescente-se e recorde-se, é um contrato, e um contrato só produz efeitos em relação a terceiros «nos casos e termos previstos na lei» (arts. 408º/2 e 1248º do Código Civil).
Não vislumbrando norma na qual possa firmar-se que a transação em causa é eficaz em relação à aqui Requerente, que àquela transação foi e é alheia, há que concluir que a Requerente em nada tem que sair beneficiada, prejudicada ou em alguma medida afetada por tal transação, que para si é como se não existisse.
Face ao exposto, decidimos julgar improcedente a acção, assim se absolvendo a Ré do contra si peticionado.
Custas pela Autora [art. 527º/1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável por via do art. 1º/2 a) do Código de Processo do Trabalho].
Valor da causa: o indicado pela Autora.
Registe e notifique.”
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5. Inconformada com esta decisão dela recorre a Autora B…, LDA., pedindo que a mesma deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a acção, com todas as consequências legais, se assim não for de entender e for considerado que os autos não contêm todos os elementos necessários à prolação da decisão final, requer o prosseguimento dos autos, com a respetiva produção de prova e marcação da audiência de julgamento, assim concluindo:
Primeira:
A mera apresentação de um requerimento num processo judicial, suscitando uma questão para apreciação, não é suscetível de ser colocada no mesmo plano relativamente a pedido em acção judicial, para efeitos de conduzir à ocorrência de caso julgado.
Segunda:
Não sendo possível decretar a existência de caso julgado colocando face a face um mero requerimento e um pedido formulado em processo judicial autónomo, pois a lei exige que face a face estejam dois pedidos em dois processo judiciais distintos.
Terceira:
O que tem ainda mais razão de ser quando o requerimento culmina num simples despacho de indeferimento, sem ocorrer qualquer absolvição do pedido (ou sequer absolvição da instância), o que, só por si, impede que se verifique o caso julgado.
Quarta:
Também os contornos específicos do caso demonstram que não há identidade sequer na causa de pedir que seria necessária para a ocorrência do caso julgado, pela fundamentação diversa entre as peças processuais em confronto; existe ainda uma natureza jurídica distinta entre a conclusão/solicitação do requerimento e dos pedidos nesta acção, designadamente do pedido subsidiário em causa.
Quinta:
Não é meramente o facto de a requerente não ter sido parte na transação concertada entre a recorrida e a companhia de seguros que pode conduzir a excluí-la, sem mais, de invocar e ver atendido interesse legalmente legítimo que decorre, para si, da existência da referida transação.
Sexta:
Isto porque tal transação opera a redução de um pedido onde se declara, por via da transação e precisamente da redução do pedido, ficar a recorrida integralmente ressarcida de todos os danos morais e patrimoniais presentes e futuros decorrentes do sinistro.
Sétima:
E, por conseguinte, ficando assim ressarcida de todos os danos resultantes do sinistro não é admissível que cumule mais outra indemnização, por via desse mesmo sinistro e proveniente da sua entidade patronal requerente e aqui recorrente.
Oitava:
Tanto mais que tendo existido redução do pedido, este incluía, por referência expressa e bem sublinhada por parte da recorrida, o subsídio de alimentação (integrante do seu vencimento).
Nona:
É manifesto que o subsídio de alimentação integra o pedido da recorrida naquela acção e que o pedido foi integrado na transação através da qual se ressarciu, na íntegra, a recorrida, de todos os seus danos decorrentes do sinistro.
Décima:
A recorrida, na acção que interpôs na instância comum, não ressalvou ou excluiu do âmbito desse processo, em momento algum, e máxime na transação, a indemnização resultante do subsídio de alimentação.
Décima-primeira:
Ao invés indicou, discriminou e detalhou como causa de pedir (primeiro) e integrado no pedido (depois), o subsídio de alimentação, em que se fundou (complementado com as restantes parcelas do seu vencimento) para apresentar o seu pedido de indemnização.
Décima-segunda:
Pedido esse que foi levado à transação (onde foi livremente reduzido), não sendo legal e lícita a acumulação de indemnizações, pois assim acumula mais que um direito de indemnização, por virtude do mesmo acidente, e em relação ao mesmo dano concreto.
Décima-terceira:
A douta decisão sob recurso violou as seguintes normas:
Regime da Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, artigo 17º; Código de Processo do Trabalho, 151º.
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6. A Ré apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso, assim concluindo:
1- No caso em questão estamos perante duas causas e não uma acção judicial e uma acção judicial em sentido estrito;
2- Não existe aqui uma natureza jurídica diversa já que a requerente pretende o mesmo, ou seja, requer a devolução das quantias pagas;
3- Tendo como base os mesmos sujeitos, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, estamos perante o caso julgado que implica a absolvição da requerida da instância;
4- O acordo de transação celebrado entre a requerida e a companhia de seguros não abrange a requerente;
5- O acordo celebrado não vincula a requerente visto que não se enquadra nos casos específicos consagrados na lei no que respeita à vinculação de terceiros,
6- Não existe também qualquer cumulação de indemnizações pelo mesmo acontecimento mas sim uma complementaridade entre elas;
7- Porquanto, não há qualquer violação dos artigos 17º do regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais e do artigo 151º do Código de Processo do Trabalho.
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7. O Exº. Sr.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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8. Respondeu a Autora a tal parecer.
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9. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II – QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações do recorrente - artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho -, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões a decidir são as seguintes:
- Saber no que concerne ao pedido subsidiário se a decisão proferida a 15/10/2014, a fls. 447 do processo principal, na qual foi indeferida a pretensão da recorrente, constitui caso julgado;
- Saber se deve proceder o pedido principal (declarada a perda do direito à indemnização fixada à ré (e que se encontra a ser suportada pela autora) nos autos de acidente de trabalho apensos, por via da indemnização recebida pela ré no processo de acidente de viação que correu termos no 2º. Juízo do Tribunal Judicial de S. João da Madeira, com o nº. 402/09.7TBSJM) e subsidiário (decretada a suspensão da pensão da ré emergente do acidente de trabalho até que os seus virtuais pagamentos esgotem os 110.000,00 €).
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III – FUNDAMENTOS
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1. ESTÃO PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
1) No âmbito do Processo Principal, nº 289/08.7TTOAZ, foi proferida sentença no dia 29 de Abril de 2011, objeto de reforma a 4 de Janeiro de 2012, ficando em suma decidido o seguinte:
a) que a sinistrada (aqui Requerente), em consequência do acidente de trabalho em apreço nos presentes autos [no dia 27/04/2007, quando foi atropelada em deslocação de casa para o local de trabalho], sofreu uma desvalorização de 51,55% e é portadora de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;
b) foi condenada a responsável D…, Companhia de Seguros, S.A. a pagar à sinistrada uma pensão anual de € 3.715,09, a calcular de acordo com as regras constantes da Portaria nº 11/2000, de 13/01, com vencimento em 15/10/2009;
c) foi condenada a responsável aqui Requerente a pagar à sinistrada uma pensão anual de € 437,85, a calcular nos mesmos termos [pensão que se reporta à parte não transferida da remuneração - € 726,00, correspondente ao subsídio de alimentação];
d) foi condenada a «D…» a pagar à Sinistrada a quantia de € 12,00 a título de despesas de deslocações a Tribunal; e) foi condenada a aqui Requerente a pagar à Sinistrada a quantia de € 1.270,50 a título de diferenças indemnizatórias pelo período de incapacidade temporária;
e) foi condenada a «D…» a pagar à Sinistrada a quantia de € 5.400,00 a título de subsídio de elevada incapacidade;
f) foram condenadas ambas as responsáveis a pagarem à Sinistrada juros de mora à taxa legal sobre as quantias em que são condenadas, contados desde a data da alta e até efetivo e integral pagamento (cfr. fls. 358 a 361 e 372 a 376 do Processo Principal, aqui dadas por reproduzidas).
2) No âmbito da Acção Ordinária nº 402/09.7TBSJM, que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal de São João da Madeira, entre a aqui Requerida, como autora, e a D…, Companhia de Seguros, S.A., como ré, foi homologada transação lavrada no dia 7 de Novembro de 2013, da qual fizeram parte os seguintes dizeres:
«1ª A Autora reduz o pedido à quantia de 110.000,00 € (cento e dez mil euros), com a qual se considera integralmente ressarcida de todos os danos morais e patrimoniais presentes e futuros decorrentes do sinistro dos autos;
2ª Com a presente quantia a Autora [aqui Requerida] igualmente dá quitação à aqui Ré de todas as quantias que esta lhe viria a pagar no processo 289/08.7TTOAZ, a correr termos no Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis, considerando-se igualmente ressarcida de todas as quantias que lhe seriam devidas pela aqui Ré no referido processo do Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis em virtude do sinistro dos autos, devendo o mesmo processo quanto à D… ser extinto;
3ª A quantia supra referida será paga pela Ré através de cheque contra recibo a enviar para o escritório do ilustre mandatário da Autora, no prazo de 30 dias; 4ª As custas em dívida serão pagas a meias e em partes iguais, prescindindo ambos de custas de parte e procuradoria na parte disponível» (cfr. fls. 408 a 410, aqui dadas por reproduzidas).
3) Chegada certidão da sentença homologatória referida em 2) ao Processo Principal, foi aí proferido despacho a 4 de Fevereiro de 2014, do qual constam os seguintes dizeres:
«Considerando que:
a) A D…, Companhia de Seguros, SA, aqui ré, foi condenada por sentença transitada em julgado, a pagar à sinistrada, além de montantes já vencidos e pagos, uma pensão anual e vitalícia;
b) Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecidos no Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais previsto na Lei 98/2009 de 04 de Setembro são "inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis" nos termos do artigo 78º do referido Diploma; e
c) É nula qualquer convenção que contrarie os direitos ou garantias estabelecidos nessa lei, como previsto no seu artigo 12º, entendo, salvo o devido respeito, que a transação celebrada nos autos com o número 402/09.7 TBSJM, poderá enfermar de nulidade.
Em conformidade, ordeno que se extraia cópia deste despacho e se remeta aos serviços do Ministério Público de São João da Madeira para que o mesmo envide esforços no sentido da declaração de nulidade e eventual retificação/alteração dos termos da referida transação de modo que não fira as normas imperativas acima citadas.
Respeitosamente, sugiro que a nova redação da transação a efetuar tenha em conta o disposto no artigo 17º, números 2 e 3 do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais previsto na Lei 98/2009 de 04 de Setembro e a natureza vitalícia da pensão em que a Ré foi condenada, isto é, que a sua redação acautele/exclua as pensões que venham a vencer-se após esgotado o valor ali acordado pagar. Ou, doutro modo, sugere-se que se tenha presente que, sendo o acidente simultaneamente de trabalho e de viação, e tendo a sinistrada recebido indemnização da entidade responsável pela reparação do acidente de viação, a seguradora responsável pela reparação do acidente de trabalho tem direito de ser desonerada do pagamento das pensões que se forem vencendo, mas apenas enquanto o montante das mesmas couber no montante que a sinistrada recebeu, e apenas dentro desse limite. Notifique.» (cfr. fls. 413 e 414 do Processo Principal)
4) Nessa sequência, veio a ser lavrada nova transação homologada, também entre as aí Autora e Ré, no dia 20 de Março de 2014, na identificada Acção ordinária nº 402/09.7TBSJM, nos seguintes termos: «1º Conforme resulta da transação, na cláusula primeira, a R. obrigou-se ao pagamento global da quantia de € 110.000,00, que a A. já recebeu, sendo que o valor a indemnizar se referiu a danos patrimoniais e morais, discriminados da seguinte forma: a) a título de danos patrimoniais, a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros); b) a título de danos morais, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
2º Paralelamente a esta acção e conforme resulta da transação, corre termos acção no Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis, sob o nº 289/08.7TAOAZ.
3º Para efeitos do artigo 17º, nºs 2 e 3 do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, previsto na Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, o valor atribuído de € 100.000,00 (cem mil euros) à A. a título de danos patrimoniais, deverá ser contabilizado como indemnização arbitrada à sinistrada a título de indemnização por acidente de trabalho.
4º Deverá desta forma, a obrigação de pagamento de pensão decorrente de acidente de trabalho supra identificado, manter-se suspenso quanto à aqui R., companhia de seguros, até o respetivo montante global, atentas as sucessivas atualizações anuais, atingir o montante agora acordado a título de danos de natureza patrimonial, nos termos do nº 3, do artigo 17º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
5º A A. [aqui Requerida] declara já ter recebido a quantia acordada, nada mais tendo a haver da R. sem prejuízo do disposto no artigo 17º, nº 3 da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, nos termos da cláusula anterior. 6º Todas as demais cláusulas mantêm-se, tal como se encontravam na mencionada transação, tendo aliás transitado, passando a valer as agora aditadas.» (cfr. fls. 417 a 419, aqui dadas por reproduzidas)
5) A aqui recorrente no dia 03 de Julho de 2014 nos autos principais apresentou o seguinte requerimento:
“B…, Lda., na ação emergente de acidente de trabalho, à margem referenciada, em que é sinistrada C…, em face dos documentos juntos aos autos designadamente da transação realizada no processo nº 402/09.7TBSJM, que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de S. João da Madeira, vem expor e requerer:
1- Conforme resulta dos autos, a sinistrada intentou o processo nº 402/09.7TBSJM, contra a D… – Companhia de Seguros, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização.
2- Na petição a sinistrada inclui no cálculo do seu pedido o valor do subsídio de refeição.
3- Esta ação terminou com a transação junta aos autos, tendo a sinistrada recebido a competente indemnização.
4- A sinistrada já tinha contudo recebido da aqui requerente (sua entidade patronal) as quantias fixadas por douta sentença proferida nos presentes autos.
5- A sinistrada não pode receber as mesmas quantias por duas vezes.
6- Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 17º do Regime da Reparação de Acidentes de Trabalho e doenças Profissionais, a entidade patronal fica desonerada das obrigações decorrentes do acidente dos autos e tem direito a ser reembolsada pela sinistrada das quantias que tiver pago ou despendido.
7- Em face do exposto deve a sinistrada devolver à aqui requerente as quantias que recebeu desta.
8- Deve ainda ser ordenado que a requerente fica desonerada das obrigações decorrentes do acidente dos autos, designadamente no que respeita ao pagamento da pensão e sucessivas atualizações anuais.
Se assim, não for de entender,
9- Deve a pensão manter-se suspensa quanto à aqui requerente até ao limite fixado no nº 3 do artigo 17º do Regime da Reparação de Acidentes de Trabalho e doenças Profissionais.
6)- Notificada do requerimento que antecede, a aqui Ré nestes autos (sinistrada) pugna pelo indeferimento do requerido.
7)- Em 15/10/2014 foi proferido o seguinte despacho:
“ Fls. 420 e seguintes: a transação havida (fls. 408 a 410 e 416 a 419) regula os interesses dos nela intervenientes, apenas a estes vincula e de entre eles não figura a ora requerente Entidade Patronal – primeiro ponto.
Segundo ponto: da leitura da assinalada transação percebe-se que os intervenientes tiveram precisamente em vista o litígio que dividia a Autora e a Entidade Seguradora, aí se não cuidando do litígio entre a Autora e a Entidade Patronal.
Atento o que antecede, e com o sempre devido respeito o dizemos, a pretensão da requerente Entidade Patronal é destituída de fundamento.
Face ao exposto, decidimos indeferir o requerido.
Notifique.”
8) - Tal despacho foi notificado aos mandatários via citius em 16/10/2014.
◊◊◊
2. Cabe, então, resolver as questões que nos foram trazidas pela recorrente.
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2.1. SABER NO QUE CONCERNE AO PEDIDO SUBSIDIÁRIO SE A DECISÃO PROFERIDA A 15/10/2014, A FLS. 447 DO PROCESSO PRINCIPAL, NA QUAL FOI INDEFERIDA A PRETENSÃO DA RECORRENTE, CONSTITUI CASO JULGADO

A primeira questão suscitada pela recorrente refere-se à inexistência de caso julgado no que concerne ao pedido subsidiário e à decisão proferida a 15/10/2014, a fls. 447 do processo principal, na qual foi indeferida a sua pretensão. Refere em defesa da sua tese, em termos resumidos, que a mera apresentação de um requerimento num processo judicial, suscitando uma questão para apreciação, não é suscetível de ser colocada no mesmo plano relativamente a pedido em ação judicial, para efeitos de conduzir à ocorrência de caso julgado.
Vejamos.
Segundo o nº 1 do artigo 580º do Código de Processo Civil[1],”[a]s exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado”.
“Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior” – nº 2 do mesmo artigo.

De acordo com o artigo 581º do mesmo diploma legal:
“1 — Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 — Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 — Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 — Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”

A litispendência e o caso julgado são exceções dilatórias de conhecimento oficioso do tribunal, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa e dando lugar à absolvição da instância – artigos 576º, nº 2, 577, alínea i) e 578º.
Da conjugação destes normativos resulta que a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso, desde que em ambas se verifique uma tripla identidade.
E, como vimos, repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica[2], identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende o mesmo efeito jurídico, e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico – artigo 581º do CPC.
Por outro lado, a exceção de caso julgado tem por finalidade evitar que o tribunal, duplicando as decisões sobre o mesmo objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior – artigo 580º, nº 2 do CPC –, pressupondo, assim, que o pedido já fora anteriormente submetido à apreciação do tribunal e que, sobre o mesmo, recaíra uma decisão já transitada em julgado. Significa isto que, para a verificação desta exceção de caso julgado, o que importa é que a segunda acção seja instaurada para exercer o mesmo direito que se exerceu através da primeira[3].
Todavia, a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado. Pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade de caso julgado tem apenas o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito[4].

Dispõe o artigo 619º, nº 1 do CPC que «[t]ransitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.»
Já o artigo 621º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe ”Alcance do caso julgado”, determina que «[a] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga[…]».
Estes normativos aludem ao caso julgado material, isto é, atribuído à decisão transitada em julgado que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial – artigo 628º do CPC.
O caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa[5].
A primeira daquelas funções, ou seja, a função positiva, é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida mediante a exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artigo 580º nº 2 do C.P.C.).
Podemos, pois, afirmar que a autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a exceção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica[6].
Assim, enquanto a exceção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tripla identidade a que se refere o artigo 581º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode atuar independentemente da verificação de tais requisitos[7], implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar ou discutir certa questão[8].

A distinção entre exceção de caso julgado e autoridade de caso julgado é feita pelo Prof. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[9] da seguinte forma: “A exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”. E mais à frente:“ verifica-se que o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objeto da acção subsequente é dependente do objeto da acção anterior, ou como exceção de caso julgado, quando o objeto da acção posterior é idêntico ao objeto da acção antecedente.
Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu especto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”[10].
Também o Prof. JOSÉ LEBRE DE FREITAS [11] acentua que “pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.
Além do mais, acrescentaremos, que a autoridade do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado[12].
Seguindo os ensinamentos do Prof. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[13] “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.»

Recolhidos e expostos estes ensinamentos revisitemos a decisão recorrida sobre esta questão.
Nela se decidiu pela verificação da exceção de caso julgado no que toca ao pedido formulado pela Requerente a título subsidiário «reconhecida e decretada a suspensão da pensão emergente do acidente de trabalho até que os seus virtuais pagamentos esgotem os 110.000,00 € (cento e dez mil euros)] e a decisão proferida no âmbito do processo principal desencadeada por um requerimento da aqui recorrente.
E tal decisão assentou nos seguintes fundamentos:
“No processo principal a mesma Requerente, invocando a mesma transação judicial que aqui convoca, e no confronto com a mesma Requerida, pede que a pensão seja suspensa até ao limite fixado no art. 17º/3 da Lei nº 98/2009, de 4/09; esse pedido, quanto ao seu efeito prático-jurídico, é rigorosamente o mesmo que nesta acção deduz a título subsidiário (que seja «reconhecida e decretada a suspensão da pensão da Ré emergente do acidente de trabalho até que os seus virtuais pagamentos esgotem os 110.000,00 € por ela já recebidos»).
Os dizeres que a Requerente formula num espaço e noutro não são coincidentes, é certo, mas dirigem-se num mesmo e exato sentido: que a Requerente nada mais tenha a pagar à Requerida até que se esgote o capital por esta recebido da Entidade Seguradora.
Nessa medida, limitada embora, afigura-se-nos irrecusável considerar que se verifica a exceção de caso julgado, posto que temos duas «causas» (a configurada pelo incidente suscitado a fls. 420 e seguintes pela Requerente do Processo Principal, por um lado, e aquela em que se traduz a presente acção, por outro), sendo os mesmos os sujeitos, a causa de pedir e o pedido (cfr. o art. 581º do Código de Processo Civil).
E que assim é basta pensar no seguinte: imagine-se que o despacho proferido a fls. 447 no processo principal tinha deferido a pretensão aí deduzida pela Requerente; será que esta viria nesta acção peticionar, como peticionou, a suspensão da obrigação de pagamento da pensão até ao virtual pagamento dos € 110.000,00?
Decerto que não: a Requerente teria nessas circunstância e medida o seu interesse totalmente satisfeito por despacho transitado em julgado.
A única especificidade da questão, para a qual a Requerente alerta com alguma pertinência, é a que se traduz no facto de apenas termos uma «acção» em sentido estrito, e não propriamente duas.
Este é porém, ao que cremos, um falso problema, a partir do momento em que, quanto ao requerimento introduzido no processo principal, houve, após contraditório, uma apreciação de mérito.
Poderia eventualmente ter sido então suscitado um erro na forma de processo, posto que o meio processual à partida idóneo a lograr o efeito aí pretendido pela Requerente não era o que esta seguiu, mas o que seguiu agora, a saber, a acção a que se refere o art. 151º do Código de Processo do Trabalho.
Todavia, porventura numa lógica de celeridade e simplificação processuais, não foi suscitada e reconhecida a existência de um tal erro na forma de processo, com isso se evitando então uma nova acção sem prejuízo de nenhuma das Partes, o que não significa que a «causa», entendida ela em sentido substantivo e na medida em que se nos apresentava, não tivesse todos os elementos próprios de uma acção como a presente.
Recorde-se: tivesse o acima assinalado despacho deferido a pretensão da Requerente e ter-se-ia tornado desnecessário e inútil formular pedido idêntico na presente acção.
Caso julgado haverá pois no que toca ao pedido subsidiário deduzido na presente acção, nessa medida devendo ocorrer a absolvição da Requerida da instância [arts. 576º/2 e 577º/i) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 1º/2 a) do Código de Processo do Trabalho].»

Adiantamos desde já que concordamos com a solução preconizada, embora com algumas alterações que explicaremos.
No caso em apreço, é manifesto que não estamos perante duas ações na asserção da palavra jurídica.
Também não deixa de ser inequívoco que a aqui recorrente deu entrada em juízo de um requerimento no processo principal em que, com base na transação efetuada pela sinistrada e pela Companhia de Seguros no processo 402/09.7TBSJM, que teve por fundamento o acidente de viação (e de trabalho) de que a primeira foi vítima, pediu que deve a sinistrada devolver à aqui requerente as quantias que recebeu desta; deve ainda ser ordenado que a requerente fica desonerada das obrigações decorrentes do acidente dos autos, designadamente no que respeita ao pagamento da pensão e sucessivas atualizações anuais e, se assim, não for de entender, deve a pensão manter-se suspensa quanto à aqui requerente até ao limite fixado no nº 3 do artigo 17º do Regime da Reparação de Acidentes de Trabalho e doenças Profissionais.
Após audição da sinistrada tal requerimento foi indeferido com o fundamento de que a transação havida regula os interesses dos nela intervenientes, apenas a estes vincula e de entre eles não figura a ora requerente Entidade Patronal e, por outro lado, da leitura da transação percebe-se que os intervenientes tiveram precisamente em vista o litígio que dividia a Autora e a Entidade Seguradora, aí se não cuidando do litígio entre a Autora e a Entidade Patronal.
E também não existem quaisquer dúvidas que na presente ação a recorrente subsidiariamente pediu que deve ser reconhecida e decretada a suspensão da pensão da ré emergente do acidente de trabalho até que os seus virtuais pagamentos esgotem os 110.000,00 € (cento e dez mil euros) por ela já recebidos.

Do confronto destes elementos não nos restam dúvidas que o pedido subsidiário já foi objeto de decisão judicial transitada em julgado. Na verdade, a recorrente através de um requerimento que atravessou no processo principal veio com fundamento na aludida transação pedir que a pensão deve manter-se suspensa quanto à aqui requerente até ao limite fixado no nº 3 do artigo 17º do Regime da Reparação de Acidentes de Trabalho e doenças Profissionais. Fundamentos e pedido que voltou a usar na presente ação.
Bem ou errado, pouco importa agora, o Tribunal tomou uma posição material sobre a questão, julgando-a improcedente. A aqui recorrente conformou-se com essa decisão e não reagiu. Instaurou após a presente ação que em termos jurídico-processuais é o que logo deveria ter feito, uma vez que, conforme resulta do artigo 151º do CPT, o efeito pretendido terá de ser efetuado mediante a presente ação e não através de um requerimento (incidente) no processo principal. Há erro na forma de processo, mas o mesmo não foi suscitado nem oficiosamente reconhecido, tendo, pelo contrário, o tribunal a quo, tomado uma posição material e substancial sobre a questão concreta que uma das partes lhe colocou. Assim, a decisão proferida com base naquele requerimento vinculou as partes no que concerne ao seu objeto, não se podendo vir agora dizer que afinal tal requerimento e decisão nenhum valor têm, pois em termos rigorosos não estamos perante duas ações. Mas não é assim, pois se o Tribunal na altura tivesse dado razão à aqui recorrente tal decisão tinha efeitos imediatos e iria refletir-se na pensão fixada e, certamente, não viria a agora recorrente dizer que a mesma decisão, porque não proferida em ação adequada, não produziu quaisquer efeitos, nada valendo.
Como assinala o Exº Sr.º Procurador-geral Adjunto, no seu parecer, o que aqui está em causa não é a exceção de caso julgado, mas a autoridade de caso julgado. Por isso, é despiciendo vir alegar a inexistência da tríplice identidade a que alude o artigo 581º do CPC, quando o que verdadeiramente está em causa é a salvaguarda da aceitação e dos efeitos da decisão anterior proferida no processo principal e desencadeada pela mesma parte (a aqui recorrente) relativamente aos mesmos pressupostos de facto (causa de pedir) e ao mesmo pedido, ou seja, o objeto da primeira decisão insere-se no objeto da segunda. Assim, permitir nova discussão e apreciação sobre tal objeto poria em causa o já decidido na primeira decisão e a respetiva autoridade derivada do caso julgado, bem como o prestígio dos tribunais e a certeza ou segurança jurídica.
Em suma, a autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artigo 581º do C.P.C., pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida. E não apaga os efeitos da autoridade do caso julgado a decisão material proveniente duma forma processual desadequada ou errónea no que concerne ao requerimento em que os fundamentos e pedidos foram expostos, que nunca foi suscitada por qualquer interveniente processual.
Temos assim por assente que, a decisão proferida no âmbito do processo principal no que concerne ao indeferimento de uma pretensão da aqui recorrente formulada em requerimento autónomo tem autoridade de caso julgado quando a mesma formula a mesma pretensão, com os mesmos fundamentos, numa ação própria.
Por todas estas razões, verificando-se a autoridade de caso julgado no que concerne à questão suscitada, o recurso, nesta parte terá de improceder.
◊◊◊
2.1. SABER SE DEVE PROCEDER O PEDIDO PRINCIPAL (DECLARADA A PERDA DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO FIXADA À RÉ (E QUE SE ENCONTRA A SER SUPORTADA PELA AUTORA) NOS AUTOS DE ACIDENTE DE TRABALHO APENSOS, POR VIA DA INDEMNIZAÇÃO RECEBIDA PELA RÉ NO PROCESSO DE ACIDENTE DE VIAÇÃO QUE CORREU TERMOS NO 2º. JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE S. JOÃO DA MADEIRA, COM O Nº. 402/09.7TBSJM) E SUBSIDIÁRIO (DECRETADA A SUSPENSÃO DA PENSÃO DA RÉ EMERGENTE DO ACIDENTE DE TRABALHO ATÉ QUE OS SEUS VIRTUAIS PAGAMENTOS ESGOTEM OS 110.000,00 €)

Cumpre agora decidir a segunda das questões, ou seja, a recorrente alega que não é meramente o facto de a requerente não ter sido parte na transação concertada entre a recorrida e a companhia de seguros que pode conduzir a excluí-la, sem mais, de invocar e ver atendido interesse legalmente legítimo que decorre, para si, da existência da referida transação, isto porque, adianta, tal transação opera a redução de um pedido onde se declara, por via da transação e precisamente da redução do pedido, ficar a recorrida integralmente ressarcida de todos os danos morais e patrimoniais presentes e futuros decorrentes do sinistro, ficando assim ressarcida de todos os danos resultantes do sinistro não é admissível que cumule mais outra indemnização, por via desse mesmo sinistro e proveniente da sua entidade patronal requerente e aqui recorrente.
Opinião diversa tem a sinistrada, também partilhada pelo Exº Sr.º Procurador-geral Adjunto no seu parecer, para quem o acordo de transação celebrado entre a requerida e a companhia de seguros não abrange a requerente, não vincula a requerente visto que não se enquadra nos casos específicos consagrados na lei no que respeita à vinculação de terceiros.
Ora, se olharmos para a decisão recorrida logo constatamos que também foi este o fundamento da improcedência da pretensão da recorrente, na medida em que a transação havida na Acção Ordinária apenas vincula as partes nela intervenientes, entre os quais não figura a aqui Requerente e ademais, da leitura de tal transação, que os nela intervenientes aí cuidaram precisamente de regular o litígio entre si.
Decidamos, então:
Tendo em conta a data do acidente dos autos – 27 de Abril de 2007 – no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro[14].
O artigo 31º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, sob a epígrafe de “ Acidente originado por outro trabalhador ou terceiros “, refere o seguinte:
“1 - Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral.
2- Se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, esta considera-se desonerada da respetiva obrigação e tem direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.
3 - Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante.
4- A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n.º 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.
5- A entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.”

Dos nºs 2 e 3 deste normativo ressalta o seguinte:
- Se o sinistrado em acidente recebe de terceiro indemnização superior ou inferior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, e esta, se ainda não tiver pago, se considera desonerada da respetiva obrigação no limite do montante pago;
- Se o sinistrado recebe de terceiro indemnização superior ou inferior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, e esta, se já tiver pago, fica com o direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.
Mais se pode concluir que o sinistrado ou seus representantes podem optar por qualquer uma das vias processuais ao seu dispor, ou pelas duas (processo emergente de acidente de trabalho e de indemnização comum).
Contudo, caso receba determinada quantia por uma dessas vias a mesma terá de ser contabilizada ou levada em conta, no montante global indemnizatório a que tinha direito. É o chamado regime de complementaridade das indemnizações, cujo veda a possibilidade de cumulação das mesmas, sob pena de estarmos perante um enriquecimento sem causa, ou perante um injusto locupletamento do sinistrado ou seus beneficiários ou representantes. São assim essas indemnizações complementares no sentido de subsistir a emergente do acidente de trabalho, para além da medida em que venha ser absorvida pela estabelecida nos termos da lei geral.
O que se pretende, no fundo, é apenas ressarcir totalmente o prejuízo sofrido, não permitindo injustos enriquecimentos como sucederia no caso de ser permitida a acumulação das duas indemnizações.
Podemos dizer que é lícita a desoneração das entidades responsáveis pelo acidente de trabalho quando a indemnização arbitrada na acção de acidente de viação ressarciu os mesmos danos cobertos pela pensão por acidente de trabalho.
Diga-se que no que se refere a danos não patrimoniais, percebidos pela aqui recorrida no âmbito da acção de responsabilidade civil emergente do acidente de viação, os mesmos estão excluídos para efeitos de desoneração, uma vez que, por regra, no domínio infortunístico laboral tais danos não são indemnizáveis (cf. artigos 17º a 24º da LAT). Nem, diga-se desde já, a aqui recorrente pretende a desoneração com base nesses danos não patrimoniais.
A questão apenas é ou poderá ser colocada no que se refere à quantia de € 100.000,000 que as partes intervenientes na transação efetuada na Acção ordinária nº 402/09.7TBSJM (sinistrada e Companhia de Seguros) reportaram aos danos patrimoniais, cuja deverá ser contabilizada como indemnização arbitrada à sinistrada a título de indemnização por acidente de trabalho.
À primeira vista nada impediria a procedência da pretensão da aqui recorrente, uma vez que as partes discriminaram duas quantias, sendo uma referente a danos não patrimoniais e outra a danos patrimoniais. Tendo, no que concerne a estes últimos, mencionado que tal montante «deverá ser contabilizado como indemnização arbitrada à sinistrada a título de indemnização por acidente de trabalho». Todavia, deveremos atender que estamos perante uma transação e, como tal, haverá que indagar e interpretar as respetivas cláusulas.
Ora, conforme se exarou no Acórdão desta Relação de 28/03/2001[15] «[a] transação lavrada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, consubstanciando um negócio jurídico efetivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita.
Ao homologar tal acordo o Juiz, nos termos do disposto no art.º 300.º, n.º 3, do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade do objeto desse contrato e a verificar a qualidade do objeto desse contrato e a verificar a qualidade das pessoas que contrataram, sendo a sua presença exigida apenas para atribuir ao negócio celebrado uma função jurisdicional, dando-lhe força executiva. Não toma o Juiz posição acerca do negócio acordado, ficando de fora do sentido e alcance do acordo celebrado.
Sendo assim, todas as dúvidas que eventualmente acabem por surgir na determinação do conteúdo das declarações de vontade exaradas na transação terão de ser esclarecidas com recurso aos critérios legais de interpretação referentes aos negócios jurídicos adiantados pelo disposto no artigo 236.º, n.º1, do Cód. Civil, que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário, apenas com esta limitação: - para que tal sentido possa valer é preciso que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este possa razoavelmente contar com ele (art.º 236º, n.º1, in fine, do C.C.).
Em cumprimento desta imposição legal tem o julgador de ter em conta que a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição de real declaratário, lhe atribuiria; considera-se real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efetivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável (Prof. Mota Pinto; Teoria Geral do Direito Civil; pág. 419); e a normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante (Prof. Pires de Lima e Antunes Varela; Cód. Civil Anot.; Vol. I; pág. 153).
Salientemos a este propósito que o homem normal e médio que vamos colocar na posição de real declaratário não é um qualquer leigo em matéria de direito civil. No processo as partes são representadas por distintos advogados, profissionais do foro que, demonstrando cuidadoso empenho e elevado saber técnico-jurídico, respondem aos legítimos anseios dos seus constituintes, esclarecendo-os sobre os direitos de que desfrutam e das obrigações que sobre eles impendem.
Desde que o processo se inicia – e muitas vezes mesmo na fase prejudicial - até à sua ultimação é percorrido, na generalidade dos casos, um longo caminho e através do qual se antolham êxitos e fracassos. A transação judicial surge como uma forma de pôr termo ao litígio judicial, com cedências mútuas, formalizadas com a assunção expressa de determinadas obrigações por uma ou ambas as partes.
Neste contexto, os termos a dar à redação que concretiza estas obrigações têm sempre por detrás de si a autoridade dos Ex.mos advogados patrocinadores da causa; e só atendendo a este enquadramento se poderá indagar o alcance e a dimensão da declaração feita e, deste modo, apreender a real vontade das partes no sentido de se saber como e até onde é que estas pretenderam vincular-se.»

No caso, a sinistrada e a companhia de seguros acordaram no âmbito da transação efetuada na Acção Ordinária nº 402/09.7TBSJM, que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal de São João da Madeira, entre a aqui Requerida, o seguinte:
«1ª A Autora reduz o pedido à quantia de 110.000,00 € (cento e dez mil euros), com a qual se considera integralmente ressarcida de todos os danos morais e patrimoniais presentes e futuros decorrentes do sinistro dos autos;
2ª Com a presente quantia a Autora [aqui Requerida] igualmente dá quitação à aqui Ré de todas as quantias que esta lhe viria a pagar no processo 289/08.7TTOAZ, a correr termos no Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis, considerando-se igualmente ressarcida de todas as quantias que lhe seriam devidas pela aqui Ré no referido processo do Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis em virtude do sinistro dos autos, devendo o mesmo processo quanto à D… ser extinto;
3ª A quantia supra referida será paga pela Ré através de cheque contra recibo a enviar para o escritório do ilustre mandatário da Autora, no prazo de 30 dias; 4ª As custas em dívida serão pagas a meias e em partes iguais, prescindindo ambos de custas de parte e procuradoria na parte disponível».
Mais tarde aditaram que:
«1º Conforme resulta da transação, na cláusula primeira, a R. obrigou-se ao pagamento global da quantia de € 110.000,00, que a A. já recebeu, sendo que o valor a indemnizar se referiu a danos patrimoniais e morais, discriminados da seguinte forma: a) a título de danos patrimoniais, a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros); b) a título de danos morais, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
2º Paralelamente a esta acção e conforme resulta da transação, corre termos acção no Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis, sob o nº 289/08.7TAOAZ.
3º Para efeitos do artigo 17º, nºs 2 e 3 do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, previsto na Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, o valor atribuído de € 100.000,00 (cem mil euros) à A. a título de danos patrimoniais, deverá ser contabilizado como indemnização arbitrada à sinistrada a título de indemnização por acidente de trabalho.
4º Deverá desta forma, a obrigação de pagamento de pensão decorrente de acidente de trabalho supra identificado, manter-se suspenso quanto à aqui R., companhia de seguros, até o respetivo montante global, atentas as sucessivas atualizações anuais, atingir o montante agora acordado a título de danos de natureza patrimonial, nos termos do nº 3, do artigo 17º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
5º A A. [aqui Requerida] declara já ter recebido a quantia acordada, nada mais tendo a haver da R. sem prejuízo do disposto no artigo 17º, nº 3 da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, nos termos da cláusula anterior. 6º Todas as demais cláusulas mantêm-se, tal como se encontravam na mencionada transação, tendo aliás transitado, passando a valer as agora aditadas.»

Da interpretação destas cláusulas resulta com a necessária segurança, nas palavras do Exº Sr.º Procurador-geral Adjunto, que «a sinistrada, para além de ter apenas pretextado a responsabilidade da seguradora, transigiu com a referida (seguradora) em termos de decidir definitivamente, entre ambas, os respetivos termos e amplitude». E assim é, pois resulta de forma inequívoca que os intervenientes ao transigirem pelos montantes referidos e pela sua imputação indemnizatória a determinados segmentos, apenas o fizerem relativamente à responsabilidade que no processo de acidente de trabalho era imputada à seguradora (aqui reside ou residiu a problemática suscitada, pois se a ré responsável pelos danos derivados do acidente de viação não fosse a mesma responsável pelos danos infortunísticos laborais, a solução da transação teria sido, certamente, outra), excluindo quaisquer outras entidades responsáveis, nomeadamente, a entidade empregadora.
Assim sendo, teremos de secundar a decisão recorrida nesta questão, pelo que julgamos improcedente o recurso também nesta questão.
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3. As custas dos recursos serão a cargo da recorrente [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
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IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Social, em negar provimento ao recurso e, em consequência:
a)- Manter a decisão recorrida;
b) - Condenar a recorrente no pagamento das custas dos recursos [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
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Processado e revisto com recurso a meios informáticos.

Porto, 18 de Janeiro de 2016
António José Ramos
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
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[1] Doravante designado por CPC.
[2] Como se refere no Acórdão do STJ de 09/10/1997, Processo 97B378, in www.dgsi.pt, “O que releva no caso julgado para efeito de identidade de sujeitos não é que as partes sejam fisicamente as mesmas - muito menos que se encontrem na mesma posição de autores e réus - mas que as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, pouco importando que sejam diferentes, fisicamente consideradas”.
[3] A repetição de causas, como já aludimos, é aferida por uma tríplice identidade entre os elementos objetivos e subjetivos que delimitam a instância, exigindo-se, pois, que os sujeitos, a causa de pedir e o pedido sejam idênticos nas duas ações que estejam em causa.
[4] Cfr. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II, pp 770/771.
[5] Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pp.92/93.
[6] Cfr. nesse sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 13/12/2007, Processo 07A3739, Acórdãos da Relação de Guimarães de 17/09/2013 e de 17/12/2013, respetivamente, Processo 307/12.4TCGMR.G1 e 3490/08.0TBBCL.G1, todos in www.dgsi.pt.
[7] Podemos configurar três situações em que ocorre caso julgado independentemente da verificação típica da tríplice identidade.
(i) - O caso julgado abarca o deduzido e o dedutível; ou seja, estão abrangidos pela força do caso julgado todas as alegações e meios de defesa deduzidas, como também as que não foram deduzidas, mas eram dedutíveis, desde que pertinentes para a resolução do litígio. Esta abrangência da força do caso julgado está relacionada com a eficácia preclusiva derivada dessa mesma força. Significa isto que a autoridade do caso julgado abrange não só o que foi efetivamente deduzido, mas, também, o que poderia ter sido deduzido e o não foi. Na segunda acção não pode a parte alegar factos e provas que deveria ter apresentado e alegado na primeira acção, mas, por qualquer razão, o não fez.
“Fala-se do efeito preclusivo do caso julgado para caracterizar esta inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida (…)”[LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, Código de processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2ª Edição, 2001, p. 679], embarcando, assim, o caso julgado, não só o que foi objeto de discussão no processo, mas também tudo aquilo que, a ela respeitando, tivesse o réu o ónus de submeter também à discussão[Cfr. CASTRO MENDES, “Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pp. 178 e segs].
Nas palavras do Prof. MANUEL DE ANDRADE [Noções Elementares, 1979, p. 324]“se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do Autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu”.
(ii) - O caso julgado impede ações de sentido contrário que esvaziem de conteúdo o decidido;
(iii) - O caso julgado implícito (na decisão proferida estão contidas outras decisões que a mesma pressupõe necessariamente, que a maior parte das vezes se reconduzem às outras duas mencionadas, mas que pode ter alguma autonomia).
[7] Nesse sentido Acórdãos do STJ de 13/12/2007 e de 06/03/2008 e de 23/11/2011, respetivamente, Processo 07A3739,08B402 e 644/08.2TBVFR.P1.S1, todos in www.dgsi.pt.
[8] Nesse sentido Acórdãos do STJ de 13/12/2007 e de 06/03/2008 e de 23/11/2011, respetivamente, Processo 07A3739,08B402 e 644/08.2TBVFR.P1.S1, todos in www.dgsi.pt.
[9] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Objeto da Sentença e Caso Julgado Material”, BMJ nº 325, p. 176.
[10] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, obra cit. pp. 178/179.
[11] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, p. 325.
[12] Nesse sentido Acórdãos do STJ de 12/07/2011 e de 23/11/2011, respetivamente, Processo 129/07.4.TBPST.S1 e 644/08.2TBVFR.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt.
[13] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pp 578/579.
[14] Note-se que, embora o acidente dos autos se tenha verificado após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, o que se verificou em 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003), não se aplica o correspondente regime jurídico, cuja aplicação carecia de regulamentação (artigos 3.º, n.º 2, e 21.º, n.º 2, ambos da Lei n.º 99/2003). O mesmo sucede com a Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, cuja entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2010 e apenas se aplica aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor (artigos 187º, nº 1 e 188º).
[15] Processo 0150244, in www.dgsi.pt.
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC.
I – A autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artigo 581º do C.P.C., pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida. E não apaga os efeitos da autoridade do caso julgado a decisão material proveniente duma forma processual desadequada ou errónea no que concerne ao requerimento em que os fundamentos e pedidos foram expostos, que nunca foi suscitada por qualquer interveniente processual.
II – A decisão proferida no âmbito do processo principal no que concerne ao indeferimento de uma pretensão da recorrente formulada em requerimento autónomo tem autoridade de caso julgado quando a mesma formula a mesma pretensão, com os mesmos fundamentos, numa ação própria.
III – Dos nºs 2 e 3 do artigo 31º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, ressalta o seguinte:
- Se o sinistrado em acidente recebe de terceiro indemnização superior ou inferior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, e esta, se ainda não tiver pago, se considera desonerada da respetiva obrigação no limite do montante pago;
- Se o sinistrado recebe de terceiro indemnização superior ou inferior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, e esta, se já tiver pago, fica com o direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.
- O sinistrado ou seus representantes podem optar por qualquer uma das vias processuais ao seu dispor, ou pelas duas (processo emergente de acidente de trabalho e de indemnização comum).
IV – Contudo, caso receba determinada quantia por uma dessas vias a mesma terá de ser contabilizada ou levada em conta, no montante global indemnizatório a que tinha direito. É o chamado regime de complementaridade das indemnizações, cujo veda a possibilidade de cumulação das mesmas, sob pena de estarmos perante um enriquecimento sem causa, ou perante um injusto locupletamento do sinistrado ou seus beneficiários ou representantes. São assim essas indemnizações complementares no sentido de subsistir a emergente do acidente de trabalho, para além da medida em que venha ser absorvida pela estabelecida nos termos da lei geral.
V – O que se pretende, no fundo, é apenas ressarcir totalmente o prejuízo sofrido, não permitindo injustos enriquecimentos como sucederia no caso de ser permitida a acumulação das duas indemnizações.
VI – A transação lavrada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, consubstanciando um negócio jurídico efetivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita.
VII – As dúvidas que eventualmente acabem por surgir na determinação do conteúdo das declarações de vontade exaradas na transação terão de ser esclarecidas com recurso aos critérios legais de interpretação referentes aos negócios jurídicos adiantados pelo disposto no artigo 236.º, n.º1, do Cód. Civil, que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário, apenas com esta limitação: - para que tal sentido possa valer é preciso que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este possa razoavelmente contar com ele (art.º 236º, n.º1, in fine, do C.C.).

António José Ramos